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FRANCA
2020
JÚLIO DIAS TALIBERTI
FRANCA
2020
Dedico este trabalho aos meus pais, Francisco José
Taliberti e Cláudia Alessandra Dias Taliberti, à
Mococa, berço de minha história e à Franca, berço de
minha vida acadêmica.
Agradeço à minha família pela crença, torcida e
apoio; ao meu orientador, Dr. José Antônio de
Martos, por todo auxílio na produção deste trabalho;
aos membros da Gestão União Acadêmica, do
Diretório Acadêmico “28 de Março”, pela trajetória
juntos percorrida. Por fim, agradeço a cada amigo que
esteve ao meu lado durante esta jornada.
Palavras são, na minha não tão humilde opinião,
nossa inesgotável fonte de magia.
J.K. Rowling
RESUMO
TALIBERTI, Júlio Dias. Análise Jurídica das Fake News na Propaganda Eleitoral. 2020.
Trabalho de Curso. Faculdade de Direito de Franca, Franca, 2020.
O presente trabalho possui como objetivo discorrer a respeito do fenômeno das fake news na
propaganda eleitoral sob uma perspectiva jurídica, de modo a identificar seus contornos e a
maneira pela qual a legislação brasileira já trata do assunto. Para tanto, foi necessário realizar
um levantamento histórico da legislação eleitoral no Brasil e analisar sua evolução, que revelou
não só a tradição democrática do país, como também a adaptação da legislação para as fraudes
que foram surgindo. Ainda, promoveu-se um estudo da propaganda política, seus princípios e
espécies, com destaque para a propaganda eleitoral e as modalidades em que esta ocorre, o que
permitiu notar a possibilidade da manifestação das fake news nas suas mais variadas formas.
Ademais, realizou-se um estudo das fake news, partindo da busca de um conceito amplo para
estas, o que permitiu identificar formas de fake news tratadas pela legislação eleitoral e os
respectivos crimes ou efeitos legais, bem como sua apuração e julgamento. Diante disso, foi
possível também destacar eventuais consequências das fake news na propaganda eleitoral como
a anulação da eleição e a teoria da perda de uma chance. Por fim, fez-se ainda um estudo sobre
o conflito entre a liberdade de expressão e a manifestação das fake news, partindo de casos
concretos. Para que todas estas análises e estudos fossem realizados o presente trabalho, foi
utilizado o método hipotético dedutivo, fazendo uma pesquisa bibliográfica, através de artigos
jurídicos, monografias nacionais e estrangeiras, variadas doutrinas e uma investigação
documental por meio de jornais, revistas e relatórios, bem como de jurisprudência dos tribunais
superiores, em especial do Tribunal Superior Eleitoral. Com isto, foi possível concluir que as
fake news são um fenômeno preocupante na atualidade, com grande potencial lesivo nas
eleições; entretanto, a legislação brasileira já possui mecanismos e dispositivos para lidar com
as diversas formas de fake news.
This paper aims to discuss the phenomenon of fake news in electoral propaganda from a
legal perspective, in order to identify its contours and the way which Brazilian legislation
already deal the issue. In order to that, it was necessary to carry out a historical survey of
electoral legislation in Brazil and analyze its evolution, which revealed not only the Brazilian
democratic tradition, but also the adaptation of the legislation to the frauds that were emerging.
Moreover, a study of political propaganda, its principles and species, was made with the
emphasis on electoral propaganda and the modalities that fake news occurs, which allowed to
notice the possibility of the manifestation of fake news in its most varied forms. In addition, a
study of fake news was carried out, based on the search for a broad concept for that, which
allowed the identification of forms of fake news dealt by the electoral legislation and the
respective crimes or legal effects, as well as their investigation and judgment. Hereupon, it was
also possible to highlight potential consequences of fake news in electoral propaganda, such as
the annulment of the election and the theory of the loss-of-a-chance. Finally, a study was carried
out on the conflict between freedom of expression and the manifestation of fake news, based
on specific cases. In order for all of these analyzes and studies were made, the present paper
used the hypothetical deductive method, doing a bibliographic search, through legal articles,
national and foreign monographs, various doctrines and a documentary investigation through
newspapers, magazines and reports, as well as the jurisprudence of the higher courts, especially
the Superior Electoral Court. With this, it was possible to conclude that fake news is an actual
worrying phenomenon, with great damage potential in the elections; however, Brazilian law
already has mechanisms and devices to deal with various forms of fake news.
INTRODUÇÃO...........................................................................................................10
REFERÊNCIAS ......................................................................................................... 69
10
INTRODUÇÃO
A escolha do presente tema justifica-se pela expansão do fenômeno das fake news no
mundo, o que fez com que este estrangeirismo caísse não só no vocabulário popular, mas
também no jurídico, através das decisões de Tribunais. Ainda, o ingresso na Era Digital e a
revolução causada pela internet nos meios de comunicação, elevaram o potencial lesivo das
fake news.
Com isto, as fake news assumiram um papel de destaque nas últimas eleições no mundo
e no Brasil, apresentando efeitos preocupantes na propaganda eleitoral e possível influência nas
eleições e, consequentemente, no regime democrático
Nas últimas eleições no Brasil, por exemplo, uma semana antes do primeiro turno, foram
identificadas onze publicações falsas com grande repercussão, sendo transmitidas pelas redes
sociais e aplicativos de mensagens, segundo levantamento do Grupo Globo1.
Desta forma, é preciso compreender tal fenômeno e promover uma análise das fake news
na propaganda eleitoral sob o prisma jurídico, de modo a buscar entender como a legislação
atualmente trata o assunto. É o que o presente trabalho se propõe a realizar.
Assim, para se atingir o objetivo almejado, qual seja, o de compreender como o
ordenamento jurídico pátrio trata das fake news na propaganda eleitoral, é preciso
primeiramente realizar um estudo da evolução histórica do Direito Eleitoral no Brasil, desde os
tempos de colonização até a redemocratização, para, assim, entender os movimentos
legislativos diante das mais variadas práticas que surgiram com o intuito macular a vontade
popular e impor interesses escusos.
Em seguida, mostra-se necessário explorar a propaganda política, gênero do qual são
espécies: a propaganda institucional, a intrapartidária, a partidária e a eleitoral; com destaque
para a última modalidade, pois é essa que visa, em suma, conquistar o voto do eleitor.
A abordagem deve ser realizada partindo de um exame dos princípios da propaganda
política e finalizando nas maneiras de realização da propaganda eleitoral, compreendendo,
assim, as práticas e mecanismos que são ou não permitidos neste período, bem como a maneira
pela qual as fake news podem despontar.
1
RAMALHO, Renan. PT, PCO, PSTU e PTC não assinam compromisso contra disseminação de conteúdos
falsos, diz TSE. Publicado em out. 2018. Disponível em:
<https://g1.globo.com/politica/eleicoes/2018/noticia/2018/10/04/pt-pco-pstu-e-ptc-nao-assinam-compromisso-
contra-disseminacao-de-fake-news.ghtml>. Acesso em: 15 dez. 2019.
11
Posteriormente, faz-se necessário adentrar de fato no fenômeno das fake news, sendo
fundamental encontrar um conceito para o estrangeirismo que seja amplo, vez que o termo é
utilizado nas mais variadas situações.
Tal conceito deverá nortear as buscas por condutas no ordenamento jurídico pátrio que
possam ser enquadradas como fake news, realizando assim uma análise de cada uma delas
através de situações e casos jurídicos reais, bem como o posicionamento dos Tribunais perante
tais ações.
Por fim, identificadas tais condutas e dispositivos, mostra-se interessante analisar as
possíveis consequências e reflexos jurídicos que as fake news podem apresentar nas eleições e
fora dela, como a cassação de mandatos, a anulação de eleições e a indenização dos
prejudicados.
Ademais, o Legislativo e o Judiciário necessitam de extremo cuidado ao lidarem com as
fake news, no intuito de não promoverem censura prévia ou mitigação do direito à livre
manifestação do pensamento consagrado na Constituição Federal. Em razão disto, o presente
trabalho também se propõe a realizar um estudo de tal conflito de direitos.
12
Para compreender a atuação das fake news na propaganda eleitoral e suas consequências
jurídicas no Direito é preciso antes entender e analisar a evolução das eleições no Brasil e da
propaganda em si, bem como seus atuais contornos e o impacto da rede mundial de
computadores no tema.
No Brasil, a tradição democrática de eleger os governantes remete aos princípios da
história do país pós-descobrimento. Gradualmente foi evoluindo e se expandindo, mas os
primeiros núcleos povoadores já carregavam consigo tal espírito: as bandeiras brasileiras, além
do objetivo de buscar riquezas, possuíam a missão de povoar as terras. Além disso, existem
registros de que a bandeira paulista de Pascoal Moreira Cabral, em 1719, onde se fundou
Cuiabá, ao descobrir ouro e ali resolver se instalar, realizou a eleição de guarda-mor regente2.
Neste momento, aquele povo realizou um contrato social, no qual, por vontade própria e
livre, se submeteu aos arbítrios de um líder, imaginando que este estabeleceria a lei, ordem e
progresso.
Apesar do governo em âmbito nacional ser organizado em uma monarquia, hereditária e
vitalícia, os governos locais das Vilas e das Cidades adotavam o formato republicano, com
eleições populares, regidas pelo Código Eleitoral da Ordenação do Reino, pelo qual se elegiam
os Juízes, Vereadores e Procuradores das Câmaras Municipais, com mandatos de tempo e
funções determinadas3.
Para tais cargos, só poderiam ser eleitos membros da nobreza das Vilas e das Cidades, os
chamados “homens bons e republicanos”. Entretanto, qualquer cidadão, abrangendo todos do
povo, poderia votar. Estes não escolhiam diretamente os ocupantes dos cargos citados, mas, de
2
FERREIRA, Manuel Rodrigues. A Evolução do Sistema Eleitoral Brasileiro. 2. ed. Brasília: TSE/SDI, 2005.
p. 18/19.
3
Id., Ibid. p. 28.
13
maneira simplificada, votavam em representantes da nobreza que elegiam aqueles que de fato
ocupariam as funções4.
Ademais, em 1821, o povo brasileiro foi convocado por D. João VI para escolher seus
representantes às cortes de Lisboa, na primeira eleição geral realizada no Brasil. Eleição esta
sem partidos e na qual não houve qualificação prévia dos votantes, podendo, inclusive, os
analfabetos votarem.
Ainda, destaca-se a complexidade do regramento desta eleição, pois havia quatro graus
para se chegar aos Deputados eleitos: o povo, como um todo, escolhia os compromissários, que
escolhiam os eleitores de paróquia, que por sua vez, escolhiam os eleitores da comarca, que,
por fim, elegiam os Deputados5.
4
FERREIRA, Manuel Rodrigues. A Evolução do Sistema Eleitoral Brasileiro. 2. ed. Brasília: TSE/SDI, 2005.
p. 30.
5
Id., Ibid. p. 52/53.
6
Id., Ibid. p. 73.
7
Id., Ibid. p. 82.
14
A Constituição de 18248, em seu art. 94, inciso V, restringia àqueles com determinada
renda o privilégio de ser eleito Deputado, quatrocentos mil réis anuais, ou Senador, oitocentos
mil réis anuais. As eleições para Deputados ocorreriam em dois graus, podendo votar, em
primeiro grau, dentre outras restrições, aqueles com renda superior à cem mil réis.
As eleições para Senador ocorriam da mesma maneira que a para os Deputados, mas com
a formação de listas tríplices, sobre as quais o Imperador escolhia os membros que iriam compor
a Casa, era o que dispunha seu art. 43.
Ainda, os artigos 73 e 165 da Carta Magna previam que o Presidente da província seria
escolhido pelo Imperador e que seria estabelecido um Conselho-Geral eleito pelo povo, nos
mesmos moldes da eleição de Deputados.
Ademais, de acordo com o art. 168, nas Cidades e Vilas, o governo econômico e
municipal competia às Câmaras que eram eleitas pelo povo, sendo que o candidato mais votado
ocuparia o cargo de Presidente da Câmara, cujas funções eram as mesmas desempenhadas pelos
Prefeitos atualmente.
Em 1828 foi decretada a lei que dava formas às eleições nos Municípios, que até então se
utilizavam das ordenações no reino para tal. A grande mudança revela-se na eleição direta em
um só grau, somente realizadas nas Vilas e Cidades. Também, a lei foi a primeira a exigir
inscrição prévia dos eleitores, sendo afixada nas portas das igrejas a lista com os votantes. Ainda
não existiam partidos políticos, podendo o eleitor votar em quem bem entendesse9.
Somente após a abdicação de D. Pedro I, em 1831, é que surgiram os primeiros partidos
políticos, quais sejam: o Restaurador, que pedia a volta do Imperador, o Republicano, que
clamava o fim da monarquia e o Liberal, que pretendia ver conservada a monarquia, mas que a
Constituição de 1824 fosse reformada10.
Apesar da instabilidade envolvendo estes partidos e as mudanças que decorreram, os
embates e agitações políticos evidenciaram-se, em contraponto às amenidades das eleições
anteriores.
