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SEMINÁRIO CONCÓRDIA

MALCO RAFAEL GRINEVOLD

AÇÃO PASTORAL AOS PAIS QUE PERDERAM SEUS FILHOS SEM O BATISMO

São Leopoldo

2014
1

MALCO RAFAEL GRINEVOLD

AÇÃO PASTORAL AOS PAIS QUE PERDERAM SEUS FILHOS SEM O BATISMO

Colóquio Teológico Pastoral em


Especialização em Ministério Pastoral para
obtenção do grau de Especialista em
Ministério Pastoral Seminário Concórdia.

Orientador: Prof. Dr. Paulo Moisés Nerbas

São Leopoldo

2014
2

MALCO RAFAEL GRINEVOLD

AÇÃO PASTORAL AOS PAIS QUE PERDERAM SEUS FILHOS SEM O BATISMO

Colóquio Teológico Pastoral em Especialização em Ministério Pastoral para


obtenção do grau de Especialista em Ministério Pastoral Seminário Concórdia.
.

Professor Orientador: Prof. Paulo Moisés Nerbas, B.A., B.D., M.A., D.D.

______________________________

Prof. Paulo Moisés Nerbas

Examinador: Prof. Acir Raymann, B.A., B.D., S.T.M., Ph.D.

______________________________

Prof. Acir Raymann

Examinador: Rev. Clécio Leocir Schadech

______________________________

Rev. Clécio Leocir Schadech

São Leopoldo, 18 de Novembro de 2014.


3
4

DEDICATÓRIA

Aos meus pais, Altino Grinevold e


Nailda Thonn Grinevold, meus irmãos e
aos demais amigos que em todos os
momentos apoiaram, acreditaram e
incentivaram meus estudos com muito
carinho e amor intenso.
5

AGRADECIMENTOS

“A Deus, aos Pais e aos Mestres, nunca


seremos capazes de agradecer o
suficiente”. (Martinho Lutero).
6

“Quem crer e for batizado será salvo;


quem, porém, não crer será condenado”
(Marcos 16.16)
7

RESUMO

Este trabalho de pesquisa bibliográfica analisa a situação das crianças que


morrem sem o Santo Batismo. O trabalho mostra que Deus através deste
Sacramento, opera e mantém a fé em nossos corações, inclusive das crianças.
Mesmo ordenando o Batismo, Deus não se amarra neste Meio da Graça, mas pode
implantar a fé no coração das crianças antes mesmo do Batismo. E diante da
situação de morte de uma criança sem a administração deste Sacramento, Deus
utiliza o pastor como meio de comunicação para levar o conforto aos pais cristãos
enlutados. Não é dever investigar o que Deus não revelou nas Escrituras, mas, em
oração, entregar esta criança nas mãos misericordiosas de Deus.
 
Palavras-chave:
Batismo – Fé – Salvação – Consolo – Ação Pastoral.
8

ABSTRACT

This bibliographic research analyzes the situation of children who die without
Holy Baptism. It shows that God through this sacrament operates and maintains the
faith in our hearts, including children. Even ordering Baptism, God does not tie
himself to this Means of Grace, but can plant the faith in the hearts of children even
before Baptism. And given the situation of the death of a child without the
administration of this sacrament, God uses the pastor as a medium to bring comfort
to the bereaved Christian parents. The pastor shouldn’t investigate about what God
has not revealed in the Scripture, but in prayer, that child in the merciful hands of
God.

 Keywords:
Baptism - Faith - Salvation - Comfort - Action Ministry.
9

SUMÁRIO

INTRODUÇÃO............................................................................................................10
1. O BATISMO............................................................................................................11
1.1. O Batismo como meio da graça....................................................................11
1.2. O Batismo como obra exclusiva de Deus....................................................12
1.3. O Proveito do Batismo...................................................................................14
1.4. A quem se destina o Batismo.......................................................................15
1.5. A Necessidade do Batismo Infantil..............................................................16
2. ALGUNS POSICIONAMENTOS TEOLÓGICOS SOBRE A PERGUNTA: O QUE
ACONTECE PARA AS CRIANÇAS QUE MORREM SEM O BATISMO?................19
2.1. Salvação para as crianças na visão da Igreja Católica Romana...............19
2.2. Salvação para as crianças na visão da Igreja Presbiteriana.....................21
2.3. Salvação para as crianças na visão da Igreja Batista................................23
3. AÇÃO PASTORAL.................................................................................................26
3.1. Ação Pastoral Preventiva...............................................................................26
3.2. Ação Pastoral de Socorro..............................................................................27
3.3. Conforto para a mãe de um natimorto à luz de Lutero...............................31
4. ANEXO....................................................................................................................33
4.1. Liturgia de Sepultamento de Natimorto.......................................................33
CONCLUSÃO.............................................................................................................35
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS..........................................................................36
10

INTRODUÇÃO

O tema sobre o Sacramento do Santo Batismo é algo que sempre despertou


a minha curiosidade, principalmente a importância do Batismo infantil. No meu TCC
na Ulbra, no ano de 2012, tive o privilégio de trabalhar sobre o tema: “O Proveito do
Batismo à luz de Tito 3.3-7”.
No estágio pastoral, realizado na cidade de Ponta Grossa, situada no estado
do Paraná, no ano de 2013, tive o privilégio de realizar o meu primeiro batismo. Mas
um seguinte caso durante o estágio me marcou muito. Nossos cultos sempre
aconteciam nas quintas às 20h, e nos domingos às 9h. Um batismo estava marcado
para o culto de quinta à noite, mas na parte da tarde a criança veio a falecer, e
consequentemente, sem o Batismo. Diante deste acontecimento veio a seguinte
pergunta: Como confortar pastoralmente esses pais que perderam essa criança sem
o santo Batismo?
Mesmo não tenho acompanhado este caso de perto, essa situação me
marcou bastante. Em conversa com o meu pastor orientador que fez todo o
acompanhamento e sepultamento da criança, ele me passou detalhes mais exatos
do caso:

A mãe da criança não era casada com o namorado e ficou


grávida. O irmão dela que era pastor, ficou de ir ao hospital logo que a
criança nasceu. Só que como ela nasceu com problemas, acabou falecendo
logo, não dando tempo de receber o Batismo. Os pais ficaram muito
abalados, achando que a criança faleceu por causa da situação deles, por
algum pecado cometido. O consolo foi dado na medida em que Cristo levou
os nossos pecados e uma coisa tão triste assim fica para um lado de Deus
que não conhecemos. Os pais até queriam batizar a criança já falecida, mas
os tios comentaram com eles que não era possível.1

Esta reflexão faz, em primeiro lugar, abrir as Sagradas Escrituras, onde se


encontra um Deus amoroso e misericordioso que acolhe o ser humano,
principalmente no momento de dor, angústia e desespero. Nas palavras do apóstolo
Paulo: “...mas onde abundou o pecado, superabundou a graça” (Rm 5.20b).

1
HORLLE, Flávio Luís. Pastor em Ponta Grossa-PR. E-mail recebido em 26/09/2014.
11

1. O BATISMO

O apóstolo Paulo em sua epístola a Tito, escreve que a salvação nos foi
dada “mediante o lavar regenerador e renovador do Espírito Santo...” (Tt 3.5) 2, ou
seja, mediante o Santo Sacramento do Santo Batismo. Este capítulo analisará o
Batismo como uma obra exclusiva de Deus, o seu proveito e a quem se destina este
meio da graça.

