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http://dx.doi.org/10.1590/198053142946
FEDERALISMO,
DESCENTRALIZAÇÃO
E PLANEJAMENTO
DA EDUCAÇÃO:
DESAFIOS AOS
MUNICÍPIOS
JOSÉ MARCELINO REZENDE PINTO
RESUMO
Os municípios brasileiros têm uma longa história de atendimento educacional.
Contudo, a partir de 1996, com a aprovação do Fundo de Manutenção e
Desenvolvimento do Ensino Fundamental – Fundef –, houve um enorme incremento
desse processo. O presente trabalho tem por objetivo analisar algumas causas
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FEDERALISMO, DESCENTRALIZACIÓN
Y PLANIFICACIÓN DE LA EDUCACIÓN:
DESAFÍOS A LOS MUNICIPIOS
RESUMEN
Los municipios brasileños tienen una larga historia de atención educativa. Sin
embargo, a partir de 1996, con la aprobación del Fondo de Mantenimiento
y Desarrollo de La Enseñanza Fundamental – Fundef –, hubo un enorme
incremento de este proceso. El presente trabajo tiene por objetivo analizar algunas
CADERNOS DE PESQUISA v.44 n.153 p.624-644 jul./set. 2014 625
GRÁFICO 1
EVOLUÇÃO DA PARTICIPAÇÃO DAS MATRÍCULAS DO ENSINO FUNDAMENTAL,
1 EM TERMOS DA PORCENTAGEM, POR DEPENDÊNCIA ADMINISTRATIVA.
Neste gráfico, os intervalos
de tempo não são BRASIL, 1935 A 20131
homogêneos, embora a
ideia inicial fosse elaborar
intervalos de dez em dez 70
anos. No entanto, isso
não foi possível porque 60
626 CADERNOS DE PESQUISA v.44 n.153 p.624-644 jul./set. 2014
TABELA 1
DISTRIBUIÇÃO PERCENTUAL DO NÚMERO DE MUNICÍPIOS BRASILEIROS POR
FAIXA DE POPULAÇÃO, 2010
FAIXA DE POPULAÇÃO %
Até 2.000 2,1
De 2.001 a 5.000 21,26
De 5.001 a 10.000 21,8
De 10.001 a 20.000 25,2
De 20.001 a 50.000 18,7
De 50.001 a 100.000 5,8
Mais de 100.000 5,1
Fonte: IBGE (2010).
FEDERALISMO, DESCENTRALIZAÇÃO E PLANEJAMENTO DA EDUCAÇÃO: DESAFIOS AOS MUNICÍPIOS
TABELA 2
PORCENTAGEM DO NÚMERO DE MUNICÍPIOS, SEGUNDO A ESTRUTURA DE GESTÃO EDUCACIONAL
E A FAIXA DE POPULAÇÃO DO MUNICÍPIO. BRASIL, 2009
ESTRUTURA DE GESTÃO EDUCACIONAL DE MUNICÍPIOS BRASILEIROS
FAIXA DE COM COM COM PLANO
POPULAÇÃO COM CME COM CME SEM
SECRETARIA SISTEMA MUNICIPAL DE
PARITÁRIO DELIBERATIVO CME
EXCLUSIVA DE ENSINO EDUCAÇÃO
Brasil 43 52 56 71 65 21
Até 5.000 29 49 55 69 63 21
5.001-10.000 34 46 55 66 60 27
10.001-20.000 43 51 57 70 63 23
20.001-50.000 54 54 56 75 69 18
50.001-100.000 71 64 65 80 78 10
100.001-500.000 79 79 57 79 82 8
Mais de 500.000 88 98 50 68 93 0
AS FINANÇAS MUNICIPAIS
A Tabela 3 mostra como o tamanho dos municípios afeta a estrutura
da sua receita. Cabe comentar que os dados apresentados incorporam
transferências vinculadas aos programas de saúde – especificamente do
Sistema Único de Saúde – SUS – e educação – Fundeb e Fundo Nacional de
Desenvolvimento da Educação (FNDE) – e, portanto, extrapolam as receitas
líquidas de impostos, as quais englobam apenas as receitas próprias de im-
postos adicionados às transferências constitucionais de tributos da União
e dos estados.
