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CORPO,
Artigo
COMUNICAÇÃO
E CONHECIMENTO:
REFLEXÕES PARA
A SOCIALIZAÇÃO
DA HERANÇA
ARQUEOLÓGICA
NA AMAZÔNIA1
Cristiana Barreto2
1- Uma primeira versão deste trabalho foi apresentada no Seminário “Tecnologia, Arte e Patri-
mônio: abordagens críticas sobre aquisição e transformação de conhecimentos” organizado em
dezembro de 2011 pelo LINTT (Laboratório Interdisciplinar de Tecnologia e Território) e CEstA
(Centro de Estudos Ameríndios), Universidade de São Paulo.
2- Pesquisadora do Laboratório de Arqueologia dos Trópicos e Pós-doutoranda do Museu de
Arqueologia e Etnologia da Universidade de São Paulo.
Abstract
Resumo This article presents ideas about the role
Este artigo parte de algumas reflexões so- archeologists play in the processes of turn-
bre o papel do arqueólogo no atual contexto ing public Amazonian archaeological heri-
de discussões sobre multivocalidade na so- tage, within the present debates about mul-
cialização do patrimônio arqueológico da tivocality. It advances some concepts and
Amazônia, para apresentar uma proposta methods for improving communication
conceitual e metodológica de comunicação and knowledge transmission which would
e transmissão de conhecimento científico be more in tune with public archaeology
mais afinada com uma arqueologia pública practices for XXI century. In sum, it pro-
do século XXI. Em resumo, trata-se de pri- poses to prioritize certain areas of archaeo-
vilegiar certas áreas da interpretação arque- logical interpretation with a greater poten-
ológica cuja capacidade agentiva de comu- tial for visual communication and from
nicação visual e esferas de reconhecibilidade which recognition spheres can be expanded
sejam mais abrangentes e inclusivas quanto and become more inclusive of the types of
aos públicos e audiências em jogo. audiences at play.

Palavras chave: Arqueologia ama- Key-words: Amazonian archaeology,


zônica, divulgação científica, patrimoniali- knowledge transmission, heritage socializa-
zação. tion.

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DILEMAS DA ARQUEOLOGIA AMAZÔ- da Arqueologia têm sido postos à prova por


NICA NO SÉCULO XXI esta nova realidade. A divulgação científica
A arqueologia da Amazônia encontra-se como instrumento de interação com o pú-
hoje em uma encruzilhada. O rápido avanço blico têm sido discutida por jornalistas es-
da crescente prática da pesquisa voltada pecializados (Amorim, 2010; Tega-Calippo,
para o licenciamento de empreendimentos, 2008). Mas os arqueólogos têm ficado
a chamada “arqueologia de contrato” tem alheios a estes esforços. Este artigo chama a
trazido à tona uma enorme quantidade de atenção não só para a necessidade de se re-
dados brutos, revelando cada vez mais o tomar esta discussão no contexto das práti-
quanto nos falta conhecer sobre um diverso cas arqueológicas aplicadas a uma região
e complexo passado pré-colonial. Nunca a estratégica para o desenvolvimento da ciên-
região tinha sido objeto de tantas mudanças cia, a Amazônia, como também para que
paradigmáticas, modelos interpretativos esta discussão seja direcionada para que se
concorrentes e intensos debates sobre os sig- estabeleçam novos rumos para uma Arque-
nificados de novos achados. Mas, pela pró- ologia do século XXI.
pria dinâmica da pesquisa de contrato, com Mais especificamente, propomos repen-
seus prazos acelerados e recortes aleatórios, sar o papel do arqueólogo nas suas práticas
as pesquisas têm falhado em transmitir o de transmissão de conhecimento na região,
conhecimento adquirido de forma satisfató- tanto para o grande público como para as
ria para a sociedade em geral e, sobretudo, comunidades locais, focando em caracterís-
para as comunidades mais diretamente en- ticas e potenciais que os próprios contextos
volvidas com este patrimônio. arqueológicos amazônicos oferecem. Suge-
Perpassando esta realidade, temos uma rimos assim, algumas estratégias de comu-
legislação e órgãos do Estado preocupados nicação, para que, em contextos multivocais,
com a preservação do patrimônio arqueoló- a voz do arqueólogo possa de fato se tornar
gico que investe cada vez mais em projetos um vetor de diálogo para com os diferentes
de educação patrimonial como a principal agentes do processo de patrimonialização
forma de conscientizar o público sobre a re- da herança arqueológica na Amazônia.
levância deste patrimônio e sua preservação, No cotidiano da prática arqueológica,
mas também no sentido de “socializar” a inicialmente, assistimos a processos em que
gestão e os usos culturais que podem ser fei- o arqueólogo acaba por cumprir diferentes
tos deste patrimônio. papéis na cadeia de pesquisa, produção e
Quer pela obrigatoriedade legal de dar transmissão de conhecimento científico. De
um retorno à sociedade, quer pela renova- forma mais ou menos amadorística, mas
ção que perspectivas como a da “arqueolo- cada vez mais consciente das implicações
gia pública” tem trazido ao debate, o papel e sociais e políticas de sua autoridade enquan-
as funções do arqueólogo no processo de to cientista especializado, o arqueólogo vem
patrimonialização da arqueologia da Ama- se tornando também comunicador, educa-
zônia vêm se transformando rapidamente. dor, sociólogo, museólogo, curador, desig-
Contudo, apesar deste debate estar direta- ner, editor, enfim, tem ocupado uma multi-
mente relacionado à própria concepção da plicidade de funções de forma a garantir a
disciplina, suas competências e atribuições, transmissão do conhecimento arqueológico
limites e alcances, pouco tem sido discutido a outros públicos que não apenas o acadê-
sobre como os contornos epistemológicos mico. Não raro, vemos a composição de