1.1. O Batismo como meio da graça

A partir da queda, houve a separação entre o homem e o seu Criador,


originada pelos pecados do homem que ofenderam todos os atributos de Deus.
Porém, o Senhor se compadeceu deles e estabeleceu uma reconciliação entre si e a
sua criatura, ou seja, por sua graça divina preparou uma salvação para o pecador. 3
Essa salvação provém de Deus “... que nos reconciliou consigo mesmo por
meio de Cristo e nos deu o ministério da reconciliação, a saber, que Deus estava em
Cristo reconciliando consigo o mundo, não imputando aos homens as suas
transgressões, e nos confiou a palavra da reconciliação” (2Co 5.18,19).
Mesmo por meio dessa reconciliação através de Jesus Cristo, o homem não
está em condições de se apropriar dessa graça divina, da remissão dos pecados e
da salvação eterna. Por sua própria razão ou força o homem não pode vir a Cristo
nem crer nele. Por isso Deus instituiu um ministério especial, o santo ministério da
Palavra. Este ministério recebeu, por meio da Igreja, os meios pelos quais é
executado o seu oficio. E estes são os meios da graça: O Evangelho e os
Sacramentos.4
Rehfeldt apresenta uma definição de meios da graça como:

[...] sinais exteriores, palavras ou atos, ordenados por Deus para


serem os canais ordinários pelos quais deve correr a graça justificadora e
santificadora. A palavra graça merece atenção especial. Neste caso não
significa uma qualidade ou atributo do homem, mas tão somente um atributo

2
As passagens bíblicas citadas serão extraídas da versão Almeida Revista e Atualizada
3
REHFELDT, Louis.C. Os Meios da Graça. Porto Alegre: Casa Publicadora Concórdia, 1933. p.2.
4
Ibidem. p.3.
12

de Deus. Graça é o benigno favor que Deus concede aos que nada
merecem senão a ira e a condenação.5

A graça de Deus também é oferecida, aplicada e confirmada pelos


Sacramentos, que são dois: O Santo Batismo e a Santa Ceia, pois visto que Deus
prendeu neles a sua graciosa promessa de perdão, também esses são meios da
graça reais e eficazes, a saber, em virtude das promessas divinas que a eles vêm
presas. A respeito do Batismo, as Escrituras ensinam expressamente que é “para
remissão dos vossos pecados” (At 2.38), e para “lavar os pecados” (Ef 5.26; Tt 3.5). 6

1.2. O Batismo como obra exclusiva de Deus

O Batismo é uma instituição divina, sendo uma dádiva de Cristo para a sua
igreja. Através das Sagradas Escrituras, se reconhece que Cristo instituiu o Batismo,
pois há diversas evidências no Novo Testamento, através do que foi dito e feito por
Jesus, de que também o Batismo é uma prática agradável a Deus. Por isso tem
ocupado lugar de destaque na vida da igreja cristã desde os primórdios, com a sua
prática fundamentada na promessa de Jesus Cristo (Mt 28; Mc 10 e Jo 3). 7
A ordem divina de batizar requer sempre água como elemento visível que
deve ser empregado neste sacramento (Jo 3.23; At 8.36), e o uso é necessário para
que o Batismo seja válido. Isso se dá pelo fato de que a água e sua aplicação
constituem elementos essenciais dessa ordem sagrada. 8
Como se pode observar, no Batismo é necessário o uso da água como um
meio visível do sacramento, mas o “cerne da água é a palavra ou o mandamento de
Deus, e o nome de Deus, tesouro maior e mais nobre que céus e terra” (CM IV, 16).
E Lutero enfatiza quando diz que:

O Batismo é coisa bem diversa de qualquer outra água, não por


causa de sua essência natural, mas porque se adiciona aqui algo mais
nobre. Pois o próprio Deus, aqui, empenha a sua honra e nela põe sua força
e poder. Por isso, não é apenas água natural, porém água divina, celeste,
santa, bendita e outros termos com que se possa louvá-la. (CM IV, 18)

5
REHFELDT, Louis.C. Os Meios da Graça. Porto Alegre: Casa Publicadora Concórdia, 1933. p.3.
6
MUELLER, John Teodore. Dogmática Cristã. Traduzido por Martinho L.Hasse. 4ª edição. Porto
Alegre: Concórdia Editora. 2004. p.420.
7
Ibidem, p. 457.
8
Ibidem, p.454-9.
13

Müller define o Batismo como água compreendida no mandamento divino e


ligada com a promessa de perdão dos pecados, vida e salvação, pois Cristo
estabeleceu por sua ordem divina o verdadeiro Batismo pelo qual a pessoa batizada
entra em comunhão com o Deus verdadeiro e com todas as bênçãos espirituais de
graça e remissão “mediante o lavar regenerador e renovador do Espírito Santo” (Tt
3.5).9
Na visão de Lutero, esse texto bíblico mostra o poder da água, mas enfatiza
que o poder não está na própria água, mas sim na Palavra de Deus. Por esta razão,
ele o cita no Catecismo Menor, na terceira parte da explicação do Batismo quando
responde a pergunta de “Como pode a água fazer coisas tão grandes?”:

A água, em verdade não as faz, mas a palavra de Deus que está


unida à água, e a fé que confia nesta palavra de Deus unida com a água.
Pois sem a palavra de Deus a água é simplesmente água e não batismo.
Mas com a palavra de Deus a água é batismo, isto é, água de vida, cheia de
graça, e um "lavar de renascimento no Espírito Santo", como diz Paulo na
Carta a Tito, no capítulo terceiro: "Mediante o lavar regenerador e renovador
do Espírito Santo, que ele derramou sobre nós ricamente, por meio de
Jesus Cristo, nosso Salvador, a fim de que, justificados por sua graça,
sejamos herdeiros da vida eterna, segundo a esperança.” Isto é
certissimamente verdade! (Cm III, 10).

O Batismo é uma obra exclusiva de Deus conforme o apóstolo Paulo nos


diz: “não por obras de justiça praticadas por nós, mas segundo sua misericórdia, ele
nos salvou...”. Lutero enfatiza que não somos salvos pela dádiva divina, mas somos
salvos pela misericórdia de Deus que vem até nós pelo banho regenerador e não a
partir de nossas obras10.

1.3. O Proveito do Batismo

Por que e para que foi instituído o Santo Batismo, isto é, qual o seu proveito,
o que dá e opera? Segundo a passagem de Mc 16.16 nas palavras do próprio
Cristo: “Quem crer e for batizado será salvo”, compreende-se que a força, a obra, o
proveito, o fruto e o fim do Batismo é salvar, e ser salvo não significa outra coisa

9
MUELLER, John Teodore. Dogmática Cristã. Traduzido por Martinho L.Hasse. 4ª edição. Porto
Alegre: Concórdia Editora. 2004. p.459-460.
10
OSel 10, 635.
14

que, liberto do pecado, da morte, do diabo, chegar ao reino de Cristo e com ele viver
eternamente (CM IV, 25).
Lutero no Catecismo Menor responde a essa pergunta:

Que dá ou aproveita o batismo? “Opera a remissão dos pecados,


livra da morte e do diabo, e dá a salvação eterna a quantos crêem,
conforme rezam as palavras e promessas de Deus”. E prossegue dizendo:
Quais são estas palavras e promessas de Deus? “São as que Cristo Senhor
nosso nos diz no último capítulo de Marcos: “Quem crer e for batizado será
salvo; quem, porém, não crer será condenado” (Mc 16.16) (Cm IV 5-8).

Esse texto de Marcos é a base para a doutrina do Batismo referente ao seu


proveito, o que dá e opera. E continua dizendo que o Batismo não é efetivo
simplesmente por sua aplicação, mas é necessário que o batizado creia. A
promessa de Deus ligada ao Batismo mediante a Palavra torna o Batismo efetivo,
mas somente recebemos os benefícios através da fé em Jesus Cristo. 11
Sobre essa fé em Jesus, Schlink diz que “O Batismo é para ser recebido
pela fé em Jesus Cristo. Essa fé apóia-se no Evangelho de Jesus Cristo e é a
obediente aceitação desse Evangelho”12. Através desse Evangelho o próprio Jesus
Cristo chama o pecador à fé e informa ao mundo que ele se tornou sua propriedade,
e assim Cristo o chama para que se submeta a Ele como Senhor. 13
E também liga essa fé ao Batismo quando diz que:

Se o Evangelho é recebido pela fé, ele não pode ficar sem um


desejo por Batismo. Pois o Evangelho que diz respeito a Jesus Cristo é
também o chamado ao Batismo em nome de Cristo. Na abordagem do
Batismo a obediência da fé em direção ao Evangelho é realizada. Ao
mesmo tempo fé em Cristo e aproximação ao Batismo não estão apenas
lado a lado sem estarem relacionadas. Apenas assim, a fé no Evangelho
que é ouvida é no Cristo que lhe confronta no Evangelho, assim também o
Batismo é para ser desejado pela fé na atividade salvífica de Cristo através
do Batismo.14