Manuel Rodrigues Ferreira descreve que antes das eleições os embates políticos se
restringiam às Casas de Leis, mas no dia das eleições as paixões políticas eram despertadas e
os embates públicos aconteciam, visando à vitória a todo custo. Com isto surgiram diversos
8
BRASIL. Constituição (1824). Constituição Política do Império do Brazil de 22 de abril de 1824. Rio de
Janeiro. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao24.htm>. Acesso em: 01
nov. 2019.
9
FERREIRA, Manuel Rodrigues. A Evolução do Sistema Eleitoral Brasileiro. 2. ed. Brasília: TSE/SDI, 2005.
p. 115.
10
Id., Ibid. p. 121.
15
tipos de práticas fraudulentas, como o envio de listas em branco para serem preenchidas pelo
próprio Presidente da Província, nomeado pelo Imperador.
O autor também expõe a violência entre os envolvidos e a corrupção que permeava as
mesas eleitorais e autoridades atuantes no pleito, pois aquelas poderiam negar o direito ao voto
se quisessem11.
Diante de todas as fraudes e corrupções emergidas, surge o Decreto n. 157, de 4 de maio
de 1842, que, pela primeira vez na história do país, dispunha sobre o alistamento de eleitores,
através de uma Junta12. Previa também a possibilidade de fiscais ou interessados representarem
ao Presidente da Província abusos e ilegalidades nas listas de alistamento.
Em 1845, pela primeira vez, o Parlamento brasileiro passou a debater sobre a questão
eleitoral, elaborando uma legislação. Até então somente o governo que legislava.
A lei foi sancionada pelo Imperador somente em 1846 e revogava todos os dispositivos
anteriores, abordando os pleitos a nível nacional, estadual e municipal. A norma mantinha para
as eleições nas Cidades e Vilas o voto em único grau e, para os demais pleitos, em dois graus.
Entretanto, esta lei trazia muitas exigências peculiares que colocavam óbices e dúvidas
em sua execução. Diante disto, requereu-se ao Parlamento que a reformasse. Assim, em 1855,
a Assembleia Geral Legislativa elaborou e o Imperador decretou a nova lei eleitoral, alcunhada
de Lei dos Círculos13, que alterava substancialmente a lei de 1846.
A Lei passou a adotar o sistema distrital para a eleição dos Deputados e membros das
Assembleias provinciais, dividindo as Vilas em tantos distritos quanto fosse o número de seus
Deputados. A Lei mantinha ainda a eleição em dois graus e também previa eleições em até três
turnos de votação para que o candidato atingisse maioria absoluta.
Todavia, o modelo não foi bem aceito e em 1860 um novo decreto alterou as disposições
eleitorais, revogando a Lei dos Círculos. O Decreto determinou que as Vilas fossem agora
dividias em Distritos Eleitorais de três Deputados cada um, que seriam eleitos em um só
escrutínio.
Diversas críticas ao sistema eleitoral e às sucessivas reformas no modelo impulsionaram
movimentações no Brasil favorável à eleição direta, suprimindo os dois graus. Evidencia-se
11
FERREIRA, Manuel Rodrigues. A Evolução do Sistema Eleitoral Brasileiro. 2. ed. Brasília: TSE/SDI, 2005.
p. 122.
12
BRASIL. Decreto nº 157, de 04 de maio de 1842. Rio de Janeiro, 04 de maio 1842. Disponível em:
<http://legis.senado.leg.br/norma/386137/publicacao/15633544>. Acesso em: 03 nov. 2019.
13
BRASIL. Decreto n° 842, de 19 de setembro de 1855. Rio de Janeiro, 19 de setembro de 1855. Disponível
em: <http://www.tse.jus.br/eleitor/glossario/termos/lei-dos-circulos>. Acesso em: 03 nov. 2019
16
ainda que, apesar da existência de partidos políticos, não havia legislação que os regulassem,
como também não existia registro prévio das chapas ou candidatos.
Somente em 1875 é que surge uma nova lei eleitoral, o Decreto n. 2.67514, alterando o
sistema vigente. Evidencia-se a criação das Juntas Paroquiais de Qualificação, que organizavam
as listas dos eleitores e, quando as listas estavam finalizadas, eram emitidos títulos de eleitores.
A lei também atribuiu outras tarefas ao Judiciário, que passou a ser encarregado de esclarecer
dúvidas, fazer cumprir os dispositivos eleitorais e julgar recurso, inclusive das próprias listas
organizadas pelas Juntas.
Todavia, apesar das mudanças que sofreu nos anos seguintes, a lei ainda persistia no voto
indireto, motivo de críticas, principalmente vindas do partido Liberal. Diante disto, com aval
do Imperador, o Parlamento começou a discutir e elaborar uma nova lei eleitoral, sancionada
em 09 de janeiro de 1881, o Decreto n. 3.20915, que passou a substituir todas as outras.
A principal mudança foi a abolição do voto indireto e a instituição de um só grau de
votação, sendo este secreto, conforme art. 6° da Lei. Ainda, o alistamento deveria ser requerido
pelo eleitor, que deveria provar determinada renda anual, e passou a ser feitos pelos Juízes de
Direito. A Lei, ainda, restabelecia a eleição por Distritos, podendo haver dois turnos.
O cargo de Senador passou a ser vitalício, só havendo eleições em caso de morte, renúncia
ou aumento do número de cadeiras. Nesses casos os eleitores elegiam uma lista tríplice da qual
o Imperador escolhia um dos três mais votados, de acordo com o disposto no art. 16.
Evidencia-se a preocupação com a moralidade e legalidade do pleito, pois a Lei possuía
um capítulo destinado aos crimes eleitorais, impedindo, por exemplo, a organização de tropas
no dia da eleição a uma distância menor de seis quilômetros do local do pleito. Ainda, o §4° do
art. 15, permitia que os candidatos nomeassem fiscais junto às Assembleias Eleitorais.
Em 1889, com a queda do Império e instauração da República, o Brasil encerra um ciclo
de evolução eleitoral com uma legislação considerada completa para a época, que ainda sofreu
algumas poucas mudanças, mas foi resultado de sessenta e sete anos de aperfeiçoamento em
matéria eleitoral. Caberia agora à República dar novos contornos e excluir privilégios.
14
BRASIL. Decreto nº 2.675, de 20 de outubro de 1875. Rio de Janeiro. Disponível em:
<https://www2.camara.leg.br/legin/fed/decret/1824-1899/decreto-2675-20-outubro-1875-549763-
publicacaooriginal-65281-pl.html>. Acesso em: 03 nov. 2019.
15
BRASIL. Decreto nº 3.029, de 09 de janeiro de 1881. Rio de Janeiro. Disponível em:
<https://www2.camara.leg.br/legin/fed/decret/1824-1899/decreto-3029-9-janeiro-1881-546079-
publicacaooriginal-59786-pl.html>. Acesso em: 04 nov. 2019.
17
16
BRASIL. Decreto nº 6 do Governo Provisório, de 19 de novembro de 1889. Rio de Janeiro. Disponível em:
<https://www2.camara.leg.br/legin/fed/decret/1824-1899/decreto-6-19-novembro-1889-508671-
publicacaooriginal-1-pe.html>. Acesso em: 05 nov. 2019.
17
BRASIL. Decreto nº 511, de 23 de junho de 1890. Rio de Janeiro. Disponível em:
<https://www2.camara.leg.br/legin/fed/decret/1824-1899/decreto-511-23-junho-1890-518227-
publicacaooriginal-1-pe.html>. Acesso em: 05 nov. 2019.
18
FERREIRA, Manuel Rodrigues. A Evolução do Sistema Eleitoral Brasileiro. 2. ed. Brasília: TSE/SDI, 2005.
p. 224. p. 288.
18
Logo após a promulgação da Constituição, o Congresso cuidou de elaborar uma nova Lei
Eleitoral, sancionada pelo Presidente Floriano Peixoto, em 1892. A eleição para Senador seria
feita por Estado, cada eleitor votaria em nomes separados para quantas vagas houvesse naquele
ano. Já na eleição para Deputado, adotava-se novamente o voto distrital, no qual o Estado seria
dividido em Distritos que elegeriam três Deputados, podendo o eleitor votar em dois.
Ainda, a Constituição não previa os formatos das eleições estaduais e municipais, isto
caberia aos constituintes estaduais regulamentarem. Assim, o Presidente convocava as eleições
para Deputados Estaduais encarregados da missão. No Estado de São Paulo, como em muitos
outros, a Constituição Estadual dava liberdade para os Municípios regularem seu processo
eleitoral.
Uma das grandes imoralidades da República foi o voto descoberto, instituído pela Lei n.
426/189619. Através dele, o cidadão assinava duas cédulas perante a mesa, uma era depositada
na urna e a outra era devolvida ao eleitor rubricada pela mesa, desobrigando assim o sigilo do
voto e dando força a um dos pilares da República Velha: o voto de cabresto.
Nos anos seguintes, uma série de mudanças pontuais foram realizadas na legislação
eleitoral. Todavia, em 15 de novembro de 1904, o Presidente Rodrigues Alves sancionou a Lei
n. 1.269, que ficou conhecida como “Lei Rosa e Silva” e revogou a legislação anterior.
Desta lei, cumpre destacar que para a eleição de Deputados, os Estados seriam divididos
em distritos eleitorais de cinco Deputados cada. A lei mantinha a possibilidade de voto
descoberto e pela primeira vez estabelecia a unidade de alistamento, que se traduzia em um só
título de eleitor para todas as eleições.
Curioso destacar que nos anos de 1920 começaram a surgir paródias musicais de teor
político, com intuito de satirizar figuras públicas, inclusive os próprios Presidentes; contra isso,
nada dispunham os diplomas legais. Nos anos seguintes, a propaganda política começou a
germinar e, em 1929, surgiu o primeiro jingle eleitoral que se tem registro, “Seu Julinho Vem”,
embalando a campanha de Júlio Prestes.
Dentre as demais alterações que antecederam a Revolução de 1930, ainda vale destacar o
clima de questionamento da seriedade do processo eleitoral no Brasil, que levou ao surgimento
da Lei n. 3.139/191620, que além de confiar o alistamento exclusivamente ao Poder Judiciário,
19
BRASIL. Lei nº 426, de 07 de dezembro de 1896. Rio de Janeiro. Disponível em:
<https://www2.camara.leg.br/legin/fed/lei/1824-1899/lei-426-7-dezembro-1896-540240-publicacaooriginal-
40206-pl.html>. Acesso em: 06 nov. 2019.
20
BRASIL. Lei nº 3.139, de 02 de agosto de 1916. Rio de Janeiro, 02 ago. 1916. Disponível em:
<https://www2.camara.leg.br/legin/fed/lei/1910-1919/lei-3139-2-agosto-1916-574077-republicacao-97309-
pl.html>. Acesso em: 07 nov. 2019.
19
21
BRASIL. Decreto nº 21.076, de 24 de fevereiro de 1932. Rio de Janeiro. Disponível em:
<https://www2.camara.leg.br/legin/fed/decret/1930-1939/decreto-21076-24-fevereiro-1932-507583-
publicacaooriginal-1-pe.html>. Acesso em: 07 nov. 2019
22
FERRARI, Cibele Maria de Rezende e. Direito Eleitoral: Sistema Eleitoral Brasileiro: Evolução Histórica, A
Legislação Eleitoral Vigente e Eleições 2004. São Paulo: Lemos e Cruz, 2004, p. 49.
20
23
BRASIL. Constituição (1934). Constituição da República dos Estados Unidos do Brasil, de 16 de julho de
1934. Rio de Janeiro. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao34.htm>.
Acesso em: 07 nov. 2019.
24
CAJADO, Ane Ferrari Ramos; DORNELLES, Thiago; PEREIRA, Amanda Camylla. Eleições no Brasil: uma
história de 500 anos. Brasília: Tribunal Superior Eleitoral, 2014. p. 39.
25
BRASIL. Constituição (1945). Decreto-lei nº 7.586, de 28 de maio de 1945. Rio de Janeiro. Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Decreto-Lei/1937-1946/Del7586.htm>. Acesso em: 08 nov. 2019.
21
públicas no período compreendido entre quarenta e oito horas antes e vinte e quatro horas
depois da eleição.
A Constituição de 1946 consagrou a Justiça Eleitoral e dispôs sobre sua competência,
também tratando do alistamento e dos direitos políticos, estabelecendo ainda a competência
privativa da União para legislar em matéria eleitoral.
Em 1950, um novo Código Eleitoral passa a vigorar. Dentre as mudanças trazidas, cuidou
de padronizar as cédulas eleitorais e criar a cédula oficial26, afastando a necessidade dos
candidatos e partidos realizarem gastos extraordinários com a impressão de cédulas próprias,
barateando assim as campanhas.
Ainda, dentre as diversas infrações penais lá dispostas, no art. 175, item 28, havia
tipificação quanto à conduta de se referir, durante a propaganda, a fatos inverídicos em relação
a partidos ou candidatos, que pudessem exercer influência perante o eleitorado27.
Isto mostra que a preocupação com o tema de notícias e fatos falsos não é recente na
história brasileira.
A tipificação desta conduta é relacionada à eleição de 1945, na qual o Brigadeiro Eduardo
Gomes e Eurico Gaspar Dutra disputaram a Presidência, sendo que aquele teria dito em um
comício que dispensava o apoio da “malta de desocupados” que apoiavam o governo. A palavra
malta, apesar do significar “bando”, sentido aplicado no discurso do presidenciável, também
tem relação com os trabalhadores que carregam marmitas. A oposição utilizou desta segunda
interpretação para taxar o adversário de elitista e saiu vitoriosa, elegendo Dutra28.