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equipes multidisciplinares e uma aproxima- Belém e Macapá, é possível comprar cerâmi-


ção muito grande da museologia, ou da co- cas que replicam as arqueológicas com gran-
municação museológica nos ajudando a de primor e exatidão, mas também há um
cumprir estes papéis. amplo espectro de objetos que exibem rea-
Contudo, na medida em que a museali- propriações e transformações tão extrema-
zação dos acervos escavados tem sido consi- mente distantes dos referentes iniciais, isto
derada uma forma definitiva de patrimonia- é, dos estilos da cerâmica arqueológica, e de
lizá-los, quer em museus de sítio, que seus significados, que fica evidente a perda
envolvem as comunidades locais, quer em de interesse pelas culturas tradicionais do
museus universitários, vimos propostas em passado em detrimento de objetivos pura-
que o papel do arqueólogo se torna secun- mente mercadológicos.
dário, sendo até mesmo excluído da criação Também direcionadas ao turismo,
dos conteúdos museológicos em muitos vemos algumas iniciativas de prefeituras e o
projetos. secretarias de turismo no desenvolvimento
São também cada vez mais comuns as de equipamentos urbanos com design inspi-
iniciativas de patrimonialização, que envol- rado em peças ou imagens da arqueologia
vem a comunicação e transmissão de conhe- amazônica: telefones públicos de Belém em
cimento arqueológico, em que o arqueólogo forma de urna marajoara; fonte em praça de
está ausente, ou está presente apenas como Santarém em forma de vaso de cariátides,
um negociador. Na Amazônia, este é o caso latas de lixo com desenhos de pinturas ru-
tanto do turismo e da indústria de suvenires, pestres em Monte Alegre, piso de calçada
como de certa forma, das práticas de licen- com desenhos de muiraquitãs em Santarém,
ciamento ambiental. são alguns exemplos destas iniciativas.
Nestes processos de reapropriações e
A HERANÇA ARQUEOLÓGICA COMO usos deste patrimônio, não temos apenas
MARCA E MERCADORIA uma comodificação da arqueologia, como já
Talvez um dos casos mais formalizados havia notado Schaan para o material mara-
de transmissão de conhecimento arqueoló- joara (Schaan, 2006). O objeto arqueológico
gico para comunidades locais tenham sido passa também por uma perda de sua quali-
aqueles projetos voltados para oficinas de dade de testemunho de um passado, ainda
capacitação de artesãos e geração de renda pouco conhecido do grande público e, tal-
com base em conteúdos arqueológicos. Mais vez, por isso mesmo, lhe seja desinteressan-
especificamente, vimos alguns programas te, mas ainda é mantida, ou ressignificada
do SEBRAE tanto no Pará, como no Amapá, sua qualidade de herança cultural, isto é o
em que se retomou a inspiração da cerâmica caráter exótico e regional. Assim sendo, as-
arqueológica para o a produção local artesa- sistimos um movimento de ressignificação
nal, tanto entre os ceramistas de Icoaraci, no
Como resultado desse trabalho foi elaborado pelo Sebrae
Pará, como no design de suvenires (camise- e pelo MPEG o livro “A Arte da Terra: Resgate da Cultu-
ra Material e Iconográfica do Pará” (1999). No Amapá, em
tas, chaveiros, etc.) no Amapá1. Nas lojas de 2006, o SEBRAE iniciou um programa de capacitação para
os empresários do setor artesanal, com a realização de di-
1. Em 1998, o Governo do Estado do Pará juntamente com versas oficinas, incentivando-os a promover a construção
o Serviço de Apoio às Micros e Pequenas Empresas (SE- de diferenciais que não só agregassem valor econômico a
BRAE) e com apoio do Museu Paraense Emílio Goeldi seus produtos e/ou serviços, como possibilitassem a cons-
(MPEG), instalaram o Programa de Artesanato do Pará. trução de uma identidade para seus produtos e/ou empre-
O Programa proporcionou, a exemplo do que o MPEG já sas, o que resultou em diversas exposições e a publicação
havia feito na década anterior, o contato com os principais intitulada “O legado das civilizações Maracá e Cunani: O
elementos das culturas Marajoara, Maracá e Tapajônica. Amapá revelando sua Identidade” .

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Figura 1- Exemplo de equipamentos urbanos com design inspirado em peças arqueológicas. À esquerda, telefone
público em forma de urna marajoara em Belém; à direita calçada com desenho de muiraquitã em Santarém.1
1- Todas as fotografias deste artigo são de autoria de Cristiana Barreto (com exceção do material compilado na figura 5)

do objeto arqueológico como herança cultu- mensagens que estão sendo veiculadas sobre
ral, movimento no qual a voz da arqueolo- o passado arqueológico da Amazônia atra-
gia, isto é o conhecimento científico, fica vés destes projetos. Os usos destes objetos e
muitas vezes ausente. imagens teriam sido diferentes caso houves-
Não se trata aqui da defesa de um “puris- se um entendimento mais aprofundado so-
mo” cultural; o artesanato é uma área em bre os povos que os fabricaram, os contextos
que inovações e reapropriações estão sem- em que foram encontrados e o papel espe-
pre ocorrendo e a referência à história (ou cial que eles podem desempenhar na com-
pré-história) pode ser uma estratégia bas- preensão de nosso passado indígena?
tante positiva e genuína para reforçar a iden- Com exceção das primorosas réplicas de
tidade de um local e dar a conhecer esta his- cerâmicas arqueológicas efetuadas de forma
tória e este passado aos visitantes e turistas bastante exclusiva por alguns artesãos, na
(Borges, 2012). Amazônia, nos parece que o conteúdo ar-
Contudo, esta não tem sido a direção to- queológico não só vem se tornando secun-
mada no design de artesanato da Amazônia. dário para o grande público, mas também
Ao contrário, usos e abusos do patrimônio vem sendo reapropriado para fins variados,
arqueológico têm ocorrido de forma a afas- não apenas comerciais, mas, sobretudo,
tar o público cada vez mais do universo dos como marca de identidade visual, às vezes
conhecimentos produzidos pela arqueolo- reforçando antigos estereótipos sobre as so-
gia. Quer seja a urna funerária Marajoara ciedades indígenas amazônicas, em uma vi-
transformada em telefone público em Be- são ainda bastante “colonizadora” da histó-
lém, os muiraquitãs tornados calçamento ria pré-colonial.
em Santarém, ou ainda a vasta gama de ce- A própria idéia de que objetos arqueoló-
râmicas “tapajoaras” vendidas nos merca- gicos podem ser replicados ad infinitum, ou
dos, devemos nos perguntar quais são as ilimitadamente transformados, em suas

