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RIO DE JANEIRO
OUTUBRO DE 2010
RETRATOS LITERÁRIOS: O DISCURSO CIENTÍFICO NA OBRA DE
JULES VERNE
Edmar Guirra dos Santos
Orientador: Professor Doutor Pedro Paulo Garcia Ferreira Catharina
Banca examinadora:
________________________________________________________________
Presidente, Professor Doutor Pedro Paulo Garcia Ferreira Catharina - UFRJ
________________________________________________________________
Professora Doutora Celina Maria Moreira de Mello - UFRJ
________________________________________________________________
Professora Doutora Rosa Maria de Carvalho Gens – UFRJ
________________________________________________________________
Professora Doutora Maria Mercedes Riveiro Quintans Sebold, Suplente - UFRJ
_______________________________________________________________
Professora Doutora Lúcia Teixeira de Siqueira e Oliveira, Suplente – UFF
Rio de Janeiro
Outubro de 2010
À Lúcia, Gil, Taís e Milca
AGRADECIMENTOS
Ao final de mais de quatro anos de trabalho, mesmo que seja difícil fazer uma lista
Paulo Garcia Ferreira Catharina, não só pela orientação dessa dissertação, mas pelo incentivo,
preocupação, paciência e pela confiança em querer me acompanhar nessa etapa dos estudos
acadêmicos que, espero, seja seguido de novos estudos sob sua orientação.
Que seja igualmente agradecido à Professora Celina Maria Moreira de Mello por despertar
em mim o gosto pela literatura francesa, pelos ensinamentos e pelas indicações mais do que
Maria Mercedes Riveiro Quintans Sebold e Lúcia Teixeira de Siqueira e Oliveira por
Esse trabalho universitário pôde ser realizado graças a diversas ajudas, pontuais ou regulares,
A ajuda de Irineu Corrêa pelo tempo despendido nas pesquisas a materiais das
bibliotecas nacional da França e do Rio de Janeiro. Obrigado pela preciosa ajuda! Agradeço
discutir meu trabalho. Os resultados desses encontros, que ultrapassaram o restrito quadro da
também à Adriana e Alban, à Hélène e Didier que muito me ajudaram em terras francesas.
Jules Verne não teria desprezado, na minha opinião, a nova tecnologia que é a Internet.
Graças a esse novo meio de comunicação pude conhecer Carlos Patrício e Frederico Jácome,
caros amigos vernianos a quem endereço meus agradecimentos pela ajuda e incentivo.
Obrigado também ao verniano Alexandre Tarrieu por me abrir as portas de sua biblioteca.
pesquisas e me corresponder com o mundo verniano: o Forum Jules Verne de Zvi Har’El
(jv.gilead.org.il/forum) e o Portal Jules Verne de Frédéric Viron (www.fredericviron.com).
familiares, pela presença, pela palavra amiga e estímulo, e por entenderem minha ausência em
alguns momentos.
Peço desculpas de antemão às pessoas que não citei, mas que contribuíram igualmente
SANTOS, Edmar Guirra dos. Retratos literários: o discurso científico na obra de Jules
Verne. Rio de Janeiro: UFRJ, Faculdade de Letras, 2010. Dissertação de Mestrado.
Programa de Pós-Graduação em Letras Neolatinas - Opção: Literaturas de Língua
Francesa. Rio de Janeiro: Faculdade de Letras/UFRJ, 2010.
RESUMO
4.3 Les enfants du capitaine Grant: do bom selvagem ao racismo avant la lettre........131
6. CONCLUSÃO ...................................................................................................207
7. REFERÊNCIAS ................................................................................................213
8. ANEXOS ............................................................................................................220
Jules Verne (1828-1905) é o autor mais traduzido no mundo, talvez o mais lido.
dos autores traduzidos todos os anos”.1 No entanto, em 1893, Verne declara numa
entrevista: “Le plus grand regret de ma vie est que je n’ai jamais compté dans la
littérature française”.2 De onde vem esse paradoxo que parece confirmar a máxima
francesa nul n’est prophète en son pays? Os motivos para tais constatações são
múltiplos.
Jules Verne se tornou escritor. Por mais decisivo que seja, o encontro entre Verne e
seu nascimento em
1
“[...] au nombre d’exemplaires vendus, Jules Verne est le quatrième auteur mondial, le premier
français et le champion des auteurs traduits chaque année”. In: DUSSEAU, Joëlle. Jules Verne. Paris:
Perrin, 2005, p. 9. 2 Citado por Lucien Boia em: BOIA, Lucien. Jules Verne - les paradoxes d’un mythe.
Paris: Les belles lettres, 2005, p. 11. A entrevista original e integral apareceu com o título “Jules Verne
at home: his own account of his life and work”, in McClures Magazine, vol. 11, N° 2, jan. 1894.
Traduzido do inglês por Sylvie Malbraneq, foi publicada no Magazine Littéraire, Nº 281, em outubro de
1990, e se encontra disponível em: http://jv.gilead.org.il/butcher/sherard.html Última consulta:
20/09/2008.
3
VERNE, Jules. “Souvenirs d’enfance et de jeunesse”. In: Jules Verne. Paris: L’Herne, 1974, p. 58.
2
Nantes até sua instalação em Paris, mostra algumas incertezas e hesitações que
navegadores escoceses, Jules Verne se juntava a mais um irmão e três irmãs para
compor uma família católica praticante. De 1833 a 1846, Verne e seu irmão Paul
estiveram em período escolar, tendo aprendido a ler com uma professora particular;
Stanislas, parte para o seminário Saint-Donatien e, enfim, para o Lycée Royal, onde
obteve seu baccalauréat em filosofia e retórica.5 Depois desse exame, Verne aceita
estudar Direito para atender ao desejo de seu pai, que se oferece para pagar seus
estudos.
o teatro e escreve dois dramas românticos: Alexandre VI e Un drame sous Louis XV.
para a literatura e para o teatro, continua seus estudos de Direito, mesmo sem muita
convicção. Em 1850, anuncia a seus pais que não deseja tornar-se advogado e se
do Théâtre Lyrique, Jules Seveste. Neste teatro, tem pela primeira vez encenada
uma de suas peças: Les pailles rompues, escrita em colaboração com Alexandre
Dumas Filho, amigo de Verne na época, peça que não obteve sucesso.
periódico Musée des Familles, dentre as quais Amérique du Sud, étude historique.
qui avait perdu son âme (1854); Un Hivernage dans les glaces (1855).
crítica de arte participando do Salão para o qual redige oito artigos, publicados na
Revue des beaux-arts. Esses artigos são considerados por Butcher como o primeiro
livro verniano, dada sua extensão: 32.000 palavras.7 A divulgação recente desse
Darwin.8
De 1858 a 1861 Jules Verne faz algumas viagens com seu amigo Aristide
Nessa época, Baudelaire traduz para o francês textos do escritor Edgar Allan
Poe. Jules Verne, que não lê nenhuma língua estrangeira, fascina-se pelo universo
estranho do
7
“Sem nenhum esforço aparente, ele publicou oito longos artigos relativos ao “Salon de 1857”
resultando num total de surpreendentes 32.000 palavras. Levando em conta a extensão e, sobretudo,
a unidade do tema, podemos legitimamente considerar esses estudos coletivamente como um livro. O
Salon de 1857 representa, assim, o primeiro grande trabalho verniano em prosa terminado sem
grandes esforços [...] O livro foi publicado sob a forma de artigos na Revue des beaux-arts: La tribune
des artistes.” In: BUTCHER, William. Jules Verne. The Definitive Biography. New York: Thunder’s
Mouth Press, 2006, p. 129-130. A tradução é relativa à passagem seguinte: “With no apparent effort
he published eight long review articles of the 1857 Salon, an amazing total of 32,000 words. Given
their scope and unity of theme, we should undoubtedly consider the articles collectively to be a book.
The Salon 1857 thus constitutes Verne’s first completed prose endeavor of any length. […] Verne’s
book appeared as individual articles in the Revue beaux-arts: Tribune des artistes […]”
8
Charles Darwin (1809-1882) só publicará A origem das espécies, com base nas teorias da seleção
natural, um ano depois, em 1859. Retomaremos esse assunto mais longamente no capítulo sobre o
interdiscurso em Jules Verne. A opereta, com música de Aristide Hignard, não obteve sucesso e saiu
de cartaz quinze dias depois da estreia. Cf. DUSSEAU, 2005, p. 121.
4
escritor americano, a quem dedica um estudo, em 1862: Edgard Poe et ses oeuvres.
romance de Poe. Em outra ocasião, pudemos analisar esta obra com base no
numa longa linha de romances bem sucedidos que permitiu que Verne dispusesse de
um suporte (escrito) a partir do qual pôde se legitimar e se lançar numa veia literária
que não constitui o essencial de sua obra.10 Na verdade, desde então, a escrita de
Impregnado das narrativas fantásticas de Poe, Verne pode construir as suas com o
aval do seu futuro editor, Jules Hetzel. O encontro entre eles acontece em 1862,
público-leitor.
9
Esse artigo foi publicado no periódico Musée des Familles e se encontra disponível em:
http://jv.gilead.org.il/almasty/aepoe/ Última consuta : 12/03/2009.
10
GUIRRA, Edmar. “Da intertextualidade entre Jules Verne e Edgar Allan Poe” In. Anais do I Colóquio
Vertentes do fantástico na literatura. São Paulo: Faculdade de Letras UNESP-Araraquara, 2009.
Versão em cd rom ISSN: 2175-7933.
11
William Butcher menciona que não se sabe se o encontro foi feito por intermédio de Dumas pai ou
filho. Há ainda a hipótese que Jules Verne tenha conhecido Hetzel através de Félix Nadar. Cf.
BUTCHER, 2006, p. 146.
