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Por
Lucas Milhomem
lucasmilhomem@gmail.com
ALE: +49 174 6936630
BRA: +55 61 35412644
NOTA: Qualquer língua usada nos diálogos que não seja o
Português não deverá ser subtitulada ou dublada. De forma
que o roteiro emule a experiência da personagem principal,
Maria, os diálogos em polonês e inglês foram escritos nestas
línguas.
FADE IN:
INT. FUNDO PRETO
MARIA
Tamo chegando?
JOÃO
Adivinha...
MARIA
Não! Deixa aí.
Maria olha com novo fascínio para a paisagem.
MARIA
Polônia....
Maria tira o cinto e vai até o banco do meio para olhar a
paisagem pelo para-brisas. João sorri com o entusiasmo de
Maria.
O comercial que tocava no rádio acaba e a vinheta de um
programa toca. O DJ anuncia a música Chłopcy da banda
polonesa Myslovitz.
MARIA
(Ofegante)
Pronto princesa. Este monstro
nunca mais tentará te matar.
MARIA
Eu não quero pai.
JOÃO
Você que sabe. Mas eu não vou
parar de novo.
MARIA
Vai logo!
João gesticula ansiosamente para que Maria venha. Ele aponta
para algo no bosque.
MARIA
Já falei que não quero fazer
xixi! Vai logo!
João abre a porta do carro.
JOÃO
(Cochichando)
Vem aqui fora ver um negócio.
MARIA
Ver o que?
JOÃO
Shh...
JOÃO
Pega a câmera na minha mochila.
Maria se vira e coloca metade do corpo para dentro do carro
e de lá tira a câmera fotográfica, uma POINT AND SHOOT DE
FILME. Ela anda sorrateiramente em direção ao animal.
JOÃO
Ei, não!
Maria ignora e segue lentamente na direção do bosque.
JOÃO
Não chega muito perto!
Maria sinaliza silêncio ao pai. Com o olho no viewfinder ela
se aproxima bastante da raposa, que a ignora e tira uma
foto. O flash brilha, assustando o animal que sai correndo,
sumindo entre as árvores.
6.
MARIA
Droga de flash.
João ri, acende um cigarro, anda até uma das árvores e
começa a urinar. Maria vai até o pai completamente
indiferente ao fato dele estar urinando.
MARIA
O flash assustou ela.
JOÃO
Ah foi o flash? Achei que
tinha sido a sua cara feia.
MARIA
Ha ha. Só se foi a sua.
MARIA
Pai, deixa eu ir na frente agora?
JOÃO
Que que tem a ver, Maria? Claro
que não.
MARIA
Se você deixar eu faço xixi agora.
JOÃO
Não é assim que funciona. Você
não pode ir na frente. Não tem
negociação. E eu já vou avisando
que eu não vou parar até a gente
abastecer de novo.
MARIA
Então eu vou fazer xixi no carro.
JOÃO
Pode fazer. O carro é
alugado mesmo.
MARIA
Mas se você deixar eu faço xixi
agora.
7.
JOÃO
Não Maria, faz xixi logo.
MARIA
Só até a próxima parada e eu paro
de perguntar se tá chegando.
MARIA
Ah, mas deixa, vai...
João se aproxima do carro, coloca a mão na maçaneta, ele
olha para Maria que sorri dissimulada. João dá uma longa
tragada no cigarro e o joga no chão apagando-o com o pé.
JOÃO
Tá bom, mas só até a próxima
parada.
MARIA
Jura? Yes!!
JOÃO
Ai dona Maria, o que você não me
pede rindo que eu não te faço
chorando?
JOÃO
Caramba, não dá pra entender
nada. Nem uma palavra sequer que
eles falam.
JOA[PLEASEINSERT\PRERENDERUNICODE{ÌČ}INTOPREAMBLE]O
Mm... (nova pergunta em chiado)
Os dois começam um diálogo em linguagem de CHIADO. Maria
responde com mais chiados. João reage surpreso com a
resposta e pergunta outra coisa. A nova resposta de Maria o
deixa mais surpreso ainda. Maria esclarece algo que não
estava claro e João responde que agora sim ele entendeu. Os
dois riem juntos.
Silêncio entre os dois. No rádio o talk show continua.
MARIA
Você nunca aprendeu polonês?
JOÃO
Não.
MARIA
Por quê?
JOÃO
Sua mãe não queria falar de jeito
nenhum. Ela queria aprender
português.
MARIA
E ela aprendeu né?
9.
JOÃO
Sim. No começo era bem difícil, mas
ela pegou o jeito rápido e depois
já tava falando quase fluentemente.
MARIA
Ah, aprendendo com professor de
português fica fácil.
João ri.
JOA[PLEASEINSERT\PRERENDERUNICODE{ÌČ}INTOPREAMBLE]O
Na e´poca eu na˜o sabia ainda que
ia virar professor. Mas eu ensinei
quase tudo pra ela.
MARIA
Como?
JOA˜O
Falando, repetindo, mímica. Mas
era mais fácil do que dar aula pra
adolescente. O problema é que no
começo ela tinha vergonha de falar
com outras pessoas.
MARIA
E como ela fazia?
JOÃO
Era quase sempre com mímica.
João imita alguém com fome. Ele aponta para a boca aberta e
passa a mão na barriga. Maria ri. João faz uma mímica de
quem está cansado, boceja e espreguiça. Maria ri mais.
MARIA
E quando ela queria ir para
a praia?
JOÃO
Essa foi uma das primeiras palavras
que ela aprendeu. Praia.(imitando o
sotaque polonês) João, praia, por
favor.
MARIA
(Imitando a imitação de João)
João, praia, por favor.
Os dois riem
10.
JOÃO
Mas aí quando não dava mesmo
ela tentava juntar o português com
o inglês e com o polonês. (beat) Eu
lembro que tinham algumas palavras
que em polonês eram iguais ao
português.
MARIA
Tipo quais?
JOÃO
Mm... Deixa eu ver. Tinham algumas
mas eu so´ lembro de ’presente’
e... (tenta se lembrar) Acho que
’cebola’ era igual também.
MARIA
Hahaha Cebola? Legal! (para si
mesma) Presente e cebola.
Os dois voltam a atenção para o talk-show que continua ao
fundo.
JOÃO
Da próxima vez que você quiser
reclamar que português é díficil...
João aponta para o rádio.
JOÃO
...pensa que pelo menos você não
tem que aprender polonês.
MARIA
Mas eu quero aprender polonês
também.
JOÃO
Ha ha, boa sorte.
MARIA
Já sei falar presente e cebola!
Os dois voltam a atenção para o rádio novamente. O talk-show
vai para o comercial.
JOÃO
Não aguento mais ouvir isso.
João desliga o rádio.
11.
MARIA
Pai, eu tô com fome.
JOÃO
Ei, lembra do nosso acordo?
MARIA
Eu não perguntei. Você que falou.
JOÃO
Mas não reclama também. Enfim,
vamos parar numa dessas vilas no
caminho e comer comida de verdade.
Depois a gente segue viagem. E aí o
nosso acordo acaba também.
MARIA
Ah não pai, pode deixar. O
sanduíche nem tá tão ruim assim,
olha...
Maria morde o sanduíche com sofrimento, forçando um sorriso
enquanto mastiga.
JOÃO
Aiai dona Maria, você é uma figura
mesmo, viu? Pega o mapa e olha qual
a cidade mais perto.