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proporções, cores, mate-


riais ou técnicas, reduz o
caráter único, genuíno, in-
substituível e testemunha-
dor de um passado parti-
cular que representa um
objeto arqueológico. As
intervenções realizadas
nas cópias minimizam a
autoria propriamente in-
dígena da peça, e a trans-
formam em algo mais
“atraente” à estética oci-
dental. Não raro vemos,
por exemplo, uma eroti-
zação exacerbada das re-
presentações antropo- Figura 2: Artesanato em cerâmica vendido no mercado Veropeso em Belém, com diferentes
morfas femininas, onde as versões de cerâmica “marajoara”.

peças, supostamente ins-


piradas nas urnas funerá-
rias e estatuetas arqueoló-
gicas, exibem órgãos
sexuais de forma exagera-
da ou pintados com cores
chamativas. Em outras
instâncias, os suportes
materiais originais são
deixados de lado, ficam
apenas os desenhos, mais
facilmente aplicados em
outros tipos de mídia.
Assim, as dinâmicas
da comunicação visual
Figura 3: Artesanato cerâmico vendido em Santarém inspirado em estatuetas tapajônicas.
contemporâneas são pos- Note-se a interpretação erotizada das peças, com a representação exacerbada dos órgãos sexuais.
tas em ação, sem realmen-
te aproveitar ou dialogar a capacidade co- transmissão de conhecimentos sobre cultu-
municativa original do objeto, pautada pelas ras passadas, mas ao contrário, vai na dire-
intenções por trás do projeto original e seu ção de sua negação e esvaziamento de signi-
contexto no passado arqueológico. No en- ficados.
tanto, muitos dos objetos replicados, copia- Por esses motivos, se faz necessário um
dos, transformados, possuem uma intensa questionamento mais aprofundado das ini-
capacidade agentiva de comunicação. ciativas que vêm associando o patrimônio
O uso que se faz assim do repertório do arqueológico a valores monetários em geral,
material arqueológico nada tem a ver com a mesmo que a intenção inicial destas iniciati-

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vas tenha sido a de favorecer comunidades transmissão de conhecimento temos ainda


locais através da geração de renda. Esta mo- como variável complicadora a multiplici-
netarização do patrimônio arqueológico, e a dade de vozes e de interesses implicados
conseqüente trivialização e “adaptação” vi- com este patrimônio. Para além dos arque-
sual da cultura material arqueológica a uma ólogos temos as empreiteiras que financiam
estética mais comercial, quer enquanto mar- a maior parte dos programas de educação
ca de identidade de produto (no sentido patrimonial, os educadores, os órgãos do
usado pelos especialistas das áreas de Co- governo, as comunidades e associações re-
municação e Marketing), quer para o consu- presentativas de várias minorias – indíge-
mo turístico, acaba, de certa forma, por in- nas, quilombolas, e caboclas em geral, ór-
terferir na própria comunicação, transmissão gãos mistos, como o Sebrae, além de
e socialização do conhecimento arqueológi- organizações não governamentais, e outras
co junto ao público. fundações que lidam com a indústria cul-
Na base destas questões, talvez resida ou- tural.
tra bem maior, que é o descompasso identi- Nesta seara de muitas vozes, existem,
tário que temos entre as comunidades ama- como sempre, contradições irrefutáveis e in-
zônicas contemporâneas e o passado cultural teresses irreconciliáveis. Na enorme teia de
indígena, descompasso este ainda permeado multivocalidade, existe uma assimetria de
por preconceitos, discriminação e desco- poder que é bastante comum nestes contex-
nhecimento geral das culturas indígenas, tos; na arqueologia de contrato em particu-
tanto do presente como do passado. Refiro- lar, a resolução destas contradições muitas
-me aqui, sobretudo, às comunidades cabo- vezes se dá em negociações, intermediadas
clas que em geral não tem nenhuma relação pelos órgãos governamentais responsáveis,
de herança com o patrimônio indígena pré- quase sempre envolvendo uma política de
-colonial local, quer pertençam a grupos de compensações. Compensações por perdas
afrobrasileiros descendentes de quilombo- que são na verdade incompensáveis, insubs-
las, ou a comunidades nordestinas que se tituíveis, nem mesmo se justificadas pelas
deslocaram para a Amazônia na época da oportunidades excepcionais de pesquisa em
indústria da borracha. áreas antes de difícil acesso ou condições de
Junta se a esta falta de identificação com pesquisa.
as culturas indígenas, as fortes tradições ca- Diante destas assimetrias de poder, con-
tólicas da maioria da população em centros cordamos com Hodder sobre o fato de que a
urbanos da região, e compreende-se melhor multivocalidade deva ser um componente
as razões pelas quais se justifica o fato de que central da prática arqueológica, mas que
conteúdos indígenas não só devam ser for- também é preciso reconhecer os perigos do
çosamente reapropriados de forma a impri- termo e da idéia.
mir a marca deste descompasso, deixando “In many ways, the dangers of multivocality parallel
evidente a diferença com o original, mas those associated with pluralism and multiculturalism. In
também o fato de que a intervenção deva ser all such cases, it appears as if the main intent is to allow
feita dentro de uma concepção de “melho- the participation of more voices, more groups and more
individuals without taking into account the fact that
rar” as peças para que possam ser admiradas
achieving the participation of marginalized groups in-
e usadas em contextos completamente dis-
volves a lot more than providing a stage on which they
tintos do original. can speak. …It involves ethics and rights” (Hodder,
Nos processos de patrimonialização e 2008: 195).