11
LUTERO, Martinho apud WARTH, Martim C. Fé e Batismo em Lutero: a base exegética para a
doutrina luterana da regeneração batismal/ Martins Carlos Warth. Canoas: ULBRA, 2004. p.46.
12
SCHLINK, Edmund. The Doctrine of Baptism. Traduzido por Herbert J. A. Bouman. St. Louis:
Concordia, 1972. p.120-1.
13
Ibidem. p.121.
14
SCHLINK, Edmund. The Doctrine of Baptism. Traduzido por Herbert J. A. Bouman. St. Louis:
Concordia, 1972. p.123. “If the Gospel is received by faith, it cannot be done without a desire for
Baptism. For the Gospel concerning Jesus Christ is also the call to Baptism in the name of Christ. In
the approach to Baptism the obedience of faith toward the Gospel is realized. At the same time faith in
the Christ and the approach to Baptism are not side by side without relation to each other.Just as faith
in the Gospel that is heard is faith in the Christ who confronts him in the Gospel, so also Baptism is to
be desired by faith in the saving activity of Christ through Baptism”.
15

Schlink conclui dizendo que a fé não é obra do homem, pois não é o próprio
homem que efetua a salvação, mas é Deus, que em sua misericórdia alcança o
homem e lhe toma para dentro de sua atividade graciosa. A fé não é um ato
humano, assim como no Batismo o homem vem a um ato no qual ele mesmo não é
o ator, mas sim é um ato de Deus para nos salvar.15

1.4. A quem se destina o Batismo

Todo ser humano nasce com o pecado original: “Eu nasci na iniqüidade, em
pecado me concebeu minha mãe” (Sl 51.5), e sem nenhuma capacidade de se
aproximar de Deus, ele precisa ser aproximado de Deus. Isso Deus faz através de
certos meios mediante os quais Ele concede a sua graça aos homens. E esses
meios vêm através da Palavra de Deus onde nos é apresentado Cristo, o opus Dei
(obra de Deus). Ele muda o nosso coração de modo que nós cremos e, por essa fé,
somos regenerados.16
E segundo Kolb nos apresenta:

Com sua Palavra recriadora, o Espírito Santo vem para reprisar o


Éden, para renovar a criatura humana caída, para que possamos viver
novamente em relacionamentos justos e herdar a vida que Deus nos deu no
Éden (Tt 3.5-8). O Espírito realiza esta recriação através do Batismo (Tt 3) e
através do ouvir do Evangelho (Gl 3.2,5).17

Pelo Batismo, somos perdoados dos nossos pecados. O pecado é atestado


pelas Escrituras, tanto pelo salmista Davi (Sl 51.5), como por Paulo (Rm 5.12) e a
consequência do pecado é a morte. Deus em sua misericórdia quer salvar a todos
das consequências do pecado. Pedro diz que o Batismo salva: “a qual, figurando o
Batismo, agora também vos salva...” (1Pe 3.21). No Batismo, Deus mais uma vez
livra o homem do mundo dominado pelo pecado, levando-o para dentro da nova
criação que Cristo traz.18

15
SCHLINK, Edmund. The Doctrine of Baptism. Traduzido por Herbert J. A. Bouman. St. Louis:
Concordia, 1972. p.124
16
WARTH, Martim C. Fé e Batismo em Lutero: a base exegética para a doutrina luterana da
regeneração batismal/ Martins Carlos Warth. Canoas: ULBRA, 2004. p.15.
17
KOLB, Robert. Comunicando o evangelho hoje. Tradução de Dieter Joel Jagnow. Porto Alegre –
RS: Editora Concórdia, 2009. p,172
18
PIETZSCH, Paulo G. O Batismo na Perspectiva Litúrgica e Pastoral. In: Revista Igreja Luterana.
Volume 64, 2005/2. p.30.
16

Müller enfatiza que “com respeito aos adultos, devem ser batizados os que
creem em Cristo e o confessam (At 2.41; 8.36-38) e as crianças serão batizadas se
forem trazidas a nós para o Batismo pelos pais ou por pessoas que tenham
autoridade paterna sobre as mesmas. (Mc 10.13-16)”. 19

1.5. A Necessidade do Batismo Infantil

Kolb afirma que muitas pessoas julgam difícil acreditar no Batismo infantil.
Ele menciona que o principal fator se dá pelo fato de que alguns cristãos de hoje não
acreditarem que o afastamento de Deus trouxe tanto estrago e ruína à condição
humana que até mesmo como crianças precisam de intervenção salvadora de Deus
em suas vidas. Mesmo como adultos não podem com base em sua própria razão ou
força de vontade modificar a sua vida.20
E contrapõe dizendo que:

Na verdade, o batismo infantil passou a ser questionado em nosso


tempo porque perdemos a perspectiva bíblica sobre a seriedade de nossa
separação de Deus, que nós mesmos causamos e que é a origem de todos
os nossos pecados. Os cristãos contemporâneos também vivem em um
mundo altamente espiritualizado, teológico, que acredita que qualquer coisa
material pode, na melhor das hipóteses, simbolizar, mas nunca transmitir a
atividade de Deus. Esse ponto de vista, obviamente, é contrário ao ensino
bíblico.21

Pietzsch aponta a necessidade do Batismo infantil pelo fato de que se as


crianças não tivessem algo em sua natureza que necessitasse de perdão e
misericórdia, a graça do batismo não seria necessária a elas. É por essa razão que
a igreja, desde os tempos dos apóstolos, tem a tradição de batizar as crianças,
porque aqueles aos quais os mistérios divinos foram confiados sabiam que toda
criatura humana é poluída pelo pecado, e que deve ser purificada com a água e o
Espírito. Por isso o corpo é chamado de um corpo pecaminoso e,
consequentemente, as crianças também necessitam da remissão dos pecados. 22

19
MUELLER, John Teodore. Dogmática Cristã. Traduzido por Martinho L.Hasse. 4ª edição. Porto
Alegre: Concórdia Editora. 2004. p.466.
20
KOLB, Robert. Comunicando o evangelho hoje. Tradução de Dieter Joel Jagnow. Porto Alegre:
Editora Concórdia, 2009. p.178-9.
21
Ibidem. p.179.
22
PIETZSCH, Paulo G. O Batismo na Perspectiva Litúrgica e Pastoral. In: Revista Igreja Luterana.
Volume 64, 2005/2. p.31.
17

O que é decisivo para a prática do Batismo infantil conforme Schlink é a


convicção de que:

[...] através do Batismo, Deus tem misericórdia também das


crianças, fazendo-as próprias de Cristo, e transfere-as, pelo Espírito Santo,
do domínio do pecado, morte e mal para dentro de uma vida de filhos de
Deus. Não importa como as diferentes declarações sobre a atividade
salvífica de Deus, através do Batismo, soam em detalhe, todas elas estão
envolvidas com a certeza de um único ato fundamental da graça de Deus –
um ato que determina e abraça a inteira vida subseqüente do batizado.
Também em tempos posteriores a prática do Batismo infantil foi apoiada por
essa certeza, e essa certeza tem origem nas declarações Batismais do
Novo Testamento.23

As crianças, depois da queda do homem, também nascem pecadoras,


portanto, também necessitam do renascimento, do lavar regenerador e renovador do
Espírito Santo. “O que é nascido da carne é carne...” (Jo 3.6). “Carne” segundo
Rottmann analisa neste versículo, significa a natureza corrompida e pecaminosa do
homem pecador, aquela natureza com a qual ela já nasce. 24
E Rottmann conclui dizendo que

[...] a humanidade inteira, inclusive as crianças do momento de


seu nascimento, é corrompida pelo pecado e perdida e que, portanto,
precisa de um Salvador suficiente e divino e que o batismo é um meio pelo
qual uma pessoa – seja ela adulta ou na idade infantil – se apropria daquela
fé em Jesus Cristo, que é a única que salva.25

Lutero também argumenta em favor do Batismo infantil quando diz que:


“levamos a criança ao Batismo com o ânimo e na esperança de que ela creia, e
rogamos que Deus lhe dê a fé. Não é, porém, à vista disso que a batizamos, mas
unicamente porque Deus o ordenou” (CM IV, 57).
Mesmo que as crianças ainda não possam testemunhar a sua fé em Jesus
Cristo para o mundo, Kolb argumenta que “Nosso relacionamento com Deus não