26
CAJADO, Ane Ferrari Ramos; DORNELLES, Thiago; PEREIRA, Amanda Camylla. Eleições no Brasil: uma
história de 500 anos. Brasília: Tribunal Superior Eleitoral, 2014. p. 45.
27
BRASIL. Lei nº 1.164, de 24 de julho de 1950. Rio de Janeiro. Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/1950-1969/L1164.htm>. Acesso em: 09 nov. 2019.
28
PARET, Benito. Marmiteiros e fake news. 2018. O Globo. Disponível em:
<https://oglobo.globo.com/opiniao/marmiteiros-fake-news-22427794>. Acesso em: 16 dez. 2019.
29
BRASIL. Ato Institucional nº 1, de 09 de abril de 1964. Brasília. Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/AIT/ait-01-64.htm>. Acesso em: 10 nov. 2019.
22
Ainda, o ato previa a possibilidade de suspensão dos direitos políticos e a cassação de mandatos
legislativos federais, estaduais e municipais.
O advento do Ato Institucional n. 230, em 1965, extinguiu-se os partidos políticos
existentes, somente permitindo a organização de dois, MDB e ARENA, instituindo o
bipartidarismo no Brasil. Permitiu ainda a decretação de recesso parlamentar a qualquer tempo,
incumbindo ao Poder Executivo legislar neste período.
No mesmo ano é sancionado o novo Código Eleitoral31, que está até hoje em vigor e, além
das disposições de alistamento, qualificação, obrigatoriedade do voto e Justiça Eleitoral,
também continha um título destinado à propaganda partidária. Os dispositivos previam
propagandas que não seriam toleradas, como aquelas que instigassem à desobediência, que
provocassem animosidades contra forças armadas, que fossem consideradas subversivas, que
perturbassem o sossego público, entre outros.
Ainda, previa a possibilidade do ofendido por calúnia, difamação ou injúria demandar no
Juízo Cível a reparação do dano moral com responsabilidade subsidiária do partido político do
infrator, se constatada ação ou omissão. Ademais, aquele que sofresse os crimes contra honra
teria assegurado o direito de resposta.
No capítulo dos Crimes Eleitorais cabe destaque ao art. 323 que, seguindo o Código
anterior, tipificava a divulgação, durante a propaganda eleitoral, de fatos sabidamente
inverídicos em relação a partidos ou candidatos, que fossem capazes de exercerem influência
perante o eleitorado, agravando a pena se o crime fosse cometido pela imprensa, rádio ou
televisão.
O Código também tipificava a calúnia, difamação e injúria cometidas na propaganda
eleitoral ou visando fins de propaganda. É possível constatar assim que o Código Eleitoral de
1956 continuou a avançar e a se aperfeiçoar em matéria de propaganda eleitoral e crimes
eleitorais.
Em 1966 é lançado o Ato Institucional n. 332, estabelecendo eleições para Governadores,
incumbindo às Assembleias Legislativas estaduais a deliberação. Os Governadores ainda
seriam responsáveis por nomear os Prefeitos das capitais, após aprovação das mesmas
30
BRASIL. Ato Institucional nº 2, de 27 de outubro de 1965. Brasília. Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/AIT/ait-02-65.htm>. Acesso em: 10 nov. 2019.
31
BRASIL. Lei nº 4.737, de 15 de julho de 1965. Brasília. Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l4737.htm>. Acesso em: 11 nov. 2019.
32
BRASIL. Ato Institucional nº 3, de 05 de fevereiro de 1966. Brasília. Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/AIT/ait-03-66.htm>. Acesso em: 11 nov. 2019.
23
Assembleias. De tal forma, as únicas eleições diretas para cargos executivos se dariam para os
Prefeitos das cidades que não fossem capitais.
Ainda em 1966, o Ato Institucional n. 433 convocou o Congresso Nacional, que havia sido
fechado, para deliberar e promulgar a nova Constituição, o que se deu em 1967. A Carta Magna
possuía como objetivo assegurar e incorporar as disposições dos demais atos.
Em 1968, as disposições do Regime Militar têm seu ápice com o Ato Institucional n. 534,
que determinava o recesso do Congresso, que só voltaria com convocação do próprio
Presidente. Além das cassações de direitos políticos, os prejudicados ainda poderiam ter sua
liberdade vigiada, serem proibidos de frequentar determinados lugares e possuir domicílio
determinado.
Cabe destaque também à “Lei Falcão35”, de 1976, que impedia o acesso dos candidatos
às emissoras de rádio e televisão. As propagandas nestes veículos se limitavam a narração do
nome, número e currículo do candidato. Pela redação do dispositivo, era impedida inclusive a
apresentação de propostas, sendo tolerado apenas o anúncio do horário e local dos comícios.
Assim, é possível notar que cada vez mais as discussões políticas possam a ser realizadas
nos bastidores e as campanhas políticas são enfraquecidas, de mesmo modo é limitado o
mercado das propagandas eleitorais.
Nos anos seguintes, iniciou-se a abertura lenta e gradual do espaço democrático. Em 1978
a Emenda Constitucional n. 1136 revogou o AI 5, proibindo o governo de cassar mandatos,
suspender direitos políticos e determinar recessos parlamentares. Em 1979 a Lei n. 6.76737
permitiu a criação de novos partidos, reinstituindo o pluripartidarismo no Brasil. Ainda, em
1982 ocorreram eleições gerais para Governadores, com grande vitória da oposição ao regime.
Este cenário criou uma expectativa no país em favor das eleições diretas para Presidente,
ocasionando uma grande movimentação em torno desta agenda que tomou o nome de “Diretas
Já”.
33
BRASIL. Ato Institucional nº 4, de 07 de dezembro de 1966. Brasília. Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/AIT/ait-04-66.htm>. Acesso em: 11 nov. 2019.
34
BRASIL. Ato Institucional nº 5, de 13 de dezembro de 1968. Brasília. Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/ait/ait-05-68.htm>. Acesso em: 11 nov. 2019.
35
BRASIL. Lei nº 6.639, de 01 de julho de 1976. Brasília. Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/1970-1979/L6339.htm>. Acesso em: 12 nov. 2019.
36
BRASIL. Emenda Constitucional nº 11, de 13 de outubro de 1978. Brasília, Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/emendas/emc_anterior1988/emc11-78.htm>. Acesso em: 12
nov. 2019.
37
BRASIL. Lei nº 6.767, de 20 de dezembro de 1979. Brasília. Disponível em
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/1970-1979/L6767.htm>. Acesso em: 11 nov. 2019.
24
Todavia a Emenda “Dante de Oliveira” que representava esta pauta, acabou sendo
rejeitada em abril de 1984, mas o impacto se fez sentir e, no ano seguinte, o Colégio Eleitoral
elegeu o Presidente Tancredo Neves, candidato de oposição ao governo.
Entretanto, na véspera de sua posse, Tancredo é internado. O Vice-Presidente, José
Sarney, então toma posse e, com a morte do eleito, este se torna Presidente definitivamente.
38
BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constituicao.htm>. Acesso em: 13 nov. 2019.
39
BRASIL. Lei nº 8.624, de 04 de fevereiro de 1993. Brasília. Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l8624.htm>. Acesso em: 13 nov. 2019.
25
40
CAJADO, Ane Ferrari Ramos; DORNELLES, Thiago; PEREIRA, Amanda Camylla. Eleições no Brasil: uma
história de 500 anos. Brasília: Tribunal Superior Eleitoral, 2014. p. 67.
41
BRASIL. Lei nº 9.504, de 30 de setembro de 1997. Brasília, DF, Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/L9504.htm>. Acesso em: 13 nov. 2019
26
2 DA PROPAGANDA POLÍTICA
42
NASCENTES, Antenor. Dicionário Etimológico da Língua Portuguesa. Rio de Janeiro: Livraria Acadêmica,
1955.
43
GOMES, José Jairo. Direito Eleitoral. 14. Ed. São Paulo: Atlas, 2018, p. 492
44
MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Elementos de Direito Administrativo. São Paulo: Revista dos Tribunais,
1980, p.230.
45
Id., Ibid. p. 498
27
Evidencia-se ainda a competência privativa da União para legislar sobre o assunto. Todavia, o
Tribunal Superior Eleitoral expede Instruções para o fiel cumprimento da lei.
O princípio da liberdade de expressão e comunicação dá a independência na criação do
conteúdo e forma da propaganda, diferentemente do que acontecia na égide da “Lei Falcão”.
Tal princípio é essencial na construção de um ambiente democrático, no qual se promova o
debate. Entretanto, tal princípio não possui caráter absoluto, sendo sopesados os interesses no
caso concreto, como por exemplo, a previsão do art. 244, parágrafo único, inciso V, do Código
Eleitoral, quanto a vedação de veículos de sons a menos de quinhentos metros de hospitais.
Já o princípio da liberdade de informação versa sobre o outro polo da propaganda, o
interlocutor, sendo assegurado a todos os cidadãos o direito de se informar sobre o candidato,
seu programa de governo, suas propostas e também as informações da administração e das
eleições como um todo.
O princípio da igualdade versa sobre a paridade de armas entre os agentes, sendo as armas
os mecanismos e recursos à disposição, podendo os agentes ser os candidatos, os políticos
eleitos ou até mesmo os partidos. José Jairo Gomes46 explica que tal isonomia é somente formal
e não material, vez que, por exemplo, os partidos com maioria no Congresso possuem um maior
tempo de propaganda política. Podendo, assim, existirem campanhas milionárias e outras
simplórias, entretanto, todas possuindo a mesma oportunidade para alcançar este protagonismo.
O princípio da responsabilidade aduz que alguém sempre deve ser responsabilizado pela
propaganda, sendo os excessos atribuídos primeiramente aos candidatos e partidos. Todavia o
art. 241 do Código Eleitoral define a responsabilidade solidária aos agentes de comunicação
responsáveis por ela.
Por fim, pelo princípio do controle judicial, a propaganda é submetida ao controle da
Justiça Eleitoral, podendo inclusive ser utilizado o poder de polícia para inibir seus excessos.
Por exemplo, no caso citado de veículos de som próximos a hospitais, poderia o Juiz, inclusive
de ofício, determinar que se faça cessar.
46
GOMES, José Jairo. Direito Eleitoral. 14. Ed. São Paulo: Atlas, 2018, p. 498
28
47
GOMES, José Jairo. Direito Eleitoral. 14. Ed. São Paulo: Atlas, 2018.
29
Esta espécie de propaganda é aquela promovida pelo filiado de partido político que
pleiteia ser candidato a um cargo eletivo e deverá ser escolhido pelos seus pares durante as
convenções partidárias.
A Lei das Eleições, em seu art. 36, §1°, permite ao candidato ao cargo eletivo a realização
de propaganda intrapartidária na quinzena anterior à escolha pelo partido, objetivando que seu
nome seja indicado; sendo que a escolha dos candidatos deve ser feita no período de 20 de julho
a 05 de agosto do ano eleitoral.
48
BRASIL. Tribunal de Justiça de São Paulo. Apelação nº 1004481-97.2018.8.26.0053. Relator: Luís Francisco
Aguilar Cortez. São Paulo, SP, mar. 2019. Disponível em:
<https://esaj.tjsp.jus.br/cposg/show.do?processo.codigo=RI004UA7X0000&processo.foro=990&processo.numer
o=10044819720188260053&gateway=true#>. Acesso em: 02 dez. 2019.
49
SÃO PAULO (Município). Lei nº 14.166, de 6 de junho de 2006. São Paulo, SP, Disponível em:
<https://leismunicipais.com.br/a/sp/s/sao-paulo/lei-ordinaria/2006/1416/14166/lei-ordinaria-n-14166-2006-
regulamenta-o-uso-de-simbolos-oficiais-do-municipio-e-da-outras-providencias>. Acesso em: 02 dez. 2019
50
AYRES, Rodrigo Martiniano. Direito Eleitoral Descomplicado. 1 ed. Rio de Janeiro: Ferreira, 2011, p. 375.
30
Por não ser destinada aos eleitores em geral, mas somente aos filiados do respectivo
partido político, não se torna possível, nem lógica, uma propaganda que exceda o próprio
âmbito partidário.
Deste modo, a própria lei veda o uso de rádio, televisão e outdoor para realizá-la, sendo
que o simples potencial de atingir eleitores torna-se uma infração. Cita-se como exemplo, o
caso de um candidato que, durante as prévias partidárias, fixou propaganda em um caminhão e
o estacionou em frente ao local designado para a convenção do partido. O TSE entendeu o
potencial lesivo pela possibilidade de alcançar o eleitorado em geral51.
Assim, este tipo de propaganda deve ter o cuidado de somente atingir os filiados, sendo
possível, por exemplo, a fixação de faixas e cartazes nos locais próximos à convenção, com
mensagens aos participantes. Podem ainda ser enviados e-mails e cartas aos filiados52, além de
distribuídos panfletos nos limites do partido.
A propaganda partidária é aquela promovida pelo partido político com intuito de atingir
a sociedade em geral, divulgando seu programa, projetos, valores e ideologia, buscando,
principalmente, angariar novos filiados e adeptos.