TABELA 3
PARTICIPAÇÃO PERCENTUAL DOS PRINCIPAIS ITENS DE RECEITA MUNICIPAL
NA RECEITA BRUTA TOTAL, SEGUNDO A FAIXA DE POPULAÇÃO, 2007
PRINCIPAIS ITENS DE RECEITA MUNICIPAL
FAIXA DE POPULAÇÃO RECEITA SUS/FUNDEB/
FPM ICMS
PRÓPRIA FNDE
Participação dos Municípios (composto por 22,5% das receitas do Imposto de Renda + Imposto
sobre Produtos Industrializados), ICMS = Imposto sobre Operações Relativas à Circulação de
Mercadorias e Prestação de Serviços de Transporte e Comunicações, trata-se do imposto de maior
receita no Brasil.
Fonte: Ministério da Fazenda – Secretaria do Tesouro Nacional (MF-STN), Brasil (2008).
TABELA 4
PERCENTUAL DOS PRINCIPAIS ITENS DE DESPESA MUNICIPAL EM RELAÇÃO
À RECEITA BRUTA TOTAL, SEGUNDO A FAIXA DE POPULAÇÃO, 2007
PRINCIPAIS ITENS DE DESPESA MUNICIPAL
PERFIL DEMOGRÁFICO EDUCAÇÃO SAÚDE E
PESSOAL
E CULTURA SANEAMENTO
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OS EFEITOS DA POLÍTICA DE
FUNDOS PARA OS MUNICÍPIOS
O ponto de partida deste item será a desagregação dos dados apresenta-
dos pela Tabela 1, analisando-os agora apenas sob a ótica da participação
da rede municipal no total de matrículas, mas considerando os diferen-
tes estados da federação. A evolução dessa participação está indicada na
Tabela 5.
TABELA 5
CADERNOS DE PESQUISA v.44 n.153 p.624-644 jul./set. 2014 631
AL 12 20 50 44 47 48 55 67 71 73
AM 0 4 8 3 23 30 30 44 54 57
AP - - - - 34 10 13 18 24 33
BA 0 7 33 47 50 49 46 61 74 75
CE 0 22 48 41 54 50 47 66 77 76
ES 4 14 11 8 11 15 22 39 57 66
GO 32 32 9 17 30 30 30 37 46 54
(continua)
(continuação)
FEDERALISMO, DESCENTRALIZAÇÃO E PLANEJAMENTO DA EDUCAÇÃO: DESAFIOS AOS MUNICÍPIOS
MA 25 50 59 50 57 62 59 70 77 85
MG 27 36 35 19 22 21 23 42 43 44
MS - - - - - 27 35 43 51 56
MT 8 9 11 13 35 25 29 44 47 47
PA 0 0 14 18 24 32 36 68 73 76
PB 0 0 28 44 52 55 42 55 57 58
PE 34 33 52 32 39 40 42 54 58 60
PI 1 13 29 37 37 40 49 60 71 76
PR 3 9 13 27 39 34 43 46 47 47
RJ 16 9 26 21 11 38 48 54 59 59
RN 0 10 13 26 38 39 39 48 56 57
RO - - - - 2 96 32 41 47 46
RR - - - - - - 3 8 21 42
RS 38 34 52 34 35 33 35 40 45 48
SC 21 33 26 15 16 20 26 39 45 53
SE 9 17 26 30 36 38 40 48 58 56
SP 8 7 8 6 8 10 10 26 36 41
TO - - - - - 0 32 37 44 45
Notas: i) Para o período anterior a 1971 – quando o antigo primário foi fundido com o ginásio,
criando-se o ensino de 1º grau com oito séries de duração, depois (em 1996) transformado em
ensino fundamental –, somou-se a matrícula do primário ao ginásio para dar certa continuidade à
série histórica. ii) É importante lembrar que o município do Rio de Janeiro passou pela condição
de Distrito Federal, Cidade-Estado, antes de ser capital do Estado do Rio de Janeiro, o que explica
algumas oscilações; iii) Acre, Amapá, Rondônia e Rio Grande do Norte foram territórios federais
antes de se tornarem estados, ao passo que Mato Grosso do Sul e Tocantins surgiram da divisão
territorial dos estados de Mato Grosso e Goiás, o que explica as alterações ou ausência de dados.
Fonte: IBGE (1935-1983), MEC/Inep/Sinopses Estatísticas (BRASIL, 1995-2013).