23
SCHLINK, Edmund. The Doctrine of Baptism. Traduzido por Herbert J. A. Bouman. St. Louis:
Concordia, 1972. p.143. [...]is the conviction that through Baptism God has mercy also on the children,
makes them Christ’s own, and transfers them by the Holy Spirit from the dominion of sin, death, and
devil into the life of the children of God. No matter how different the statements about the saving
activity of God through Baptism sound in detail, they are all concerned with the certainty of a onetime,
foundational act of God’s grace – an act which determines and embraces the entire subsquent life of
the baptized. Also in later times the practice of infant Baptism was primarily supported by this
certainty, and this certainty is rooted in the baptismal statements of the New Testament.
24
ROTTMANN, Johannes H. Batismo de Crianças. Porto Alegre: Concórdia Ltda, 1982. p.15.
25
Ibidem. p.46.
18

depende de nossa fé consciente e de nossos pensamentos piedosos. Ela depende


do poder sustentador de Deus”.26
Existe como argumento principal contra o Batismo infantil de que as crianças
pequenas não podem crer. Segundo as Escrituras, crianças podem ter fé, mesmo
que não seja uma fé refletiva (“fides reflexa”), isto é, uma fé que já pode raciocinar
ou tirar conclusões. A fé das crianças é uma fé real, uma fé atual (“fides actualis”),
uma fé que de fato e realmente agarra o objeto de fé, Jesus Cristo, seu Senhor e
Salvador, que apreende as promessas contidas no batismo, e por isso é uma fé que
salva, a única fé que salva.27
Deus age no Batismo. Deus mata e faz viver no batismo. Ele faz isso para
adultos e crianças, pois Ele é o Senhor da morte e da vida. Kolb diz que as crianças
não expressam uma fé da mesma forma em que os adultos fazem, pois se sabe
muito pouco sobre a força de vontade que elas têm. Mas o problema da fé das
crianças não pode ser resolvido por tentar alegar que a relação das crianças com
Deus é psicologicamente identificada com a dos adultos. Pois é Deus que ordena o
Batismo. 28
Concluindo, quando batiza crianças, a igreja reconhece que o ser humano
nada pode fazer para ser salvo, mas que a salvação vem exclusivamente na
vontade salvadora de Deus por meio de Jesus Cristo e do poder do Espírito Santo, e
que essa vontade salvadora também se estende às crianças (Mc 10.13-16). 29

2. ALGUNS POSICIONAMENTOS TEOLÓGICOS SOBRE A PERGUNTA: O QUE


ACONTECE PARA AS CRIANÇAS QUE MORREM SEM O BATISMO?

26
KOLB, Robert. Comunicando o evangelho hoje. Tradução de Dieter Joel Jagnow. Porto Alegre:
Editora Concórdia, 2009. p.179-180.
27
ROTTMANN, Johannes H. Batismo de Crianças. Porto Alegre: Concórdia Ltda, 1982. p.63-4.
28
KOLB, Robert. The Christian Faith. St. Louis: Concordia Publishing House. 1993. p.225
29
SCHLINK, Edmund. The Doctrine of Baptism. Traduzido por Herbert J. A. Bouman. St. Louis:
Concordia, 1972. p.158.
19

De acordo com o Documento da Comissão Teológica Internacional, em


nossos dias atuais, está crescendo sensivelmente o número de crianças que
morrem ser terem sido batizadas. Em alguns casos se dá pelo fato dos pais serem
influenciados pelo pluralismo religioso, ou também em consequência da fecundação
in vitro e do aborto. Diante destes fatos, alguns pais, por outro lado, experimentam
uma grande dor e um sentimento de culpa tão grande quando não possuem a
certeza da salvação dos seus filhos.30
Algumas pessoas possuem uma grande tendência de não aceitar que Deus
seja justo e misericordioso. Mas, na maioria das vezes, acreditam que é uma
punição de Deus que recai aos seus filhos sobre algum pecado ou algum mal
cometido por elas. Até mesmo a ideia de que seus filhos serão condenados por não
terem recebido o batismo tem se tornado um sentimento de bastante dúvida e dor
para os pais.
Refletindo sobre a situação das crianças que morrem sem o Batismo,
primeiramente, deve-se sempre lembrar que na Teologia, Deus é o sujeito. Por isso,
a primeira tarefa da Teologia é ouvir a Palavra de Deus, para depois transmitir com
amor a cada pessoa. Entretanto, sobre a salvação das crianças que morrem sem o
Santo Batismo, a Palavra de Deus diz muito pouco ou nada. 31 Diante desta situação,
muitas denominações religiosas apresentam os seus argumentos sobre a questão
da salvação das crianças que morrem sem o Batismo.

2.1. Salvação para as crianças na visão da Igreja Católica Romana

O ensinamento tradicional da Igreja Católica Romana recorria à teoria do


limbo, que é entendido como estado no qual as almas das crianças que morrem sem
o santo Batismo não merecem o prêmio da visão beatífica, por causa do pecado
original, mas não sofrem nenhuma punição, visto que elas não tinham cometido
nenhum pecado pessoal.32

30
Comissão Teológica Internacional. A Esperança da Salvação para as crianças que morrem sem
Batismo. São Paulo: Editora Paulinas, 2008. p. 10.
31
Ibidem. p.11
32
Comissão Teológica Internacional. A Esperança da Salvação para as crianças que morrem sem
Batismo. São Paulo. Editora Paulinas. 2008. São Paulo, p.6
20

Essa teoria do limbo, elaborada por teólogos da Idade Média, nunca entrou
nos dogmas da igreja, mesmo que ela a mencionasse no seu ensinamento até o
Concílio Vaticano II, mas permaneceu apenas uma hipótese teológica possível. Não
é mencionada no Catecismo da Igreja Católica (1992), que ensina:

Quanto às crianças mortas sem o batismo, a Igreja só pode confiá-


las à misericórdia de Deus, como o faz no rito das exéquias por elas. Com
efeito, a grande misericórdia de Deus, que quer a salvação de todos os
homens, e a ternura de Jesus para com as crianças, o levaram a dizer:
“Deixai as crianças virem a mim, não as impeçais” (Mc 10,14), nos permitem
esperar que haja um caminho de salvação para as crianças mortas sem
Batismo. Eis por que é tão premente o apelo da Igreja de não impedir as
crianças de virem a Cristo pelo dom do santo Batismo.33

Nas exéquias de uma missa fúnebre pelas crianças que morreram sem o
Batismo, o Missal Romano, também apresenta que:

Quando uma criança, que os pais desejavam batizar, morre sem o


batismo, o Ordinário do lugar pode permitir, por razões pastorais, que se
celebrem as exéquias na própria casa, ou também conforme o tipo de
exéquias usadas na região para as demais crianças.
Nestas exéquias haja, normalmente, a Liturgia da Palavra como
vem descrita no Ritual. Se, entretanto, parecer oportuna a celebração da
Missa, podem-se usar os seguintes textos.
Cuide-se, porém, na catequese, de que não se obscureça na
mente dos fiéis, a doutrina da necessidade do batismo. 34

O Concílio Vaticano II ensina também que o poder de Deus não está limitado
aos Sacramentos. Deus pode, portanto, dar graça do batismo sem que o
Sacramento seja administrado, fato que deveria ser recordado especialmente
quando a administração do Batismo for impossível. A necessidade do Sacramento
não é absoluta. O que é absoluta é a necessidade da humanidade de Cristo, pois
toda salvação vem dele.35
O princípio de que Deus quer a salvação de todos os seres humanos
permite esperar que exista uma via de salvação para as crianças mortas sem
batismo. Assim, os cristãos, mesmo quando não conseguem ver como possam ser
salvas as crianças não batizadas, contudo, ousam esperar que Deus as abrace na
sua misericórdia salvífica.36
33
Catecismo da Igreja Católica. Editora Vozes Ltda. Petrópolis, RJ, p.305
34
Missal Romano. Edições Paulinas. São Paulo, 1980. 4º edição, p.971
35
Comissão Teológica Internacional. A Esperança da Salvação para as crianças que morrem sem
Batismo. São Paulo. Editora Paulinas. 2008. São Paulo, p.76
36
Comissão Teológica Internacional. A Esperança da Salvação para as crianças que morrem sem
Batismo. São Paulo. Editora Paulinas. 2008. São Paulo. p.66
21