12.
MARIA
Ah não pai.
JOÃO
Ué, se quiser sentar na frente tem
que ser copiloto então.
JOÃO (O.S.)
Res-tau-raque-ja. Isso só pode ser
restaurante né?
JOÃO
Eu já me decidi.
Maria olha incrédula para João.
JOÃO
Eu vou querer um delicioso (lendo
como se fosse em português) Barszcz
czerwony z kołdunami.
GARÇONETE
Czego by pan si˛
e napił?
Maria e João apenas olham para Garçonete como se a qualquer
momento ela fosse traduzir. A Garçonete os olha como se a
qualquer momento eles a entederão.
Silêncio constrangedor.
A garçonete volta rapidamente até o balcão, conversa algo
com a Senhora Acima do Peso e volta a curtos passos
apressados.
GARÇONETE
Drink?
JOÃO
Ah sim! Bebida. Que que você vai
querer filha?
MARIA
(Para a Garçonete)
Um suco de laranja, por favor.
GARÇONETE
Ah, sok pomarańczowy.
MARIA
Isso. (Repetindo com sotaque
brasileiro) Sok pomarańczowy. Por
favor.
A Garçonete anota e vai até o balcão passando o pedido para
dona que faz sinal de negativo com o dedo. A Garçonete volta
rápido à mesa.
GARÇONETE
Nie ma soku pomarańczowego. Przykro
mi!
A garçonete imita a mímica de Maria bebendo e depois acena
negativamente com o dedo indicador.
GARÇONETE
Cola?
MARIA
(Desapontada)
Sim.
GARÇONETE
Tak?
MARIA
(Confusa)
Tak?
A Garçonete faz positivo com o dedão e aponta para ele com a
outra mão.
GARÇONETE
Tak.
A garçonete vira o dedão para baixo e aponta novamente com a
outra mão.
GARÇONETE
Nie.
Ela gira o punho de negativo para positivo e vice-versa.
GARÇONETE
Tak. Nie.
Maria imita o movimento.
16.
MARIA
Tak. Nie.
João também imita.
JOÃO
Tak. Nie.
A Garçonete se retira tímida por sua momentânea
espontaneidade.
JOÃO
Eu até me lembro da sua mãe falando
tak toda hora.
A Garçonete volta com duas LATAS DE COCA-COLA e dois COPOS.
Ela as abre, serve dois copos e os coloca sobre a mesa.
GARÇONETE
Co życza˛ sobie Państwo do jedzenia?
A garçonete faz uma mímica dando uma garfada e colocando na
boca.
JOÃO
Maria, o que que aquele casal ali
tá comendo?
Maria se ajoelha na cadeira e espicha o pescoço para espiar
o prato do Casal de Idosos.
MARIA
É uma carne com... eu acho que
batatas e um troço estranho roxo.
MARIA
Eco, mas eu nem sei que que é esse
roxo.
João aponta para os pratos do Casal e depois repete a mímica
de comer que a garçonete havia feito.
GARÇONETE
Kotlet schabowy z ziemniakami i
czerwona˛ kapusta.
˛
17.
JOÃO
(Tentando repetir)
Kotlet schabowy z ziemniakami i
czerwona˛ kapusta.
˛
A Garçonete ri discretamente.
MARIA
É Tak, Pai.
JOÃO
Então tá decidido.
João olha para Maria esperando sua aprovação. A menina só
mostra a língua com cara de nojo e dá de ombros. João dá um
sorriso e lança uma piscadela para a Garçonete que ignora a
tentativa de flerte de João e anota os pedidos. Maria abaixa
a cabeça envergonhada e a Garçonete sai sem levantar os
olhos do bloquinho.
EXT. VILA #1/ PARQUE - DIA
MARIA
Aquela garçonete era parecida com a
mamãe, né?
JOÃO
Não muito.
MARIA
Mas era loira igual a mamãe.
JOÃO
Sim, mas diferente. Sua mãe era bem
mais alta e o sorriso era
completamente diferente também.
MARIA
Mas ela era bonita né?
JOÃO
Quem? A garçonete ou a sua mãe?
MARIA
Minha mãe.
MARIA
Mas só dela grávida.
Maria joga a grama coletada pra cima fazendo chover sobre
sua própria cabeça.
JOÃO
Sua mãe era muito bonita. (beat)
Linda. De verdade. Sorriso
inconfundível igualzinho ao seu.
Todo mundo olhava pra ela.
MARIA
E ela foi casar logo com um ogro
feioso.
Maria ri. João abre os olhos.
JOÃO
(Sério)
Filha...
19.
MARIA
Tô brincando pai, você é lindo.
(beat) Tá bom, tudo isso também
não. Você é bonitinho.
JOÃO
Ué, a gente nunca casou.
MARIA
Vocês iam casar depois que eu
nascesse então?
JOÃO
Eu gostava muito dela.
MARIA
Mas não amava?
JOÃO
Eu amo você. Com ela era diferente.
MARIA
Mas eu gostaria que meus pais
fossem casados igual os dos meus
amigos.
JOÃO
Mas os pais dos seus amigos às
vezes se separam e isso pode ser
20.
JOÃO
muito ruim. Para os filhos e para
os pais.
João joga o cigarro no chão e apaga com o pé. Ele pega a mão
de Maria.
JOÃO
Vem, vamos pegar a estrada de novo.
JOÃO
Ué, que que você quer que eu faça?
Tá vendo alguma lata de lixo por
aqui?
Eles olham ao redor e notam a Garçonete passando de
bicicleta. Ela acena para os dois. João acena de volta e
Maria apenas olha. João pega a mão de Maria e os dois vão
andando na direção oposta. Maria se vira e acena para a
Garçonete que vai se distanciando e já não a vê.
INT. CARRO DE JOÃO - DIA
JOÃO
Maria, eu só tô fingindo que essa
não foi a nossa parada. Mas você
também tem que fingir que nosso
acordo ainda tá valendo.
MARIA
Você é muito chato.
João desacelera o carro no acostamento até parar mas não
desliga o motor. Com uma expressão séria e sem tirar os
olhos da rua ele aponta para o banco de trás.
MARIA
Ah não pai, por favor.
JOÃO
Agora!
Maria joga o monstro de pelúcia no painel, tira o cinto e
passa para o banco de trás por entre os bancos da frente.
MARIA
Me dá o monstrengo.
João pega o monstro do painel e dá para Maria.
JOÃO
Coloca o cinto.
JOÃO
Fala Maria.
MARIA
Falta muito?
MARIA
Então depois de "O" e´ "P".
JOÃO
Polônia.
MARIA
Ei, não vale. Eu ia falar Polônia.
JOÃO
Então fala outro.
23.
MARIA
Mas com "P" eu não sei.
JOÃO
Portugal.
MARIA
Ei, para!
Uma ambulância ultrapassa o carro deles em alta velocidade
com a sirene ligada. João se ajeita no banco aumentando a
atenção. Maria assiste a ambulância se distanciando junto
com o som da sirene distorcido pelo efeito doppler.
JOÃO
Você tá de cinto né?
JOÃO
Então vai lá, fala algum país com a
letra "P".
MARIA
Mas eu quero falar Polônia.
João ri.
JOÃO
Então tá bom.
MARIA
Eba! Sua vez então.
JOÃO
Mm... deixa eu ver. Peru, Paraguai,
Porto Rico...
MARIA
Ei, não vale!