5
parece alcançar seu objetivo: legitimar-se como escritor. Em 1862, ele apresenta a
relato de viagem, o texto leva Hetzel a pensar ter encontrado o escritor para seu
1863 com o título Cinq semaines en ballon - Voyage de découvertes en Afrique par
Jules Verne pode, finalmente, começar a viver da sua literatura. Depois desse
extraordinárias”.
este romance de Jules Verne. Hetzel tinha o desejo de criar “uma biblioteca
mesmo tempo, que agrade aos pais e seja proveitoso para as crianças.”13 Verne é
leitura infanto-juvenil. Desta maneira, renova seu contrato com Hetzel pelo qual fica
incumbido de entregar ao editor três volumes por ano. Depois desse contrato, Jules
“mundo
primitivo” publicada na revista. Pode-se dizer que a vasta obra literária de Jules
Verne foi
12
Cf. COMPÈRE, Daniel. Jules Verne. Parcours d’une oeuvre. Amiens: Encrage, 1996, p. 15. 13
“Constituer un enseignement de famille dans le vrai sens du mot, un enseignement sérieux et attrayant
à la fois, qui plaise aux parents et profite aux enfants.” MACÉ, Jean & STHAL, P.-J. Magasin
d’Éducation et de Récréation, Paris: Hetzel, Mar/1864, p. 1. Citaremos mais longamente informações
editoriais sobre a revista e outras vias de publicação dos romances de Jules Verne, no quinto capítulo
desta dissertação.
6
público e político atestam isso. Através desses conhecimentos, Jules Verne também
Em suma, se Jules Verne não obteve sucesso na sua carreira de juventude, Cinq
a partir do qual escreverá. É interessante verificar que até mesmo os títulos desses
ballon - Voyage de découvertes en Afrique par trois anglais (1863); Voyage au centre
de la Terre (1864); De la Terre à la Lune - Trajet direct en 97 heures et 20 minutes
Désert de glace (1866); Les Enfants du capitaine Grant - Voyage autour du monde
(1867-1868) ; e Vingt mille lieues sous les mers - Tour du monde sous-marin
(1869-1870).
passando pelos pólos e pela Lua, a ambição das “Viagens extraordinárias” se define:
trata-se
14
BARTHES, Roland. Mythologies. Paris: Seuil, 2001 (1957), p. 75.
7
de um mundo em evolução.
recompensados. Ele deve esse novo status a Hetzel. Em 1867, Verne reconhece o
papel que seu editor representou na sua vida, despedindo-se e assinando uma das
cartas que trocam entre si, dessa maneira: “votre Verne, celui que vous avez
inventé.”15
que a geografia é para ele o que a História foi para Alexandre Dumas. Certamente,
este é um dos pontos originais da ficção verniana. Claude Roy afirma que “O mundo
Verne.”16 A geografia se faz tão presente nos romances do escritor que estudiosos
aplicam, com frequência, o rótulo de “romances geográficos”, defendendo, assim,
não só uma originalidade para Verne, mas definindo uma espécie de gênero para o
que reúne vulgarização científica, romance popular e literatura para crianças. Estes
público.
15
DELLA RIVA, Piero Gondolo; DEHS, Volker & DUMAS, Olivier; Correspondance inédite de Jules
Verne et de Pierre-Jules Hetzel (1863-1886). Genebra: Slatkine, 1999, p. 73.
16
ROY, Claude. Le commerce des Classiques. Paris: Gallimard, 1953, p. 258.
8
anos da sua morte. Muitos estudos sobre a obra verniana têm sido publicados e,
considerar Jules Verne como um autor sério, multifacetado, possuidor de uma obra
no mês de fevereiro do mesmo ano, o jornal Le Temps congratula “um nome até
agora desconhecido de que não temos que predizer o sucesso porque esse sucesso
já está feito”; o livro “é um resumo rápido e interessante das descobertas feitas pelos
das quais Jules Verne usou e abusou para a criação de sua obra. Mais tarde,
17
“Un nom jusqu’ici inconnu, dont nous n’avons pas à prédire le succès, car ce succès est déjà fait”; “
[...] est un résumé rapide et intéressant des découvertes faites par les plus célèbres voyageurs”. Le
Temps, le 17 février 1863. Disponível em: http://gallica.bnf.fr/ark:/12148/bpt6k2214461 Última consulta:
23/10/2008. 18 “Verne est le créateur d’un genre de notre littérature.” Le Temps, le 19 décembre 1864.
Disponível em: http://gallica.bnf.fr/ark:/12148/bpt6k222240d Última consulta: 23/10/2008.
19
“[...] créateur d’un nouveau genre en littérature, l’enseignement géographique par la fiction” Le petit
Journal, le 3 août 1875. In: Bulletin de la société Jules Verne (BSJV), nº 141, 1er trimestre, 2002.
9
escreve em 1867 que seu “objetivo é, de fato, resumir todos os conhecimentos [...] e
refazer, na forma atraente e pitoresca que lhe é própria, a história do universo.”21
Sublinhando o caráter didático da obra de Verne, Émile Zola, num curto texto
tem sua obra recomendada e renomeada “viagens imaginárias” pelo escritor e crítico
Fracasse e Mademoiselle de Maupin conheceu Jules Verne e, assim como Zola, foi
20
Cf. CHARTIER, Roger & MARTIN, Henri-Jean. Histoire de l’édition française; le temps des éditeurs.
Paris : Fayard, 1985, p. 190.
21
“Son but est, en effet, de résumer toutes les connaissances [...] et de refaire, sous la forme attrayante
et pittoresque qui lui est propre, l’histoire de l’univers.” MACÉ, Jean & STHAL, P.-J “Avertissement de
l’éditeur” In: Magasin d’éducation et de récréation. Tome II, 1867, p. 1-2. Retomaremos integralmente
essa citação no quinto capítulo desta dissertação.
22
« M. Jules Verne est le fantaisiste de la science. Il met toute son imagination au service de
déductions mathématiques, il prend les théories et en tire des faits vraisemblables, sinon pratiques. Ce
n’est pas le cauchemar d’Edgar Poe, c’est une fantaisie aimable et instructive, ce sont des récits écrits
pour les enfants et les gens du monde, pleins d’intérêt dramatique et d’enseignements utiles. […] C’est
une excellente idée que de dramatiser la science pour la rendre accessible aux profanes. » Cf. ZOLA,
Émile apud MARGOT, Jean-Michel (dir.). Cahier Jules Verne. Jules Verne en son temps vu par ses
contemporains (1863-1905). Vol 2. Paris: Les Belles Lettres, 2004, p. 21-22.
10
literários que dedicou uma crítica às “Viagens extraordinárias”. Num artigo publicado
Como podemos constatar, para vários críticos, Jules Verne uniu, no gênero
do criador dos guias de viagem na França (Les Guides Joanne), Adolphe Joanne,
com aquele do escritor, compositor e pintor alemão Ernst Theodor Amadeus Wilhelm
23
“Ce qu’il y a de mieux à faire en pareil cas, c’est de fermer tout, persiennes, stores, rideaux, de
s’allonger sur un fauteuil de moleskine, enveloppé d’un burnous algérien, et de lire dans la
demi-obscurité à laquelle l’oeil se fait bien vite, quelque livre agréable et rafraîchissant, les voyages
imaginaires de M. Jules Verne par exemple, dont les titres seuls vous font courir sur la peau un léger
frisson: Les anglais au Pôle Nord ; Le désert de glace ; Cinq semaines en ballon ; Voyage au centre de
la Terre ; De la Terre à la lune. [...] ils offrent la plus rigoureuse possibilité scientifique d’arriver. La
chimère est ici chevauchée et dirigée par un esprit mathématique.” Texto de Théophile Gautier
publicado no Moniteur Universel, nº 197, Julho/1886, apud TOUTTAIN, Pierre-André (dir.). Jules
Verne. Paris : nº 25, L’Herne, 1974, p. 85.
24
“[...] un des apôtres de la science les plus fervents. Ces ouvrages garderont une valeur plus haute,
celle d’avoir déviné tous les derniers et le plus saisissants progrès de la science moderne. On trouve
prévues, fixées en équations et en formules, les inventions qui seront la gloire du siècle qui vient de
finir et de celui qui commence.” Le Temps, le 26 mars 1905. Disponível em:
http://gallica.bnf.fr/ark:/12148/ bpt6k238197c Última consulta: 24/10/2008.
25
“C’est un magicien, et sa magie à lui, c’est la science. Nous avions avant lui le roman historique, le
roman analytique, le roman intime, le roman de cape et épée – il crée le roman électro-géographique.
On l’appelait, l’autre jour, un Joanne-Hofmann.” BSJV, N° 139, 3e trimestre, 2001.
11
Para a presente dissertação, acreditamos que as informações acima, biográficas ou
Verne. Ao mesmo tempo, são informações que elucidam e nos ajudam a reconstruir
Em aspectos gerais, nos três romances que citamos e que compõem o foco da
tramas. Este aspecto, que agrupa os romances num conjunto, evidencia o caráter
geográfico das obras, visto termos o norte da África como cenário para Cinq
semaines en ballon; o Chile, a Austrália e a Nova Zelândia como cenário para Les
extraordinárias” servem como pretexto para que Jules Verne apresente aos jovens
leitores europeus partes do globo terrestre ainda pouco conhecidas, salientando não
só sua geografia, mas também seu relevo, sua fauna e flora, seus habitantes, bem
sua evolução, numa época em que diversas teorias surgiam para uma possível
que escreveu o Essai sur l’inégalité des races humaines, em 1853-1855. Verne, com
seu conhecimento enciclopédico, vale-se de uma prática corrente no século XIX que
suíço Johann Kaspar Lavater (1741-1801), que propunha conhecer os homens pelo
estudo da sua
12
alemão Franz Josef Gall (1758-1828). Assim, Jules Verne apresenta aos leitores os
romances.
função de tais imagens dentro destas narrativas, e saber em que medida, para criar
sua cenografia enunciativa. Tendo como ponto de partida o romance Cinq semaines
en ballon, primeiro romance verniano que não conheceu nenhuma via de publicação
folhetinesca, um outro problema que investigamos nesta dissertação, e o que
13
europeu. A maneira pela qual esses personagens são descritos indicar-nos-ia que o
autor efetuou e incorporou leituras de Lavater, Gall e Darwin, por exemplo, e teve
enunciativo, aventa-se que ele estaria presente no primeiro romance de Jules Verne
interseção entre os elementos que podem aproximar uma da outra. Nesse capítulo,
científico e histórico na obra de Jules Verne, em especial nos retratos dos romances
do corpus que analisamos. Nesse capítulo, mostramos que Jules Verne se serviu da
revista Le Tour du monde como fonte primária para a construção dos retratos e,
ainda, que mantém diálogo interdiscursivo com a ciência de Lavater e Gall. Visto que
14
retratos, para cada romance, converge para uma noção geral. Aqui, abordamos os
publicadas no século XIX por Jules Hetzel. Quando se fizer necessário ao longo da
citação, não existindo uma versão para o português, foi traduzida por nós,
15
2 - RETRATOS
personagens. Para este autor, eles se constituem como uma categoria narrativa,
universo da escrita, a um ser fictício que terá um papel de maior ou menor relevância
em um texto.