Aos partidos políticos é assegurado pela Constituição Federal, no art. 17, §1°, o direito
de antena, que se trata do acesso gratuito ao rádio e à televisão na forma da lei. Todavia, a Lei
n. 13.487/2017 revogou os dispositivos da Lei dos Partidos Políticos que dispunham sobre a
propaganda gratuita53. Desta forma, a verba antes destinada ao custeio da propaganda partidária
foi alocada no Fundo Especial de Financiamento de Campanha.
O partido deve tomar o cuidado para que a propaganda se restrinja a seus valores, ideais
e programa, como descrito; pois ultrapassar seus limites e realizar campanha eleitoral neste
espaço, promovendo uma figura, por exemplo, é considerada propaganda antecipada.
51
BRASIL. Tribunal Regional Eleitoral do Rio de Janeiro. Agravo de instrumento nº 3815. Relatora: Min. Laurita
Vaz. DJE - Diário de Justiça Eletrônico, Tomo 36, p 47-48, Duque de Caxias, RJ, fev. 2014, p. 47/48.
52
BRASIL. Tribunal Superior Eleitoral. Consulta n° 1673 – Resolução 23.086 de 24 de março de 2009. Relator
Min. Felix Fischer. DJE – Diário da Justiça Eletrônico, Tomo 166, set. 2009.
53
BRASIL. Lei n. 13.487, de 06 de outubro de 2017. Brasília, DF. Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2017/lei/l13487.htm>. Acesso em: 03 dez. 2019.
31
54
AYRES, Rodrigo Martiniano. Direito Eleitoral Descomplicado. 1 ed. Rio de Janeiro: Ferreira, 2011, p 383.
55
GOMES, José Jairo. Direito Eleitoral. 14. Ed. São Paulo: Atlas, 2018, p. 501.
56
SILVA, Guilherme de Abreu e; HELPA, Caroline de Fátima. O direito de atacar o adversário e o controle da
mentira na propaganda eleitoral negativa. Revista Brasileira de Direito Eleitoral, Belo Horizonte, ano 9, n. 17,
p.49-61, jul./dez. 2017
32
Importa ressaltar, ainda, quanto ao sentido, que a propaganda pode ser mista. Assim, ao
mesmo tempo em que descaracteriza o adversário, faz o contraponto de outro candidato,
enaltecendo-o.
Quanto ao momento da realização, a propaganda pode ser tempestiva ou extemporânea.
Será tempestiva aquela realizada dentro do período estabelecido pela lei, atualmente iniciando-
se no dia 16 de agosto e encerrando-se às vésperas da eleição desta forma, será extemporânea,
ou azada, aquela promovida antes ou depois de tal lapso.
57
ZÍLIO, Rodrigo López. Direito Eleitoral noções preliminares, elegibilidade e inelegibilidade, processo eleitoral
(da convenção à prestação de contas), ações eleitorais. 2. ed. Porto Alegre: Verbo Jurídico, 2010, p. 286
58
BRASIL. Tribunal Superior Eleitoral. Agravo de Instrumento n°. 152491. Relator: Min. Luiz Fux. DJE - Diário
de Justiça Eletrônico, Tomo 72, Curitiba, PR, abr. 2015, p. 83/84.
33
ideia de que o beneficiário é o mais apto para o desempenho de determinada função pública.
Desta forma, a propaganda extemporânea não se restringe àquela explícita.
Por outro lado, o art. 36-A da Lei da Eleições, expõe um rol de atividades que não
configuram como propaganda eleitoral antecipada. Podendo ser citado como exemplo a
participação de pré-candidatos em entrevistas e programas de rádio e televisão, a divulgação de
atos parlamentares e debates legislativos ou a campanha de arrecadação prévia de recursos na
modalidade prevista no art. 23, inciso IV, §4°, da referida lei.
Entretanto, o mesmo artigo faz a ressalva de que estes atos não podem envolver pedido
explícito de voto, menção à pretensa candidatura e exaltação das qualidades pessoais do pré-
candidato.
Quanto à propaganda eleitoral online, o art. 57-C da Lei das Eleições veda a veiculação
de qualquer tipo de propaganda eleitoral paga na internet. Todavia, o impulsionamento de
conteúdo, estratégia onerosa para aumento de alcance nas redes sociais, por partidos políticos,
candidatos e coligações, no período eleitoral é permitido. Se realizado fora dele também pode
qualificar como propaganda antecipada.
Ainda, não se configura propaganda antecipada a livre e espontânea manifestação de
pessoas naturais, mesmo que sobre alusão às candidaturas, partidos políticos, propostas e temas
eleitorais.
Por fim, quanto à responsabilidade pela propaganda antecipada, o art. 36, §3°, determina
aplicação de multa para quem divulgá-la, neste caso, para quem a criou. O beneficiário só
poderá ser responsabilizado se ficar comprovado que teve prévio conhecimento da promoção,
afastando assim sua responsabilidade objetiva.
A Lei das Eleições, em seu art. 37, veda a realização de propaganda eleitoral de qualquer
natureza em bens que pertençam ao Poder Público e nos bens de uso, tais como: postes de
iluminação, viadutos e parada de ônibus. Por esta restrição, veda-se também a pichação de
muros, a instalação de placas, faixas, cavaletes e semelhantes em locais públicos ou de uso
comum. Aquele que o fizer está sujeito à obrigação de restauração do bem e, em caso de
descumprimento, à multa.
34
Todavia, bens de uso comum, para fins eleitorais, possuem sentido diverso daquele
instituído pelo Código Civil. O art. 37, §4°, da Lei das Eleições, dispõe que, além daqueles bens
previstos na codificação privada, são de uso comum todos aqueles em que a população em geral
tem acesso, como cinemas, clubes, academias, comércio em geral, ainda que sejam de
propriedade privada. Isto, pois, segundo José Jairo Gomes59, o abuso na utilização dos bens
privados de acesso geral poderia comprometer o equilíbrio que deve permear as eleições, o que
feriria a paridade de armas na disputa.
Entretanto, de forma excepcional, de acordo com o art. 37, §6º, da Lei das Eleições, a
propaganda é permitida em vias pública através do uso de bandeiras e colocação de mesas para
distribuição de materiais de campanha. Em ambos os casos, desde que sejam móveis e não
dificultem o andamento do trânsito de pessoas e veículos, sendo que esta mobilidade fica
caracterizada pela possibilidade de colocação e retirada dos instrumentos entre as seis horas e
as vinte e duas horas.
Apesar da vedação de propaganda nos locais de serviço público, esta restrição não deve
embaraçar a livre manifestação de pensamento ou o direito de ir e vir daqueles que buscam o
serviço, como deixar o veículo com adesivos no estacionamento de um campus universitário,
ou adentrar na repartição pública utilizando materiais de identificação de um determinado
candidato.
Ainda, apesar de não previsto na legislação, o Tribunal Superior Eleitoral considerou o
derramamento de material de campanha, como santinhos ou panfletos, nas vias e locais
públicos, o que acontece principalmente próximo aos locais de votação, como propaganda
irregular, sujeitando-se o infrator à multa60.
Também é vedada a propaganda eleitoral em bens cujo uso dependa da autorização,
cessão ou permissão do poder público, como bancas de jornal e revista, veículos de transportes,
coletivos urbanos, mesmo que sejam de empresas privadas e inclusive táxis61, já que estes
dependem de licença, conforme estabelece o art. 37, caput, da Lei das Eleições.
Quanto aos serviços de transporte privado urbano, como Uber e outros aplicativos de
carona remunerada, estes não dependem de autorização do poder público. José Jairo Gomes62
59
GOMES, José Jairo. Direito Eleitoral. 14. Ed. São Paulo: Atlas, 2018, p. 517.
60
BRASIL. Tribunal Superior Eleitoral. Instrução nº 53850. Relator: Min. Gilmar Mendes. DJE - Diário de
Justiça Eletrônico. Brasília, DF, Tomo 243, dez. 2015, p. 57/79.
61
BRASIL. Tribunal Superior Eleitoral. Agravo de Instrumento n°. 2890. Relator: Min. Fernando Neves da
Silva. Diário de Justiça da União, Volume 1, p.158, Faxinal dos Guedes, SC, ago. 2001., Página 158.
62
GOMES, Op. cit. p. 518
35
entende que por ser acessível ao público em geral, indistintamente, o automóvel não pode conter
propaganda interna ou externa.
Já nos bens de propriedade e acesso privados, a realização da propaganda está
condicionada à autorização do proprietário ou possuidor, que deverá ser espontânea e gratuita.
Desde 2017, a Lei das Eleições, em seu art. 37, §2º, limitou a propaganda fixada em automóveis
ou espaços residenciais à materiais, como adesivos ou papéis, impedindo que estas excedam
meio metro quadrado.
A Resolução n. 23.551/201863 do Tribunal Superior Eleitoral, em seu art. 15, §5°, vedou
ainda a propaganda realizada mediante inscrição ou pintura em fachadas, muros ou paredes. A
exceção está nas sedes de partidos políticos, que podem inscrever apenas seus nomes, pois trata-
se de identificação institucional.
A inscrição de nomes do candidato e propaganda no comitê de campanha encontra
divergências na doutrina e jurisprudência, existindo três posições. A primeira entende que
somente é possível o adesivo de até meio metro, pois outras formas configurariam propaganda
eleitoral64. A segunda, que tem prevalecido, é que somente o comitê central pode ostentar dados
como nome e número do candidato na fachada65. A terceira, que se mostra mais correta, é que
a identificação em que a veiculação dos dados na fachada de qualquer comitê trata-se de sua
identificação66, não sendo, portanto, propaganda propriamente dita.
Ocorrendo a infração, aquele que a comete fica sujeito às sanções cumuladas de retirada
da propaganda e multa, sendo que a Súmula 48 do Tribunal Superior Eleitoral67 dispõe que a
retirada da propaganda irregular, realizada no bem particular, não afasta a multa.
Ainda sobre propaganda em bens particulares, o art. 37, §1°, da Lei das Eleições, também
veda a propaganda promovida em outdoor, sendo conceituado como engenhos publicitários
explorados comercialmente ou aqueles, mesmo sem finalidade lucrativa, que tenham dimensões
iguais ou superiores a vinte metros quadrados68, podendo inclusive ser digital. A penalidade,
além da remoção, é multa no valor de cinco a quinze mil reais.
63
BRASIL. Tribunal Superior Eleitoral. Resolução nº 23.551, de 18 de dezembro de 2017. Brasília, DF.
Disponível em: <http://www.tse.jus.br/legislacao-tse/res/2017/RES235512017.html>. Acesso em: 05 dez. 2019.
64
BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial Eleitoral nº 332757. Relator: Min. Marcelo Ribeiro,
Publicação: DJE - Diário de Justiça Eletrônico, p. 91, jul. 2011.
65
GOMES, José Jairo. Direito Eleitoral. 14. Ed. São Paulo: Atlas, 2018, p. 520.
66
BRASIL. Tribunal Superior Eleitoral. Recurso Especial Eleitoral nº 28485. Relator: Min. José Delgado. DJ -
Diário de Justiça. Brasília, DF, abr. 2008, p. 14.
67
BRASIL. Tribunal Superior Eleitoral. A retirada da propaganda irregular, quando realizada em bem particular,
não é capaz de elidir a multa prevista no art. 37, § 1º, da Lei nº 9.504/1997. Relator: Min. Dias Toffoli. Súmula
48. Disponível em: <http://www.tse.jus.br/legislacao/codigo-eleitoral/sumulas/sumulas-do-tse/sumula-tse-no-
48>. Acesso em: 05 dez. 2019.
68
GOMES, José Jairo. Op. cit., p. 522
36
para entreter e animar o público, somente é possível a transmissão dos jingles eleitorais do
candidato.
Já o art. 39, §7º, da Lei das Eleições, veda a apresentação de grupos musicais ou outras
formas de entretenimento, como performance de humoristas, o que popularmente é chamado
de “showmício”. Todavia esta conduta não prevê sanção específica em caso de
descumprimento, sendo possível a tipificação no delito de desobediência do Código Eleitoral,
previsto no art. 347, ou a configuração de gasto ilícito de campanha, conforme disposto no art.
30-A, §2°, da Lei das Eleições.
Ainda, o art. 39, §9º, da Lei das Eleições, permite a realização de carreatas e passeatas
até as vinte e duas horas do dia que antecede a eleição, devendo estas também serem
comunicadas no mesmo prazo dos comícios.
O uso de carro de som, mini trio elétrico, trio elétrico e alto falante, também é permitido
das oito às vinte e duas horas da véspera do dia da eleição. Todavia, sofre algumas restrições
como o limite de nível de pressão sonora de oitenta decibéis e o respeito à distância de duzentos
metros de hospitais, escolas, igrejas, sedes dos poderes e outros.
O direito de se reunir publicamente no dia das eleições também sofre restrições em prol
da paz social, sendo vedado, até o término do horário de votação, a aglomeração de pessoas
com vestuários padronizados ou com instrumentos de propaganda como broches e adesivos.