JOÃO
(Sem olhar para Maria.)
Peraí, Maria. Então primeiro reto e
depois esquerda. E daí?
JANUSZ
Tak, w lewo, w prawo. (apontando
para a esquerda depois para a
direita)
João suspira confuso.
JOÃO
Então esquerda primeiro depois
direita?
Maria solta a mão de João e anda até uma loja de flores ao
lado do mercadinho. Um senhor está podando uma rosa. Ele é
25.
MARIA
A gente chegou, né pai? Aqui que é
a cidade da mamãe.
JOÃO
Bem, é uma vila né. Mas sim,
chegamos. Agora a gente tem que
achar a casa.
Ignacy os observa a distância.
MARIUSZ
(Amistosamente)
Cześć!
OLA
(Amistosamente)
Cześć!
Maria os encara confusa. Os gêmeos dão risadinhas.
OLA
Cześć!
MARIA
(Insegura)
Cześć...
JOÃO (O.S.)
Vem filha, acho que é por aqui.
Maria acena um adeus aos dois irmãos que acenam de volta
entre risadinhas.
OLA E MARIUSZ
Pa!
Maria vai correndo até o pai que já vai descendo a rua.
MARIA
(Para si mesma)
Cześć e Pa.
EXT. RUA "UL. MIODOWA"/ CASA DE ANASTAZJA - DIA
MARIA
Espera aí pai.
JOÃO
Que foi Maria?
Maria faz que sim com a cabeça. João abre um sorriso terno.
JOÃO
Eu também. (beat) É normal. Mas
você queria vir, não é?
MARIA
Eu também te amo, pai.
João se levanta e Maria toma a frente andando em direção a
porta. João aponta para a campainha e Maria a aperta. O som
da campainha ecoa pela casa e Maria chega bem perto das
pernas de João. Maria levanta a mão para apertar o botão
novamente e João segura o braço dele. João coloca o ouvido
contra a porta. Maria solta o braço que João está segurando
e toca a campainha de novo.
JOÃO
Calma aí! Deixa eu pensar aqui.
(beat) Vamos perguntar no vizinho
se eles sabem cadê ela.
Os dois andam até a casa vizinha.
EXT. RUA "UL. MIODOWA"/ CASA DE ANNA - DIA
JOÃO
(Improvisando)
Ah... Hello... Excuse me... Your
neighbor from house seven.
Anastazja.
ANNA
(Bem alto)
Przepraszam, czy mógłby Pan mówić
głośniej? Jestem już stara i prawie
głucha.
Anna vira o ouvido para João, fazendo uma concha com a mão
ao redor e chegando desconfortavelmente perto de seu rosto.
JOÃO
(Quase gritando)
Anastazja. Sua vizinha.
A-NAS-TA-SI-A (ênfase em AnastaSIa)
Anna olha para Maria que força um sorriso educado. Algo
estala em Anna, talvez ela tenha reconhecido o sorriso de
Maria ou talvez entendido João.
ANNA
Ahh! Anastazja (ênfase em
AnastAHzja) Prosz˛
e wejść.
Anna abre a porta completamente e entra em casa convidando
Maria e João com um aceno. Os dois se olham em dúvida. João
aponta para que Maria entre primeiro, Maria balança a cabeça
e aponta para que João vá primeiro. Ele hesita mas dá o
primeiro passo. Maria segue colada em sua perna.
29.
JOÃO
Então, tchau e...
Ele olha para o cesto.
JOÃO (CONT.)
Obrigado.
MARIA
(Apressada e dissimulada)
Sim. Muito obrigada. Pa.
JOÃO
É vem, você tá cansada e eu também.
João pega Maria no colo e ela automaticamente coloca os
braços em volta do pescoço do pai. João se agacha, pega a
cesta com os ovos e segue descendo a rua.
JOÃO
Mas a gente não sabe se esse é o
cemitério que ela tá.
MARIA
Mas e se for?
JOÃO
Ainda assim a gente não sabe onde
tá o túmulo dela.
MARIA
Mas a gente pode procurar.
João para o carro, deixando o motor ligado. Ele se vira para
o banco de trás. Maria olha pela janela mas seus olhos não
estão focados em nada.
JOÃO
Maria, a gente ainda vai ter tempo.
A gente vai voltar amanhã e
conhecer a Anastazja.
32.
MARIA
Mas a gente veio pra conhecer a
mãe.
JOÃO
Você sabe que é só o corpo dela que
tá ali. E não é isso que importa.
MARIA
Eu não tô nem aí. Eu só quero
conhecer ela. Não importa aonde.
JOÃO
E você vai filha. Só que amanhã. Eu
prometo.
João acelera o carro. Maria se joga pra trás no banco com a
cara emburrada.
INT. CARRO DE JOÃO - NOITE
Maria vai no banco de trás com a cabeça recostada na porta.
João se vira pra trás e olha para Maria rapidamente
esperando que ela o note mas a menina o ignora e ele volta a
olhar para a estrada. João estica o braço até o banco de
trás e tateia pelo banco sem desviar a atenção da estrada.
No meio dos livros e desenhos de Maria ele pega o CD "A Arca
de Noé" de Vinícius de Moraes e o coloca no CD player do
carro. A música "Menininha" toca. João estica o braço pra
trás e faz carinho no tornozelo da filha. Maria olha para a
mão do pai e volta o rosto para a janela. João abaixa a
música.
MARIA
Por que você abaixou?
JOÃO
Por que você tá brava?
MARIA
Eu não tô brava.
João se vira pra trás e encara Maria com uma cara de quem
diz "Ah, sério?"
MARIA
Ei, olha pra frente se não a gente
pode morrer.
João se vira pra frente rapidamente e segura firme o
volante.
33.
JOÃO
Então para de ficar brava comigo.
MARIA
(Irritada)
Já disse que eu não tô brava!
JOÃO
Agora tá.
MARIA
Ai que saco você! Agora eu tô
brava.
Maria se debruça na janela enquanto a música continua ao
fundo.
MARIA
Eu não tava brava. Eu tava triste.
JOÃO
E qual a diferença de brava pra
triste?
MARIA
(Como se fosse óbvio)
Ué, brava é quando a cabeça fica
quente.
JOA˜O
Mas dá pra chorar de alegria
também, né?
MARIA
Eu nunca chorei de alegria. Isso
deve ser coisa de adulto.
Pausa enquanto a música toca ao fundo.
João volta a esticar o braço para fazer carinho em Maria.
Ela tira o cinto, levanta e desvia da mão dele. Maria se
34.
FIM DA MÚSICA
INT. QUARTO DE HOTEL - NOITE
João entra no quarto com Maria dormindo agarrada ao seu
pescoço. Duas malas em uma mão, a cesta com ovos e o monstro
de pelúcia rosa na outra.
JUMP CUT
Maria está sentada meio dormindo na beira da cama de casal,
a única do quarto. João veste o pijama nela e ela rasteja
para debaixo do cobertor se deixando adormecer logo em
seguida.
EXT. CASA DE ANNA/ QUINTAL - DIA
MARIA
Tá na hora de acordar.
João apenas murmura. Maria sobe na cama e começa a pular.
EXT. CRACÓVIA/ PRAÇA CENTRAL - DIA
JOÃO
Você diz trabalho? Eu não sei o que
ela fazia na Polônia, filha. Mas no
Brasil ela tomava conta de você.
João acaricia a barriga como se estivesse "grávido".
36.