Como toda noção ligada à criação literária, o retrato suscita algumas questões
ulterior-, até o século XIX, em que aparecerá como figura de pensamento no interior
de uma trama.
estão em Os caracteres de Teofrasto (372 a.C. - 287 a.C.), traduzidos do grego para
26
BARTHES, Roland. Introduction à l’analyse structurale des récits. In: Oeuvres Complètes. Paris:
Seuil, 1994, p. 95.
16
ressaltando o que é particular num fenômeno mais ou menos geral. Por outro lado,
em As vidas dos homens ilustres, escrito alguns séculos depois dos Caracteres,
evocar gestos, palavras e detalhes mais significativos que lhe permitiriam definir
compará-los, declara:
Não escrevo histórias, mas vidas; aliás, não é sempre nas ações mais
magníficas que se mostram mais as virtudes ou os vícios dos homens. Um problema
cotidiano, uma palavra, uma brincadeira dão melhor a conhecer o caráter do homem do que
batalhas sangrentas e ações memoráveis. Os pintores extraem a semelhança de seus
retratos nos olhos e nos traços do rosto, onde o natural e os modos aparecem mais
sensivelmente:
27
«[...] je me renferme seulement dans cette science qui décrit les moeurs, qui examine les hommes et
qui développe leurs caractères.» THÉOPHRASTE. Les Caractères de Théophraste. Traduits du grec.
Paris : Estienne Michallet, 1688, p. 3. Disponível em :
http://gallica.bnf.fr/ark:/12148/bpt6k105077m.r=Th%C3%A9ophraste.langEN
Última consulta: 20/03/2009.
28
«La dissimulation n’est pas laissée à bien définir; si l’on se contente d’en faire une simple description,
l’on peut dire que c’est un certain art de composer ses paroles et ses actions pour une mauvaise fin.
Un homme dissimulé se comporte de cette manière; il aborde ses ennemis, leur parle et leur fait croire
par cette démarche qu’il ne les hait point; il loue ouvertement et en leur présence ceux à qui il dresse
de secrètes embûches.» THÉOPHRASTE, 1688, p. 58.
17
eles tratam bem menos outras partes do corpo. Que me seja assim também
permitido penetrar nos recônditos mais secretos da alma, a fim de extrair os
traços mais marcantes da personalidade e de pintar, de acordo com esses
indícios, a vida desses dois grandes homens, deixando para outros o detalhe
dos combates e das ações mais brilhantes29.
evoluiu através dos séculos e é a esse título que a utilização do verbo pintar, na
arte literária do retrato.31 No entanto, para que o retrato literário ganhasse impulso,
de Madeleine de Scudéry, que transpunha o que assistia nos Salões para suas obras,
essa
29
« Je n’écris pas des histoires, mais des vies; d’ailleurs ce n’est pas toujours dans les actions les plus
éclatantes que se montrent davantage les vertus et les vices des hommes. Une question ordinaire,
une parole, un badinage, font souvent mieux connaître le caractère d’un homme que des batailles
sanglantes et des actions mémorables. Les peintres prennent la ressemblance de leurs portraits dans
les yeux et les traits du visage, où le naturel et les moeurs éclatent plus sensiblement : ils soignent
beaucoup moins les autres parties du corps. Qu’il me soit de même permis de pénétrer dans les plus
secrets réplis de l’âme, afin d’y saisir les traits les plus marqués du caractère, et de peindre d’après
ces signes la vie de ces deux grands hommes en laissant à d’autres le détail des combats et des
actions les plus éclatantes. » PLUTARQUE. Les vies des hommes illustres. T.II. Trad. Jacques Amyot ;
sous la resp. de Gérard Walter. Paris: Gallimard, 1951, p. 299.
30
Cf. BERGEZ, Daniel. Littérature et peinture. Paris: Armand Colin, 2004, p. 87.
31
Mais adiante trataremos de alguns critérios que permitem a inserção de uma obra no gênero pictural
retrato e dos dados relevantes para essa discussão, que podem aproximar o retrato literário da sua
interface pictórica. 32 BERGEZ, 2004, p. 87.
33
Cf. NIDERST, Alain. Madeleine de Scudéry; construction et dépassement du portrait romanesque. In:
DEBREUILLE, Jean-Yves et alii. Le Portrait littéraire. Lyon: PUL, 1988, p. 107-112.
18
fidelidade descritiva era garantida por uma descrição de nuanças anatômicas, como
traços de um arquétipo.
Restituo ao público o que ele me cedeu: tomei dele emprestado a matéria desta
obra; é justo que, tendo concluído com toda atenção pela verdade de que sou
capaz e que ele merece de mim, eu lhe retribua. Ele pode olhar à vontade esse
retrato que faço dele segundo sua natureza e, se ele reconhecer em si alguns
dos defeitos em que toco, corrigir-se.35
34
« Cléomire est grande et bien faite : tous les traits de son visage sont admirables ; la délicatesse de
son teint ne se peut exprimer ; la majesté de toute sa personne est digne d’admiration, et il sort je ne
sais quel éclat de ses yeux qui imprime le respect dans l’âme de tous ceux qui la regardent ; pour moi,
je vous avoue que je n’ai jamais pu approcher Cléomire, sans sentir dans mon coeur je ne sais quelle
crainte respectueuse qui m’a obligé de songer plus à moi, étant auprès d’elle, qu’en nul autre lieu du
monde où j’aie jamais été. Les yeux de Cléomire sont si admirablement beaux, qu’on ne les ai jamais
pu bien représenter. [...] Sa physionomie est la plus belle et la plus noble que je vis jamais, et il paraît
une tranquilité sur son visage qui fait voir clairement quelle est celle de son âme. Enfin, si on voulait
donner un corps à la Chasteté pour la faire adorer par toute la terre, je voudrais représenter Cléomire ;
si on en voulait donner un à la Gloire pour la faire aimer par tout le monde, je voudrais encore faire sa
peinture ; et si l’on en donnait un à la Vertu, je voudrais aussi la représenter. » SCUDÉRY, Madeleine
apud COUSIN, Victor. La société française au XVIIe siècle d’après Le Grand Cyrus de Mlle de Scudéry.
Paris : Didier, 1858, p. 277-278. Disponível em :
httpgallica.bnf.frark12148bpt6k2014489.r=%22le+grand+cyrus%22.langPT Última consulta:
02/10/2009. 35 « Je rends au public ce qu’il m’a prêté: j’ai emprunté de lui la matière de cet ouvrage ; il
est juste que l’ayant achevé avec toute l’attention pour la vérité dont je suis capable, et qu’il en mérite
de moi, je lui en fasse la restitution. Il peut regarder avec loisir ce portrait que j’ai fait de lui d’après
nature, et s’il se connaît quelques-uns des défauts que je touche, s’en corriger. » LA BRUYÈRE, Jean
de. Les Caractères. Paris : Imprimerie Nationale, 1998, p. 129.
19
esboça:
Um homem de mérito, que ocupa esse lugar, nunca é importunado por sua
vaidade, ele se incomoda mais pelo lugar de destaque que não ocupa, e do
qual acredita ser digno, do que pelo lugar que ele ocupa: mais capaz de
apreensão do que de orgulho ou de desprezo pelos outros, ele só se importa
consigo mesmo.36
artistas) que passa seus dias diante da prancha de cobre, que se esforça para deixar
mais exata e mais fiel: assim faço eu com essas imagens literárias que se
“compor uma galeria um pouco irregular, porém completa, própria a dar uma ideia
dramaturgo francês Victor Massé (1822-1884). O artigo, que apareceu com o título
permaneceu inédito até o ano de 2008 quando foi publicado em Jules Verne - Salon
de 1857.39 Neste livro, figuram também os sete artigos de crítica de arte escritos por
linhas não têm a pretensão de apreciar a fundo seu talento de compositor; escrevo
mais uma biografia do que uma crítica; dedico-me mais ao homem do que ao
também seres fictícios. Daniel Bergez observa que é com Honoré de Balzac que a
estética, a técnica e mesmo a ideologia do retrato vão se fixar de modo durável. A
este é situado num conjunto de tipos, o que permite inscrever sua singularidade
39
BUTCHER, William. Jules Verne – Salon de 1857. Paris : Acadien, 2008, p. 30-35 40« Ces quelques
lignes n’ont pas la prétention d’apprécier à fond son talent de compositeur; je fais plutôt de la
biographie que de la critique ; je m’adresse peut-être plus à l’homme qu’à l’artiste.» VERNE, Jules.
Portraits d’artistes XVIII. In: Revue des Beaux-Arts, vol. 8, 6e livraison, 1857, p. 115-116.
21
personagem e o meio em que ele vive; um bom exemplo dessa técnica está na
No percurso feito acima, nota-se que, desde meados do século XVII, o retrato
chama a atenção para o uso do verbo portraire, que tem o sentido de traçar e
desenhar:
onde a palavra retrato era definida como “a imagem imitada de uma personagem”44,
41
Cf. BERGEZ, 2006, p. 88.
42
POMMIER, Édouard. Théories du portrait. De la Renaissance aux Lumières. Paris: Gallimard-NRF,
1998, p. 15.