Até 2006, era comum a confecção e distribuição gratuita de produtos como camisetas,
chaveiros, bonés e brindes em geral. Entretanto, a Lei n. 11.300/200669 modificou a Lei das
Eleições, proibindo em seu art. 39, §6°, a distribuição de quaisquer bens ou materiais que
possam proporcionar vantagem ao eleitor.
Entretanto esta norma está sujeita a um subjetivismo do que seria vantagem ao eleitor.
José Jairo Gomes70 dá o exemplo da distribuição de marcadores de santinhos na forma de
marcadores de página, dizendo que se não se pode negar a vantagem, é preciso convir a
insignificância.
69
BRASIL. Lei nº 11.300, de 10 de maio de 2006. Brasília. Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2004-2006/2006/Lei/L11300.htm>. Acesso em: 09 dez. 2019.
70
GOMES, José Jairo. Direito Eleitoral. 14. Ed. São Paulo: Atlas, 2018, p. 527.
38
Ainda, a proibição de distribuição destes bens não impede que apoiadores do candidato
produzam ou solicitem a produção de produtos para seu uso pessoal. Sendo também permitida
a venda de material institucional de partidos políticos, por exemplo, como vem fazendo o
Partido Novo. Todavia, não podem conter nome ou número de candidatos.
Os serviços prestados pelo rádio e pela televisão são concedidos pelo Poder Público,
estando seus bens afetos à sujeição a uma finalidade social. De tal modo, estes veículos não
podem ser empregados em favor de determinadas candidaturas, devendo sempre pautar a
atuação pela imparcialidade.
A propaganda eleitoral só pode ser veiculada no horário eleitoral gratuito, sendo vedada
a propaganda paga, conforme art. 36, §2°, da Lei das Eleições, o que não se confunde com os
gastos do candidato para a produção do conteúdo, assim, não se admite que seja paga a
veiculação da propaganda.
Ainda, importa evidenciar que o art. 53 da Lei das Eleições veda a censura prévia da
propaganda, sendo a responsabilidade pelo conteúdo promovido de inteira responsabilidade dos
partidos e candidatos, sem nenhuma análise prévia da Justiça Eleitoral. As análises e sanções
só são realizadas após a transmissão do conteúdo.
Já o §1° do mesmo artigo, proíbe a veiculação de propaganda que possa degradar ou
ridicularizar candidatos, sendo que o candidato ou partido infrator pode sujeitar-se à perda do
direito de veiculação de propaganda no horário eleitoral gratuito no dia seguinte. Entretanto,
evidencia-se que a mera crítica ao governo ou ao candidato não configura ridicularizarão ou
degradação, estando protegido pela livre manifestação do pensamento.
De acordo com o art. 57-B, inciso III, da Lei das Eleições, é possível a realização de
propaganda eleitoral através do envio de mensagens eletrônicas, que compreendem e-mails,
SMS e mensagens através de plataformas como o Whatsapp.
Assim, algumas empresas passaram a oferecer serviços de disparo de mensagens em
massa, principalmente através de aplicativos. Todavia, a compra destes serviços não é
regulamentada pela legislação, podendo ser punível somente caso incorra em outro tipo de
vedação, como a divulgação de notícia falsa ou realizada para denegrir a imagem do candidato.
71
BRASIL. Tribunal Superior Eleitoral. Resolução nº 23.404, de 27 de fevereiro de 2014. Relator: Min. Dias
Toffoli. DJE - Diário de Justiça Eletrônico. Brasília, DF, Disponível em: <http://www.tse.jus.br/legislacao-
tse/res/2014/RES234042014.htm.>. Acesso em: 09 de dez. 2019.
72
BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 5122. Relator: Ministro Edson
Fachin. Brasília. Disponível em: <http://portal.stf.jus.br/processos/detalhe.asp?incidente=4572005>. Acesso em:
09 dez. 2019.
73
BRASIL SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. STF julga constitucional resolução do TSE que proíbe
telemarketing eleitoral. 2018. Disponível em:
<http://www.stf.jus.br/portal/cms/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=377334>. Acesso em: 09 dez. 2019.
40
Nas eleições de 2018, por exemplo, a empresa Havan foi apontada pela Folha de São
Paulo como uma das contratantes deste serviço de disparo de mensagens em massa para apoiar
o candidato Jair Bolsonaro74. Entretanto, em casos como este, a compra dos serviços por uma
empresa configura doação não declarada para a campanha, o que é vedado.
Em audiência pública realizada pelo Tribunal Superior Eleitoral, no dia 27 de novembro
de 2019, a representação jurídica do Whatsapp sugeriu que a já citada Resolução que proíbe
propaganda eleitoral via telemarketing seja expandida, vedando também o disparo em massa
de mensagens através de aplicativos e a compra destes serviços para fins de propaganda
eleitoral75.
74
MELLO, Patrícia Campos. Empresários bancam campanha contra o PT pelo WhatsApp. 2018. Disponível
em: <https://www1.folha.uol.com.br/poder/2018/10/empresarios-bancam-campanha-contra-o-pt-pelo-
whatsapp.shtml>. Acesso em: 09 dez. 2019.
75
PONTES, Felipe. WhatsApp quer incluir em norma eleitoral proibição a disparos em massa. 2019.
Disponível em: <https://epocanegocios.globo.com/Brasil/noticia/2019/11/whatsapp-quer-incluir-em-norma-
eleitoral-proibicao-disparos-em-massa.html>. Acesso em: 09 dez. 2019.
76
RAIS, Diogo et al. Direito Eleitoral Digital. São Paulo: Thomson Reuters, 2018, p. 43.
77
GOMES, José Jairo. Direito Eleitoral. 14. Ed. São Paulo: Atlas, 2018, p. 554.
41
Desde 2009, a Lei das Eleições trata do tema propaganda na internet, passando por
diversas modificações ao longo dos anos. O art. 57-B da referida lei, permite a propaganda em
sítio eletrônico do candidato, partido, ou coligação, por meio de mensagem eletrônica e por
meio de blogs, redes sociais, sítios de mensagens e aplicações semelhantes.
Quanto às mensagens eletrônicas, diante da disposição do art. 28, §2°, da Resolução n.
23.551/2017 do TSE, os Tribunais interpretam que as mensagens de cunho eleitoral se
submetem às regras da propaganda eleitoral quando não há consensualidade tácita ou expressa
entre remetente e destinatário.
Evidencia-se também que, apesar da vedação à veiculação de qualquer tipo de propaganda
eleitoral paga na internet, a reforma de 2017 abriu exceção, criando o art. 57-C na Lei das
Eleições, que permite o impulsionamento de conteúdos. O impulsionamento trata-se de uma
estratégia de propaganda na qual o interessado aumenta a difusão do conteúdo vinculado,
alcançando um maior número de usuários, mediante o pagamento de um valor preestabelecido,
ocorre costumeiramente através das redes sociais.
Todavia, este impulsionamento, com fins eleitorais, ou seja, de angariar votos, deve ser
feito exclusivamente pelos candidatos, partidos e coligações, ou seus representantes legais,
sendo vedada a contratação de impulsionamento por pessoa natural ou física, o que é previsto
no art. 57-B, inciso IV, alínea “b”, da Lei das Eleições. Nas eleições de 2018, tornou-se
emblemático o caso do empresário Luciano Hang, que impulsionou publicações no Facebook
para promover a campanha do candidato Jair Bolsonaro. No referido caso, o TSE multou o
promotor do conteúdo em dez mil reais78.
Evidencia-se também que o conteúdo impulsionado é de inteira responsabilidade do
contratante, mesmo que não seja candidato, partido ou coligação. O provedor que possibilite o
impulsionamento só será responsabilizado se, após ordem judicial, não tomar as providências
para, nos prazos e termos delimitados, tornar indisponível o conteúdo apontado como
infringente pela Justiça Eleitoral, se obteve prévio conhecimento do conteúdo a ser veiculado,
conforme disposto no art. 57-F, parágrafo único, da Lei das Eleições.
A mesma lei, em seu art. 57-H, também pune com multa aquele que realiza propaganda
eleitoral na internet atribuindo indevidamente sua autoria a terceiro, inclusive a candidato,
partido ou coligação. Ainda, de acordo com o §1° do mesmo artigo, constitui crime a
78
VEJA. TSE multa dono da Havan por pagar anúncios no Facebook para Bolsonaro. Publicado em set.
2018. Disponível em: <https://veja.abril.com.br/politica/tse-multa-dono-da-havan-por-pagar-anuncios-no-
facebook-para-bolsonaro/>. Acesso em: 09 dez. 2019.
42
contratação, mesmo que indireta, de grupo de pessoas para emitir comentários na internet com
o objetivo de ofender a honra ou denegrir a imagem de candidato, partido ou coligação.
Por fim, evidencia-se novamente que não deve ser confundida a propaganda eleitoral com
a livre manifestação do pensamento. Todavia, a Lei das Eleições, em seu art. 57-D, também
veda o anonimato na internet durante a campanha eleitoral.
79
GOMES, José Jairo. Direito Eleitoral. 14. Ed. São Paulo: Atlas, 2018, p. 591.
80
AYRES, Rodrigo Martiniano. Direito Eleitoral Descomplicado. 1 ed. Rio de Janeiro: Ferreira, 2011, p 414.
43
81
______. Tribunal Superior Eleitoral. Representação nº 361895. Relator: Min. Henrique Neves Da Silva.
Brasília, DF, out. 2010. Disponível em: < http://consultoriaeleitoral.com/consulta-
jurisprudencia.php?pageNum_Busca=20&totalRows_Busca=161>. Acesso em: 24 mar. 2020.
82
KARPSTEIN, Carla Cristine; KNOERR, Fernando Gustavo. O direito de resposta na propaganda
eleitoral. Revista Brasileira de Direito Eleitoral – RBDE, Belo Horizonte: Fórum, ano 1, nº 1,
jul./dez. 2009, p. 34.
83
BRASIL. Tribunal Superior Eleitoral. Representação nº 11541. Relator: Min. Luís Felipe Salomão. Brasília,
DF, set. 2018. Disponível em: <https://www.conjur.com.br/dl/fachin-multa-haddad-propaganda-negativa.pdf>.
Acesso em: 23 mar. 2020.
44
3.1 CONCEITO
84
SÃO PAULO (Estado), Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo. Assembleia Debate: Fake News.
Publicado em ago. 2017. Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=Yg9AK9moEs4>. Acesso em: 10
dez. 2019.
85
RAIS, Diogo et al. Direito Eleitoral Digital. São Paulo: Thomson Reuters, 2018, p. 69.
86
RAIS, Diogo. A melhor tradução para fake news não é notícia falsa, é notícia fraudulenta. Consultor
Jurídico. São Paulo, ago. 2018. Disponível em <https://www.conjur.com.br/2018-ago-12/entrevista-diogo-rais-
professor-direito-eleitoral>. Acesso em: 16 dez. 2019.
87
OSÓRIO, Aline. Seminário Internacional de Fake News e Eleições. Brasília. Publicado em mai. 2019.
Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=bnpR1RB08HE&t=1886s>. Acesso em: 16 dez. 2019.
45
É nítido assim que diversas condutas poderiam ser entendidas como fake news. Diante
disto, aponta ser mais certeiro o conceito mais aberto formulado por Allcott e Gentzkow que
tratam fake news como “sinais distorcidos não relacionados com a verdade”88.
Assim, é evidente que as notícias falsas não são um elemento somente da atualidade.
Entretanto, como já exposto, com difusão da internet, cada indivíduo se tornou um potencial
veículo de comunicação com capacidade de atingir milhões de outros e isto potencializou o
alcance das notícias falsas, popularizando o termo fake news.
88
ALLCOTT, Hunt; GENTZKOW, Matthew. Social media and fake news in the 2016 election. Journal of
Economic Perspectives, Pittsburgh: American Economic Association, v. 31, n. 2, 2017, p. 212. Traduzido pelo
Autor. Disponível em: aeaweb.org/issues/453. Acesso em: 16 dez. 2019
89
Id., Ibid. p.212.
90
PEREIRA, Pablo; TOLEDO, Luiz Fernando; MONNERAT, Alessandra. O terreno movediço das "fake
news". 2018. O Estado de S. Paulo. Disponível em: <https://politica.estadao.com.br/noticias/eleicoes,o-terreno-
movedico-das-fake-news,70002527030>. Acesso em: 14 dez. 2019.
46
Diante do conceito amplo de fake news adotado, há que se admitir que diversas práticas
tipificadas pela legislação podem ser entendidas como tal. Desse modo, para os estudos da
normativa, é possível identificar seis principais formas da fake news tratadas pela legislação
brasileira, sendo elas: divulgação de fato sabidamente inverídico, crimes contra honra,
91
RAMALHO, Renan. PT, PCO, PSTU e PTC não assinam compromisso contra disseminação de conteúdos
falsos, diz TSE. Publicado em out. 2018. Disponível em:
<https://g1.globo.com/politica/eleicoes/2018/noticia/2018/10/04/pt-pco-pstu-e-ptc-nao-assinam-compromisso-
contra-disseminacao-de-fake-news.ghtml>. Acesso em: 15 dez. 2019.
92
RAIS, Diogo. O que é "Fake News". 2017. Disponível em:
<https://www.mackenzie.br/fakenews/noticias/arquivo/n/a/i/o-que-e-fake-news/>. Acesso em: 15 dez. 2019
47
pesquisas falsas, a criação de perfis falsos para fins eleitoras, falsa atribuição de propaganda a
terceiro e uso de trucagem, montagem ou recursos semelhantes na propaganda eleitoral.