MARIA
Mas o que que ela queria ser,
então? Atriz? Motorista de
caminhão? Professora, igual você?
JOÃO
(Rindo)
Eu não acho que ser professora de
português era o sonho da vida dela
não.
MARIA
Vocês não conversavam nunca?
JOÃO
Sim, conversávamos. Mas por algum
motivo, sobre esse assunto
específico a gente nunca falou.
MARIA
Mm Hm... E você também nunca me
falou por que que ela foi pro
Brasil.
MARIA
Que que ela foi fazer lá no Rio,
pai?
João passa os dedos entre os cabelos.
JOÃO
Filha, a gente também não falou
muito sobre isso.
MARIA
Então sobre o QUE que vocês
falavam?
JOÃO
(Pressionado)
Ah... Eu não sei Maria. Sobre você,
sobre o presente, sobre as coisas
37.
JOÃO
que ela via no Rio, sobre a vida
dela lá. Das comidas, das praias.
MARIA
Qual era a praia preferida dela?
JOÃO
Ela sempre queria ir
pra Copacabana. Mas so´ quando tava
cheio. Se tivesse vazia ela so´ ia
colocar o pe´ na a´gua e ia embora,
nunca entendi.
MARIA
E a comida favorita dela era açaí,
igual eu!
JOÃO
Sim, ela comia açaí o tempo todo
durante a gravidez.
MARIA
E qual a bebida favorita dela?
JOÃO
Bebida favorita? Deixa eu pensar...
MARIA
Aposto que era suco de maracujá,
igual eu também, né?
João acena positivamente com a cabeça e sorri. Ele mostra o
pacote de biscoitos para Maria.
JOÃO
Quer um?
MARIA
Não, brigada. Mas agora eu fiquei
com vontade de ir pra praia tomar
açaí.
JOÃO
Ixe filha, açaí por aqui vai ser
difícil, praia então... nem se
fala. Mas eu tenho uma surpresa pra
você. Vem.
38.
MARIA
Sim!
JOÃO
De verdade?
MARIA
De verdade!
JOÃO
Verdade verdadeira ou verdade
mentirosa?
MARIA
Verdade verdadeira. Vai logo!
Maria tira as mãos de João da frente de seus olhos e o que
está diante de seus olhos lhe deixa boquiaberta.
MARIA
Um castelo? De verdade?
JOÃO
Verdade verdadeira. Chama castelo
de Wawel.
Maria e João encaram diminutos o imponente castelo.
MARIA
A gente pode entrar?
JOÃO
Me digais vós, majestade.
Maria entra correndo pelo portão.
39.
MARIA
Eu não tenho medo de dragão nenhum.
JOÃO
Que bom, porque eu tenho!
JOÃO
Deixa o biscoito no carro. Tá quase
na hora do almoço.
MARIA
Último.
MARIA
Pai, espera.
Eles param no meio do caminho.
JOÃO
Que foi, Maria?
Maria chama João para perto com o dedo indicador e João
chega perto.
JOÃO
Fala.
Maria puxa a camisa de João para baixo e ele se agacha.
MARIA
Pai, vamos voltar lá praquela
cidade e passar a páscoa lá? Lá era
mais legal. Aqui é chato. Eu não
quero ficar só brincando com
galinha.
JOÃO
Que história é essa Maria? A gente
não veio aqui pra brincar né?
Silêncio.
41.
MARIA
E se ela não quiser me conhecer?
JOÃO
Claro que quer, Maria. Você leu a
carta.
MARIA
E se o moço que traduziu a carta,
traduziu ela errado e ela
disse "Por favor, NÃO venha para
ca´".
JOÃO
Qual o sentido disso, Maria?
Maria dá de ombros.
JOÃO
Uma menina maravilhosa, amável,
inteligente, linda. Quem não ia
querer conhecer?
MARIA
Não é verdade.
JOÃO
O que?
MARIA
Eu sou má. É por isso que ela não
quer me conhecer.
JOÃO
Como assim? Má?
MARIA
Eu matei a minha mãe, pai. Eu matei
a filha dela.
MARIA
Desculpa pai. Eu sou má.
Neste momento ANASTAZJA, 70 anos, desce a rua arrastando os
pés o mais rápido que pode carregando sacolas de papel
cheias de compras. Ela está vestida como se fosse a um
42.
JOÃO (O.S.)
Nossa, o sorriso era igual mesmo.
Maria se assusta com a chegada repentina de João. Ela
continua andando pela sala fingindo desinteresse no pai. Ela
levanta a tampa do piano e toca uma nota.
ANASTAZJA
Anastazja.
João aperta a mão dela.
JOÃO
João.
Anastazja vai até Maria que olha o piano fingindo interesse.
ANASTAZJA
Cześć, Maria (pronunciando mÁria)
MARIA
Maria. (ênfase em marÍa)
44.
ANASTAZJA
(Desculpando-se)
Przepraszam. Maria. (ênfase em
marÍa)
MARIA
Herbata? Que que é isso?
JOÃO
Chá.
MARIA
Eco. Não vou beber não.
JOÃO
Prova pelo menos, ué.
Maria balança a cabec¸a negativamente. João pega um biscoito,
molha no chá e come.
JOÃO
Mm... que delícia. Prova.
Ele molha outro biscoito e coloca na boca de Maria que
hesita mas dá uma mordida.
45.
JOÃO
Gostou?
Maria estica o braço e pega mais um biscoito, molha-o no chá
e come. Ela se ajeita mais confortavelmente no sofá enquanto
come. Um som na cozinha. Maria olha para a cozinha.
JOÃO
Achei que você tinha dormido bem
naquela camona de hotel.
Maria apenas suspira profundamente, ainda acordando.
JOÃO
Mas vem, vamos comer. Ela fez um
verdadeiro banquete pra gente.
João se levanta e vai saindo do quarto...
MARIA
Pai, eu não queria matar minha mãe.
Eu juro.
João se vira de volta pra Maria em um susto.
JOÃO
De onde você tirou essa besteira?
Como que você ia matar alguém?
MARIA
Mas ela morreu quando eu nasci e
vocês nem queriam me ter. Você nem
amava ela.
João senta-se na cama.
JOÃO
Maria, isso não teve nada a ver com
você. Eu te amei desde o primeiro
segundo quando eu soube que você
viria ao mundo e eu vou te amar pra
sempre. (beat) E eu tenho certeza
que a sua mãe também amaria.
MARIA
Como você sabe? Você não sabia nada
dela. É por isso que você nunca me
contou nada dela, é porque você não
sabe nada.
Maria se levanta da cama e sai do quarto, deixando João
sentado na cama sem reação.
MARIA
Nie.
Anastazja seve a tigela mesmo assim e a coloca em frente a
Maria que cheira a sopa. Anastazja pega uma travessa com uma
espécie de maionese (sałatka) e serve o prato de Maria que
coloca o Nariz bem perto cheirando-a também. Anastazja
observa a neta com um sorriso, limpa as mãos no avental, o
pendura atrás da porta e se senta.
ANASTAZJA
Smacznego!
Maria só olha confusa.
ANASTAZJA
Bon appétit.
A palavra mágica. Maria avança na comida. Uma garfada na
salada, depois já corta o pierogi enquanto mastiga,
enfiando-o na boca em seguida.
48.
MARIA
(De boca cheia)
Mm... Delícia.
ANASTAZJA
(Fazendo positivo com o dedão)
Dobre?