43
«C’est le trait qu’on tire pour former le contour de quelque chose ; de ce sens général dérive celui de
représenter, peindre ; le substantif portrait a les sens, qui se superposent en quelque sorte, de tracé et
figure de géométrie, de forme, figure, plan et disposition, de plan et projet, d’image et représentation,
d’image comme ressemblance.» HUGNET, Edmond. Dictionnaire de la langue française du XVIe
siècle, Paris, 1965, p. 88-89 apud POMMIER, 1998, p. 15.
44
POMMIER, 1998, p. 16.
45
POMMIER, 1998, p. 16.
22
O verbo portraire é uma palavra geral que se estende a tudo o que se faz
quando se deseja obter a semelhança de alguma coisa. Entretanto, não se
emprega indiferentemente a qualquer tipo de assunto. Diz-se o retrato de um
homem, ou de uma mulher, mas não se diz o retrato de um cavalo, de uma
casa ou de uma árvore.46
imagem do homem representado tal como é, pois os dicionários que aparecerão vão
privilegia somente o gênero pictural: “Retrato. Esta palavra se diz dos homens
somente e falando-se de pintura. É tudo o que representa uma pessoa segundo sua
uma pessoa tal como ela é ao natural”.48 Enfim, a Academia Francesa, no seu
“Imagem, semelhança de uma pessoa que tenha existido, através do pincel, do buril,
do lápis etc.”49 Numa segunda entrada, define o retrato literário como se derivasse do
pictórico: “Retrato significa também a descrição que se faz de uma pessoa, tanto do
46
«Le mot portraire est un mot général qui s’étend à tout ce qu’on fait lorsqu’on veut tirer la
ressemblance de quelque chose; néanmoins on ne l’emploie pas indifférement à toutes sortes de
sujets. On dit le portrait d’un homme, ou d’une femme, mais on ne dit pas le portrait d’un cheval, d’une
maison ou d’un arbre». FÉLIBIEN, André. Des principes de l’Architecture, de la Sculpture, de la
peinture et des autres arts qui en dépendent. Avec un dictionnaire des termes propres à chacun de
ses arts. Paris: [s.éd.], 1676, p. 721-722. Disponível em http://gallica.bnf.fr/ark:/12148/bpt6k856621
(Última consulta 10/07/2008).
47
«Portrait. Ce mot se dit des hommes seulement et en parlant de peinture. C’est tout ce qui
représente une personne d’après nature avec des couleurs.» RICHELET, Pierre. Dictionnaire Français.
Genève : [s.éd.], 1680, p.194. Disponível em: Http://gallica.bnf.fr/ ark:/12148/bpt6k509323 Última
consulta 10/07/2008. 48 «Représentation faite d’une personne tel qu’elle est au naturel.» FURETIÈRE,
Antoine. Dictionnaire Universel. T. I, Paris : [s.éd.], 1690. Disponível em:
http://gallica.bnf.fr/ark:/12148/CadresFenetre?O=NUMM 50614&M=chemindefer Última consulta
10/07/2008.
49
«Image, ressemblance d’une personne ayant existé, par le moyen du pinceau, du burin, du crayon
etc.» ACADÉMIE FRANÇAISE. Le Dictionnaire de l'Académie françoise, dédié au Roy. T. 2. L-Z. Paris
: Vve J. B. Coignard et J. B. Coignard, 1694. p. 282. Disponível em:
http://gallica.bnf.fr/ark:/12148/bpt6k50398c.image.f283.langFR# Última consulta:
02/04/2009. 50 ACADÉMIE FRANÇAISE, 1694, p. 282.
23
acordo com a tradição retórica, estas figuras recebiam o nome de effictio e notatio,
respectivamente, como menciona Kazimierzs Kupisz em seu artigo “Ce don troublant
de la beauté; autour du portrait féminin dans les comptes amoureux”. Kupisz salienta
ainda que entre as duas figuras existe não somente uma oposição, mas
moral quanto física de um ser animado, real ou fictício”52. Fontanier menciona que,
mas que a figura será tratada em seu dicionário como sendo a reunião dessas duas
importantes que devem ser lembradas. Segundo Gradus, como toda descrição, o
retrato pode ser construído pelo ponto de vista de um personagem, com ou sem
51
Cf. KUPISZ, Kazimierzs. Ce don troublant de la beauté; autour du portrait féminin dans les Comptes
amoureux. In. DEBREUILLE, 1988, p. 67.
52
«On appelle souvent du nom de portrait, soit l’Ethopée, soit la Prosopographie, toute seule; mais le
portrait tel que l’on entend ici, doit les réunir l’une à l’autre. C’est la description tant au moral qu’au
physique d’un être animé, réel ou fictif.» FONTANIER, Pierre. Les figures du discours. Paris:
Flammarion, 1977, p. 428. 53 Cf. DUPRIEZ, Bernard. Gradus; les procédés littéraires. Paris : Union
générale d’éditions, 1984, p. 358.
24
ideia ou a pessoa que está sendo descrita. Enquanto em Gradus o termo charge é
para os termos caricatura e charge, porém com o mesmo significado, isto é, ambas
de Henri Morier, pode-se dizer que ele somente é citado quando são feitas as
ou imaginário.”57
conjunto dessas duas figuras (ou as duas figuras isoladas) pode ser chamado de
fugirem do que é comum à natureza daquilo ou daquele que está sendo descrito,
informar sobre a
54
Cf. DUPRIEZ, 1984, p. 103.
55
Cf. LITTRÉ, Émile. Littré – Dictionnaire de la langue française. Paris: Hachette, 2000, p. 218. 56
«Prosopographie – dans un portrait, partie de la description consacrée aux apparences physiques
(visage, forme, proportion du corps) ainsi qu’au maintien et au comportement.» MORIER, Henri.
Dictionnaire de poétique et de réthorique. Paris: PUF, 1988, p. 968.
57
«Ethopée – Figure qui consiste à brosser le portrait moral d’un personnage historique ou imaginaire.»
MORIER, 1988, p. 469.
25
de partida, um bloco descritivo que permite lançar e/ou atualizar a presença de um
uma forma que, no entanto, os disciplinam: essa forma é ao mesmo tempo uma
mas, é preciso dizer que, se a descrição de um retrato compõe um texto, ela não é
marca uma fronteira da narrativa, esta é uma fronteira interior e, em suma, bastante
indecisa”.60
descrição serve também para definir o lugar do personagem numa hierarquia, aquela
ou da
descrição do meio que, no texto clássico, serve para indicar o lugar funcional do
personagem,
58
Cf. MIRAUX, Jean Philippe. Le portrait littéraire. Paris: Hachette, 2003, p. 47.
59
«Dans le portrait, les sens fourmillent, jetés à la volée à travers une forme qui cependant les
discipline: cette forme est à la fois un ordre réthorique (l’annonce et le détail) et une distribution
anatomique (le corps et le visage).» BARTHES, Roland. S-Z. Paris: Seuil, 1970, p. 67.
60
«Si la description marque une frontière du récit, c’est bien une frontière intérieure et somme toute
assez indécise» GENETTE, Gérard. Figures II. Paris: Seuil, 1969, p. 61.
61
Cf. HAMON, Philippe. Du descriptif. Paris: Hachette, 1993, p. 111.
26
que o leitor se depara com uma descrição, “ele aguarda a declinação de um estoque
lexical, de um paradigma de palavras latente. Ele espera por termos”. Hamon explica
informar sobre o personagem, devemos nos ater à construção dessa figura e revelar
poeta deveria seguir a ordem natural. E já que Deus, como se acreditava, criou o
começar pela cabeça, passar pelo tronco e terminar pela descrição das pernas.
62
«Il attend la déclinaison d’un stock lexical, d’un paradigme des mots latent. Il attend des termes. Le
système descriptif est alors explication, dépli d’une liste dans la mémoire du lecteur.» HAMON,
Philippe. L’analyse du descriptif. Paris: Hachette, 1981, p. 44.
63
«Autres types d’ordonnancements stéréotypés: du près au lointain (pour les paysages), du dehors au
dedans (pour les bâtiments), du physique au moral, du haut en bas (pour les personnages et pour les
portraits).» Cf. HAMON, 1993, p. 139.
27
Krystyna Antkowiak observa, num artigo em que compara dois retratos de François I,
para ser mais completo, o retrato deve ainda ser seguido da descrição das roupas e
feito por Anne de Graville, há um interesse maior pelo aspecto exterior; é pelo retrato
físico que ela inicia a apresentação do rei François I. Porém, tal descrição não teria
nada de particular se ela não tivesse evocado um pequeno detalhe que constituiria o
traço individual do rei: o longo nariz. Ao mesmo tempo, este traço de individualidade
suas virtudes.
elementos julgados mais significativos por cada uma das escritoras. As observações
trazidas por Antkowiak sobre o retrato de François I nos fazem refletir sobre o
64
Cf. ANTKOWIAK, Krystyna. Portrait de François I er d’après Marguerite de Navarre et Anne de
Graville. In: DEBREUILLE, 1988, p. 78.
28
ao espaço em que é inscrito e ligado à intriga, tanto no nível da sua estrutura quanto
no nível das intenções do autor e das concepções de mundo que este deseja
Será sob esse prisma que o retrato constituirá uma temática preponderante e
recorrente na obra de Jules Verne, que pretende ser uma verdadeira enciclopédia. O
título “Viagens extraordinárias” dado ao conjunto da obra verniana, leva-nos a
pensar no retrato literário inscrito num relato de viagem. Esse dado delimita nossas
ou cientista que constata por si mesmo aquilo que vê. Assim, o retrato fará parte de
efetuadas. Portanto, o retrato deverá ser preciso, claro, bem traçado e, seguindo
29
com sua vertente literária. Seguindo este caminho, reservamos duas problemáticas
que envolvem o retrato pictural: sua relação com a invenção das artes visuais e a
metonímia rosto/corpo.
anteriormente citados.