Como visto, há tempos o Código Eleitoral trata da divulgação de fato inverídico através
de seu art. 323, que tipifica como crime “divulgar, na propaganda, fatos que sabe inverídicos,
em relação a partidos ou candidatos e capazes de exercerem influência perante o eleitorado”. A
pena é de detenção de dois meses a um ano ou o pagamento de cento e vinte a cento e cinquenta
dias-multa, sendo agravada caso o crime seja cometido pela imprensa, rádio ou televisão.
Rui Stoco e Leandro de Oliveira Stoco asseveram que o sujeito ativo deste tipo pode ser
qualquer pessoa, pois se trata de crime comum, não sendo próprio de candidato. Ainda, que o
Estado é o sujeito passivo deste crime93. Todavia, também pode ser vítima os partidos e
candidatos.
Joel Cândido, ao tratar do tema, afirma que a norma “protege a lei, a honra e a ética na
propaganda, valores de que os participantes dos embates do processo eleitoral não podem se
distanciar”94.
A premissa básica deste tipo é a divulgação de fatos inverídicos através da propaganda.
Desta forma, não se pune aquele que divulga fatos verídicos, mesmo que sejam pejorativos.
Também não se pune aquele que prolifera fatos inverídicos por meios que não se caracterizem
como propaganda. Quanto ao tipo da propaganda, Luiz Carlos dos Santos 95 assevera que não
tendo a lei restringido o alcance do tipo, este deverá abarcar todas as espécies de propaganda
política.
O tipo também faz a exigência do requisito subjetivo que é o dolo do agente divulgar um
conteúdo que tem a consciência de ser inverídico, ou seja, o infrator tem a consciência da
ilicitude. Assim, não incorrerá em crime quem faça a divulgação de fato que acredita ser
verdadeiro.
93
STOCO, Rui; STOCO, Leandro de Oliveira. Legislação Eleitoral Interpretada: Doutrina e Jurisprudência.
São Paulo: Revista dos Tribunais, 2004, p. 527.
94
CÂNDIDO, Joel José. Direito Eleitoral Brasileiro. Bauru: Edipro, 2004, p. 298.
95
GONÇALVES, Luiz Carlos dos Santos. Crimes Eleitorais e Processo Penal Eleitoral. São Paulo: Atlas, 2015,
p.80.
48
96
STOCO, Rui; STOCO, Leandro de Oliveira. Legislação Eleitoral Interpretada: Doutrina e Jurisprudência.
São Paulo: Revista dos Tribunais, 2004, p. 527.
97
STOCO, Rui et al. Leis Penais Especiais e sua Interpretação Jurisprudencial. 7. ed. São Paulo: Revista dos
Tribunais, 2001, p. 1609-1610.
98
RAIS, Diogo. A melhor tradução para fake news não é notícia falsa, é notícia fraudulenta. Consultor
Jurídico. São Paulo, ago. 2018. Disponível em <https://www.conjur.com.br/2018-ago-12/entrevista-diogo-rais-
professor-direito-eleitoral>. Acesso em: 16 dez. 2019.
49
Quanto à vítima do crime, a pessoa caluniada, esta não precisa ser exclusivamente o
candidato, como explica Luiz Carlos do Santos99. A imputação deve visar interferir ou
influenciar o processo eleitoral e ser realizada na propaganda eleitoral. Também não se restringe
às pessoas físicas, podendo o partido político ser vítima.
Importante evidenciar que incorre nas mesmas penas aquele que, sabendo ser falsa a
imputação, a propaga ou divulga, conforme art. 324, §1°, do Código Eleitoral. Todavia, como
explica o mesmo autor, diante da liberdade de imprensa, não se pode atribuir aos veículos de
comunicação social este crime por noticiarem a ofensa.
Apesar de a calúnia na maioria das vezes se assemelhar em muito à divulgação de fato
sabidamente inverídico, José Joel Cândido, em sua obra, explica que na calúnia a imputação
falsa: “tem que ser penalmente típica e na divulgação basta ser de fatos inverídicos, que nem
sempre são criminosos. Ademais na divulgação tem que haver potencialidade de influência
(negativa) no eleitorado, elemento do tipo inexigível na calúnia.”100
Ainda sobre a calúnia, em 2019 foi sancionada a Lei n. 13.834, que tipificou a
denunciação caluniosa com finalidade eleitoral e a incluiu no Código Eleitoral. De acordo com
seu art. 326-A, aquele que dá causa à instauração de investigação policial ou administrativa,
processo judicial, inquérito civil ou ação de improbidade administrativa, atribuindo a outrem a
prática de crime ou ato infracional de que sabe ser inocente, com a finalidade eleitoral é punido
com reclusão de dois a oito anos e multa.
O §3° do mesmo artigo declara que incorre na mesma pena aquele que, sabendo da
inocência do denunciado e com a finalidade eleitoral, divulga ou propala, por qualquer meio ou
forma, o ato ou fato que falsamente foi atribuído ao denunciado.
A difamação na propaganda eleitoral, ou visando a fins de propaganda, ocorre quando o
indivíduo imputa fato ofensivo à reputação de outrem, ofendendo sua honra objetiva, ou seja,
aquela que goza no meio social. Trata-se de crime doloso e comum, não precisando nem que
ofensor ou ofendido sejam candidatos, basta que seja na propaganda eleitoral ou para fins
dela101. É punida com pena de detenção de três meses a um ano, e pagamento de cinco a trinta
dias-multa.
99
GONÇALVES, Luiz Carlos dos Santos. Crimes Eleitorais e Processo Penal Eleitoral. São Paulo: Atlas, 2015,
p.84.
100
CÂNDIDO, Joel José. Direito Eleitoral Brasileiro. Bauru: Edipro, 2004, p. 298.
101
BRASIL. Tribunal Superior Eleitoral. Habeas-Corpus nº 187635. Relator: Min. Aldir Passarinho Junior. DJE
- Diário de Justiça Eletrônico, Tomo 033, fev. 2011. p. 44-45.
50
A difamação não exige que o fato seja falso. Todavia, Luiz Carlos dos Santos102 entende
que a criminalização eleitoral da difamação deve exigir que o fato seja mentiroso. Isto, pois, é
da própria natureza do debate, do regime democrático e das campanhas eleitorais a exposição
de fatos verídicos sobre o adversário.
Assim, o Direito Eleitoral admite a divulgação de um fato desonroso, ligado à propaganda
eleitoral, desde que seja verdadeiro, pois atende ao interesse público o conhecimento da vida
dos pretensos candidatos, limitando assim a sua privacidade e intimidade.
Por fim, a injúria na propaganda eleitoral, ou visando seus fins, ocorre quando o indivíduo
ofende a dignidade ou o decoro de outrem, que também não precisa necessariamente ser
candidato. É punida com pena de detenção de até seis meses ou pagamento de trinta a sessenta
dias-multa.
Ofende, assim, a honra subjetiva da vítima, ou seja, a percepção que ela tem de si mesma,
não apontando fatos, como nos tipos anteriores, mas sim qualidades negativas, como defeitos,
vícios, aparência e outros.
A injúria pressupõe a intenção deliberada de ofender, não necessitando a qualidade
atribuída ser falsa. Para caracterização do tipo previsto no Código Eleitoral, é necessária uma
motivação envolvida na disputa política, devendo repercutir no contexto da campanha eleitoral.
Todavia, trata-se de um crime cuja análise é muito delicada para se precisar qual é o
marco que separa o crime de injúria na propaganda e a mera crítica deferida à pessoa que
escolheu se candidatar e, consequentemente, se expor aos azares da vida pública. Desse modo,
não é admissível que se cerceie a prerrogativa dos adversários de expor o comportamento do
candidato.
A título de exemplo, Luiz Carlos dos Santos narra caso em que ofereceu denúncia em
face de candidato que em um comício afirmou que seu adversário era “corno” e “não sabia
quem era o pai de seus filhos”103. Esta ofensa, no cenário eleitoral, claramente tem a intenção
de ofender a honra subjetiva do adversário.
Ademais, cumpre evidenciar que nos crimes contra a honra, no contexto eleitoral, são de
ação pública incondicionada. O mesmo autor critica a desnecessidade de representação,
afirmando que este modelo transforma o Ministério Público Eleitoral em árbitro da honra alheia.
A opção se deve ao objeto jurídico tutelado pela norma, que no caso dos crimes contra
honra no âmbito eleitoral, nas palavras do Juiz Carvalho Mange, “é o interesse social de evitar
102
GONÇALVES, Luiz Carlos dos Santos. Crimes Eleitorais e Processo Penal Eleitoral. São Paulo: Atlas,
2015, p.86.
103
Id., Ibid. p.90.
51
104
BRASIL. Tribunal Superior Eleitoral. Recurso em Habeas-Corpus nº 113. Relator: Min. Caputo Bastos. DJ
- Diário de Justiça. Guarulhos, SP, jun. 2008.Página 26.
105
GOMES, José Jairo. Direito Eleitoral. 14. Ed. São Paulo: Atlas, 2018, p. 485.
52
antes de sua publicação, para permitir seu controle social. A regulação específica do assunto é
evidenciada através da Resolução n. 23.453/15 do TSE106.
Assim, mesmo que a pesquisa tenha sido realizada corretamente, ela não pode ser
divulgada sem o registro, sendo punível com multa.
Nas eleições municipais de Mococa/SP ocorridas em 2016, um cidadão que não concorria
a nenhum cargo, publicou em sua rede social: “Atualizando!!!! Pesquisa de preferência para
candidatos a cargo de Prefeito local, encomendada pela atual Gestora Pública”, seguindo
narrando os percentuais, colocando o candidato de sua preferência com uma vantagem de mais
de quarenta por cento das intenções. Diante disto, a coligação prejudicada ofereceu
representação, sendo o indivíduo condenado a pagar multa de cinquenta mil reais. A decisão
foi confirmada pelo TRE/SP107.
Entretanto, se a pesquisa devidamente registrada e pública conter comprovada
irregularidade nos dados divulgados, os responsáveis estarão sujeitos à detenção de seis meses
a um ano, com alternativa de prestação de serviços à comunidade, e multa no valor de dez a
vinte mil UFIR. A irregularidade poderá se referir a qualquer dos requisitos dos incisos do art.
33 da Lei das Eleições. Ainda, conforme art. 34, §3°, da Lei da Eleições, deverão veicular os
dados corretos na mesma forma da pesquisa irregular.
Ademais, pode a pesquisa em si ser fraudulenta, ou seja, fictícia, inventada. Neste caso,
sua divulgação constitui crime punível com detenção de seis meses a um ano e multa de
cinquenta a cem mil UFIR, prevista no art. 33, §4°. Assim, a manipulação ou criação de dados
constitui evidente e perigosa forma de fake news, principalmente diante de sua capacidade de
influenciar o eleitorado.
Todavia, há que se saber diferenciar a pesquisa fraudulenta daquela cuja previsão não se
concretizou, mas foi devidamente realizada. Em 1985, por exemplo, disputaram à Prefeitura de
São Paulo, dentre outros, Fernando Henrique Cardozo e Jânio Quadros, sendo que as pesquisas
divulgadas às vésperas da eleição apontavam uma vitória de Fernando Henrique com cerca de
sete por cento de vantagem, o que culminou no registro da icônica foto do candidato sentado
na cadeira do Prefeito. Quando as urnas foram apuradas, Jânio fora eleito com quatro por cento
de vantagem e posou desinfetando a cadeira. O episódio ficou marcado como um dos maiores
descompassos das pesquisas eleitorais.
106
BRASIL. Tribunal Superior Eleitoral. Resolução nº 23.453, de 15 de dezembro de 2015. Relator: Min. Dias
Toffoli. DJE - Diário de Justiça Eletrônico. Brasília, DF. Disponível em: <http://www.tse.jus.br/legislacao-
tse/res/2015/RES234532015.htm>. Acesso em: 18 dez. 2019.
107
BRASIL. Tribunal Regional Eleitoral de São Paulo. Recurso Eleitoral nº 249-35.2016.6.26.0073. Relator:
Juiz Marcelo Coutinho Gordo. São Paulo, SP. fev. 2017.
53
108
STOCO, Rui; STOCO, Leandro de Oliveira. Legislação Eleitoral Interpretada: Doutrina e Jurisprudência.
São Paulo: Revista dos Tribunais, 2004, p. 530.
109
ORTELLADO, Pablo. O que é um robô na web e como ele pode influenciar o debate nas redes?
Especialistas explicam. 2017. Matéria realizada por Clara Velasco e Roney Domingos. Disponível em:
<https://g1.globo.com/economia/tecnologia/noticia/o-que-e-um-robo-na-web-e-como-ele-pode-influenciar-o-
debate-nas-redes-especialistas-explicam.ghtml>. Acesso em: 19 dez. 2019.
110
BRASIL. Decreto-lei nº 2.848, de 07 de dezembro de 1940. Rio de Janeiro, RJ, Disponível em:
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/del2848compilado.htm. Acesso em: 19 dez. 2019.
