Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
1
Graduanda em História pela UFPB. Contato pelo e-mail: jerlyanedayse@yahoo.com.br
2
Coordenadora do Grupo de Pesquisa “Sociedade e Cultura no Nordeste Oitocentista”.
3
“‘Gênero’ foi o termo usado para teorizar a questão da diferença sexual. (...) A categoria de gênero,
usada primeiro para analisar as diferenças entre os sexos, foi estendida à questão das diferenças dentro
das diferenças” (SCOTT, 1992).
2
4
A Guerra do Paraguai também é denominada pela historiografia como a Guerra da Tríplice Aliança, ou
a Grande Guerra.
3
Universidade Federal do Mato Grosso do Sul, um dos palcos onde foi encenado o teatro
da Grande Guerra5. Em seu trabalho ela dialoga com as fontes documentais, as quais
teve acesso através dos diversos arquivos pesquisados6, e também utilizou as
reminiscências de oficiais e viajantes para construir e embasar o seu trabalho. A
dissertação de Dourado possui uma grande importância para a nova historiografia que
busca dar visibilidade à mulher na construção da história. Estes trabalhos só têm a
contribuir e fortalecer a história das mulheres, pois busca a participação feminina como
sujeito de uma historiografia que por muito tempo foi dominada por homens, mesmo
que esta seja uma tarefa árdua, pois é necessário observar nas entrelinhas dos registros
oficiais, a presença e a contribuição feminina, ainda assim é um trabalho
recompensador, pois supre as lacunas historiográficas existentes e da visibilidade a
presença feminina, no processo de construção da nação.
Os trabalhos realizados sobre guerras, como dissemos inicialmente, são em sua
maioria produzida por homens, sobre homens e para homens. Quando nos referimos a
Guerra do Paraguai surgem vários outros problemas que podem ser facilmente
detectados, podemos citar alguns: dificuldade de acesso a fontes oficiais, pouca
informação sobre a história social da guerra e suas conseqüências, e com relação à
participação das mulheres brasileiras o que observamos é uma lacuna historiográfica
que se contrasta com relação à participação da mulher paraguaia, pois a participação
destas foi devidamente registrada pela historiografia, e tem como sua maior
representante, a primeira dama paraguaia, Elisa Alicia Lynch. Em oposição a essa
última perspectiva pretendemos analisar e dar maior visibilidade, nesta comunicação, a
participação das mulheres brasileiras nesse conflito, o que desde já, vale ressaltar, que
foi uma participação forte e ativa, mais que, entretanto, não foi registrada pela
historiografia tradicional; o que leva aos pesquisadores dessa temática a buscar o
registro da participação feminina através dos memorialistas, artistas7 e viajantes. Vale
destacar que a historiografia tradicional está permeada de lacunas e silêncios, o que
5
Teatralização da Guerra do Paraguai. No Brasil, o conflito ocorreu entre os estados, do Rio Grande do
Sul e do Mato Grosso.
6
Arquivo Histórico do Exército, Arquivo Histórico do Itamarati, Arquivo do Tribunal de Justiça MS,
Biblioteca Nacional, e o Centro Regional Dourados-MS; estes foram os arquivos utilizados por Maria
Teresa G. Dourado na sua pesquisa documental.
7
Iconografia contemporânea a Guerra do Paraguai.
4
torna ainda mais difícil o caminho a ser percorrido pelos historiadores das mulheres.
Uma outra dificuldade encontrada pelos historiadores interessados na temática é que os
poucos registros oficiais8 existentes sobre a participação das mulheres brasileiras na
Guerra do Paraguai referem-se às senhoras pertencentes as “boas famílias”.
As poucas mulheres que foram mencionadas pelos memorialistas, e saíram do
anonimato com direito a nomes e sobrenomes registrados na história, foram as
respeitáveis senhoras casadas com homens que pertenciam à elite, em sua maioria eram
oficiais do exército, estes vistos como heróis. A maior parte dessas mulheres que
participaram do conflito, não tiveram direito à visibilidade, pois sempre que são
lembradas aparecem no coletivo, são senhoras anônimas, que não ocuparam lugar na
memória e nem na história. É interessante salientar que essa historiografia foi produzida
e dominada por muito tempo pelos homens, e que por isso as mulheres envolvidas nesse
conflito não foram registradas, pois o olhar masculino não permitia que a mulher
ocupasse o lugar que lhe pertencia por direito. E dentro da óptica masculina, ao ser
registrada, a mulher foi discriminada e por vezes ironizada pelos memorialistas e pelos
viajantes9.
Desta forma, é necessário que o historiador ao pesquisar a história das mulheres
na Guerra do Paraguai, tenha consciência da dificuldade que vai encontrar para ter
acesso às fontes referentes à história social deste conflito; entretanto, percebendo a
importância historiográfica dos trabalhos que resgatam a presença feminina ao longo da
história, o que pretendemos é analisar a presença das “heroínas da pátria” no que foi
considerado o maior conflito da América Latina.
Vejamos como essas mulheres atuaram na Guerra do Paraguai. Algumas
mulheres, como Dona Senhorinha10, ganharam na historiografia forte destaque, uma das
suposições para esse destaque seria pelo fato dessas mulheres serem filhas, mães,
8
Ofícios, inventários e relações das pessoas resgatadas nas fronteiras do Mato Grosso.
9
Entre os viajantes e memorialistas que registraram em seus relatos vestígios da participação feminina na
Guerra do Paraguai estão, Taunay, Benjamim Constant, Cerqueira, Pedro Américo, e Rodrigues da Silva.