Essa misericórdia é tão rica, que o projeto do amor de Deus vai além da
imaginação humana: isso que “Deus preparou para aqueles que o amam” são “o que
os olhos não viram, os ouvidos não ouviram e o coração humano não percebeu”
(1Co 2.9-10). Portanto, aqueles que choram sobre a sorte das crianças que morrem
sem batismo, sobretudo seus pais, são, frequentemente, pessoas que amam a Deus
e deveriam ser consoladas por essas palavras.37
Diante da pergunta: Existe uma esperança de salvação para as crianças que
morrem sem Batismo? A Comissão Teológica Internacional conclui que os muitos
fatores considerados anteriormente oferecem sérias razões teológicas e litúrgicas
para esperar que as crianças que morrem sem batismo serão salvas e poderão
gozar da visão beatífica.38
Nenhum dos argumentos expostos anteriormente podem ser adotados para
minimizar a necessidade do Batismo, nem retardar a sua administração. Apenas
reafirmam em conclusão que existem fortes razões para esperar que Deus salvará
essas crianças, já que não se pode fazer por elas o que se teria desejado fazer, isto
é, batizá-las na fé e na vida da Igreja.39

2.2. Salvação para as crianças na visão da Igreja Presbiteriana

Logo após a Reforma do século XVI, surgiram outros movimentos religiosos


que deram origem a novas igrejas. A partir de 1561, os calvinistas passaram a se
denominar “reformados”. Das igrejas reformadas, surgiram outras como a
Presbiteriana liderada por John Knox, discípulo de João Calvino. 40
No ano de 1643 até 1649, na abadia de Westminster, cidade de Londres, foi
reunido um Concílio para preparar uma nova base de doutrina e forma de culto e
governo eclesiástico. A confissão de Westminster apresenta um pequeno sistema de
teologia. Esse sistema é conhecido pelo nome de Calvinismo, por se tratar de
ensinamentos de João Calvino, sendo aceitas pelas Igrejas Reformadas ou
Presbiterianas.41
37
Idem. p.75
38
Idem. p.92
39
Ibidem
40
KUCHENBECKER, Valter. O Homem e o Sagrado. 8º edição. Canoas: Editora da Ulbra, 2004.
p.144-5
41
BRAGA, Ludgero. Manual dos Catecúmenos. 7º Edição. São Paulo: Casa Editora Presbiteriana,
1993. p.30
22

Dentre essas doutrinas, eles confessam que o Batismo é um sacramento


instituído por Jesus Cristo, não somente para a admissão na Igreja, mas também
para servir-lhe de sinal e selo de pacto na graça, de sua união com Cristo, da
regeneração, da remissão dos pecados e também da sua consagração a Deus por
Jesus Cristo, a fim de andar em novidade de vida. 42
Neste sacramento, sobre quem pode recebê-lo, eles afirmam que: “Não só
os que professam a sua fé em Cristo e obediência a Ele, mas também os filhos de
pais crentes (embora só um deles o seja) devem ser batizados”. 43 Assim também o
Catecismo de Heidelberg, em sua pergunta de número 74: “Também as crianças
devem ser batizadas?” responde que:

Sim, porque elas, assim como seus pais, estão incluídas na


aliança e pertencem ao povo de Deus. Desde que, tanto a redenção do
pecado pelo sangue de Cristo como o dom da fé pelo Espírito Santo são
prometidos a estes filhos não menos que a seus pais, as crianças também
são, pelo Batismo, como sinal da Aliança, incorporados à Igreja cristã e
distinguidas dos filhos dos incrédulos. Isto foi feito na Velha Aliança pela
circuncisão. Na Nova Aliança foi instituído o Batismo para tomar seu lugar. 44

Na perspectiva da salvação, a “doutrina central” do calvinismo é a


predestinação. Assim como todo curso do mundo se encontra sob a providência de
Deus, assim também a salvação ou a condenação de cada pessoa depende da
vontade onipotente e predestinação de Deus. 45
Nas palavras do próprio Calvino em suas Institutas:

Chamamos predestinação o eterno decreto de Deus pelo qual


houve por bem determinar o que acerca de cada homem quis que
acontecesse. Pois ele não quis criar a todos em igual condição; ao contrário,
preordenou a uns a vida eterna; a outros, a condenação eterna. Portanto,
como cada um foi criado para um ou outro desses dois destinos, assim
dizemos que um foi predestinado ou para a vida, ou para a morte. 46

Com respeito às crianças eleitas, que morrem na infância, são por Cristo
regeneradas e salvas, por meio do Espírito, que opera, onde e como quer. Assim

42
Livro de Confissões. A Confissão de Fé de Westminster. Cap. XXVIII 6.139
43
Ibidem
44
Livro de Confissões. O Catecismo de Heidelberg. P.74. 4.074
45
HAGGLUND, Bengt. História da Teologia. Trad. Mário e Gládis Rehfeldt. Porto Alegre: Casa
Publicadora Concórdia, 1973. P224.
46
CALVINO, João. As Institutas ou Tratado da Religião Cristã Vol.III. Trad. Waldyr Carvalho Luz,
São Paulo: Casa Editora Presbiteriana, 1985. p.389.
23

também são salvas todas as outras pessoas eleitas, que são incapazes de ser
exteriormente chamadas pelo ministério da Palavra. 47
Diante da pergunta: Existe uma esperança de salvação para as crianças que
morrem sem Batismo? Calvino em suas Institutas assim se expressa sobre o tema:
“As crianças que falecem ser ter sido batizadas, nem por isso incorrem na
condenação, como se não fossem regeneradas” ,afirma que:

Com isso também se convence de erro aos que condenam à


morte eterna todos quantos não são batizados. Suponhamos, pois, que,
segundo o postulado desses, que somente aos adultos se deva ministrar o
batismo: que dirão suceder à criança que é correta e adequadamente
imbuída dos rudimentos da piedade, se, enquanto chega o dia do batismo,
contra a expectativa de todos, se vê arrebatada por morte súbita? Clara é a
promessa do Senhor: “quem ouve minha palavra, e crê naquele que me
enviou, tem a vida eterna; e não entrará em condenação, mas passou da
morte para a vida” [Jo 5.24]. Em lugar algum se achará haver ele
condenado o ainda não batizado. Não gostaria que isso fosse entendido de
minha parte como se eu concordasse que o batismo possa ser
impunemente desprezado, desprezo que equivale violar o pacto do Senhor,
o que para mim longe é de se tolerar. Só quero demonstrar que ele não é de
tal maneira necessário que não seja justificável quem não o pôde receber,
se tinha um impedimento legítimo.48

2.3. Salvação para as crianças na visão da Igreja Batista

Sobre a Igreja Batista, existem duas teorias sobre a sua origem. A primeira
delas está relacionada com João Batista, que é aceita como a teoria JJJ (Jerusalém-
Jordão-João). Uma segunda teoria afirma que sua origem remonta aos anabatistas
na época da Reforma, em meados do século XVI. Os anabatistas rejeitavam a
validade do batismo e exigiam um novo batismo. Daí o nome de anabatistas, os que
batizam de novo, condenando o pedobatismo.49
Eles não consideram o batismo como um meio da graça (Sacramento), mas
um ato solene de declaração pública da fé em Jesus Cristo. 50 É ministrado somente
aos crentes, pois enquanto o homem não for regenerado e voluntariamente entrar
para uma vida de obediência aos mandamentos de Cristo, esta pessoa não está em