Na pintura, o retrato se afirma como gênero autônomo no século XIV, após ter
todas as épocas.
incertezas em sua definição e função, o mesmo não acontece com sua interface em
homem teria observado sua sombra e teria definido o contorno: a pintura começou
com a observação de um fenômeno natural que o levou a captar sua forma por um
traço:
A questão das origens da pintura é obscura e não entra no plano desta obra. Os
egípcios declaram que ela foi inventada por eles seis mil anos antes de existir
na Grécia: vã pretensão, é óbvio. Quanto aos gregos, uns dizem que o
princípio foi descoberto em Sicião, outros, em Corinto, e todos que ele consistiu
em traçar com linhas o contorno de uma sombra humana: esta foi, portanto, a
primeira etapa.65
65
«La question des origines de la peinture est obscure et n’entre pas dans le plan de cet ouvrage. Les
Égyptiens déclarent qu’elle a été inventée chez eux six mille ans avant de passer en Grèce : vaine
prétention, c’est bien évident. Quant aux Grecs, les uns disent que le principe a été découvert à
Sycione, les autres à Corinthe, et tous qu’il a consisté à tracer grâce à des lignes, le contour d’une
ombre humaine : ce fut donc là la première étape. » PLINE L’ANCIEN. Histoire Naturelle. Livre XXXV;
Ch. XV. trad. M.É. Littré. Paris: Firmin-Didot, 1877, [s.p.]. Disponível em
http://gallica.bnf.fr/ark:/12148/bpt6k2820810 Última consulta 20/07/2008.
30
Ora, a partir da lenda contada por Plínio, notamos que o retrato do “noivo” da filha de
Butades parece dar uma identidade à origem anônima da pintura. A dupla função
ser amado, a filha, graças a seu pai, contemplará o retrato do jovem, sem que
preciso notar que a lenda fala de um retrato fixado a partir da sombra e isso leva a
66
«Le potier Butadès de Sycione découvrit le premier l’art de modeler des portraits en argile [...] cela se
passait à Corinthe et il dut son invention à sa fille qui était amoureuse d’un jeune homme; celui-ci
partant pour l’étranger, elle entoura d’une ligne l’ombre de son visage projetée sur le mur par la
lumière d’une lanterne ; son père appliqua de l’argile sur l’esquisse, en fit un relief qu’il mit à durcir au
feu avec le reste de ses poteries. » PLINE L’ANCIEN, 1877, ch. CLI, [s.p.].
67
TEIXEIRA, Lucia. Sou, então, pintura: em torno de auto-retratos de Iberê Camargo. Alea [online].
2005, vol.7, n.1, p. 123-138. Disponível em: http://www.scielo.br Última consulta: 18/10/2009. 68 Cf.
POMMIER, 1998, p. 19.
31
Estas maneiras de estudar poderão, provavelmente, ser muito difíceis para os
jovens; assim, quero demonstrar-lhes que a pintura não é indigna a que nos
dediquemos com todo o nosso zelo e toda nossa paixão. Na verdade, não
possui ela em si mesma um poder divino, esta pintura que, entre amigos, por
assim dizer, torna presente o ausente e, além disso, pode, depois de muitos
séculos, mostrar os mortos aos vivos, de tal forma que eles sejam
reconhecidos, para a grande admiração do homem de arte e deleite dos
espectadores?69
entre meus familiares, que o inventor da pintura deve ser esse Narciso que foi
Porém, aceitar o retrato como origem das artes deixa margem para diversas vias de
investigação. Destaca-se o vínculo que une rosto e corpo nessa prática artística: é
do perfil do modelo, ou seja, do rosto delineado. Quais são os fatores que precipitam
fundamental. Para tal fim, alguns pintores inscrevem o nome e a idade do modelo
More e sua família (1527), de Hans Holbein (1497-1543) onde, sobre cada indivíduo
uma pintura como pertencente ao gênero retrato71. Retomaremos esse dado quando
entanto, diversos são os quadros identificados como retratos, ainda que pesquisas
71
Cf. DUBUS, Pascale. L’art en perspective - Qu’est-ce qu’un portrait ? Paris : L’Insolite, 2006, p. 37.
33
seria filho do Senhor Godefroy, joalheiro e amador em pintura, figuraria numa tela
72
Cf. ROSEMBERG, Pierre (dir.). Chardin. Paris: Éditions de la Réunion de Musées Nationaux, 1999,
[s.p.].
34
reflexões que se fazem sobre retrato em pintura. Ora qualificado como figure de
fantaisie ora como retrato, a obra pertenceria a uma terceira categoria: o retrato
fantasia, uma vez que os olhos castanhos do modelo tornaram-se azuis, segundo as
Encyclopédie: “um pintor faz um retrato de fantasia quando ele não é segundo o
modelo”74:
não podemos nos satisfazer com as definições que dão o retrato como a
determinar quais são os critérios que nos permitem afirmar, diante de uma produção
artística, que se trata de um retrato. Por outro lado, observa-se a que ponto as
foi identificado,
73
Cf. ROSEMBERG, Pierre (dir.). Fragonard. Paris : Éditions de la Réunion de Musées Nationaux,
74
1987, [s.p.]. «Un peintre fait un portrait de fantaisie quand il n’est pas d’après le modèle » Cf.
DIDEROT, Denis. Encyclopédie ou Dictionnaire raisonné des sciences, des arts et des métiers. Tome
treizième. Disponível em: http://gallica.bnf.fr/ark:/12148/bpt6k50545b. Última consulta: 27/07/2008.
35
duas entradas: o título da obra e o patrônimo do modelo que posou para o quadro. O
espada (1861) ao Almoço no atelier (1868), passando por A criança com bolhas de
sabão (1867) os catálogos registram que se trata de Léon Manet, filho do pintor.75
Édouard Manet. A criança com espada.
Óleo sobre tela, 1861.
Museu Metropolitan – Nova Iorque.
75
Cf. CACHIN, Françoise (dir.). Manet. Paris: Éditions de la Réunion de Musées Nationaux, 1983,
[s.p.].
36
Édouard Manet. A c riança e bolhas de sabão.
Óleo sobre tela, 1867.
Museu Calouste Gulbenkian, Lisboa.
A operação pela qual o singular (a pessoa) passa ao geral (a figura) nos autoriza
a
tenta desenvolver três critérios que nos autorizariam a ver numa obra um retrato76. O
primeiro deles diz respeito ao modelo. Este deve constituir o único objeto da
sugere a pose, mostra que a intenção do artista e do modelo era aquela do retrato; e
o terceiro e último critério fala do rosto: seus traços devem ser bem individualizados,
76
Cf. DUBUS, 2006, p. 20.
37
como avaliar a pose gestual e o que fazer dos retratos que desprezam
assemelharem-se ao modelo?77
escolhido ser pintado como São Sebastião e, mesmo assim, o quadro não se deixa
obra não teria mais por missão imitar fielmente o modelo, mas propor uma efígie
exemplar: o retrato em pintura contribuiria para forjar a identidade de um modelo.
77
Cf. DUBUS, 2006, p. 33.
38
mostra-nos que a grande maioria deles apresenta enquadramentos que vão desde o
retrato cortado na altura dos ombros até aquele cortado na cintura. O corpo do
ombros, dos braços. O rosto é, portanto, a parte do corpo que veicula a identidade do
sua fabricação cultural. Falamos do rosto, até agora, como se essa parte do corpo
anacrônica dos rostos pintados. O rosto representado numa tela é reduzido a uma
dizer que, para uma reflexão sobre retrato, deve-se levar em conta que rosto e corpo
informação. Observa-se que, num retrato de corpo inteiro, esteja o modelo sentado
a posição que o modelo ocupa nas diversas hierarquias até sua profissão e
amplos, mais ele é trabalhado pelo social; a representação dos traços singulares do
rosto
39
corpo representado.
construção do retrato.
realidade, visando dar presença ao que está ausente. Este segundo ponto da
retratos num relato de viagem, como por exemplo nas “Viagens extraordinárias” de
78
Cf. MARIN, Louis. De la représentation. Paris: Seuil-Gallimard, 1994, p. 254.
79
“Le mystérieux plaisir de la mimésis picturale s’accomplirait dans la représentation.” MARIN, 1994, p.
254.
40
retratos dos personagens que Jules Verne, seguindo critérios pedagógicos, diminuirá
interior do bloco descritivo que, num paralelo estabelecido com a pintura, poderia ser
o indivíduo como tal que aparece, ou, ao menos, indica-se uma tentativa de
fisiognomonia, dá-nos respaldo para falar deste quarto elemento da interseção entre
41
personagens brancos e selvagens das obras citadas, sabendo que rosto e corpo são
que o escritor usa para a construção dos retratos nos seus romances. Para essa
retratos são construções determinadas por uma certa visão de mundo ou, na
42
“objetos” rosto e corpo, cuja importância foi sublinhada no capítulo anterior, ainda
Cristo. A passagem bíblica que trata do véu de Verônica também faz alusão a esta
californiana.
fator inato, o rosto e, por extensão, o corpo, são pensados como sendo construções
como Jules Verne dialoga com discursos, científicos ou não, que circulavam na sua
época, a fim de construir os retratos literários que povoam seus romances.
43
retratos literários em Jules Verne, abordaremos o intertexto num sentido mais amplo,
do que entendemos pelo conceito da citação e avaliar até que ponto podemos falar
algumas elucidações que Gérard Genette nos sugere, tendo no horizonte o corpus
Segundo Genette80, os textos podem ser lidos, do ponto de vista dos vários contatos
que eles estabelecem com outros textos, segundo cinco grandes tipos de relações
prática tradicional da citação, com ou sem aspas e tendo ou não referência precisa;
vista valorativo, quase sempre depreciativo, é o plágio, ou seja, um uso literal, mas
não declarado; e a forma menos literal e a mais difusa é a alusão – enunciado cuja
plena compreensão só pode ser atingida quando se entende a sua relação com outro
e mais distante que o texto mantém com seu paratexto, ou seja, os sinais acessórios
80
Cf. GENETTE, Gérard. Palimpsestes. Paris: Seuil, 1982, p. 7-19.