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Ian Hodder reforça a necessidade de se- conteúdos arqueológicos, e também para


paramos uma arqueologia socialmente enga- que tornemos a educação patrimonial uma
jada com a multivocalidade e os objetivos experiência mais democrática, mais simétri-
comercialmente conscientes de incluir a ca, de troca ou “socialização” de conheci-
maior quantidade possível de vozes enquan- mentos, do que propriamente de transmis-
to apenas consumidores (Hodder, 2008: 196; são unilateral de conteúdos que muitas
Silberman, 2008). Mas também aponta para vezes não têm significados relevantes para
o fato de que a comercialização da arqueolo- os públicos almejados.
gia pode abrir oportunidades de alianças Esta proposta é sem dúvida a mais fértil
pouco comuns que, surpreendentemente, que tem surgido até agora para a transmis-
podem ser usadas para melhorar e aprofun- são do conhecimento arqueológico. Neste
dar o engajamento do público com a herança mesmo terreno, da etnografia arqueológica,
arqueológica. Conclui que para se evitar es- podemos ainda avançar em outra frente, que
tes perigos é preciso desenvolver uma arque- é a de aplicar nossas observações de como o
ologia mais reflexiva, com uma plataforma patrimônio arqueológico vem sendo inter-
de comunicação onde grupos que estão em pretado e reapropriado pelos vários públicos
desvantagem de poder não somente tenham para fortalecer a própria interpretação ar-
a oportunidade de serem ouvidos, mas tam- queológica, fechando de fato um ciclo de
bém possam agir sobre como se dá a pesqui- transmissão de conhecimento na cadeia
sa arqueológica em todas as suas fases, in- operatória do processo epistemológico da
cluindo a divulgação e socialização do arqueologia.
conhecimento.
Voltando à Amazônia, acredito que o de- MAPEANDO INTENÇÃO E RECONHECI-
safio maior da arqueologia reside então na BILIDADE
criação desta plataforma de comunicação, Nos processos de divulgação científica,
na qual arqueólogos, enquanto especialistas, inicialmente partimos da premissa de que,
não só ocupam um papel relevante, mas po- apesar de a arqueologia ser uma ciência in-
dem realizar avanços reais naquilo que está terpretativa, podendo acomodar múltiplas
propriamente dentro de suas atribuições e interpretações sobre um mesmo objeto, ela
expertises, que é entender as relações entre continua todavia sendo uma ciência, no sen-
as pessoas e a cultura material, seja ela no tido de que as leituras produzidas são tantas
passado ou no presente, e a partir deste en- quantas o objeto e seu contexto permitem.
tendimento repensar o papel do arqueólogo Ao contrário das narrativas literárias ou ar-
na patrimonialização da arqueologia da tísticas, os limites são dados, não pela nossa
Amazônia. imaginação ou criatividade, mas pelo objeto
Recentemente, pesquisadores que traba- arqueológico em si, e as informações de que
lham com a perspectiva da Arqueologia Pú- dispomos sobre seus contextos.
blica, isto é, da educação patrimonial como Assim, na comunicação com o público, a
antropologia aplicada (Bezerra de Almeida, primeira coisa que o arqueólogo deve dei-
2003, 2012) propõem que este entendimen- xar transparecer, são estas qualidades do
to seja feito através de uma etnografia de objeto arqueológico que guiam a interpre-
como as comunidades se relacionam com tação arqueológica. Por outro lado, seguin-
este patrimônio, para fortalecer a comunica- do na proposta de fortalecimento da inter-
ção e a pedagogia de como transmitir os pretação arqueológica a partir de um

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melhor entendimento de como as pessoas da paisagem: a arte rupestre, os mounds em