47
Livro de Confissões. A Confissão de Fé de Westminster. Cap. X. 6.058.
48
CALVINO, João. As Institutas ou Tratado da Religião Cristã Vol.IV. Trad. Waldyr Carvalho Luz,
São Paulo: Casa Editora Presbiteriana, 1985. p.333-4.
49
KUCHENBECKER, Valter. O Homem e o Sagrado. 8º edição. Canoas. Editora da Ubra, 2004.
p.145
50
KUCHENBECKER, Valter. O Homem e o Sagrado. 8º edição. Canoas: Editora da Ulbra, 2004,
p.145.
24

condições para receber o batismo. Ninguém que desconheça o que significa o ato
pode ser propriamente batizado.51
Nesta perspectiva eles descartam a hipótese do batismo infantil, pois
nenhuma pessoa que ainda não tenha chegado à idade do uso da razão é capaz de
satisfazer os requisitos do batismo cristão, pois o batismo depende do
consentimento da pessoa a ser batizada. Batizar uma criança que ainda não sabe o
que está fazendo é contrariar a revelação clara do Novo Testamento e o espírito e
significação da ordenança.52
Na Declaração Sólida – XII De outras facções e seitas, o Livro de Concórdia
apresenta os argumentos dos anabatistas referente suas doutrinas a respeito do
Batismo:

2. Que, perante Deus, infantes não batizados não são pecadores,


senão justos e inocentes, e que, por conseguinte, são salvos, em sua
inocência, sem o batismo, que não necessitam. Negam e rejeitam, assim,
toda a doutrina do pecado original e o que a ela se relaciona.
3. Que só se devem batizar as crianças quando tiverem alcançado
o uso da razão e puderem confessar pessoalmente sua fé.
4. Que os filhos dos cristãos, porque nasceram de pais cristãos e
crentes, são filhos de Deus, mesmo sem o batismo e antes dele. Por essa
razão, também não têm o batismo infantil em alta consideração, não lhe
encorajam a prática, contrariamente às expressas salvas da promessa, que
se estende apenas àqueles que guardam a aliança e não a desprezam, Gn
17 (FC DS XII, 11-13).

Uma das preocupações segundo os batistas em relação ao batismo infantil é


a questão que o mesmo pode causar uma falsa segurança. Eles atestam que
multidões de pessoas que foram batizadas enquanto criancinhas crescem pensando
estarem prontas para o Paraíso mesmo nunca tendo nascido de novo através da fé
pessoal em Cristo. Eles estão confiando em seu batismo infantil e no fato de serem
membros de suas igrejas. Eles são iludidos pelo ensino de suas próprias igrejas. 53
Diante da pergunta: Existe uma esperança de salvação para as crianças que
morrem sem Batismo? David Cloud diz que primeiramente, os crentes podem se
rejubilar no fato que seus filhos são santificados pelo relacionamento dos seus pais
com Cristo (1Co 7.14). As crianças são eternamente salvas se morrerem em infância

51
WALLACE, O.C.S. O que creem os Batistas. Trad. R. Pitrowsky. Rio de Janeiro. Casa
Publicadora Batista, 1958. p.115
52
Ibidem
53
Disponível em: <http://solascriptura-tt.org/EclesiologiaEBatistas/BatismoInfantil-DCloud.htm>
Acesso em 31/10/2014
25

tenra. Mas que em certo momento na vida da criança, ela se torna pessoalmente
responsável diante de Deus por seu relacionamento com Jesus Cristo. 54
E em segundo lugar, os pais devem se dedicar a treinar a criança no
caminho de Cristo. Não é realmente a dedicação da criança que é essencial; é a
dedicação dos pais. Os pais perdem seu tempo se dedicarem seus filhos a Deus
numa cerimônia pública e falharem em instruí-los e discipliná-los no caminho
correto. Façamos ambas estas coisas! Devemos oferecer nossos bebezinhos a
Deus e pedir que Ele abençoe suas vidas e vamos cuidadosamente educá-los para
Seu santo serviço.55 

3. AÇÃO PASTORAL

O ministério pastoral possui diversas áreas de atuação. Dentre elas existe o


aconselhamento, pois, pastorear o povo de Deus também significa aconselhá-los de
acordo com as suas necessidades emocionais. 56

54
Idem
55
Idem
56
JAGNOW, Dieter Joel. O diálogo pastoral: princípios de comunicação no aconselhamento
cristão. Porto Alegre: Concórdia Editora. 2003. p.11.
26

Dentro da perspectiva do Sacramento do Santo Batismo, o pastor, como um


“representante de Deus”, tem a preciosa função de fazer um acompanhamento
pastoral desde a “gestação” do casal até o nascimento e Batismo da criança. Neste
capítulo, será enfatizada a ação pastoral desde a fase de gestação da mãe (no caso
de ser solteira) ou do casal, e também uma ação pastoral no caso de uma criança vir
a falecer sem o Santo Batismo.

3.1. Ação Pastoral Preventiva

A vida é um dom de Deus, pois Ele dá e preserva a vida. O Criador escolheu


a mulher e deu a ela o dom de gerar e preservar a vida. O apóstolo Paulo, escreve
que a mulher “será preservada através de sua missão de mãe, se ela permanecer
em fé, e amor, e santificação, com bom senso” (1Tm 2.15). Os filhos são dádivas do
Criador e como tais, devem ser amados desde o ventre materno. 57
Através das orações e das Sagradas Escrituras, a mulher gestante encontra
consolo, orientação e segurança para os seus dias de gravidez, e como filha do
Deus Criador, ela pode ter a convicção de que está grávida graças a Deus e à sua
misericórdia.58
Pais cristãos entregam seus filhos em oração a Deus, mesmo antes de
nascerem. Isto não significa que a oração seja um meio da graça, o que ela
realmente não é; porém, temos a promessa: “Muito pode, por sua eficácia, a súplica
do justo” (Tg 5.16).59
Mesmo dentro de lares cristãos, muitos casais diante da situação de
gravidez, vivem um estado de euforia e preocupação com a saúde e o futuro da
criança. Dentro desta realidade, alguns casais esquecem que o consolo e a
orientação vêm do próprio Deus. Nesta perspectiva entra o papel do pastor como
cuidador do casal.
O pastor é chamado para servir às pessoas, para cuidar do rebanho como
um verdadeiro pastor de ovelhas. Ele executa essa tarefa através do ensino,

57
_____, ______. Grávida, graças a Deus: Orações para gestantes. Trad. Walter Hesse. Porto
Alegre: Concórdia Editora, 1985. p.9.
58
Ibidem p.7
59
ROTTMANN, Johannes H. Batismo de Crianças. Porto Alegre: Concórdia Ltda, 1982. p.83.
27

instrução, conforto e exortação com a Palavra de Deus. O pastor precisa amar –


amar o seu rebanho como uma mãe ama o seu filho. 60
O pastor precisa estar sempre atento ao que acontece com o seu rebanho.
Diante deste caso que está sendo estudado, é de grande importância o seu
acompanhamento ao casal diante da notícia da gravidez da esposa, ou até mesmo
se tratando de uma mãe solteira (pois neste caso, o acompanhamento pastoral
merece uma atenção ainda maior).
Diante da gravidez da mãe, o pastor em suas visitas, pode orientá-la, instruí-
la a colocar sua gestação em oração “no Deus vivo, Salvador de todos os homens,
especialmente dos fiéis” (1Tm 4.10). E também desde este período, o pastor pode
instruir sobre o Sacramento do Santo Batismo infantil, o seu significado e o seu
proveito para a criança que irá nascer.

3.2. Ação Pastoral de Socorro

Para serem resgatas do pecado original e ter a salvação em Cristo, as


crianças devem ser batizadas o mais cedo possível. Pois nos dias atuais, mesmo
com as vantagens médicas não há uma certeza de que as crianças não vão morrer
antes, durante, ou logo após o seu nascimento. 61
Alguns pais não têm a preocupação em ter seus filhos batizados. Outros
pais, cujos filhos morrem sem o Batismo, sofrem sem necessidade. Alguns chegam
a sugerir que a criança seja batizada logo após o parto mesmo não correndo perigo
de morte. Isso significa que o pastor deveria estar sempre presente ou ser chamado
logo após o parto. O grande perigo desta motivação do Batismo está na Lei, em um
Deus que pune o não batizado.62
Diante da situação de uma criança que morre sem o Batismo, a primeira
pergunta que aflige a muitos pais é esta: Então não pode ser salvo quem não for
batizado? É o Batismo absolutamente necessário para a salvação? 63

60
JAGNOW, Dieter Joel. Mensageiro Luterano. Junho 2011. Ano 94. Nº 1.159. p.15.
61
SCAER, David P. Confessional Lutheran Dogmatics Vol. XI : Baptism. St. Louis: The Luther
Academy. 1999. p.120.
62
SCAER, David P. Confessional Lutheran Dogmatics Vol. XI : Baptism. St. Louis: The Luther
Academy. 1999. p.121.
63
ROTTMANN, Johannes H. Batismo de Crianças. Porto Alegre: Concórdia Ltda, 1982. p.81.
28