MARIA
Tak!
MARIA
Voceˆ deve achar que e´ minha culpa
que minha ma˜e morreu. Mas eu juro
que na˜o e´. Eu nem pedi para
nascer.
MARIA
Siginifica bom apetite.
JOÃO
Aha... Smacznego. (terrível
pronúncia)
MARIA
É smacznego. (pronúnica quase
perfeita)
MARIA
Você tem outras fotos da minha mãe?
Anastazja olha para ela sem entender.
MARIA
OU-TRAS-FO-TOS.
Maria aponta para o retrato.
MARIA
DA-MI-NHA-MÃE?
Anastazja pensa por um instante, ela olha para o relógio na
parede e parece se lembrar algo. Ela se levanta e sai da
cozinha.
50.
JOÃO
O que aconteceu?
MARIA
Não sei.
Anastazja volta com sua bolsa e o avental em mãos,
pendurando-o em seguida atrás da porta e chamando Maria e
João para ir com ela. Anastazja sai da cozinha apressada.
Maria e João se olham e a seguem em seguida.
EXT. RUA "UL. MIODOWA"/ CASA DE ANASTAZJA - DIA
Anastazja sai da casa seguida por Maria e João. Enquanto ela
tranca a porta de casa João vai até o carro e o destranca.
Anastazja vai descendo a rua ignorando o carro. Maria corre
para alcançar a avó. João tranca o carro e vai até elas.
EXT. ESCOLA/ PÁTIO - DIA
Maria, Anastazja e João chegam aos portões do terreno de uma
pequena escolinha amarela. Crianças correm e brincam de
futebol, pular corda, pega-pega.
ANASTAZJA
To szkoła Nataszy.
JOÃO (O.S.)
Como que você veio parar aqui?
João está à porta. Maria larga o lápis imediatamente e olha
para o pai com um sorriso de quem esconde que estava
aprontando. João vai até ela desconfiado e vê o cotovelo
machucado de Maria.
JOÃO
É, tava demorando já né?
JOÃO
Eu sei que não.
João lança um piscadela sarcástica de quem diz "claro que
não".
JOÃO
Mas agora vamos ali. A Anastazja
quer mostrar alguma coisa.
52.
MARIA
Uaaau!
Maria olha empolgada para Anastazja. Anastazja sorri mas
logo em seguida fecha os olhos e respira fundo. Ela perde o
equilíbrio e João a segura. Ele olha confuso para o corredor
vazio.
JOÃO
Vai chamar alguém, Maria!
Anastazja abre os olhos. Maria olha para os lados e corre.
ANASTAZJA
(Sem fôlego)
Maria, nie!
Anastazja acena para que Maria volte. Maria sem saber o que
fazer. Anastazja se equilibra e dá dois passos sozinha
abrindo um sorriso com dificuldades.
ANASTAZJA
Wszystko dobrze.
JOÃO
Pergunta se ela precisa de remédio.
MARIA
Eu?
JOÃO
É, vocÊ é melhor em mímica.
Maria abre uma mão e com a outra pega um comprimido
imaginário, coloca-o na boca, toma um copo de água
imaginário, faz uma cara de que o gosto era ruim e depois
abre um sorriso dizendo "ta dan". Anastazja força um sorriso
em meio ao desconforto.
ANASTAZJA
Nie, herbat˛
e poprosz˛
e.
Anastazja finge beber um chá de uma xícara invisível. Em
seguida ela diz "ta dan" e abre um sorriso.
MARIA
Eu acho que ela só quer um chá
mesmo.
INT. CASA DE ANASTAZJA/ COZINHA - NOITE
A chaleira assobia no fogo alto. João entra e desliga o
fogão. Maria vem logo atrás.
JOÃO
Procura o chá no armário.
JOÃO
Eu acho que foi um dia longo pra
ela. Se eu já tô cansado imagina
ela.
João se agacha de frente para Maria.
JOÃO
Você viu o quanto ela tava animada
por você estar aqui?
Maria balança a cabeça positivamente.
MARIA
Ela é legal.
JOÃO
É sim.
João beija a cabec¸a de Maria e levanta. Os dois saem do
quarto e Maria fecha a porta.
INT. CASA DE ANASTAZJA/ QUARTO DE NATASZA - NOITE
MARIA
Talvez.
João se senta na beira da cama.
JOÃO
Passou a ansiedade?
Maria dá de ombros e olha para o teto.
55.
MARIA
(Mais para si do que para
João)
Minha mãe tocava piano. Que legal.
E ela podia ir andando pra escola
todo dia.
JOÃO
É, isso deve ser legal mesmo.
Silêncio.
JOÃO
Maria, olha pra mim.
Maria olha nos olhos de João.
JOÃO
Me promete que nunca mais fala
aquilo?
MARIA
Falar o que?
JOÃO
Que você matou a sua mãe. Você tem
razão, eu não conheci ela tão bem.
Mas eu tenho certeza que ela te
amava desde o começo.
MARIA
Também te amo.
JOÃO
Boa noite.
JOÃO
Que foi?
MARIA
E os ovos?
56.
JOÃO
Eita, é verdade. Quase esqueci.
Pode deixar que eu pego eles agora
e deixo na cozinha.
MARIA
Tá bom. Cuidado pra não quebrar.
JOÃO
Pode deixar. Boa noite.
MARIA
Boa noite.
João sai do quarto e Maria fica olhando para o teto. O
quarto está em completo silêncio mas é possível ouvir o
vento que chacoalha as árvores do lado de fora. Maria se
vira para a porta e a encara. Maria luta para não fechar os
olhos, mas logo adormece.
INT. TEATRO
ANASTAZJA
Dzień dobry, kochana.
MARIA
Bom dia.
MARIA
Chá de novo?
Anastazja para de servir e aponta para o bule.
ANASTAZJA
Co? Nie?
Maria pensa.
MARIA
Ok, tak!
Anastazja volta a servir e aponta para o líquido.
ANASTAZJA
Herbata.
MARIA
Herbata. (quase sem acento)
ANASTAZJA
Dobrze! Herbata.
MARIA
Cadê meu pai?
Anastazja olha Maria sem entender.
MARIA
Meu. Pai. Papai. João.
ANASTAZJA
Aha! João.
MARIA
Spi? Mm... claro que ele ainda tá
dormindo.
Anastazja aponta para Maria.
58.
ANASTAZJA
A ty? Dobrze spałaś?
MARIA
O que?
MARIA
(Quase fluente)
Dobrze.
Anastazja ri da esperteza da neta e Maria come a panqueca.
FIM DA MONTAGEM
João entra na cozinha ainda meio dormindo, cego pela luz.
Anastazja está lavando as louças e passando para Maria que
as enxuga com um pano e as guarda no armário.
ANASTAZJA
Dzień dobry.
MARIA
Dzień dobry.
JOA˜O
Bom dia.
João se espreguiça e coça os olhos. Ele fica boquiaberto com
a quantidade de comida sobre a mesa.
JOÃO
Quantas pessoas vem comer aqui
hoje?
MARIA
Não sei.
A campainha toca.
60.
JOÃO
Vamos descobrir agora então.
Anastazja se vira surpresa, limpa as mãos no avental e vai a
sala ver quem é.
MARIA
Quem é?
JOÃO
Ué, não sei.
ANASTAZJA
Dzień dobry, Panie Sierakowski.
DR. SIERAKOWSKI
Dzień dobry, Pani Wachowska.