interagem com objetos arqueológicos, po- Marajó e, mais recentemente, os geoglifos
demos de início isolar alguns conteúdos do Acre, ou os megalitos do Amapá. A se-
que parecem mais relevantes para o público, gunda categoria engloba recipientes e peças
no sentido de produzirem um maior im- escultóricas, em cerâmica ou pedra, em ge-
pacto na percepção e reconhecimento do ral antropomorfas, cujas denominações va-
patrimônio arqueológico. Além disso, po- riam entre ídolos, imagens, efígies, bonecas,
demos mapear algumas áreas onde a per- estatuetas, e etc.
cepção e as leituras destes conteúdos arque- Ambos os tipos de registros arqueológi-
ológicos sejam minimamente coincidentes, cos são resultantes de ações realizadas com
isto é, diante dos quais as diferenças de a intenção de que estas construções fossem
perspectivas e subjetividades sejam meno- percebidas visualmente, são intervenções ou
res e permitam a construção de uma plata- objetos feitos para serem vistos, por seus pa-
forma comum de comunicação. (Figura 4) res e para além de seus pares. São produções
Está claro que a relação entre o público intencionalmente duradouras, cujos signifi-
atual e a arqueologia, seja ele oriundo de cados podem ser reconhecidos, ou apreen-
pequenas comunidades, ou do turismo de didos, pelo menos em parte, por diferentes
massa na Amazônia, é, e sempre será inter- públicos, a partir de alguns elementos em-
mediada por uma série de idéias, conceitos pregados, tecnológicos ou estilísticos que
e pré-conceitos, talvez adquiridos em expe- lhe conferem algumas características agenti-
riências anteriores, sobre o que é a arqueolo- vas (no sentido proposto por Gell, 1998):
gia, como são as sociedades indígenas e, so- um alto grau de reconhecibilidade, grande
bretudo, como eram no passado. Contudo, capacidade de afetar sensorialmente ou
de maneira geral, existe um enorme desco- emotivamente, ou alto grau de iconicidade,
nhecimento sobre o assunto, apesar de sem- isto é, em termos peircianos, com grande
pre acompanhado por uma grande curiosi- semelhança entre o referente e sua represen-
dade. Afinal, as oportunidades existentes de tação (Pierce, 1981).
entrar em contato direto com este patrimô- Aqui, como um exercício inicial, na dire-
nio são raras e por vezes inexistentes, seja ção de um melhor aproveitamento das capa-
indiretamente através de experiências edu- cidades agentivas dos objetos arqueológicos
cativas, como na escola, na televisão ou na na comunicação e transmissão do conheci-
internet, ou diretamente observando peças mento científico, trataremos em maior pro-
em museus ou visitando sítios arqueológi- fundidade o caso dos objetos antropomorfos,
cos. O contato mais comum, para o turista, - vasos, urnas funerárias ou estatuetas - visto
talvez seja justamente, indiretamente, atra- o amplo uso que têm sido feito destes objetos
vés do artesanato e da mídia voltada para tanto na divulgação científica, na musealiza-
este mercado. ção dos objetos arqueológicos, como nas rea-
Contudo, apesar do desconhecimento propriações do artesanato e turismo.
generalizado, desde os primórdios da arque- Inicialmente, para discutirmos a capacida-
ologia na Amazônia, duas categorias de re- de agentiva destes objetos, são úteis algumas
gistros arqueológicos se destacam na sua das idéias de Alfred Gell, como as de que toda
capacidade de despertar a atenção do públi- representação visual é icônica (e portanto é
co e engendrar múltiplas leituras e interpre- diferente de um simples código de conven-
tações. A primeira se refere às modificações ções), e o que realmente interessa ao antropó-

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logo ou ao arqueólogo, é o grau de se-


melhança com o que está sendo
representado, e o grau de reconhecibi-
lidade por parte do observador, pois
são estes elementos que definem e con-
trolam o tipo de percepção e de relação
almejada pelo artista entre o observa-
dor e as entidades ali representadas ou
constituídas. Além disso, Gell traz para
a discussão o fato de que o reconheci-
mento da entidade ali constituída,
nem sempre ocorre de forma espontâ-
nea, podendo ser induzido de várias
maneiras, as chamadas tecnologias de
encantamento (Gell, 1998). Figura 4: Entre o registro arqueológico e público: mapeando as áreas com
Está claro, que estes objetos com maior possibilidade de leituras coincidentes

alto grau de reconhecibilidade, ape-


sar de serem universalmente reconhecidos, definidores da sociabilidade em sociedades
foram realizados almejando-se determina- ameríndias, em particular as perspectivistas
dos públicos, e que mesmo se suas capacida- (Breton et al., 2006; Conklin, 1995, 1996;
des agentivas tenham se estendido no tem- Taylor, 2010; Turner, 1995; Rival 2005; Vila-
po, permanecendo até hoje reconhecíveis, ça 1993, 2005 e 2009, para citarmos apenas
deve-se diferenciar as diversas esferas de alguns).
leituras possíveis e, conseqüentemente, as Um denominador comum das socieda-
diferentes camadas de significados que po- des indígenas amazônicas é a idéia de que,
dem adquirir. Em outras palavras, a inter- ao mesmo tempo que todos os humanos
pretação do objeto arqueológico é relacio- compartilham corpos semelhantes, decorar,
nal, depende de características do objeto, pintar e transformar o corpo é o que real-
mas também dos significados atribuídos a mente tece a complexa relação entre seme-
estas características pelo observador. lhança e diferença. Tais atividades relaciona-
Para além de sua reconhecibilidade en- das à construção do corpo social (Lambert e
quanto corpos humanos, temos, por um McDonald, 2009), ou da “pele social” (Tur-
lado, um enorme leque de informações ner, 1980, 1995) aparecem tanto na organi-
identitárias encorporadas(embodied) nestes zação da prática ritual, como no discurso
objetos, feitos segundo estéticas e lingua- das artes visuais, muitas vezes como uma
gens visuais particulares, comunicando as prática classificatória cotidiana dos seres e
diferentes maneiras ameríndias de represen- das coisas (Lagrou, 2007).
tação e de fabricação de seus corpos. Por outro lado, isto é, o do público, e de
Não por acaso, nas últimas décadas, a et- todo ser humano em geral, é através do cor-
nologia amazônica tem insistido na impor- po que apreendemos sensorialmente conte-
tância da “fabricação do corpo” enquanto údos externos, que aprendemos a reconhe-
processo de construção de identidades. Inú- cer e a nos relacionar com o outro, e que
meros estudos salientam a corporeidade e os internalizamos nossas experiências de
atributos visuais do corpo como elementos aprendizado sobre o mundo exterior. Práti-