Segundo Scaer, as crianças não são menos capazes de crer no Evangelho


do que os adultos, pois, se levarmos as palavras de Jesus a sério, elas podem ter
mais fé do que seus próprios pais (Mt 18.1-4). As crianças podem crer antes, no, e
depois do Batismo. Diante de um funeral, ele atesta que o ritual litúrgico deve ser o
mesmo para uma criança batizada ou não. As circunstâncias são trágicas, mas não
são obstáculos para a graça de Deus em Cristo Jesus 64.
Ele também levanta outra questão sobre: Um menino que morreu no sétimo
dia, antes da circuncisão ter sido administrada, foi tão seguramente salvo como um
menino a quem esse rito havia sido realizado? 65. Em 2 Samuel 12, temos o relato de
Davi que passou por esta situação com o seu filho:

18 Ao sétimo dia, morreu a criança; e temiam os servos de Davi


informá-lo de que a criança era morta, porque diziam: Eis que, estando a
criança ainda viva, lhe falávamos, porém não dava ouvidos à nossa voz;
como, pois, lhe diremos que a criança é morta? Porque mais se afligirá. 19
Viu, porém, Davi que seus servos cochichavam uns com os outros e
entendeu que a criança era morta, pelo que disse aos seus servos: É morta
a criança? Eles responderam: Morreu. 20 Então, Davi se levantou da terra;
lavou-se, ungiu-se, mudou de vestes, entrou na Casa do SENHOR e
adorou; depois, veio para sua casa e pediu pão; puseram-no diante dele, e
ele comeu. 21 Disseram-lhe seus servos: Que é isto que fizeste? Pela
criança viva jejuaste e choraste; porém, depois que ela morreu, te
levantaste e comeste pão. 22 Respondeu ele: Vivendo ainda a criança,
jejuei e chorei, porque dizia: Quem sabe se o SENHOR se compadecerá de
mim, e continuará viva a criança? 23 Porém, agora que é morta, por que
jejuaria eu? Poderei eu fazê-la voltar? Eu irei a ela, porém ela não voltará
para mim.

Mesmo diante da notícia da morte do seu filho, Davi encontra consolo na


graça de Deus através de sua confissão: “Eu irei a ela, porém ela não voltará para
mim” (2Sm 12.23b). Tudo indica que a criança não fora circuncidada, pois a lei de
Deus previa que “por sinal de aliança entre mim (Deus) e vós (Abraão e sua
descendência). O que tem oito dias será circuncidado” (Gn 17.11-12). E como o
texto de Samuel apresenta, a criança morreu no sétimo dia (2Sm 12.18), ou seja,
sem a circuncisão.
Quanto às crianças que morrem sem a circuncisão, Scaer atesta que:

Em relação às crianças que morreram antes do oitavo dia, a


resposta é fácil, assim como é fácil dar uma resposta sobre as nossas
próprias crianças que morrem antes do batismo. Pois estes não pecaram
64
SCAER, David P. Confessional Lutheran Dogmatics Vol. XI : Baptism. St. Louis: The Luther
Academy. 1999. p.121.
65
Ibidem
29

contra a aliança da circuncisão ou batismo. Desde que a lei ordena que ser
batizado no oitavo dia, Deus poderia condenar aqueles que morrem antes
do oitavo dia?
Assim, as almas dos bebês devem ser deixadas à vontade do Pai
Celestial, que sabemos ser misericordioso. Além disso, o que Paulo diz de
uma forma suave sobre "aqueles que não pecaram à semelhança da
transgressão de Adão" (Rm 5.14) e sobre Jacó e Esaú - "e ainda não eram
os gêmeos nascidos, nem tinham praticado o bem ou o mal" (Rm 9.11) - é
verdade no seu caso também.
Mesmo que as crianças tragam consigo o pecado inato, que
chamamos de pecado original é, no entanto importante que eles tenham
cometido nenhum pecado contra a Lei. Uma vez que Deus é por natureza
misericordioso. Ele não vai deixar sua condição de ser pior, porque eles não
foram capazes de obter a circuncisão no Antigo Testamento, ou o Batismo
no Novo Testamento.66

Mesmo que Deus aja através dos Meios da Graça (Palavra e Sacramentos),
deve ser lembrado que Deus não está amarrado nestes Meios, pois Ele é o Senhor
de tudo isto. Deste modo ele pode, se ele assim o quiser, criar a fé nas crianças
mesmo sem o Batismo.67
Nas Escrituras Sagradas, existem indicações de que Deus não somente
poderia criar, mas realmente criou fé sem meios. Um exemplo é de João Batista,
ainda no ventre materno: “Pois ele será grande diante do Senhor, não beberá vinho
nem bebida forte e será cheio do Espírito Santo, já do ventre materno” (Lc 1.15). E
também diante da visita de Maria a Isabel, ela exclama que: “Pois logo que me
chegou aos ouvidos a voz da tua saudação, a criança estremeceu de alegria dentro
de mim” (Lc 1.44).
Nas últimas palavras de Jesus, segundo o Evangelho de Marcos, Ele diz aos
seus discípulos que: “Quem crer e for batizado será salvo; quem, porém, não crer
será condenado” (Mc 16.16). Sobre este texto, Walther, diz que:

66
LUTERO, Martinho apud SCAER, David P. Confessional Lutheran Dogmatics Vol. XI : Baptism.
St. Louis. The Luther Academy. 1999. p.122: “But here another question arises. If the uncircumcised
males of the Jews were lost, what is one to conclude about infants who died before the eighth day?
What about the other sex, the girls? Likewise, what about our own infants, either those who are
stillborn or those who die shortly after birth, before they are baptized? Concerning infants who died
before the eighth day the answer is easy, just as it is easy to give an answer about our own infants
who die before Baptism. For these do not sin against the covenant of circumcision or Baptism. Since
the Law commands them to be baptized on the eighth day, could God condemn those who die before
the eighth day? Accordingly, the souls of those infants must be left to the will of the Heavenly Father,
whom we know to be merciful. Furthermore, what Paul says in a gentle manner about "those whose
sins were not like the transgression of Adam" (Rm 5.14) and about Jacob and Esau - "though they
were born and had nothing good or bad" (Rm 9.11) - holds true in their case too. Even though infants
bring with them inborn sin, which we call original sin, it is nevertheless important that they have
comrnitted no sin against the Law. Since God is by nature merciful. He will not let their condition be
worse because they were unable to obtain circumcision in the Old Testament or Baptism in the New
Testament.
67
ROTTMANN, Johannes H. Batismo de Crianças. Porto Alegre, Concórdia Ltda, 1982. p.82.
30

Jesus não diz: “Quem for batizado e crer”, mas, sim, “Quem crer e
for batizado.” A fé é a necessidade de primeira ordem; o Batismo é algo a
que a fé se apega. Além disso, o Senhor acrescenta: “Quem, porém, não
crer será condenado”. Isto deixa claro que, mesmo que não tenha sido
possível a alguém submeter-se ao Batismo, ele será salvo, desde que
creia.68

Segundo Rottmann, o problema está nos pais que rejeitam o Santo Batismo,
pois assim, rejeitam totalmente o desígnio de Deus. Não temos consolo para alguém
que rejeita o Batismo, pois quem despreza este Sacramento, este Meio da Graça,
pode até procurar desculpas, mas não achará palavra de Deus que justifique a sua
atitude.69
Todos os pontos analisados são dados como puro consolo evangélico aos
pais cristãos, cujas crianças morreram antes que eles pudessem ter tido a
oportunidade de batizá-las. Deve se entregar, nestes casos, os filhos às mãos do
misericordioso Deus. Aos cristãos aflitos, é um grande consolo, mas não para os
incrédulos e rejeitadores da Palavra de Deus e dos Meios da Graça nos
Sacramentos. E que Deus sempre nos dê a sua confiança na verdade das suas
promessas, para que nunca deixemos, por razões puramente racionais e falhas, de
70
batizar crianças, mas que as batizemos tão cedo quanto for possível.
E diante da pergunta: O que se pode dizer aos pais, dos quais um filho
morre antes de ser batizado? Rottmann diz que se tais pais cristãos, realmente
creem no Salvador Jesus, que tiveram a intenção de batizar seu filho e que não
rejeitaram o Batismo, eles podem ser consolados com as palavras que se acham
nas liturgias antigas da igreja luterana que diz: “Encomendamos esta criança à
misericórdia de Deus”.71