44
designado pelo crítico francês hipertexto, a um texto A que ele chama de hipotexto.
metatexto pelo fato de o texto B ser uma transformação do texto A81; 5) o último tipo
transtextualidade, duas precisões devem ser feitas. A primeira é que não se deve
considerá-los como classes estanques, sem diálogo entre si. Por exemplo, a
considerada, não como classe de textos, mas como aspectos da textualidade. Essas
integralidade do exemplo.
81
Genette parece reservar os conceitos de hipotexto e hipertexto apenas às relações entre obras.
Assim considera Ulisses, de Joyce e a Eneida, de Virgílio hipertextos da Odisséia de Homero
(GENETTE, 1982, p.13). As Confissões, de Rousseau, como hipertexto das Confissões de Santo
Agostinho (GENETTE, 1982, p. 18). Para a produtividade desta pesquisa, usamos os dois conceitos
não se referindo a obras como um todo, mas em relação a passagens, excertos, em que
reconhecemos uma transtextualidade que une um texto A a um texto B. Assim, mostraremos que
Jules Verne se apropria de textos de partida efetuando transformações em vários níveis.
45
tem a propriedade de estar em relação multiforme com outros discursos; este está
delimitação recíproca uns em relação aos outros. Num sentido mais amplo, chama
de interdiscurso o conjunto das unidades discursivas (que pertencem a discursos
conjunto dos gêneros que interagem em uma dada conjuntura. Por sua vez,
suporte textual, mas de cuja configuração não se tem memória. Para ele a noção de
82
Cf. CHARAUDEAU, Patrick & MAINGUENEAU, Dominique. Dictionnaire d’analyse du discours.
Paris: Seuil, 2002, p. 324-329.
46
dialoga com discursos da sua época. Para arquitetar seus romances e, como
diante da realidade de que tinha que dar conta e dos objetivos pedagógicos impostos
de citação, temos a intenção de mostrar que, no caso de Verne, não é apenas uma
num texto publicado em 1989 e intitulado “Ekphrasis e citação”, constata que não é
indagar de que modo se encaram como reais fatos contidos num texto histórico. Este
efeito é, normalmente, produzido por elementos que podem ser tanto extratextuais
quanto textuais, podendo estes últimos apresentar alguns dispositivos, sugeridos por
ao seu trabalho.84
Fergusson aceita viajar a bordo do balão Victoria com o objetivo de explorar o norte
africano em busca das fontes do Rio Nilo, brindes são feitos ao futuro viajante que
83
Cf. CHARAUDEAU & MAINGUENEAU, 2002, p. 324-329.
84
Cf. GINZBURG, Carlo. A micro-história e outros ensaios. Lisboa: Difel, 1991, p. 217-218.
47
Des toasts nombreux furent portés avec les vins de France aux célèbres
voyageurs qui s’étaient illustrés sur la terre d’Afrique. On but à leur santé et
à leur mémoire, et par ordre alphabétique, ce qui est très anglais: à Abbadie,
Adams, Adamson, Anderson, Arnaud, Baikie, Baldwin, Barth, Batouda,
Beke, Beltrame, du Berba, Bimbachi, Bolognesi, Bolwic, Bolzoni,
Bonnemain, Brisson, Burton, Caillaud, Caillié, Campbell, Chapman,
Clapperton, Clot-Bey, Colomieu, Couval, Cumming, Cuny [...] Saugnier,
Speke, Stneider, Thibaud, Thompson, Thornton, Toole, Vaudey, Veyssière,
Vincent, Vinco, Vogel, Wahlberg, Warington, Washington, Werne, Wild et
enfin au Docteur Fergusson qui, par son incroyable tentative, devait relier
les travaux de ces voyageurs et compléter la série des découvertes
africaines.85
enquanto feito épico, narrativo por excelência, a alusão a esses viajantes e seus
que quase sempre aparece como alusão é o nome do viajante, autor de relatos de
sua própria viagem. Estes nomes aparecem como elementos textuais, fazendo-se
acompanhar por designações de regiões, de topônimos. Por trás dos nomes dos
85
VERNE, Jules. Cinq semaines en ballon. Paris: Michel de l’Ormeraie, 1975a, p. 5-6.
48
através de seus nomes, surgem as evocações das próprias coisas que viram,
Ainda que no escopo do nosso trabalho não possamos confirmar todos como
autênticos viajantes registrados pela história da “expansão científica”, cremos nas
palavras de Carlos J. F. Jorge que afirma que, na primeira lista apresentada em Cinq
semaines en ballon,
86
VERNE, Jules. Les enfants du capitaine Grant. Paris: Michel de l’Ormeraie, 1975b, p. 53. 87 Cf.
KISZELY, Magda. “La bibliothèque de Jules Verne”. Bulletin Société Jules Verne, nº 118, 2e trimestre,
1996, p. 45.
49
contando com um número excessivo de nomes, uma dezena, pelo menos, são
africano, desde finais do século XVIII até meados do século XIX.88 A menção aos
nomes dos viajantes e a exaltação dos seus feitos não devem ser lidas somente
como fazendo parte do objetivo, por parte do escritor, de traçar o trajeto que será
ainda mais convincente essa ideia: cultivar, fazer um território render frutos e civilizar
Jules Verne, é enfatizada pelo fato de serem aludidos no primeiro romance que
IV, antes da viagem, o narrador afirma que Fergusson, para dar peso e valor ao seu
projeto, traça a rota viável da travessia que fará, numa sinopse, evocando a rota de
viajantes conhecidos:
La ligne aérienne que le docteur Fergusson comptait suivre n’avait pas été
choisie au hasard; son point de départ fut sérieusement étudié, et ce ne fut
pas sans raison qu’il résolut s’élever de l’île de Zanzibar. Cette île, située
près de la côte orientale d’Afrique, se trouve par 6º de latitude australe,
c’est-à-dire à quatre cent trente milles géographiques au-dessous de
l’équateur.
De cette île venait de partir la dernière expédition envoyée par les Grands
Lacs à la découverte des sources du Nil.
Mais il est bon d’indiquer quelles explorations le docteur Fergusson espérait
rattacher entre elles. Il y en a deux principales: celles du docteur Barth en
1849, celle des lieutenants Burton et Speke en 1858.89
trabalho de pesquisa que Verne fez em colaboração com Gabriel Marcel, geógrafo e
88
Cf. JORGE, Carlos J.F. Jules Verne: o espaço africano nas aventuras de travessia. Lisboa: Cosmos,
2000, p. 82.
89
VERNE, 1975a, p. 17.
50
pela editora de Hetzel e intitulou-se Histoire des grands voyages et des grands
época, como indica a legenda. É curioso notar que serão estes espaços mais
informação paratextual que figura na capa das edições originais e nas edições
Com as Histoire des grands voyages et des grands voyageurs, Verne, dizendo
de viajantes de modo muito semelhante ao que utiliza em seus romances: sem fazer
90
“L’Histoire des grands voyages et des grands voyageurs devait avoir pour but de résumer l’histoire de
la découverte de la Terre.” VERNE, Jules. Histoire des Grands voyages et des grands voyageurs.
Paris: Diderot Éditeur, Arts et Sciences, 1997a, p. 3.
51
reduzido apenas à fonte de informação, sem referência textual: “Ce lac a été nommé
groupe d’îles qu’il nomma archipel de Bengale.”91 Neste exemplo, o lugar visitado
pelo viajante precursor emerge através das nomeações (do pantônimo - “Le lac
potencial hipotexto é notado pelos nomes citados, pela referência aos fenômenos ou
Oh! Le gravir! le gravir, mon cher capitaine, à quoi bon, je vous prie, après
MM. de Humboldt et Bonplan? Un grand génie, ce Humboldt! Il a fait
l’ascension de cette montagne; il en a donné une description qui ne laisse
rien à désirer; il en a reconnu les cinq zones: la zone des vins, la zone des
lauriers, la zone des pins, la zone des bruyères alpines, et enfin la zone de la
stérilité. C’est au sommet du piton même qu’il a posé le pied, et là, il
n’avait même pas la place de s’asseoir. Du haut de la montagne, sa vue
embrassait un espace égal au quart de l’Espagne. Puis il a visité le volcan
jusque dans ses entrailles, et il a atteint le fond de son cratère éteint. Que
voulez-vous que je fasse après ce grand homme, je vous le demande?92
No caso acima, percebemos que a relação de Verne com os relatos de viagens pode
ser considerada, ao mesmo tempo, como uma atividade de citação sem o uso de
91
VERNE, 1975a, p. 101-102.
92
VERNE, 1975b, p. 46.
52
ideias (mesmo os textos literários que venera, como é o caso que citaremos abaixo),
Marie-Hélène Huet sobre o romance verniano Le Sphynx des glaces (1897), num
artigo intitulado “Itinéraires du texte”:
fontes de fatos para uma semi-ocultação das fontes textuais não nos deve fazer
caucionar os seus efeitos de real pela alusão ou citação de autoridades que dêem
que seja “natural” o encontro entre o leitor e os povos que o escritor deseja
Florent Montaclair, Sylvie Petit e Yves Gilli atribuem o recorrente tema do naufrágio
na obra de Jules Verne à ótica de um outro escritor: Daniel Defoe com seu Robinson
93
“Étrange voyage, étonnante lecture qui suit scrupuleusement le parcours établi par le texte de Poe
(Gordon Pym), mais dont chaque étape efface ou dément le guide, le texte initial. Rien de ce que
découvrent les voyageurs ne correspond aux paysages décrits par Pym, et le parcours ne confirme la
véracité du texte que par les nouveaux textes qu’il découvre”. HUET, Marie-Hélène. “Itinéraires du
texte”. In: Jules Verne – Colloque de Cerisy. Paris: UGE, 1979, p. 16.
94
GILLI, Yves; MONTACLAIR, Florent & PETIT, Sylvie. Le naufrage dans l’oeuvre de Jules Verne.
Paris: L’Harmattan, 1998, p. 64.