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lha de artefato
particularmente
privilegiada para
a transmissão de
con he ci mento,
tanto no passado,
como no presen-
te. Contudo, se-
ria falacioso e et-
nocêntrico de
nossa parte, usar-
mos esta base co-
mum para proje-
tar nossas noções
ocidentais de cor-
po e humanidade
em uma leitura
direta do material
Figura 5: As caras da divulgação científica na arqueologia da Amazônia: a escolha intuitiva das peças
arque ológ ico.
antropomorfas em capas de catálogos, livros e guias temáticos confirma o seu potencial comunicativo. (Isso é justamente
o que vemos nas
cas museológicas contemporâneas têm en- transformações feitas livremente pelo arte-
fatizado a importância das experiências sanato).
sensoriais no nível do aprendizado indivi- E é aí que se faz necessário o trabalho de
dual. tradução do arqueólogo, a mediação das
“Learning is defined as “an act of perception, interaction diferenças, e os enfoques comparativos en-
and assimilation of an object by an individual”, which tre “eles” e “nós”, entre como concebemos e
leads to an “acquisition of knowledge or the development construímos nossos corpos e como e eles o
of skills or attitudes” (Allard and Boucher, 1998). Learn- faziam no passado. E além disso, como fab-
ing relates to the individual way in which a visitor as-
ricavam seus corpos comparativamente aos
similates the subject (ICOM, 2010).
de outras gentes. Afinal, conforme nos lem-
Não por acaso, os objetos antropomorfos bra Eduardo Viveiros de Castro,
estão entre os mais expostos nas vitrines de “comparison is not just our primary analytic tool. It is
museus e exposições, e cujas imagens foram also our raw material and our ultimate grounding, be-
mais veiculadas em capas de catálogos, re- cause what we compare are always and necessarily, in
vistas e materiais de divulgação científica one form or other, comparisons” (Viveiros de Castro,
2004:4)
em geral. (Figura 5).
Assim, seguimos aqui o que tanto Sally
A MEDIAÇÃO DAS DIFERENÇAS: UM Price (1989) como Edward Morphy (1994)
EXERCÍCIO NECESSÁRIO vêm argumentando em relação à apreciação
O foco na percepção, reconhecimento e e entendimento de objetos etnográficos pelo
interação visual de elementos identitários, público ocidental em geral: não basta expor
sobre uma base universalmente comum (o estes objetos com base em um universalis-
corpo humano), constitui assim uma esco- mo estético; é preciso primeiro criar con-

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dições de igualdade para se entender as tais quais eixos de simetria que atuam no es-
diferenças, e segundo, traduzir estas difer- paço ritual, ritmo, movimento, efeitos ciné-
enças de acordo com os universos culturais ticos, e muitos outros que podemos identifi-
específicos com que se está lidando. Hodder car nos motivos pintados, incisos, e na
também nos lembra o importante papel do relação entre os elementos bi e tridimensio-
arqueólogo não só como um interprete en- nais. Incluem-se aqui as combinações de
tre o passado e presente, mas também entre elementos que compõem seres híbridos,
diferentes perspectivas sobre o passado animais e humanos. São todos elementos
(Hodder, 1992). que fazem parte da tecnologia de encanta-
A seleção, tradução e a mediação, no en- mento de determinados rituais funerários
tanto, só serão possíveis se a arqueologia (Barreto, 2009).
avançar no entendimento dos princípios e Algumas constantes, como as formas tu-
técnicas que conferem a capacidade agenti- bulares com tampa, a antropomorfia, sobre-
va destes objetos, primeiro na arena de tudo com a representação de uma face hu-
“leitura” para os quais foram feitos; as inten- mana, a divisão entre urna/tampa
ções e efeitos almejados para o público correspondendo a corpo/cabeça, a constru-
“original”, dentro de uma perspectiva das ção do corpo na posição sentada, a presença
teorias de percepção e agência dos objetos. de pintura e adornos corporais, a indicação
Na arqueologia amazônica, boa parte do sexo, e a variabilidade de tamanho (às
dos corpos fabricados em cerâmicas, consti- vezes correlacionada com a idade), e o uso
tui na verdade segundos corpos para o en- de elementos decorativos (incisos ou pinta-
terro secundário de indivíduos. De maneira dos) em faixas e espirais com representações
geral, os objetos que vemos nas estantes das de cobras, fazem parte desta linguagem pan-
lojas de artesanato, se inspiram em urnas fu- -amazônica.
nerárias de variados complexos culturais em São estes elementos que garantem uma
tempos arqueológicos. das características fundamentais para se de-
O conjunto de urnas funerárias conheci- finir estilos particulares, isto é, aquilo que
das para a Amazônia pré-colonial certa- Peter Roe, em sua definição de estilo, chama
mente exibe um grau de semelhança que de reconhecibilidade – um termo que vimos
compõe uma linguagem comum, pan- empregando com um sentido mais amplo
amazônica. Uma síntese panorâmica destes neste texto, mas que aqui se refere à capaci-
registros ao longo da bacia amazônica indi- dade do objeto em ser identificado enquanto
ca, sobretudo, uma longa permanência de distinto de outros estilos (Roe, 1995:30).
aproximadamente 1200 anos da prática de Além da reconhecibilidade, para Roe, entre
enterramentos secundários em urnas outros elementos importantes na definição
cerâmicas antropomorfas, de uma ponta à de um estilo, está o que ele chama de contex-
outra da bacia amazônica. tualidade, ou seja, o fato de que sua reco-
São, portanto, artefatos rituais que encer- nhecibilidade depende do contexto a sua
ram a intenção de representar corpos huma- volta, podendo ser induzida ou não por este
nos (pessoas ou personagens ?) de formas contexto (o que certamente acontecia em
mais ou menos icônicas, dependendo da tempos pré-coloniais, visto serem os sítios
tradição cultural e que, para além da forma arqueológicos em que foram encontrados
do corpo humano, apresentam elementos prováveis territórios de domínio ritual, fu-
estilísticos de engajamento com o público nerário e, portanto, sagrado).