3.3. Conforto para a mãe de um natimorto à luz de Lutero

Escrevendo com um cuidado pastoral, olhando para as mães que perderam


seus filhos de uma forma repentina, Lutero aponta que essas mães sempre
procuram consolo diante de tamanho sofrimento, pois muitas vezes as crianças já

68
WALTHER, Carl F.W, A correta distinção entre Lei e Evangelho. Porto Alegre,2005. p.305-6.
69
ROTTMANN, Johannes H. Batismo de Crianças. Porto Alegre: Concórdia Ltda, 1982. p.74.
70
Ibidem. p.83-4.
71
ROTTMANN, Johannes H. Batismo de Crianças. Porto Alegre, Concórdia Ltda, 1982. p.81.
31

nascem mortas ou falecem inesperadamente sem ter a oportunidade de receber o


Santo Batismo.72
Diante destes casos, Lutero diz que:

Em primeiro lugar, na medida em que não se pode e não convém


saber o julgamento escondido de Deus em um caso - visto que, depois de
todos os cuidados possíveis forem tomadas, Deus não permitir que a
criança nasça viva e ser batizado - essas mães devem acalmar-se e ter fé
que a vontade de Deus é sempre melhor do que a nossa, embora possa
parecer o contrário para nós, do nosso ponto de vista humano. Elas devem
ter a certeza de que Deus não está zangado com elas ou com outras
pessoas que estão envolvidas. Em vez isso é um teste para desenvolver a
paciência.
Em segundo lugar, porque a mãe é cristã e acredita que é de se
esperar que seu desejo tímido e profundamente sincero para trazer seu filho
para ser batizado será aceito por Deus como uma oração eficaz. 73

É necessário falar de uma forma diferente e mais consoladora com os


cristãos do que com os incrédulos, mesmo em que ambos os casos não sabemos do
julgamento secreto de Deus. Pois Jesus não mente quando diz que: “Tudo é
possível ao que crê” (Mc 9.23). Lutero diz que, mesmo que os pais não oraram pelo
que certamente queriam realizar, isto é, o Batismo da criança que iria nascer, pode-
se deixar tal caso nas mãos de Deus e nos confortar na certeza de que Ele nos ouve
e faz todas as coisas melhor do que poderíamos pedir. 74
Em resumo, Lutero diz que como verdadeiros cristãos, as pessoas não
devem desanimar ou ficarem tristes pelos seus filhos ou por eles mesmos. A oração
é agradável a Deus, pois ele mesmo diz: “Invoca-me no dia da angústia; eu te
livrarei, e tu me glorificarás” (Sl 50.15). Por esta razão, não se deve logo condenar
tais crianças pelos quais seus pais cristãos, têm dedicado o seu tempo em oração a
Deus.75

72
LW 43, 247
73
Ibidem. p.247-8: “First, inasmuch as one cannot and ought not know the hidden judgment of God in
such a case — why, after every possible care had been taken, God did not allow the child to be born
alive and be baptized — these mothers should calm themselves and have faith that God’s will is
always better than ours, though it may seem otherwise to us from our human point of view. They
should be confident that God is not angry with them or with others who are involved. Rather is this a
test to develop patience. Second, because the mother is a believing Christian it is to be hoped that her
heartfelt coy and deep longing to bring her child to be baptized will be accepted by God as an effective
prayer.”
74
LW 43, 249-50.
75
Ibidem. p.250.
32

4. ANEXO

4.1. Liturgia de Sepultamento de Natimorto76

Esta ordem também pode ser usada para sepultamento de criança não
batizada.

Amados no Senhor, nosso Salvador disse que “ninguém pode entrar no


reino de Deus se não nascer da água e do Espírito”. Diante dessa verdade, é

76
Culto Luterano: Liturgias e orações / [organizado por] Comissão de Culto da Igreja Luterana do
Brasil – Porto Alegre: Concórdia, 2010. P138-9.
33

evidente que o Senhor quer que sua Igreja administre o Santo Batismo. Entretanto,
essa palavra deve ser compreendida com referencia aos que tiveram oportunidade
de receber o santo sacramento ou àqueles que o desprezaram, porém não aos que
não puderam ser batizados. Essas pessoas nós encomendamos à infinita graça de
Deus visto que não tiveram ocasião de ser batizadas. Por isso, podemos ter a
esperança de que Deus, na sua graça, recebeu esta criança na sua glória em virtude
da obra de seu Filho Jesus Cristo. Além disso, esta criança foi apresentada a Deus
pela oração da Igreja, e pelas próprias e confortadoras promessas do Senhor vocês
sabem que tal oração em nome de Jesus Cristo é ouvida por ele.
O Senhor conceda que todos continuemos firmes na fé até que alcancemos
a felicidade eterna, por amor de seu amado Filho Jesus Cristo.

Oração
Ó todo-poderoso e eterno Deus e Pai, tu o deste e tu o tomaste; bendito seja
o teu nome. Assim como os céus são mais altos do que a terra, assim os teus
pensamentos são mais altos do que os nossos pensamentos. Ensina a todos nós a
confiar em ti e fortalece a fé destes pais que estão tristes por passarem por esta
dolorosa provação. Faze com que recebam esta aflição de ti, para que creiam
firmemente que os teus caminhos são de bondade e fidelidade. Ensina-lhes a confiar
na tua infinita graça e a terem a certeza de que o seu filho, que chamaste a ti antes
do seu nascimento (ou tão logo após o seu nascimento) e que durante meses
recomendaram à tua bondade paternal, foi recebido na tua glória celestial mesmo
sem o Batismo, assim que lhes será restituído no dia da ressurreição. Que o teu
amor nos ajude a crescer em amor e na fé verdadeira, e que busquemos o teu reino
celestial, onde também para nós preparaste lugar. Faze com que saibamos como
são poucos os dias da nossa vida para que tenhamos um coração sábio e façamos
uso constante e correto dos meios da graça durante a nossa vida aqui. Concede que
todos nós sejamos reunidos no teu reino celestial, por Jesus Cristo, teu Filho, nosso
Senhor. Amém.

Bênção
A graça do Senhor Jesus Cristo, o amor de Deus Pai e a comunhão do
Espírito Santo estejam com todos vocês. Amém.
34

Junto à sepultura, usa-se a ordem de sepultamento comum.

CONCLUSÃO

O presente trabalho buscou analisar a situação das crianças que morrem


sem o Sacramento do Santo Batismo. Após o estudo deste caso, pode-se notar
como Deus mesmo em sua graça e misericórdia, mantém em silêncio muitas coisas
ocultas, mas reservadas exclusivamente para a sua sabedoria e conhecimento.
Através da ação pastoral, Deus leva o conforto e o consolo através da boca
do pastor às mães e pais enlutados que sofrem pela perda de seus filhos. Não se
deve investigar sobre estes assuntos, nem tentar tirar conclusões sobre o que
acontece com esta criança. Mas os pais entregam seus filhos em plena oração a
Deus, pois se tem a promessa que: “Muito pode, por sua eficácia, a súplica do justo”
(Tg 5.16).
35

Através do Santo Batismo, segundo o apóstolo Paulo, Deus concede uma


prova do seu imenso amor para com todo o ser humano, mas Deus como Criador e
Salvador de tudo e de todos não se limita apenas aos Meios da Graça, Deus pode
salvar aquela criança que não teve tempo ou oportunidade de receber o Santo
Batismo. Pois, como disse Martinho Lutero: “O julgamento de Deus é e deve
permanecer oculto de nós”.
Nenhumas das hipóteses apresentadas devem ser usadas como fundamento
para minimizar a necessidade do Santo Batismo, nem para retardar sua
administração para as crianças. Mas o principal objetivo é analisar como a Graça de
Deus supera qualquer razão humana, em outras palavras, é “Deixar Deus ser Deus”.

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