DR. SIERAKOWSKI
Dzień dobry.
João aperta a mão do médico e acena com a cabeça.
DR. SIERAKOWSKI
(Para Maria)
Dzień dobry.
MARIA
Dzień dobry.
61.
JUMP CUT
Maria está sentada na poltrona assistindo TV enquanto João e
o Dr. Sierakowski estão sentados lado a lado no sofá. João
está completamente à vontade como se estivesse em casa e o
médico completamente rígido com sua maleta no colo. Os olhos
do Dr. Sierakowski vão e voltam da foto da primeira comunhão
para Maria.
Anastazja entra na sala com o bule e o coloca sobre a mesa
de centro, já com as xícaras e pires.
JUMP CUT
Anastazja está sentada no sofá com um ESFIGMOMANÔMETRO
inflando em seu braço. Dr. Sierakowski está sentado em uma
cadeira da cozinha a sua frente com um ESTETOSCÓPIO em volta
do pescoço. Eles conversam enquanto o médico infla ar com
uma bombinha no esfigmomanômetro. O médico em tom de
reprovação e Anastazja responde como uma criança se
explicando. Maria observa o procedimento médico enquanto
João, sentado na poltrona com Maria em seu colo, tenta
entender a conversa.
MARIA
Pa.
DR. SIERAKOWSKI
Pa.
MARIA
Smacznego.
ANASTAZJA
Smacznego.
JOÃO
(Com péssima pronúncia)
Smacznego.
MARIA
Sério? Não tem cinema aqui?
JOÃO
(Rindo)
Filha, a vida aqui é isso.
MARIA
Todo dia casa e escola?
JOÃO
E brincar na rua. Não tem video
game, cinema ou praia. Comprar
brinquedo novo no shopping todo fim
de semana nem pensar.
MARIA
Que chato. Por isso que minha mãe
foi pro Rio.
João olha para Anastazja e sua expressão descontraída muda
para preocupada.
JOÃO
Maria...
João aponta para Anastazja que está olhando distraída para o
prato com a comida que mal foi tocada.
JUMP CUT
Apenas Maria e João na cozinha. Maria está em pé em uma
cadeira perto da pia lavando as louças usando o pequeno
avental puído e João está recolhendo os pratos de cima da
mesa. Ele pega o de Anastazja que ainda está com toda a
comida. Anastazja entra na cozinha carregando a sua bolsa.
Ela desligada a pia e pede que Maria venha com ela. Maria
limpa as mãos no avental e pula da cadeira. Anastazja chama
João também. Maria tira o avental e o deixa em cima do
balcão. Os três saem da cozinha.
ANASTAZJA
Twoja mama, Natasza, bardzo cz˛esto
bujała si˛e na tej
huśtawce... (Anastazja descreve
como Natasza costumava balanc¸ar no
balanc¸o. Ela chamava por Anastazja
para que ela a visse pular. Natasza
pulava do banco e ia correndo
sentar ao lado dela no banco.)
Anastazja aponta como se estivesse seguindo os movimentos
que descreve. Ela balança o dedo de um lado para o outro
apontando para o balanço, faz um arco do balanço até o chão,
segue do balanço até o banco e termina aonde Maria está
sentada. Maria sorri como se tivesse entendido tudo.
Uma FORMIGA começa a subir na mão de Maria que está apoiada
no banco. Maria se assusta e sua primeira reação é levantar
a outra mão como se fosse esmagar a formiga. Maria para em
meio ao movimento e observa a formiga se mexendo desesperada
de um lado para o outro em sua mão. Ela desce do banco e
coloca sua mão na grama. A confusa formiga desce e segue seu
caminho pela grama. Maria olha para cima e vê Anastazja
sorrindo para ela. Maria sorri de volta.
INT. CASA DE ANASTAZJA/ QUARTO DE NATASZA - NOITE
Maria está debaixo dos cobertores, João lhe beija a testa.
JOÃO
Boa noite.
MARIA
Boa noite, pai.
JOÃO
(Ameaçador de brincadeira)
Maria...
Maria chega pra trás rindo.
67.
MARIA
Tava com saudade de dormir na
frente da TV né?
João murmura e se vira para o outro lado. Maria vê o Papa na
TV, depois olha para a foto dele no aparador e depois de
novo para a TV.
MARIA
Eu achava que esse padre era o vô
da minha mãe.
ANASTAZJA
Dzień dobry.
Maria não consegue tirar os olhos do delineador. Ela coloca
a xícara sobre o criado-mudo.
ANASTAZJA
Dzi˛
ekuj˛
e.
Anastazja chega para o lado na banqueta dando espac¸o para
Maria sentar. Maria senta-se ao lado da avó que continua se
maquiando. Maria pega uma embalagem com pó de base bem clara
68.
MARIA
Ei, cuidado com a minha maquiagem.
João ri.
69.
JOÃO
Desculpa madame.
EXT. RUA "UL. MIODOWA"/ CASA DE ANASTAZJA - DIA
Anastazja está bem arrumada e maquiada, exatamente como
quando a vimos pela primeira vez. Ela tranca a porta de
casa. Maria faz várias poses com o cesto de comidas
preparadas por ela e por Anastazja no dia anterior, João
tira fotos dela.
MARIA
Vem vó!
Maria puxa Anastazja que fica tímida em frente a câmera.
JOÃO
Sorriam!
Anastazja tenta posar em algumas posições mas não fica
confortável em nenhuma. Ela para em uma posição séria. Maria
olha para ela e puxa os cantos da boca.
MARIA
Sorri assim ó.
Anastazja olha para neta e sorri naturalmente. Ela se vira
para câmera com o sorriso ainda no rosto e João faz a foto.
MARIA
(Bem devagar mas sem sotaque)
Wesołych Świat.
˛
João olha surpreso para Maria.
JOÃO
Eu nem vou tentar falar isso.
Ola e Mariusz pegam Maria pela mão e a levam até a igreja.
JOÃO
Esses seus amiguinhos são os mesmos
que você tava brincando lá na
escola?
MARIA
Sim. Mariusz e Ola.
Maria olha ao redor.
MARIA
Cadê a minha vó?
72.
JOÃO
Não sei. Ela ficou lá dentro
conversando com alguém.
Anastazja sai da igreja conversando de brac¸os dados com o
padre. Eles riem descontraídos até Maria e João.
MARIA
Cześć.
O padre ri amistoso.
PADRE
Cześć.
O padre lança um olhar reprovador ao cigarro de João que não
nota, ou ignora. Os dois apertam as mãos formalmente. Um
casal vai ao padre cumprimentá-lo. O padre se despede de
Anastazja, de Maria e de João e sai andando com o casal.
EXT. RUAS DA VILA DE ANASTAZJA - DIA
Anastazja anda lentamente olhando maravilhada as floridas
árvores com se as estivesse vendo pela primeira vez. João e
Maria andam de mãos dadas atrás.
MARIA
Pai, por que o padre jogou água na
comida?
JOÃO
É água benta. Acho que é para
abençoar a comida.
MARIA
E o que era aquele negócio branco
que eu comi?
JOÃO
Chama hóstia. É um pedaço do corpo
de Cristo.
MARIA
(Espantada)
O quê? E aquele suco de uva?
JOÃO
É o sangue.
MARIA
(Assustada)
Para pai.
73.
JOÃO
(Rindo)
Tô brincando. (beat) Mais ou menos.