53
temos, por exemplo, a declaração do herói: “Nous commençâmes, comme le
Robinson de Daniel Defoë, notre modèle, par recueillir dans les épaves du navire,
de Arthur Gordon Pym, de Edgar Allan Poe. Gilli et alii afirmam que nos dois
porque as duas se iniciam com um sorteio a bordo para saber qual dos tripulantes
será morto, a fim de ser comido em seguida.96 No texto de Edgar Allan Poe, Pym e
resistência depois do sorteio. Golpeado nas costas por Peters, caiu morto com o
dão num nível diferente, com fatos históricos. Gilli et alii defendem que Le Chancellor
95
VERNE, 1975b, p. 538.
96
Cf. GILLI et alii, 1998, p. 62.
97
“Il ne fit aucune résistance après le tirage au sort. Frappé dans le dos par Peters, il tomba mort sur le
coup.” POE, Edgar Allan. Oeuvres en prose (Trad. Charles Baudelaire). Paris: Gallimard, 1951, p. 788.
98
VERNE, 1975c, p. 163.
99
Cf. GILLI et alii, 1998, p. 115.
54
tratado de Viena. Uma divisão naval composta por quatro navios, entre os quais a
mau tempo, provocam o naufrágio da fragata em 2 de julho de 1816. Uma balsa com
100
Cf. GILLI et alli, 1998, p. 120.
55
semelhanças com esse fato catastrófico da história, mas sob uma ótica romanesca
que não traz nenhuma visão sobre o devir científico. Não há nenhum traço da
mecânica “maravilhosa” cara a Jules Verne. Podemos dizer que Le Chancellor mais
Medusa foi o pretexto para Verne tratar do tema da barbárie e da regressão coletiva.
Nascido em 1828, Verne faz parte da geração seguinte e não sofreu os impactos
nada de tão terrível. Acho, sobretudo, que isso terá ares verdadeiros a menos que
eu esteja enganado.”101
ao longo de uma catástrofe marítima. Além disso, a importância dada à balsa, mais
101
“Je vous apporterai donc un volume d’un réalisme effrayant. C’est intitulé: Les Naufragés du
Chancellor. Je crois que le Radeau de la Méduse n’a rien produit de si terrible. Je crois surtout que
cela aura l’air vrai à moins que je ne me trompe.” DELLA RIVA; DEHS & DUMAS. 1999, p. 155.
56
escritor para esse romance: por um lado o realismo, por outro, o horror. Ainda que
mencionada que indica que Verne conhecia o quadro e que mantinha essa imagem
naufragés ont souvent constaté des faits qui concordent avec ceux que j’observe ici.
En les lisant, je les trouvais exagérés.”103 Sofrendo mais de sede do que de fome, o
narrador é convencido pelos testemunhos consultados: “Cela a toujours été dit des
naufragés qui se sont trouvés dans les circonstances où nous sommes et cela est
vrai.”104
começa por uma série de catástrofes e termina por uma tragédia, como já
102
“Radeau de la Méduse, 1816. Tout le monde connaît cela, au moins par Géricault.” SERRES,
Michel. Jouvences sur Jules Verne. Paris: Minuit, 1974, p. 104.
103
VERNE, Jules. Le Chancellor. Paris: Michel de l’Ormeraie, 1975c, p. 130.
104
VERNE, 1975c, p. 179.
57
maldição: “sa tête est petite et par habitude un peu inclinée à gauche [...] son attitude
est lourde et son corps présente un certain affaisement. Il est nonchallant, et cela se
que tomarão forma ao longo do romance: “nègre de mauvaise figure, à l’air brutal et
impudent comme d’une bête féroce, qui se mêle aux autres matelots plus qu’il ne
convient.”106 O discurso velado nestas duas amostras de retratos literários não seria
cumprir com o contrato editorial com Hetzel, que lhe exigia resumir o que a ciência
Trata-se, para nós, nesse item, de explorar uma parte desta lacuna deixada por
diversos estudiosos, tendo como objeto os retratos dos personagens dos romances
105
VERNE, 1975c, p. 3.
106
VERNE, 1975c, p. 58.
58
Publicada semestralmente sob a direção de Édouard Charton entre os anos de 1860
do Rio de Janeiro, tinha por objetivo “dar a conhecer as viagens feitas naquele
natureza e da vida humana sobre toda a superfície da terra.”108 No que tange aos
viajantes que terão publicados seus feitos no magazine, “uns representam a ciência,
outros a arte, outros ainda o comércio ou a indústria, estes se expõem a mil perigos
107
“Le Tour du monde a pour but de faire connaître les voyages de notre temps, soit français, soit
étrangers, les plus dignes de confiance, et qui offrent le plus d’intérêt à l’imagination, à la curiosité ou à
l’étude.” CHARTON, Édouard (dir.). Préface. Le Tour du monde. Paris: Hachette, Jan/Juin, 1860.
108
“[son objet] est le spectacle vrai et animé de la nature et de la vie humaine sur toute la surface de la
Terre.” CHARTON, Préface, Jan/Juin, 1860. Cf. Anexo 1 o prefácio completo da revista.
59
aventureira”.109
Seguindo esses objetivos, a revista publicou o relato da viagem que o inglês Barth
citações nos textos de Jules Verne, poderemos falar de relação intertextual, hipo e
das descobertas geográficas que lhe foram contemporâneas para escrever a história.
empreender a viagem que uniria o trajeto feito por Barth ao de Burton e Speke, o
109
“Parmi les voyageurs, les uns représentent la science, les autres l’art, d’autres le commerce ou
l’industrie; ceux-ci s’exposent à mille périls pour propager leur foi, ceux-là sont simplement des
observateurs, des moralistes, ou ne cherchent que les émotions d’une existence errante et
aventureuse”. CHARTON, Préface, Jan/Juin, 1860.
110
“Il paraîtra naturel que nos efforts tendent à donner aux gravures du Tour du monde une importance
égale à celle du texte même. Si dans les oeuvres poétiques ou romanesques les gravures ne sont
qu’un ornement, dans les relations de voyage elles sont une nécessité. Beaucoup de choses, soit
inanimées, soit animées, échappent à toute description: les plus rares habiletés du style ne
parviennent à communiquer à l’esprit des lecteurs qu’un sentiment vague et fugitif. Mais que le
voyageur laisse la plume, saisisse le crayon, et aussitôt, en quelques traits, il fait apparaître aux yeux
la réalité elle-même qui ne s’effacera plus du souvenir.” CHARTON, Préface, Jan/Juin, 1860.
60
indecifrável: as fontes do rio Nilo. Igualando essa viagem a uma quase irrealizável
quimera, o narrador resume as últimas notícias que se têm dos últimos viajantes que
das viagens destes exploradores: datas, ponto de partida, direção seguida, número
Verne efetuou leituras nesse magazine a fim de se documentar sobre o que era
111
VERNE, 1975a, p. 7.
112
VERNE, 1975a, p. 19.
61
datas e o ponto de partida dos viajantes, entre outros, nos asseguram esta relação.
povos habitantes desse local têm o sol e a lua como objetos astrais de veneração.
sua viagem para os céus intentavam hostilmente contra suas crenças religiosas, os
africanos
113
Bien que l’existence de grands lacs équatoriaux en Afrique eût été soupçonnée depuis deux mille
ans, le révérend Erhardt et le docteur Rebmann reportèrent l’attention des géographes sur la partie est
de l’Afrique. [...] D’ailleurs le problème toujours pendant des sources du Nil et des neiges du
Kilimandjaro se rattachaient à la vérification du rapport des révérends. Une expédition fut donc
résolue. En 1856, la Société Royale Géographique de Londres confia au capitaine Burton la mission
d’atteindre les Grands Lacs intérieurs, d’en relever la position, de décrire le pays situé entre la côte et
les vastes nappes d’eau, d’en étudier l’ethnographie et les ressources commerciales. Le capitaine, ne
se dissimulant pas les difficultés de l’entreprise, demanda qu’on lui adjoignit le capitaine Speke, officier
de l’armée du Bengale. [...] Le 17 juin 1857, ils quittèrent le port de Zanzibar. Voici le récit du capitaine.
CHARTON, Édouard. Le Tour du monde. Paris: Hachette, Jui/Déc 1860, p. 305-306.
62
“Alors les sortilèges et les incantations commencèrent; les faiseurs de pluie, qui
pierres’, (nom que les nègres donnent à la grêle) à leur secours.”114 Nas páginas da
Ainda seguindo os rastros dos viajantes no âmbito das explorações das terras
cidades, povos, dando margem para que o narrador faça descrições etnográficas.
Na região de Kazeh, descrita no capítulo XV de Cinq semaines en ballon, os
destacar uma curiosidade hipertextual a respeito dos nomes usados e das diferenças
são prefixos e significam ‘região’ na língua do país: “U, OU, ces préfixes signifient
114
VERNE, 1975a, p. 51.
115
“Les esclaves, à leur tour établirent leurs prétensions; Ben Sélin et Kidogo s’en mêlèrent; c’était à
qui se montrerait le plus avide et le moins soumis. Je réunis les arabes pour en conférer avec eux;
l’affaire entendue, on me conseilla de temporiser. Sur ces entrefaites, la pluie débuta par des torrents
d’eau et une averse de pierres, c’est ainsi que la grêle est nommée dans cette région. Tous nos
hommes tombèrent malade; j’étais moi-même plus mort que vif, et ne savais plus quand nous
pourrions nous en aller.” CHARTON, Jui/Déc 1860, p. 327.
116
VERNE, 1975a, p. 58.
63
em pé de página.117
Kazeh, e são recebidos na porta pelos guardas, homens da cidade que chamaram a
tipo Uanyamwezy, cuja descrição está arrolada no item 4.2 desta dissertação, p.127.
seguinte texto:
Entre as tribos que ocupam a Terra da Lua, somente duas merecem receber
atenção: os Ouakimbou e os Ouanyamwezy.