54
dano. É possível atribuir esta conduta a quem cria um perfil falso nas redes sociais, desde que
busque atingir esses fins e seja baseado em identidade real.
A lei eleitoral foi mais específica. O art. 57-D da Lei das Eleições, ao afirmar que durante
a campanha eleitoral é livre a manifestação do pensamento por meio da internet, veda o
anonimato. Se o perfil for utilizado para propaganda, o responsável ficará sujeito à multa no
valor entre cinco mil a trinta mil reais, estendendo-se a penalidade também ao beneficiário que
tenha prévio conhecimento, conforme leciona o §2° do mesmo artigo.
Já o §1° do art. 57-H, tipifica como crime a contratação direta ou indireta de grupo de
pessoas com a finalidade específica de emitir comentários na internet para ofender a honra ou
denegrir a imagem de candidato partido ou coligação. Salienta-se, que a redação evidentemente
excluiu a possibilidade de comentários desfavoráveis a terceiro que não seja candidato, partido
ou coligação.
Todavia, nada veda que estes grupos de pessoas se utilizem de contas falsas ou até robôs
para emitirem os comentários nas redes socais. A pena prevista para este crime é detenção de
dois a quatro anos, e multa de quinze mil a cinquenta mil reais para quem contrata. Os
contratados também estão sujeitos à detenção de seis meses a um ano, com alternativa de
prestação de serviços à comunidade, e multa de cinco a trinta mil reais.
O art. 57-H da Lei das Eleições proíbe a conduta de realizar propaganda eleitoral na
internet, atribuindo indevidamente sua autoria a terceiro, incluso os candidatos, partidos e
coligações. A transgressão da norma, além das demais medidas cabíveis, é punível com multa
de cinco a trinta mil reais.
Neste caso, a informação é falsa não por seu conteúdo, mas sim por sua autoria. Nas
palavras de Marcos Ramayana: “trata-se de falsidade nominal e ideológica pela internet, quando
o agente ativo da ilicitude procura ludibriar a Justiça Eleitoral induzindo-a ao erro com a
afirmação de que a propaganda ofensiva veiculada é de autoria de outras pessoas”111.
Assim, o art. 57-H da Lei das Eleições, claramente trata de mais uma forma de fake news.
Evidencia-se também que o artigo não exige que a falsidade tenha o condão de efetivamente
111
RAMAYAMA, Marcos. Direito Eleitoral. 10. ed. Rio de Janeiro: Impetus, 2010, p. 457.
55
confundir o eleitorado, influenciar na eleição ou que haja efetivo prejuízo, basta a constatação
da conduta diante de seu potencial lesivo.
Como exemplo, pode-se citar o Recurso Eleitoral n. 50548, julgado pelo TRE/RJ, no qual
um indivíduo publicou em sua rede social uma imagem da candidata à reeleição para o cargo
de Prefeito com os dizeres: “Não se enganem, continuaremos esse governo tirano, injusto e
larápio. Que só que só vai tirar de você, da sua família e do seu Município” 112
, sendo que a
frase era seguida do nome da candidata, como se ela houvesse proferido os dizeres. O indivíduo
que divulgou foi condenado ao pagamento de multa no valor de cinco mil reais.
Ainda, o artigo não faz distinção de que a propaganda vinculada deva ser negativa, é
possível que seja atribuída à terceiro propaganda na qual se diz falsamente que este apoiou um
do candidato, quando não o fez. Isto aconteceu também nas eleições de 2018, quando
circularam imagens falsas que diziam que o ex-Presidente Fernando Henrique Cardozo havia
declarado apoio ao candidato Fernando Haddad113. Apesar de o caso não ter chegado à Justiça
e o ex-Presidente apenas ter desmentido o fato em suas redes sociais, entende-se que a conduta
daquele que criou a imagem poderia ser enquadrada no art. 57-H da Lei das Eleições.
O art. 45, inciso II, da Lei das Eleições, veda expressamente às emissoras de rádio e
televisão “usar de trucagem, montagem ou outro recurso de áudio ou vídeo que, de qualquer
forma, degradem ou ridicularizem candidato, partido ou coligação, ou produzir ou veicular
programa com este efeito”.
Todavia, no julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade n. 4.451/DF114, o
Supremo Tribunal Federal julgou inconstitucional este inciso, por entender que fere a liberdade
de expressão e informação, vez que não cabe ao Estado, em uma democracia, definir
112
BRASIL. Tribunal Regional Eleitoral do Rio de Janeiro. Recurso Eleitoral n° 50548. Relator: Marcus
Henrique Niebus Steele. DJE - Diário da Justiça Eletrônico. Tomo 207, ago. 2013, p 05/07.
113
LIBÓRIO, Bárbara. É #FAKE que FH declarou voto em Fernando Haddad neste 2° turno. 2018. O Globo.
Disponível em: <https://oglobo.globo.com/fato-ou-fake/e-fake-que-fh-declarou-voto-em-fernando-haddad-neste-
2-turno-23190993>. Acesso em: 22 dez. 2019.
114
______. Supremo Tribunal Federal. Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 4451. Relator: Ministro
Alexandre de Moraes. Brasília, DF. Disponível em:
<https://portal.stf.jus.br/processos/detalhe.asp?incidente=3938343>. Acesso em: 22 dez. 2019.
56
previamente o que pode ser veiculado. A liberdade de expressão e a citada ação serão estudadas
oportunamente.
Entretanto, o art. 55 da mesma lei faz igual vedação aos partidos, coligações ou candidatos
durante a propaganda eleitoral no horário gratuito. A punição a estes está prevista no parágrafo
único do citado artigo e sujeita o partido ou coligação à perda de tempo equivalente ao dobro
do usado na prática do ilícito, no horário gratuito subsequente, punição dobrada em caso de
reincidência.
Trucagem é a utilização de truques, artimanhas, para dar aparência ou efeito desejado a
alguma coisa. Já a montagem é a construção de uma imagem se utilizando outras. Ainda, tem
sido muito utilizado e discutido um novo fenômeno chamado de deep fake, que é a utilização
de programas capazes de mapear as expressões faciais de uma pessoa e através dela criar vídeos
nos quais a imagem desta pessoa faça ou diga qualquer coisa com perfeição. O deep fake além
de uma forma de fake news, é passível de ser enquadrado no art. 55 da Lei das Eleições.
A finalidade desta norma é vedar que se utilize de espaço e tempo público nos meios de
comunicação para atacar outros candidatos com um material desvinculado da verdade, vez que
o objetivo da propaganda gratuita é informar o eleitorado.
Importa evidenciar que a sanção neste artigo prevista tem caráter extrapenal e atinge o
partido ou a coligação. Já as demais formas vistas, possuem caráter penal e atingem a pessoa
física, de modo a ser possível cumular estas com a trucagem ou a montagem, sem incorrerem
em bis in idem.
Como visto, diversas formas de fake news podem incorrer em crimes previstos na própria
legislação eleitoral. No caso das infrações penais, estas deverão ser comunicadas ao juízo
eleitoral da zona onde a mesma ocorreu, sendo a comunicação remetida ao Ministério Público
para que, caso assim entenda, ofereça a denúncia, de acordo com o art. 356 do Código Eleitoral.
A titularidade das ações penais eleitorais é do Ministério Público, sendo, portanto,
incondicionada à representação, inclusive nos crimes eleitorais contra honra. Entretanto, não
sendo a denúncia exercida no prazo legal, admite-se o exercício da queixa-crime subsidiária. O
processo penal das infrações criminais eleitorais é previsto no Código Eleitoral, em seus artigos
355 a 364, sendo o Código de Processo Penal aplicado de maneira subsidiária.
57
115
GOMES, José Jairo. Direito Eleitoral. 14. Ed. São Paulo: Atlas, 2018, p. 567.
116
Id., Ibid. p. 575.
58
poderiam ter sido produzidas desde logo e apresentadas com a peça vestibular117, sendo que a
inicial deve estar acompanhada da prova de autoria, bem como, se for o caso, do prévio
conhecimento do beneficiário.
Ademais, a ausência do pedido não torna a petição inicial inepta, pois, conforme
entendimento do Tribunal Superior Eleitoral, é suficiente que a inicial descreva os fatos e
aponte o ilícito praticado118. Desse modo, o pedido pode estar implícito.
Quanto ao prazo para a propositura da ação, a jurisprudência dominante atual do Tribunal
Superior Eleitoral tem fixado que a representação deve ser proposta até a data da eleição, sob
pena de carência da ação devido à falta de interesse de agir119.
No que se refere à propaganda gratuita realizada nas emissoras de rádio e televisão, o
prazo para ajuizamento é de quarenta e oito horas, contadas da transmissão da propaganda. José
Jairo Gomes explica que este prazo tem a finalidade de impedir o armazenamento tático de
representações, ou seja, ajuizar várias ações em determinado momento da campanha para
subtrair mais tempo do adversário120.
Por fim, evidencia-se também a possibilidade de concessão de tutela provisória de
urgência nas representações eleitorais, devendo estar evidenciado o fumus boni iuris e o
periculum in mora. No caso de uma fake news divulgada por um candidato em sua rede social,
seria possível que este fosse representado com pedido liminar de remoção do conteúdo, por
exemplo.
117
GOMES, José Jairo. Direito Eleitoral. 14. Ed. São Paulo: Atlas, 2018, p. 572.
118
BRASIL. Tribunal Regional Eleitoral do Distrito Federal. Agravo de instrumento nº 4491. Relator: Min. Luiz
Carlos Madeira. DJ - Diário de Justiça, Volume 1, Brasília, DF, set. 2005.
119
RAIS, Diogo et al. Direito Eleitoral Digital. São Paulo: Thomson Reuters, 2018, p. 141.
120
GOMES, Op. cit., p. 577.
121
EXAME. Fux: Se candidato for eleito por fake news, pleito pode ser anulado. 2018. Disponível em:
<https://exame.abril.com.br/brasil/fux-se-candidato-for-eleito-por-fake-news-pleito-pode-ser-anulado/>. Acesso
em: 29 dez. 2019.
59
Conforme afirmou, uma propaganda falsa que visa destruir a candidatura de outrem pode gerar
uma configuração de abuso de poder e levar a uma cassação.
A afirmação é baseada no art. 222 do Código Eleitoral que diz: “é também anulável a
votação, quando viciada de falsidade, fraude, coação, uso de meios de que tratar o Art. 237, ou
emprego de processo de propaganda ou captação de sufrágios vedado por lei”. Evidencia-se,
ainda, que o objetivo do art. 222 do Código Eleitoral é proteger a real vontade do eleitor, sua
íntima intenção de voto, impedindo o desvirtuamento de princípio e procedimentos eleitorais
Evidente que o artigo trata de diversas condutas capazes de anular uma eleição. Fato é
que, diante das diversas modalidades de fake news apontadas, é possível identificar que estas
se enquadram em uma ou mais condutas.
Por falsidade, entende o Tribunal Superior Eleitoral que se trata de qualquer artifício ou
ardil que induza o eleitor a erro, sendo capaz de influenciar sua vontade no momento do voto,
seja favorecendo um candidato ou prejudicando seu adversário122. Evidentemente que uma fake
news como a divulgação de informação sabidamente inverídica se encaixa nesta conduta.
O referido art. 237 do Código Eleitoral trata da interferência do poder econômico e o
desvio ou abuso de poder de autoridade. É possível vislumbrar que a contratação de um grupo
de pessoas, seja através de seus próprios perfis nas redes sociais, perfis falsos ou robôs, com o
fim de emitir comentários na internet, pode configurar a hipótese de abuso de poder econômico
e assim também anular uma eleição.
Outra conduta prevista é o emprego de processo de propaganda vedado por lei. Neste
caso, pode-se vislumbrar, por exemplo, a veiculação de uma propaganda que transmite um
vídeo criado através de deep fake no qual aparece o adversário dizendo coisas que não disse,
prejudicando assim sua candidatura. Todavia, é preciso que seja oferecida a representação no
período cabível.
Por fim, expõe-se que, conforme a frase já transcrita do Ministro Luiz Fux, para anular a
eleição baseado no argumento das fake news é preciso que esta tenha sido fator essencial do
resultado da eleição, de tal modo que uma propaganda que contenha uma notícia inverídica e
tenha sido removida, por exemplo, não tem o condão de anular toda uma eleição.
122
BRASIL. Tribunal Regional Eleitoral de Minas Gerais. Agravo de instrumento nº 4461. Relator: Min.
Francisco Peçanha Martins. DJ - Diário de Justiça, p. 146, Canaã, MG, fev. 2004.
60
A perda de uma chance é uma teoria importada do direito francês, perte d’une chance,
que está inserida dentro da temática de responsabilidade civil. Nas palavras de Flávio Tartuce,
“A perda de uma chance está caracterizada quando a pessoa vê frustrada uma expectativa, uma
oportunidade futura, que, dentro da lógica razoável, ocorreria se as coisas seguissem o seu curso
norma”123. Diante da frustração do evento, o dano torna-se passível de reparação, em face do
responsável pelo desvio do curso normal.
Para que fique caracterizada, é preciso que as chances do evento acontecer sejam sérias e
reais, representando mais que uma esperança subjetiva. Sérgio Savi, entende aplicável a teoria
quando a probabilidade da oportunidade malograda for superior a cinquenta por cento124.