MARIA
Como assim?
JOÃO
Ah filha, é difícil explicar. Eu
não entendo também.
MARIA
Mm... E por que que a gente nunca
vai na igreja?
João acende um cigarro.
JOÃO
Porque eu não acredito na igreja.
Mas se você quiser pode ir.
MARIA
Foi ok... Mas ir todo dia deve ser
chato.
JOÃO
(Fazendo graça)
Eu vi você cantando.
MARIA
(Emburrada)
Eu não cantei! Você que cantou!
Anastazja para em frente a uma árvore toda florida e arranca
uma pequena flor rosa. Ela chega perto de Maria e coloca a
flor em sua mão. Maria cheira a flor. Anastazja segue
descendo a rua.
MARIA
Pai, me levanta.
MARIA
E essa vai para... deixa eu
pensar... será que é para a galinha
da vizinha? Será que é para o
coelhinho da páscoa? Será? Não! É
para o papai.
Ela arranca mais uma flor e João a coloca no chão.
JOÃO
Poxa, eu pensei que você tinha me
esquecido.
MARIA
Esqueci, mas já lembrei.
Maria coloca a flor na mão de João.
MARIA
Pai, você acredita em Deus né?
JOÃO
Ué, filha... (cauteloso) acho que
sim, por que?
MARIA
Porque você falou que minha mãe
tava em um lugar melhor. Com Deus.
Maria sorri e sai correndo para alcanc¸ar a avó que anda mais
a frente. João dá uma longa tragada no cigarro. Maria pega a
ma˜o de Anastazja e coloca a flor. Anastazja se agacha, dá
um beijo na testa de Maria e se levanta com um pequeno
gemido de dor. Anastazja e Maria andam de mãos dadas e João
vai mais atrás fumando seu cigarro.
INT. CASA ANASTAZJA/ COZINHA - DIA
Maria e Joa˜o põem a mesa. Anastazja despeja uma sopa de uma
panela em uma travessa. Anastazja coloca a travessa na mesa
junto com todos os outros pratos do banquete e a cesta com a
comida benzida no meio. Há comida suficiente para 6 pessoas
pelo menos. Maria e João se sentam. Anastazja vai até o
armário pega mais um prato e depois mais talheres em uma
gaveta. Ela os coloca à mesa. Agora há quatro lugares postos
à mesa.
MARIA
Quem mais vem?
João dá de ombros. Anastazja se senta. João e Maria olham
para ela esperando que ela diga algo. Anastazja fecha os
olhos, coloca as duas mãos juntas e começa a rezar em voz
75.
JOA˜O
(Inseguro)
Bem... Eu gostaria de dizer
obrigado...
MARIA
(Completando João)
...Deus.
JOÃO
Por essa comida...
MARIA
... deliciosa.
JOÃO
Mm, e por essa viagem a esse lugar
tão interessante...
MARIA
... onde a minha mãe cresceu.
JOÃO
Sim. (pausa) Eu acho que é isso.
MARIA
Obrigada pela vovó, porque ela é
tão legal. (beat) E obrigada por
cuidar da mamãe.
76.
MARIA
Smacznego!
ANASTAZJA
Smacznego!
Maria entrega o ovo de seu prato para João mas o solta antes
de João segurá-lo.
MARIA
Pai, não!
JOÃO
direito. Mas olha, só rachou um
pouquinho. Eu fico com esse e você
pode ficar com o meu.
JOÃO
Pois é. Eu já não aguentava mais
tanta comida. Mas tava tudo ótimo.
Maria chega a alguma conclusão repentina.
MARIA
Pai! Nós somos João e Maria.
JOÃO
Eu sei ué. Que que tem?
MARIA
Não, igual na história. João e
Maria se perdem na floresta e para
na casa de uma senhora bondosa que
cozinha várias guloseimas para eles
engordarem e ela poder cozinhar e
comer eles, porque na verdade ela é
uma bruxa.
Anastazja vem trazendo uma bandeja com chá para eles. Ela
coloca a bandeja na mesa e começa a servir a xícara de João,
ele mostra que não quer, mas Anastazja insiste com um doce
sorriso. João cede e ela serve a xícara. O mesmo com Maria.
JOÃO
É, se ela for uma bruxa mesmo, ela
tá fazendo direitinho.
MARIA
Não, eu quero hoje.
JOÃO
Então você tem que perguntar para a
Anastazja. Ela que sabe aonde fica
o túmulo da sua mãe.
MARIA
Como que eu vou perguntar isso?
JOÃO
(Retórico)
Como?
João mexe os braços e faz rostos teatrais.
MARIA
Sim, mas COMO?
JOÃO
Ai eu já não sei. Vai tentando.
MARIA
Vai pai, me ajuda aí.
JOÃO
Eu não sei, filha.
Maria corre até uma moita de flores e cata uma. Ela volta
correndo, fecha os olhos e cruza os braços contra o peito
com a flor no meio. A expressão de Anastazja fica séria e
João parece desconfortável na cadeira. Maria abre os olhos e
faz novamente o sinal de "cadê?". Anastazja balança a cabeça
negativamente.
MARIA
(Perdendo a paciência)
Mama.
Maria faz a mímica de estar cavando uma cova. Ela cruza os
braços novamente com a flor e se deita na cova imaginária.
Anastazja respira fundo e continua balançando a cabeça sem
parar. Maria levanta e repete tudo novamente. Anastazja não
consegue encarar a neta mas continua negando. Maria se
levanta e coloca seu rosto bem perto do da avó.
MARIA
Cadê. A minha. Mãe?
JOÃO
Maria, se acalma. Ela não entende.
MARIA
Calma não! A gente veio aqui pra
isso. Ela que chamou a gente para
vir e quando a gente chegou ela nem
tava em casa. Agora ela não quer
que eu veja aonde minha mãe tá. Ela
nem tentou falar nada dela. A única
coisa que ela fez foi levar a gente
naquela escola idiota.
JOÃO
Maria, você já parou pra pensar o
quanto que isso pode ser difícil
pra ela. Quanta falta deve fazer a
filha pra ela.
MARIA
Mas é mais difícil pra mim! Eu
nunca nem conheci ela e ela é a
minha mãe!
Maria sai emburrada do jardim.
MARIA
(Voz abafada pelo travesseiro)
Eu quero ir embora da casa dessa
bruxa!
JOÃO
(Reprovador)
Maria.
Maria se vira para ele, o rosto vermelho como um tomate.
MARIA
Eu quero ir embora...
JOÃO
(Delicado)
Você não quer ir no cemitério?
MARIA
Quero. Mas a bruxa não quer me
deixar ir.
JOÃO
Não fala assim dela. Engole o
choro.
81.
MARIA
Mas como a gente vai achar ela?
JOÃO
A gente procura até achar.
MARIA
Jura?
JOÃO
Juro.
JOÃO
Senta aqui rapidinho.
Maria se senta ao lado de João.
JOÃO
A Anastazja só nos tratou bem
aqui. Ela fez tudo pela gente. Ela
tá velhinha já. Além disso a gente
não consegue se comunicar, então
tem coisas que a gente não entende
sobre ela e nem ela sobre a gente.
MARIA
E daí?
JOÃO
E daí que eu acho que chamar ela de
bruxa é injusto, não é?
Maria dá de ombros.
82.
JOÃO
Você não acha que ela merece um
pedido de desculpas?
MARIA
Talvez.
JOÃO
Maria...