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Na Amazônia pré-colonial, o contexto é visitante olhe para uma urna Maracá e reco-
sem dúvida parte deste alto grau de reco- nheça ali uma pessoa sentada sobre um ban-
nhecibilidade dos objetos funerários antro- co, ou seja capturado pelo olhar de uma
pomorfos. Muitos dos sítios em que são en- urna Marajoara com seus grandes olhos de
contradas as urnas exibem algum aspecto coruja?
que garantem sua preservação e sua visibili- Roe fala também da capacidade dos ob-
dade, associados a verdadeiros marcos da jetos de afetar emocionalmente (affect ) ou
paisagem, marcos estes que podem ser natu- sensitivamente o público. Mas não no senti-
rais (como as grutas, abrigos, e topos de do estetizante em que museus e exposições
morros) ou construídos, como os tesos de com materiais etnográficos vêm trabalhan-
Marajó e os túmulos Aristé e que, portanto, do na linha de “deixar o objeto falar por si
podem atuar como um marcador de lugares só”. Ao contrário, a idéia é justamente usar o
sagrados (assim como os templos religiosos objeto para entender as ações, as intenções,
em geral) onde se exibem as marcas estilísti- as técnicas e linguagens usadas para produ-
cas tradicionais e ancestrais das sociedade zir determinados efeitos no público.
que os constroem. Aqui talvez a reconhecibilidade se daria
Nos cemitérios Maracá, as urnas ficam simplesmente pelo fato de se tratar de um
em lugares protegidos (como abrigos e ca- tema universal, o corpo, em que sua compo-
vernas), e ao invés de serem enterradas, fi- sição, por mais que seja culturalmente espe-
cam expostas aos visitantes (Guapindaia, cífica, seja sempre reconhecível por outro
2001). As urnas Aruã e Mazagão também ser humano. Mas em se tratando de socieda-
não eram propriamente enterradas, mas des ameríndias da Amazônia, entre as quais
eram colocadas em abrigos ou outros luga- sabemos que a forma do corpo humano
res protegidos, porém visíveis (Meggers e nem sempre corresponde à noção de huma-
Evans, 1957). nidade, e que estas formas podem ser múlti-
Esta visibilidade intencional sugere forte- plas, híbridas (antropo e zoomorfas ao mes-
mente a prática de uso da representação dos mo tempo), transformacionais e instáveis,
ancestrais enquanto marcadores de identida- em outras palavras, podem ser corpos cons-
de política e cultural para um mundo exte- truídos sob a teoria nativa do perspectivis-
rior, isto é, para as outras sociedades amazô- mo ameríndio (Viveiros de Castro, 2002),
nicas contemporâneas. Em tempos não podemos simplesmente lançar mão des-
pré-coloniais, a variação que encontramos te tipo de reconhecibilidade universal. A
nas formas de representação do corpo, com mediação e a tradução são necessárias.
um grau de iconicidade mais ou menos agu- Devemos reconhecer e explicitar alguns
çado, pode traduzir a necessidade de se man- outros princípios de representação dos se-
ter uma linguagem extra-regional, e talvez res, como algumas das linguagens metafóri-
seja esta intenção de comunicação com ou- cas utilizadas comumente nas artes amerín-
tros mundos que tenha assegurado sua reco- dias que tomam a simetria e a composição
nhecibilidade até os dias de hoje, mesmo em das partes de um corpo (humano ou não)
contextos de conhecimentos ocidentais. pela representação de animais, ou a compo-
Mas o que garante a reconhecibilidade sição de uma serie de artefatos, para além
deste estilo panamazônico para o público daquilo que chamamos de antropomorfos
em geral, que desconhece estes contextos es- (como, por exemplo, a composição das vasi-
pecíficos? O que faz com que um turista ou lhas marajoaras ou xinguanas). Contrapon-

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do urnas funerárias antropomorfas, a outros mais profundas, em que novos regimes de


