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RESENHAS

Miscelânea —
Resenhas
Edição 175 | Brasil
1 de fevereiro de 2022
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FINDAS LINHAS: CIRCULAÇÕES E CONFINAMENTOS PELOS SUBTERRÂNEOS DE SÃO
PAULO

Fábio Mallart, Etnográfica Press


Muito bem-vindo o novo livro de Fábio Mallart, fruto de sua
pesquisa de doutorado em Sociologia pela USP, sob a
orientação de Vera da Silva Telles e escrito em estreito diálogo
com a renomada antropóloga portuguesa Manuela Ivone Cunha.
A obra vem a público editada pela Etnográfica Press e está
disponível online gratuitamente para todo o mundo
(bit.ly/FindasLinhas), num arranjo editorial inovador, que
coaduna com a natureza desestabilizadora do texto. Entre as
várias questões levantadas pelo autor, não poucas impactam de
maneira profunda alguns de nossos mais bem sedimentados
entendimentos sobre o funcionamento das instituições punitivas,
dos sistemas de assistência e cuidado e de nossa vida urbana
contemporânea.

Em primeiro lugar, Mallart bem demonstra que esses três


elementos estão, de diversas maneiras, profundamente
conectados. Juntos, conformam um grande agenciamento de
precariedade que se divisa “pelo cheiro”.

O autor nos mostra que, mais que segregar e incapacitar os


indesejados de sempre – homens e mulheres negros, jovens,
pobres e periféricos –, esse vasto arranjo organiza sua
dispersão, colocando-os para circular entre distintos territórios.
Esquinas da chamada Cracolândia, vielas de favelas e bairros
periféricos, unidades de internação de adolescentes, centros de
detenção provisória, penitenciárias, manicômios judiciários,
centros de atendimento psicossocial, abrigos e diversas outras
territorialidades conformam um circuito ampliado, capilar e muito
diversificado, mas sempre bem demarcado, que canaliza uma
miríade de corpos até que, por fim, desapareçam.

Mallart nomeia, descreve e analisa a política do definhamento


que se engendra nos mais sórdidos canais e recantos desse
circuito. Tudo isso e muito mais encontramos num texto enxuto
e coeso, que combina, na justa medida, simplicidade e
sofisticação. O vocabulário pode parecer por demais ríspido,
eventualmente até nauseante, mas é esse o mundo que ele
descreve. Assim são os subterrâneos de São Paulo.

 
[Rafael Godoi] Pesquisador de pós-doutorado do Núcleo de
Estudos da Cidadania, Conflito e Violência Urbana da
Universidade Federal do Rio de Janeiro (NECVU-UFRJ) e autor
do livro Fluxos em cadeia: as prisões em São Paulo na virada
dos tempos (Boitempo, 2017).

 
RESISTÊNCIAS E RE-EXISTÊNCIAS: MULHERES, TERRITÓRIO E MEIO AMBIENTE

Elisangela Soldateli Paim (org.), Editora Funilaria e Fundação


Rosa Luxemburgo
Em um contexto de violações e violências, de perda de direitos
e conquistas democráticas, Resistências e re-existências,
escrito por mulheres negras, quilombolas, sem-terra, sem-teto,
feministas, agroecólogas e indigenistas, sem dúvida nos traz um
alento. Organizado pela Fundação Rosa Luxemburgo em
conjunto com a Editora Funilaria e coordenado por Elisangela
Paim, o livro reúne análises fundamentais para
compreendermos o momento, em especial no que se refere à
fragilidade da democracia brasileira e às desigualdades
históricas, estruturais e conjunturais aprofundadas em um
contexto de pandemia sanitária global e de um governo liberal-
autoritário que tem na violência e na falsificação de dados seus
principais métodos de governar.

Os textos da publicação denunciam e superam a naturalização


da criminalização de povos negros e indígenas e de
movimentos sociais, a manutenção de políticas genocidas e o
antiambientalismo autoritário, patriarcal e racista, cujos efeitos
são sentidos de formas diferenciadas. A intensificação das
crises social, econômica, ambiental, política e civilizatória de
profundas proporções que vivenciamos, resultantes do avanço
do sistema capitalista agroextrativista neoliberal e
financeirizado, centrado na dominação da natureza, das
mulheres e de diversos povos, cuja pilhagem resultou nessa
crise sanitária, tem efeitos que estão longe de serem
democráticos e muito menos abstratos: a crise tem gênero, raça
e classe e implicações a longo prazo.

Ao mesmo tempo, essa publicação nos presenteia destacando


as campanhas de solidariedade coordenadas pelos movimentos
e organizações do campo e da cidade, compondo processos de
resistências e re-existências.

[Fabrina Furtado] Professora do Programa de Pós-Graduação


de Ciências Sociais em Desenvolvimento, Agricultura e
Sociedade da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro
(CPDA-UFRRJ).

 
 
INTERNET

Novas narrativas da web


Sites e projetos que merecem seu tempo

Current

Melhor invenção imersiva de não ficção do Festival de Tribeca


2021, Current é uma instalação de áudio feita em Manhattan
para ser ouvida enquanto se caminha pela cidade. “A ideia era
levar as pessoas de volta para as ruas”, diz Annie Saunders,
criadora do projeto. Para escutar o programa, é preciso estar
num lugar específico, numa hora determinada, com o app
instalado, para então receber sons e falas que guiarão você
pela cidade. Foi gravado com microfones ambissônicos capazes
de dar a sensação de ouvir em 360 graus, também chamado de
som 3D. O tema do projeto é o genocídio dos povos indígenas
nos Estados Unidos, uma viagem pelas comunidades que
existiam onde hoje está o centro comercial do planeta.

www.currentsoundwalknyc.com

VR na África

The Subterranean Imprint Archive é um curta-metragem de 15


minutos em realidade virtual que propõe uma viagem a vários
lugares da África, como a mina Shinkolobwe, no Congo, onde
mineradores extraíam material radioativo sem equipamento de
proteção para a construção da bomba atômica Little Boy, que os
Estados Unidos produziram e depois jogaram em Hiroshima. A
visita a esses trabalhadores marca o início de uma jornada para
histórias profundamente enterradas: alternativas às
perspectivas otimistas e pós-coloniais ocidentais. O projeto é
resultado da colaboração entre diversos historiadores de países
africanos e diretores criativos. A pergunta que faz é: qual é o
custo real do progresso?
https://bit.ly/vr-africa

Lithopia

Uma vila num futuro próximo funciona com blockchain e smart


contracts, numa paródia do que poderia ser uma cidade
inteligente em forma de filme. Mas não apenas: os criadores de
Lithopia realmente criaram códigos para os satélites que vigiam
seus moradores e colocaram à disposição na plataforma
GitHub. O projeto tornou-se uma exposição também, mostrando
essa cidade imaginária em que as transações são totalmente
transparentes, mas esteticamente, digamos, problemáticas:
para que os satélites consigam ver e os drones públicos que
funcionam como notários sejam capazes de perceber cada troca
comercial, a moeda de plástico feita numa impressora 3D tem
cerca de 1 metro de diâmetro.

https://bit.ly/lithopy

[Andre Deak] Sócio do Liquid Media Lab, professor de


Jornalismo e Cinema da ESPM, mestre em Teoria da
Comunicação pela ECA-USP e doutorando em Design na FAU-
USP.

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