MARIA
Sim.
JOÃO
Sim o que?
MARIA
Sério?
JOÃO
Sério. Merece o que? Eu quero que
você fale.
MARIA
Um pedido de desculpas.
JOÃO
Ótimo. Então vai lá e eu te espero
aqui.
Maria se levanta.
MARIA
Mas ela nem vai entender.
JOÃO
O que vale é a intenção.
João bagunça o cabelo da filha para descontrai-la. Maria
empurra a mão do pai e arruma o cabelo. Ela vai andando
lentamente até o corredor.
INT. CASA DE ANASTAZJA/ CORREDOR- DIA
Maria vai até a porta do quarto de Anastazja que está
fechada. Ela coloca o ouvido e escuta avó chorando. Ela
levanta o braço como se fosse bater à porta mas para na
metade do caminho. Ela se vira e sai.
MARIA
(Para si mesma)
Bruxa...
83.
JOÃO
Então vamos deixar ela descansar
agora.
INT. CARRO DE JOÃO - DIA
MARIA
Pai, a flor!
JOÃO
Que flor?
MARIA
A flor que eu peguei para a minha
mãe. Eu esqueci em casa.
JOÃO
Ah não filha, sério? Agora que a
gente tá quase chegando no
cemitério.
Maria afunda triste no banco.
84.
MARIA
Pode deixar então, pai.
JOÃO
Peraí, já sei.
EXT. VILA DE ANASTAZJA/ BANCA DE FLORES - DIA
A vila é completamente vazia na páscoa.
IGNACY
Dzień dobry.
MARIA
Cześć.
MARIA
Eu quero aquela outra que eu vi.
IGNACY
Poczekaj.
Ignacy levanta a mão como quem diz "espera aí". Ele vai para
trás da caixa registradora e traz de volta algumas fotos.
Ele procura alguma específica e Maria observa batendo o pé
impaciente. Ele pega uma foto e a entrega para Maria. É uma
foto de Natasza adolescente na frente da banca de flores
usando o mesmo avental que Ignacy e segurando um buquê de
tulipas rosas. Maria esbugalha os olhos boquiaberta e pega a
foto.
MARIA
Pai... Pai!
JOÃO
(Sem olhar)
Já escolheu?
MARIA
Pai, vem aqui.
João apaga o cigarro e vai até ela. Ele sorri educadamente
para Ignacy que está com um sorriso largo no rosto. Maria
mostra a foto para João. João leva as mão a boca.
JOÃO
Essa é a Natasza. Exatamente como
quando eu conheci ela.
Ignacy tira mais uma foto do monte que trouxe, dessa vez de
Natasza aguando as flores da banca.
MARIA
Uau, ela é tão linda.
IGNACY
(Com forte sotaque)
Muito linda.
Maria e João olham surpresos para Ignacy.
JOÃO
Você fala português?
IGNACY
(Sotaque forte)
Um pouquinho.
86.
MARIA
É o Rio!
IGNACY
(Nostalgico)
Oh Copacabana.
JOÃO
Férias?
IGNACY
Tak.
Ignacy termina o buquê, olha orgulhoso para ele e o entrega
a Maria. A menina cheira as flores. João aponta para a moça
da foto com Ignacy.
JOÃO
É a sua mulher?
A expressão de Ignacy se torna triste.
IGNACY
Tak. Urszula.
Ignacy tem uma idéia repentina e sinaliza para Maria e João
esperarem. Ignacy tira o avental, pega um buquê colorido com
diversas flores e sai andando da banca. Maria olha confusa
para João. Ignacy se vira e sinaliza para que Maria e João o
sigam.
JOÃO
Mas e a loja?
JOÃO
Hotéis zero. Mas cemitério dois?
MARIA
A gente ia passar horas procurando
pelo túmulo no cemitério errado.
JOÃO
Pois é...
MARIA
Pa.
Os olhos de Ignacy se enchem de lágrimas.
IGNACY
Oh, Natasza.
Ele aperta a bochecha de Maria carinhosamente e se levanta.
Ele aperta mãos com João.
JOÃO
Muito obrigado.
IGNACY
(Forte sotaque)
Obrigado você.
88.
MARIA
Quem é esse?
JOÃO
Eu acho que é o pai da Natasza.
MARIA
Meu avô?
JOÃO
Sim.
JOÃO
É pra quando a pessoa morrer ela já
ter seu túmulo garantido.
MARIA
Qualquer pessoa?
JOÃO
Não. Deve ser alguém da família da
sua mãe.
MARIA
Da minha vó, então?
João acena positivamente com a cabeça. Maria olha para a
lápide vazia e suspira. Ela pega outra flor do buquê de
tulipas.
MARIA
Pronto. Vamos voltar.
JOÃO
Como assim? Já?
MARIA
Já.
Maria olha para o túmulo da mãe, dá um sorriso e sai
andando. João olha a filha indo e em seguida se aproxima do
túmulo de Natasza. Ele se ajoelha e abaixa a cabeça.
JOÃO
Desculpa. (beat) Eu...
Ele acaricia o granito, olha para Maria já se distanciando,
dá um sorriso, se levanta e corre até Maria.
INT. CASA DE ANASTAZJA/ SALA DE ESTAR - NOITE
Maria, segurando a tulipa rosa, entra em casa junto com
João. Os dois tiram os sapatos e colocam ao lado da porta. A
sala está vazia e em completo silêncio. Anastazja vem
lentamente do corredor e ao ver Maria e João ela aperta o
passo com dificuldade até a cozinha.
INT. CASA DE ANASTAZJA/ COZINHA - NOITE
MARIA
Nie. Deixa que eu faço.
ANASTAZJA
Nie, nie, nie.
MARIA
Mas tem dias que o sonho é bom e
tem dias que é ruim. Eu só queria
ter sonho bom.
JOÃO
(Sonolento)
Mas sonho é só sonho. Assim que
você acorda passa.
Os olhos de João se fecham.
MARIA
É, mas quando eu tenho um pesadelo
eu acordo assustada.
JOÃO
(Com muito sono)
E quando você tem um sonho bom você
acorda feliz?
MARIA
Não.
JOÃO
(Quase dormindo)
Por que não?
MARIA
Porque se eu sonho que tava voando
eu vou acordar querendo voar, eu
não posso voar.
João abre os olhos.
JOÃO
Ué, como não pode?
Maria o encara confusa.
JOÃO
A gente não voou até aqui?
MARIA
Ha ha. Besta.
JOÃO
Bom ou ruim?
MARIA
Não importa, já vai passar.
João sorri.
JOÃO
(Muito sonolento)
E eu achando que você não presta
atenção nas coisas que eu falo.
Maria se vira de costas para João e se aconchega debaixo do
cobertor. Ela olha para a porta fechada do quarto. As
árvores chacoalham do lado de fora. A respiração de João
muda, ele caiu no sono. Os olhos de Maria tentam fechar mas
ela luta contra o sono. Olhar fixo na porta. Os olhos de
Maria se fecham. Ela escuta a mac¸aneta da porta girar e em
seguida se abrir. Ela abre os olhos.
MARIA
(Sussurrando)
Pai...
A respiração ritmada de João não muda. Maria se levanta e
vai hesitante até a porta.
MARIA
Vó?
Maria puxa a porta para abrí-la por completo e coloca a
cabeça para o corredor. Uma luz se esgueira por de baixo da
porta do quarto de Anastazja.