gêneros de artefatos antropomorfizados, tais percepção, regidos pela instabilidade das
quais vasos que possuem cabeça, membros, formas corporais e a constante transforma-
cauda, e etc., ou as estatuetas cerâmicas en- ção dos seres tenham produzido novos
quanto modelos reduzidos de corpos, pode- meios imateriais de se interagir com outros
-se, assim não só entender os diferentes sis- mundos, incluindo os ancestrais, através de
temas de representação dos seres, mas, outros meios mais imateriais, tais quais so-
sobretudo, as diferentes concepções de nhos, visões alucinógenas, e etc.
como os seres são construídos, ou seja suas Se as urnas funerárias são interessantes
cosmologias. para se tecer conteúdos sobre a relação entre
A “tradução” arqueológica, pode tam- corpo, identidade e idéias nativas de vida e
bém explorar as diferenças contextuais entre morte, outra categoria de objetos antropo-
o arqueológico e o contemporâneo. Por morfos, as estatuetas, talvez representem a
exemplo, é interessante notar que a repre- forma mais intencional de representar cor-
sentação humana em urnas funerárias cerâ- pos. Com certeza elas são hoje um dos gêne-
micas, uma tradição regional tão dissemina- ros mais copiados e transformados na in-
da na Amazônia pré-colonial, e apesar de dústria artesanal, e ao longo da história,
continuada durante os primeiros tempos de sejam as estatuetas tapajônicas ou marajoa-
contato (como atestam as contas de vidro ras, foram transformadas em verdadeiros
européias encontradas em algumas urnas), ícones da arqueologia amazônica. Alguns
parece ter sido abandonada por completo poucos exemplares inteiros e mais bem con-
entre as sociedades indígenas ao longo da servados foram tão repetidamente reprodu-
história. zidos em materiais de divulgação científica,
Assim, estes objetos constituem também que acabaram por fixar uma visão “canôni-
uma categoria privilegiada para tratarmos ca” de como os corpos eram representados
das diferenças entre o passado pré-colonial no passado arqueológico. No entanto, o re-
e o presente etnográfico, mostrando que o gistro arqueológico e as coleções de museus,
papel da cultura material como intermedia- demonstram uma enorme variabilidade
ção na relação entre vivos e seus ancestrais morfológica e decorativa deste gênero de ar-
talvez tenha mudado radicalmente. A fabri- tefato cerâmico.
cação material de corpos ancestrais tais As estatuetas constituem uma forma cor-
quais em tempos pré-coloniais talvez encon- poral tangível e específica, onde os elemen-
tre correlatos em alguns rituais indígenas tos corporais aparentemente não são molda-
atuais, mais conhecidos do público em geral, dos em função de outras características
como na fabricação dos postes Kuarup no utilitárias do objeto, tais quais os vasilhames
ritual funerário xinguano. ou as urnas, com exceção de parte das esta-
Mas de maneira geral os rituais funerá- tuetas marajoaras que parecem ter servido
rios documentados etnograficamente ou en- como chocalhos. Por isso, elas podem se tor-
volvem objetos que não possuem esta ampla nar o meio por excelência para se tratar de
esfera de reconhecibilidade formal, talvez semelhanças e diferenças de concepção dos
em função de situações em que a coloniza- corpos e seres.
ção e o contato tenham reprimido a fabrica- Aqui também, as diferentes esferas de
ção de imagens tão icônicas, ou talvez por- leitura e reconhecibilidade nos levam a con-
que tenham passado por mudanças bem siderar questões que podem ser exploradas

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de forma mais ou menos didática para um são do outro a partir do conhecimento que
público não nativo. Os temas a serem explo- se tem de si, das diferenças e semelhanças.
rados podem girar em torno dos diferentes Se quisermos efetivar o projeto de uma
significados associados aos padrões de va- socialização do patrimônio arqueológico da
riabilidade formal, os diferentes tratamentos Amazônia de forma menos hierárquica e
corporais (pinturas, adornos, penteados), os autoritária, fazendo uma real diferença não
significados das diferentes posições em que só para a preservação do patrimônio, mas
os corpos são representados (sentados, em também para despertar interesses locais no
pé, em posição de parto, etc.), os diferentes seu gerenciamento, não basta incluí-los na
modelos de corpo de acordo com o contexto arena da multivocalidade; não basta deixar
cultural (comparando-se as estatuetas mara- os outros falarem, pois como nos lembra
joara com as tapajônicas, por exemplo), e Hodder, nem sempre os discursos construí-
relacionando este gênero de representação a dos sobre este patrimônio estão alinhados
outros, dentro dos sistemas artefatuais indí- com os mesmo interesses éticos de celebra-
genas amazônicos. ção de um herança arqueológica. Assim, o
A idéia aqui, não é apenas transmitir as arqueólogo tem um papel ativo fundamen-
associações dos materiais a determinadas tal a cumprir nesta arena de multivocalida-
identidades culturais que a arqueologia clas- de, que envolve a comunicação, a mediação
sifica com categorias tais como tradição, e a tradução do conhecimento arqueológico
fase, cultura, complexo cultural ou outras. para os cenários de patrimonialização que
Mas fazer ver, nos objetos, as linguagens e os se apresentam na Amazônia do século XXI.
sistemas nativos de comunicação e expres- Vista desta maneira, a atuação do arque-
são destas identidades, compartilhá-los com ólogo na Amazônia não mais deveria se res-
o público. tringir à comunicação do seu conhecimento
em veículos de divulgação científica, quer os
AS CULTURAS SÃO FEITAS PARA DIA- acadêmicos ou os mais generalizados, mas
LOGAR engajar-se mais profundamente nos projetos
Assim dizia o slogan que, no início do sé- de comunicação visual (governamentais ou
culo XXI anunciou a criação de um novo privados), de design de produtos, de fomen-
museu em Paris para abrigar as coleções de to ao artesanato, de programação cultural,
culturas antes ditas “primitivas”, mas agora tais quais feiras, festivais e exposições, etc.
reconhecidas como primeiras, ou primor- O papel do arqueólogo é procurar as áre-
diais. as, temas, recortes, problemas e, sobretudo,
Na museologia do século XX, a produção linguagens onde este diálogo é mais prová-
de grupos e povos mais ou menos distantes vel e profícuo, e fornecer, a partir de todo o
da civilização ocidental aos poucos migrou seu instrumental teórico e metodológico
dos tradicionais museus de antropologia próprio da disciplina, os elementos para tor-
para os museus de arte. Contudo, aprende- nar a troca de conhecimento possível, isto é,
mos que nem sempre basta expor esta pro- aprender sobre os artefatos arqueológicos a
dução enquanto obra de arte para as fazerem partir da relação do público com eles e fazer
falar. Reiterando as idéias de Sally Price, é uma arqueologia do presente para melhorar
preciso achar a lente certa para fazer ver as a arqueologia do passado.
diferenças e abrir o diálogo. É preciso esta- Como apontam Bezerra de Almeida e
belecer relações que iluminem a compreen- Najjar (2009), no Brasil, são ainda muito tí-

CORPO, COMUNICAÇÃO E CONHECIMENTO: REFLEXÕES PARA A SOCIALIZAÇÃO DA HERANÇA ARQUEOLÓGICA NA AMAZÔNIA Cristiana Barreto
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midos os estudos sobre a relação de públicos


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