TABELA 6
VALOR MÉDIO POR ALUNO, DISPONIBILIZADO PELO FUNDEB, COM E SEM A
COMPLEMENTAÇÃO DA UNIÃO, 2012
TABELA 7
GRAU DE DEPENDÊNCIA DOS MUNICÍPIOS DE RECURSOS ESTADUAIS E DO COMPLEMENTO DA
UNIÃO, NO ÂMBITO DO FUNDEB, 2012
RECURSOS NO ÂMBITO DO FUNDEB (R$ MILHÕES)
GRAU DE DEPENDÊNCIA
UF RECURSOS ORIUNDOS COMPLEMENTO CONTRIBUIÇÃO DOS (A + B)/C
DOS ESTADOS (A) DA UNIÃO (B) MUNICÍPIOS AO FUNDO (C)
MG 543 3.667 0,1
PR 337 1.995 0,2
RS 660 2.152 0,3
MT 196 565 0,3
SP 3.659 8.331 0,4
SC 569 1.282 0,4
GO 591 1118 0,5
BR 18.760 31.904 0,6
MS 322 521 0,6
TO 174 272 0,6
RO 194 252 0,8
RN 402 16 526 0,8
PB 383 99 598 0,8
PE 920 308 1.230 1,0
ES 692 685 1,0
AP 91 87 1,0
RJ 2.252 1.995 1,1
SE 372 318 1,2
AC 130 107 1,2
AM 493 241 549 1,3
RR 90 60 1,5
PI 428 301 472 1,5
BA 1.628 1.806 1.958 1,8
AL 486 311 448 1,8
CE 1.226 822 1.086 1,9
PA 1.026 1.579 879 3,0
MA 896 1.626 751 3,4
Fonte: FNDE (2012) (elaboração do autor).
-se dizer que o secretário de fato passa a ser o próprio prefeito, ou alguém de
sua extrema confiança. Essa possibilidade, certamente, colabora para certo
esvaziamento da capacidade técnica e da profissionalização de um setor tão
crucial. Isso ainda é mais certo nos municípios de menor porte, os quais, em
geral, são os mais municipalizados. Nesses, o afã municipalizador é muito
forte: em Analândia, interior de São Paulo, o autor chegou a constatar uma es-
cola dividindo espaço com a Câmara Municipal. É bem provável que a Câmara
também divida espaço na nomeação de diretores e na indicação do respon-
sável pela educação.
Um segundo efeito desse “enriquecimento” da pasta da educa-
ção é que o seu titular passa a ser visto como “o primo rico” e, em es-
pecial, os seus colegas da área de esportes, cultura e assistência social
tendem a pleitear o seu apoio financeiro para os projetos dessas áreas.
FEDERALISMO, DESCENTRALIZAÇÃO E PLANEJAMENTO DA EDUCAÇÃO: DESAFIOS AOS MUNICÍPIOS
TABELA 8
EFEITO DA RECEITA PRÓPRIA DOS MUNICÍPIOS NA DIFERENÇA ENTRE RECURSOS
DISPONÍVEIS POR ALUNO DA CAPITAL E DO INTERIOR, 2012
FUNDEB + 25% RECEITA
FUNDEB: VALOR MÉDIO PRÓPRIA (R$) RAZÃO:
UF
POR ALUNO (R$) CAPITAL/INTERIOR
INTERIOR CAPITAL
AP 2.947 3.217 3.436 1,1
RR 3.347 3.493 3.983 1,1
TO 2.816 3.094 3.587 1,2
PI 2.189 2.244 2.773 1,2
MS 2.683 3.246 4.110 1,3
AC 2.589 2.684 3.412 1,3
AM 2.162 2.248 2.917 1,3
MT 2.232 2.716 3.865 1,4
RO 2.342 2.621 3.781 1,4
PB 2.142 2.250 3.323 1,5
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TABELA 9
PARTICIPAÇÃO DA EDUCAÇÃO RURAL BÁSICA EM TERMOS DA PORCENTAGEM
CADERNOS DE PESQUISA v.44 n.153 p.624-644 jul./set. 2014 639
TABELA 10
DISTRIBUIÇÃO DO NÚMERO DE ESTABELECIMENTOS DE ENSINO RURAL POR REGIÃO E
DEPENDÊNCIA ADMINISTRATIVA, 2012
PARTICIPAÇÃO (%)
REGIÃO TOTAL FEDERAL ESTADUAL MUNICIPAL PRIVADO
REGIÃO MUNICÍPIO
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Recebido em: AGOSTO 2014 | Aprovado para publicação em: SETEMBRO 2014
José Marcelino Rezende Pinto CADERNOS DE PESQUISA v.44 n.153 p.624-644 jul./set. 2014 645