[...] Os Ouanyamwezy, proprietários do solo, laboriosos e ativos, têm sobre
seus vizinhos uma superioridade real e formam o tipo de habitantes dessa
região. Sua pele, de um castanho sépia escuro, tem eflúvios que
estabelecem parentalidade com o negro; eles têm os cabelos crespos e os
dividem em numerosos cachos que fazem cair ao redor da cabeça; sua barba
é curta e rala, e a maioria deles tira os cílios. De altura elevada, são bem
constituídos e seus membros anunciam o vigor. Sua marca nacional consiste
numa dupla lista de cicatrizes lineares, indo da borda extrema das
sobrancelhas até o meio das bochechas que, às vezes, descem até o maxilar
inferior. Esta tatuagem é feita em preto nos homens e em azul nas mulheres;
Homens e mulheres distendem as orelhas pelo peso de objetos redondos que
eles colocam aí. Quanto às roupas, os ricos têm vestimentas de tecido,
outros são cobertos de peles. As mulheres às quais o dinheiro permite, usam
a longa túnica da costa, mais frequentemente amarrada à cintura; aquelas de
classes pobres têm sobre o seio um peitilho de couro amaciado, e suas saias,
igualmente de couro, vão à altura do joelho; para as mais jovens, o seio é
sempre descoberto.118
117
“Dans la langue des tribus de la côte de Zanguebar, et dans les idiomes qui s’y rattachent, le nom
éveillant une idée première ne s’emploie qu’avec un préfixe qui en modifie l’acception: U signifie
région, contrée: Uzaramo, région de Zaramo; M indique l’individu: Mzaramo, un habitant de Ouzaramo.
Pour former le pluriel, l’M est remplacé par OUA qui signifie peuple: Ouazaramo, tribu du Zaramo.”
118
CHARTON, Jui/Déc 1860, p. 307. “Parmi les tribus qui occupent la Terre de la Lune deux seulement
méritent de fixer l’attention: les Ouakimbou et les Ouanyamwezy. [...] Les Ouanyamwezy, propriétaires
du sol, industrieux et actifs, ont sur leurs voisins une supériorité réelle et forment les types des
habitants de cette région. Leur peau, d’un brun sépia foncé, a des effluves qui établissent leur parenté
avec le nègre; ils ont des cheveaux crêpus, les divisent en nombreaux tire-bouchons, et les font
retomber autour de la tête. Leur barbe est courte et rare, et la plupart d’entre eux s’arrachent les cils.
D’une taille élevée, ils sont bien faits et leur membre annoncent la vigueur. Leur marque nationnale
consiste en une double rangée de cicatrices linéaires, allant du bord externe des sourcils jusqu’au
milieu des joues, et qui parfois descendent jusqu’à la mâchoire inférieure. Ce tatouage est fait en noir
chez les hommes, en bleue chez les femmes; Hommes et femmes se distendent les oreilles par les
poids des objets ronds qu’ils y insèrent. Quant au costume, les riches ont des vêtements d’étoffe, les
autres sont couverts de pelleteries. Les femmes à qui leur fortune le permet, portent la longue tunique
de la côte, le plus souvent attachée à la taille; celles des classes pauvres ont sur la poitrine un plastron
de cuir assoupli, et leur jupe, également en cuir, s’arrête
64
hipotextuais para o retrato literário do africano Uanyamwezy. Aqui, mais uma vez,
concepção, esta noção alcança tudo o que coloca um texto em relação, manifesta
ou secreta, com outros textos. São diversos os pontos que podem ter servido de
au-dessus du genou; chez les jeunes filles la poitrine est toujours découverte.” CHARTON, Jui/Déc
1860, p. 331.
65
Indígena de Ounyamuézi – Desenho de Émile Bayard.
Le Tour du Monde, Jui/Déc 1860, p. 332.
Batedores de sorgo, no Ounyamouézi – Desenho de Émile Bayard.
Le Tour du Monde, Jui/Déc 1860, p. 332.
66
poderíamos falar da importância das imagens dos relatos para a descrição que Jules
Verne faz dos Ouanyamwezi. Ora, no relato de Burton, não temos a descrição das
armas que os africanos usam. No entanto, arco e flecha aparecem em uma gravura
67
Habitantes do Ounyamouézi – Desenho de Émile Bayard.
Le Tour du Monde, Jui/Déc 1860, [s.p.]
avec le fond d’un pot de cuivre, et aux fracas du “kilindo”, tambour de cinq pieds de
haut creusé dans un tronc d’arbre, et contre lequel deux virtuoses s’escrimaient à
grandes pipes noires; elles semblaient bien faites et portaient un ‘kilt’ en fibres de
Este retrato também poderia ser ilustrado no romance com a mesma gravura usada
119
VERNE, 1975a, p. 80
68
do doutor Fergusson, o aguardava do lado de fora do palácio onde era tido como
uma divindade pelos habitantes do lugar. Todos acreditavam que ele era um Filho da
Lua e, portanto, precisavam adorá-lo. Assim, Joe foi o responsável por uma grande
120
“Toutes les femmes du village, depuis l’aïeule jusqu’à la jeune fille de douze ans, s’asseyent en rond
et prennent leurs grandes pipes à foyer noir; elles paraissent y puiser de profondes juissances; la
fumée qu’elles aspirent lentement s’exhale de leurs narines; de temps à autre elles se refraichissent la
bouche avec des tranches de manioc, ou un épi de maïs vert, cuit sous la cendre.” CHARTON, Jui/Déc
1860, p. 327.
69
A cena descrita acima poderia ser ilustrada por uma gravura do relato dos
Nilo. Esta gravura, que foi publicada em Le Tour du monde no primeiro semestre de
1862, representa a recepção do Capitão Grant pela rainha Ukulina e, embora não
tenha uma descrição a ela conjugada, mostra semelhanças com o texto verniano
121
VERNE, 1975a, p. 82.
70
que o escritor faz, mais uma vez, do que lhe era contemporâneo para criar seus
romances. O Grant que aparece na gravura, capitão inglês que fizera uma expedição
ao norte da África, entre os anos de 1860 e 1863 na companhia de Speke, tem seu
interpretação, na aventura, é achar um pai, o Capitão Grant. Para que isso seja
em direção à América do Sul, em seguida, passando pelo extremo sul africano com
monde.
navegaram e se depararam com uma terra rica em água doce, de rios abundantes
71
deixar transparecer a ideia que faziam desses povos ainda pouco conhecidos. Ideias
autoridade que fazem do índio patagão, de modo geral, um homem grande, forte,
Enfin, ce nom de Patagons, qui signifie “grands pieds” en espagnol, n’a pas
été donné à des êtres imaginaires.[...] Si Magellan a nommé Patagons les
indigènes de ces contrées, les Fuégiens les appellent Tiremenen, les
Chilliens Caucalhues, les colons du Carmen Tehuelches, les Araucans
Huiliches; Bougainville leur donne le nom de Chaoua, Falkner celui de
Tehuelhets! Eux-mêmes se désignent sous la dénomination de Inaken.
- Mais notre ami Paganel avouera, je pense, que s’il y a doute sur le nom
des patagons, il y a au moins certitude sur leur taille!
- Jamais je n’avouerai une pareille énormité, répondit Paganel.
- Ils sont grands, dit Glenarvan.
- Je l’ignore.
- Petits? demanda lady Helena.
- Personne ne peut l’affirmer.
- Moyens, alors? dit Mac-Nabbs pour tout concilier.
- Je ne le sais pas davantage.
- Cela est un peu fort, s’écria Glenarvan; les voyageurs qui les ont vus...
- Les voyageurs qui les ont vus, répondit le géographe, ne s’entendent en
aucune façon. Magellan dit que sa taille touchait à peine à leur ceinture!
- Eh bien!
- Oui, mais Drake prétend que les Anglais sont plus grands que le plus
grand Patagon!
- Oh des Anglais; c’est possible répliqua dédaigneusement le major; mais
s’il s’agissait des Écossais.
- Cavendish assure qu’ils sont grands et robustes, reprit Paganel. Hawkins
en fait des géants. Lemaire et Shouten leur donne onze pieds de haut.
- Bon, voilà des gens dignes de foi, dit Glenarvan.
- Oui, tout autant que Wood, Narborough et Falkner, qui leur ont trouvé une
taille moyenne. Il est vrai que Byron, la Giraudais, Bougainville, Wallys et
Cateret affirment que les Patagons ont six pieds six pouces, tandis que M.
d’Orbigny, le savant qui connaît mieux ces contrées, leur attribue une taille
moyenne de cinq pieds quatre pouces.
- Mais alors, dit lady Helena, quelle est la vérité au milieu de tant de
contradictions?
- La vérité, madame, répondit Paganel, la voici: c’est que les Patagons ont
les jambes courtes et le tronc développé. On peut donc formuler son opinion
d’une manière plaisante, en disant que ces gens-là ont six pieds quand ils
sont assis, et cinq seulement quand ils sont debout.
- Bravo! mon cher savant, répondit Paganel. Voilà qui est bien dit!123
Para uma melhor visualização das informações sobre a altura dos patagões acima
122
VERNE, 1975b, p. 55.
123
VERNE, 1975b, p. 55-56.
72
Narborough e Falkner que não têm a menção da data de suas viagens no romance),
e a altura que estes viajantes atribuíram aos patagões (transformadas para a métrica
que nos é conhecida):
Hawkins “Gigantes”
(1593)
explorador, que conta sua viagem ao Estreito de Magalhães, será considerado como
sobre a dúvida que se tinha em relação à altura dos patagões e resume, em certa
medida, o que alguns outros viajantes haviam dito sobre o mítico assunto:
124
“Les compagnons de Magellan firent, à leur retour, des récits fabuleux sur le détroit qu’ils avaient
découvert et parcouru à travers des périls sans nombre. Des navigateurs beaucoup plus modernes,
comme le commodore Byron et le Capitaine Cateret, exagèrent singulièrement encore la taille de
Patagons. Les officiers français de la flûte royale Giraudais, qui visita le Détroit de Magellan à peu près
la même époque, c’est-à-dire au commencement du dix-huitième siècle, ont admiré des géants de plus
de sept pieds!” CHARTON, Édouard. Le Tour du monde. Jan/Jui 1861, p. 210.