10
Rafaela Senhorinha da Conceição Barbosa, Senhora da Elite; era filha e esposa de oficiais do exercito
brasileiro, foi feita refém por duas vezes, pelo exército paraguaio, junto com os seus filhos e agregados. A
segunda vez que D. Senhorinha foi capturada passou cinco anos no território inimigo, em péssimas
condições de sobrevivência, só retornando ao país quando ela e os demais prisioneiros foram resgatados
pelas tropas brasileiras em 1869. Em sua pesquisa Dourado conseguiu reunir uma serie documentos sobre
D. Senhorinha.
5
esposas, e irmãs de oficiais, ou seja, de uma elite. Outras como Jovita Alves Feitosa,
eram mulheres comuns que se destacaram por seus atos considerados heróicos. Mas
todas possuem um ponto em comum, sofreram os males da guerra em nome da pátria.
Pois como afirma o escritor Machado de Assis, ao incentivar o patriotismo feminino, a
guerra não era um lugar para as mulheres,
Não nascestes para guerra da pólvora e da espingarda. Nascestes para outra
guerra, em que a mais inábil e menos violenta, vale por dois Aquiles. Mas, nos
momentos supremos da pátria, não sois das últimas. De qualquer modo ajudais
os homens. Uma como, mãe espartana, arma seu filho e o manda para a
batalha; outra borda uma bandeira e entregam aos soldados, outras costuram as
fardas dos valentes; outras dilaceram as próprias saias para encher cartuchos;
outras preparam os fios para os hospitais; outras juncam de flores os caminhos
dos bravos (...). Não tendes uma agulha, não comandais um regimento, formais
coragens, não fazeis um assalto, fazeis uma oração, não distribuis medalhas,
espalhais flores, e estas, podeis estar certar, hão de lembrar, mesmo quando o
forem secas, os feitos do passado e as vitórias do país. (MACHADO DE
ASSIS, 19--, p. 118).
Constant que registrou a participação de Ana Néri através das cartas que enviou a sua
mulher, nestas, ele se referia à Ana Néri, como “uma respeitável senhora brasileira”, e
que pelos serviços prestados aos feridos, junto ao campo de batalha, fez por merecer o
apelido de “mãe dos brasileiros”.
Ao analisar o envolvimento destas duas senhoras brasileiras que tiveram direito a
ter seus nomes registrados, junto à historiografia contemporânea a Guerra do Paraguai,
podemos observar que a participação feminina neste conflito não ficou restrita apenas,
ao envio de seus filhos, maridos, pais e irmãos, como destaca Machado de Assis ao
ressaltar a fibra da mãe patriota, representada na figura de D. Rosa Maria Paulina da
Fonseca. Pelo contrario, a presença feminina se fez forte no campo de batalha, como
podemos observar através da figura da senhora Ana Néri, entretanto, a presença
feminina só pode ser percebida através das entre linhas dos relatos de oficiais e
viajantes. Olhares masculinos, que não tiveram o interesse de registrar a participação
feminina no conflito.
As senhoras da elite tiveram a sua presença registrada pelos memorialistas, mas
como sabemos a participação feminina neste conflito não ficou restrita a essas “senhoras
respeitáveis”. 11 É tentando suprir esta lacuna que buscamos resgatar a participação das
mulheres comuns neste conflito e trazer a luz, a presença feminina no campo de batalha.
Muitas dessas mulheres eram
12
Visconde de Taunay foi incorporado à Expedição de Mato Grosso como ajudante da Comissão de
Engenheiros, enquanto esteve no conflito escreveu suas experiências, que posteriormente resultaram na
publicação do livro, A Retirada de Laguna.
13
Dourado optou por não alterar a grafia dos documentos utilizados nas citações, e por estas citações
serem retiradas do seu trabalho a ortografia não alterada.
8
nação, pois a presença feminina neste conflito ocorreu de forma passiva, ao enviarem
seus entes queridos a guerra, mas também foi de forma ativa, pois como foi registrado
por diversos memorialistas, as mulheres estiveram presentes nos campos de batalha,
acompanhando os regimentos e, ajudando no que fosse necessário. E a forma como
foram registradas não faz jus a sua valiosa participação. Por isso, é que se faz tão
importante o papel dos historiadores das mulheres, pois estes devem mostrar a
participação feminina dando-lhes vida, nomes, e rostos, algo que por muito tempo lhes
foi negado.
Referências Bibliográficas
ASSIS, Machado de. Poesias Completas. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1979.
DOURADO, Maria Teresa G. Mulheres comuns Senhora respeitáveis: a presença
feminina na Guerra do Paraguai. UFMT, 2002.
DORATIOTO, Francisco. Guerra do Paraguai. In: MAGNOLI, Demétrio (org.). São
Paulo: Contexto, 2006.
PERROT, Michelle. Os excluídos da história: operários, mulheres e prisioneiros.
Tradução de Denise Bottmann. 2.ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1988.
PRIORE, Mary Del. (Org.) História das mulheres no Brasil. São Paulo: Contexto,
2001.
SCOTT, Joan. História das mulheres. In: Burke, Peter (org.). A Escrita da História:
novas perspectivas. São Paulo: Unesp, 1992.
SOIHET, Raquel. História das mulheres. In: CARDOSO, Ciro F.: VAINFAS, Ronaldo
(orgs.). Domínios da Historia: ensaios de teoria e metodologia. Rio de Janeiro: Campus,
1997.