Assim, aliado aos requisitos comuns às indenizações, é possível identificar que para a
caracterização da perda de uma chance, é necessária a presença dos seguintes requisitos:
conduta do agente, através de uma ação ou omissão; nexo de causalidade entre a conduta e a
frustração do objetivo com probabilidade de ocorrer; e dano em virtude do não acontecimento.
Diante do desenvolvimento da teoria no Brasil, passou-se a questionar a possibilidade de
sua aplicação no processo eleitoral, diante da frustração de um candidato em ser eleito, em razão
de uma conduta ilícita do adversário.
Desse modo, questiona-se também se a divulgação de uma fake news, dentre as diversas
modalidades vistas, ao influenciar o resultado de uma eleição, gera a responsabilidade do
divulgador de indenizar o candidato derrotado nas urnas, aplicando-se a teoria da perda de uma
chance.
Para tanto, é preciso observar que no Brasil existem muitos Municípios com menos de
cinco mil habitantes, nos quais a diferença de votos nas eleições torna-se muito menor. Não só,
existem casos em diversos certames eleitorais, inclusive em eleições majoritárias, nos quais a
diferença de votos é extremamente pequena.
A título de exemplo, em 2016, na cidade de São José do Rio Pardo/SP, em um universo
de 41.564 eleitores, a diferença entre o eleito e o segundo colocado para o cargo de Prefeito foi
de apenas três votos125.
123
TARTUCE, Flávio. Manual de Responsabilidade Civil. São Paulo: Método, 2018.
124
SAVI, Sérgio. Responsabilidade civil por perda de uma chance. São Paulo: Atlas. 2006. p 33.
125
G1 GLOBO. Eleição do Prefeito de Rio Pardo com diferença de 3 votos gera repercussão. 2016.
Disponível em: <http://g1.globo.com/sp/sao-carlos-regiao/eleicoes/2016/noticia/2016/10/eleicao-do-Prefeito-de-
rio-pardo-com-diferenca-de-3-votos-gera-repercussao.html>. Acesso em: 30 dez. 2019.
61
Ademais, evidencia-se ainda que nas eleições proporcionais para Vereador, é muito
comum que um candidato seja eleito com uma diferença muito pequena sobre o outro do mesmo
partido.
Diante destes cenários, é possível afirmar que uma fake news tem uma enorme capacidade
de gerar prejuízos em uma eleição, chegando a definir seu resultado. Desta forma, não só é
possível a aplicação da teoria da perda de uma chance, como já houve sua aplicação pelo
Superior Tribunal de Justiça:
Por fim, evidencia-se que não basta a existência de uma fake news e a derrota no pleito
eleitoral para a configuração da perda de uma chance, mas é preciso que a fake news tenha de
fato sido essencial para aquele resultado, mesmo que a diferença de votos seja maior, pois deve-
se considerar também o alcance do meio de comunicação utilizado para a divulgação para
mensurar o impacto da fake news.
62
Uma das grandes preocupações legislativas e judiciárias quando se trata do tema fake
news é a liberdade de expressão. Isto porque a garantia da liberdade de expressão está
intimamente ligada à ideia de democracia, não sendo realista a existência de uma democracia
sem que os cidadãos possam manifestar seus pensamentos.
Diante disso, a liberdade de expressão e livre manifestação do pensamento não pode
sofrer limitações prévias, como a censura. Isto não quer dizer manifestações mentirosas, falsas,
caluniosas e semelhantes não serão responsabilizadas. Mas sim, que as legislações e decisões
judiciárias devem pautar-se neste direito fundamental, punindo os excessos, como é o caso das
fake news.
Desta forma, já tendo sido abordado os conceitos e modalidades da fake news, é preciso
entender o que não é fake news e está abrangido pela liberdade de expressão, como, por
exemplo, pensamentos e opiniões, por mais catastróficos e sensacionalistas que sejam.
Neste sentido, existem dois casos emblemáticos tratados pelo TSE. O primeiro refere-se
a uma propaganda eleitoral veiculada pelo PSDB na eleição de 2002, na qual a atriz Regina
Duarte aparecia em um vídeo dizendo que tinha medo de uma eventual vitória de Lula, pois
com ele o Brasil corria risco de perder toda a estabilidade que fora conquistada, manifestando
que também tinha medo da volta da inflação desenfreada.
O caso foi levado ao TSE através da Representação n. 587, na qual se pedia a suspensão
da propaganda, sob argumento de ser manifestamente inverídica. Ao indeferir a liminar o então
Ministro Geraldo Grossi anotou: “não posso ter como inverdade sabida, previsões, palpites ou
meras adivinhações, ainda que catastróficas, sobre o que poderá vir a ser o Governo de fulano
ou beltrano, se efetivamente vier a se tornar governo”126. Sob fundamento da liberdade de
expressão, a representação foi julgada improcedente.
O segundo caso emblemático trata-se de uma propaganda veiculada pelo PT nas eleições
de 2014, criticando a proposta da adversária Marina Silva de dar autonomia ao Banco Central.
Na propaganda, a comida dos pratos sumia na mesa de uma família, enquanto o narrador
explanava que dar autonomia ao Banco Central seria entregar aos banqueiros grande poder de
decisão.
126
BRASIL. Tribunal Superior Eleitoral. Representação n° 587/DF. Relator: Min. Gerardo Grossi. Brasília/DF.
DJ - Diário de Justiça, out. 2002.
63
A propaganda também foi representada alegando ser fato sabidamente inverídico e o caso
assim ficou ementado:
127
BRASIL. Tribunal Superior Eleitoral. Representação: 12256120146000000. Brasília/DF 251252014. Relator:
Min. Tarcísio Vieira de Carvalho Neto. Brasília, DF, ago.2014. Disponível
em:<http://inter03.tse.jus.br/sadpPush/ExibirDadosProcesso.do?nprot=249432014&comboTribunal=tse>.
Acessado em: 23 mar. 2020.
128
“II - usar trucagem, montagem ou outro recurso de áudio ou vídeo que, de qualquer forma, degradem ou
ridicularizem candidato, partido ou coligação, ou produzir ou veicular programa com esse efeito.”
129
III - veicular propaganda política ou difundir opinião favorável ou contrária a candidato, partido, coligação, a
seus órgãos ou representantes;
64
honra e a dignidade daqueles que entram na disputa eleitoral. Os incisos foram suspensos
liminarmente em decisão que afirmou não caber ao Estado definir previamente o que pode ou
não ser dito por indivíduos e jornalistas.
A decisão liminar foi também fundamentada no argumento de que os programas
humorísticos e charges também gozam de total liberdade para exprimir ideias, pensamentos e
críticas, mesmo que em tom irônico e áspero. O acórdão que por fim julgou a ação procedente
ficou assim ementado:
Nesse sentido, é preciso compreender que mesmo diante das fake news, não caberá o
controle prévio, sob risco de estar censurando o conteúdo. Todavia, como citado, a legislação
apresenta outras soluções civis, penais e eleitorais para o combate às fake news.
65
Diante disto, especialistas vêm entendendo que o combate às fake news pode se tornar um
risco à liberdade de expressão, na busca de se controlar o conteúdo difundido. Eduardo
Mendonça, em entrevista, disse: “No Brasil, ainda não chegamos a um consenso se há déficit
da Previdência Social. Então, dizer que haverá remoção de fake news é perigoso. O que é fake
news?”130.
Assim, é preciso que haja uma preocupação legislativa e judiciária na tratativa das fake
news para que não se limite a liberdade de expressão, mas sim, sejam punidos seus excessos,
através da análise de cada caso concreto.
130
MENDONÇA, Eduardo. Combate às fake news pode ser um risco à liberdade de expressão. [Entrevista
cedida a Luciana Pádua]. Jota, maio, 2018. Disponível em: <https://www.jota.info/coberturas-especiais/liberdade-
de-expressao/liberdade-expressao-fake-news-09052018>. Acesso em: 02 jan. 2020.
66
CONSIDERAÇÕES FINAIS
O presente trabalho se propôs a realizar uma análise jurídica acerca do fenômeno das fake
news no âmbito da propaganda eleitoral, de modo a entender a atuação destas através dos meios
de difusão de conteúdos e identificar no ordenamento jurídico pátrio condutas tipificadas que
possam ser enquadradas como fake news.
Para tanto, realizou-se um exame da evolução da legislação eleitoral no país, desde os
tempos de colônia até a redemocratização, o que permitiu perceber, em primeiro lugar, a
tradição democrática do Brasil, com registro de eleições desde as primeiras expedições para
desbravar o país.
Ainda, foi possível notar a existência de um movimento circular ao longo da história: a
maior participação popular nas eleições aumenta as agitações eleitorais, bem como o número
de fraudes para macular a vontade popular. Conforme estes novos ardis surgem, a legislação
tenta acompanhá-los para reprimi-los, trazendo maior legitimidade ao pleito e, com esta maior
confiança no sistema eleitoral, maior se torna a participação dos cidadãos no certame.
Em seguida, promoveu-se um estudo sobre a propaganda política, gênero do qual são
espécies as propagandas: institucional, intrapartidária, partidária e eleitoral. Esta última
mereceu especial destaque no trabalho, pois é a modalidade na qual se busca diretamente o voto
do eleitor e, consequentemente, o êxito no pleito.
Foi preciso, assim, examinar os princípios da propaganda política, por ser fonte basilar o
direito, de modo que estes pudessem nortear o desenvolvimento dos trabalhos. Dentre os
princípios, evidencia-se o da veracidade, da liberdade de expressão e comunicação e da
liberdade de informação, por estarem intimamente ligados ao tema e às análises casuísticas
realizadas.
Ademais, foram estudadas as modalidades e especificidades da propaganda eleitoral
como a propaganda na internet, bem como o regramento jurídico incidente, o que permitiu
concluir que as fake news estão aptas a se manifestar nas mais variadas formas de difusão da
propaganda.
Feitas tais considerações nos capítulos inicias, adentrou-se de fato na análise jurídica das
fake news, partindo da necessidade de encontrar um conceito aberto para o estrangeirismo,
frente ao contexto diverso em que o termo tem sido utilizado.
Neste sentido, após a análise de diversos conceitos formulados por especialistas,
despontou como mais correto e apto a atingir os objetivos deste trabalho aquele formulado por
67
Allcott e Gentzkow, podendo, assim, fake news ser entendida como sinais distorcidos não
relacionados com a verdade.
Partindo de tal conceito, foi possível encontrar no ordenamento pátrio, em especial no
Código Eleitoral e na Lei das Eleições, seis condutas tipificadas que podem ser enquadradas
como fake news, quais sejam: a divulgação de fato sabidamente inverídico, os crimes contra
honra, as pesquisas falsas, a criação de perfis falsos para fins eleitorais, a falsa atribuição de
propaganda a terceiro e o uso de trucagem, montagem ou recurso semelhante na propaganda
eleitoral.
As condutas citadas, bem como os crimes a elas relacionados, foram amplamente
abordados e examinados, o que permitiu concluir que a legislação brasileira atualmente possui
mecanismos para tratar das fake news e até dos casos mais inovadores, como a citada deep fake.
Deste modo, foi possível identificar um ponto comum aos crimes envolvendo as fake
news: o ânimo do agente em cometer o ilícito, no fato sabidamente inverídico. Por exemplo, o
agente que propaga informação que sabe ser inverídica, caso não tenha este conhecimento, não
incorre em crime.
Os demais crimes, cada um com suas especificidades, também exigem tal elemento
subjetivo, ou seja, não incorre em condutas tipificadas e identificadas como fake news o agente
que age com culpa, ou seja, desconhecimento acerca da falsidade envolvida.
Com isto, foi possível reconhecer consequências e reflexos das fake news no cenário
eleitoral e também fora dele, como a possibilidade de cassar o mandato, anular a eleição e até
mesmo de reparar danos causados através da teoria da perda de uma chance, tudo isto embasado
em doutrinas sobre o assunto e julgados relacionados.
Ainda, tal estudo casuístico de julgados e de cenários reais permitiu verificar os contornos
das fake news frente a cada crime identificado, permitindo estabelecer limites para a liberdade
de expressão e livre manifestação do pensamento.
A partir da análise de casos práticos envolvendo a liberdade de expressão, principalmente
julgados do Tribunal Superior Eleitoral e do Supremo Tribunal Federal, foi possível notar que
o julgador resguarda tal garantia estampada na Constituição Federal, não admitindo com
inverdades previsões ou meras adivinhações, ainda que catastróficas.
De tal modo, é possível indicar que o Judiciário e o Legislativo devem ter muito cuidado
ao lidar com o tema, para que as legislações criadas e os julgados não incorram em censura. O
controle preventivo mais adequado se mostra a informação aos cidadãos, e a repressão deve ser
realizada frente ao caso concreto.
68
Por fim, diante de todo o exposto, é preciso primeiramente reconhecer que as fake news
são um problema da atualidade, agravado principalmente pelo desenvolvimento tecnológico e
a revolução dos meios de comunicação e difusão do conteúdo. Ademais, é possível concluir
que a legislação brasileira vigente possui mecanismos punitivos eleitorais para a repressão de
condutas que se enquadrem como fake news.
69
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Publicado em set. 2018. Disponível em: <https://veja.abril.com.br/politica/tse-multa-dono-da-
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