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MATERIAL DE APOIO I
Tendência essa observada, entre os clássicos, pelo grande CAIO MÁRIO, em uma de suas últimas e
imortais obras:
“Numa definição sociológica, pode-se dizer com Zannoni que a família compreende uma
determinada categoria de ‘relações sociais reconhecidas e portanto institucionais’. Dentro
deste conceito, a família ‘não deve necessariamente coincidir com uma definição
estritamente jurídica’”.
E arremata:
Esse é, aliás, o pensamento de BELMIRO PEDRO WELTER que, com propriedade, observa:
2. Do Conceito de Família
Até o início do século XIX, prevalência do casamento-aliança, entre grupos. O século XX continua
priorizando a família legítima casamentária, mas já sob o influxo do individualismo (casamento por
1
PEREIRA, Rodrigo da Cunha. Direito de família e o novo Código Civil. Coord.: Rodrigo da Cunha Pereira e Maria Berenice
Dias. Belo Horizonte: Del Rey/IBDFAM, 2002, p. 226-227.
2
PEREIRA, Caio Mário da Silva. Direito civil: alguns aspectos da sua evolução. Rio de Janeiro: Forense, 2001, p. 170.
3
WELTER, Belmiro Pedro. Igualdade entre as Filiações Biológicas e Socioafetivas. São Paulo: RT, 2003, p. 64.
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Disciplina: Direito Civil
Tema: Direito de Família I
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amor). No fim da primeira metade, a Igreja e o Estado começam a perder força como “instâncias
legitimadoras”, ganhando importância outras formas de união livre. Na década de 80 surgem as famílias
de segundas e terceiras núpcias (famílias recombinadas) , convivendo com a união estável (GUILHERME
DE OLIVEIRA – Prof. Catedrático da Faculdade de Direito de Coimbra).
Hoje, podemos afirmar que o conceito de família é socioafetivo (porque somente se explica e é
compreendido à luz do princípio da afetividade), eudemonista (pois, como decorrência da sua função
social, visa a realizar o projeto de felicidade de cada um dos seus integrantes e anaparental (podendo
ser composta, inclusiva, por elementos que não guardem, tecnicamente, vínculo parental entre si) (cf.
Maria Berenice Dias, Manual de Direito das Famílias, Livraria do Advogado).
3. Do Casamento
Conceito
O casamento, segundo Van Wetter traduz a união do homem e da mulher com o objetivo de
constituição de família (cf. tb. Curso de Direito Civil Brasileiro – Maria Helena Diniz).
No CC:
Art. 1.511. O casamento estabelece comunhão plena de vida, com base na igualdade de direitos e
deveres dos cônjuges.
Natureza Jurídica
Este, sem dúvida, é um dos pontos mais tormentosos da matéria, digladiando-se a doutrina ao sabor
das seguintes correntes:
a) publicista – sustenta que o casamento é instituto jurídico de direito público (seria, nessa linha,
um ato administrativo);
b) privatista – sustenta que o casamento é instituto jurídico de direito privado, subdividindo-se nas
seguintes correntes:
a) não-contratualista;
b) contratualista.
Recomendamos, inclusive, para a horas de descanso, visando a relaxar a mente antes do concurso, a
leitura da bela obra “O Contrato de Casamento”, de Honoré de Balzac...
a) diversidade de sexos;
b) consentimento;
c) celebração por autoridade materialmente competente.
Sobre a celebração por autoridade, note-se que o novo CC acolheu a teoria do funcionário de fato
(teoria da aparência):
Art. 1.554. Subsiste o casamento celebrado por aquele que, sem possuir a competência exigida na lei,
exercer publicamente as funções de juiz de casamentos e, nessa qualidade, tiver registrado o ato no
Registro Civil.
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Tema: Direito de Família I
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Sobre a teoria da aparência, tivemos oportunidade de escrever, em nosso volume II, dedicado ao
Direito das Obrigações (Saraiva):
“Tal ocorre na chamada teoria do funcionário de fato, provinda do Direito Administrativo, quando
determinada pessoa, sem possuir vínculo com a Administração Pública, assume posto de servidor,
como se realmente o fosse, e realiza atos em face de administrados de boa fé, que não teriam como
desconfiar do impostor. Imagine-se, em um distante município, o sujeito que assume as funções de
um oficial de Registro Civil, realizando atos registrários e fornecendo certidões. Por óbvio, a despeito
da flagrante ilegalidade, que, inclusive, acarretará responsabilização criminal, os efeitos jurídicos dos
atos praticados, aparentemente lícitos, deverão ser preservados, para que se não prejudique aqueles
que, de boa fé, hajam recorrido aos préstimos do suposto oficial4.
Da mesma forma, se nos dirigimos ao protocolo de uma repartição pública para apresentarmos,
dentro de determinado prazo, um documento, e lá encontramos uma pessoa que se apresenta como
o funcionário encarregado, não existe necessidade de se perquirir a respeito da sua legitimidade. Se
o sujeito era um impostor, caberá à própria Administração Pública apurar o fato, com o escopo de
punir os verdadeiros funcionários que permitiram o acesso de um estranho ao interior de suas
instalações. O que não se pode supor é que o administrado será prejudicado com a perda do prazo
para a apresentação do documento solicitado.
Mas não apenas no Direito Administrativo a teoria da aparência tem aplicabilidade.
Também no Direito Civil”.
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AP
"O nosso ordenamento ainda admite a concessão de indenização à mulher que sofre prejuízo com o
descumprimento da promessa de casamento. Art. 1.548, III, do C. Civil. Falta dos pressupostos de fato
para o reconhecimento do direito ao dote e à partilha de bens. Recurso não conhecido." (STJ - RESP
251689 - RJ - 4ª T. - Rel. Min. Ruy Rosado de Aguiar - DJU 30.10.2000 p. 162)";
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Deveres do Casamento
Sobre os deveres do casamento, dispõem os seguintes artigos:
Art. 1.565. Pelo casamento, homem e mulher assumem mutuamente a condição de consortes,
companheiros e responsáveis pelos encargos da família.
§ 1o Qualquer dos nubentes, querendo, poderá acrescer ao seu o sobrenome do outro.
§ 2o O planejamento familiar é de livre decisão do casal, competindo ao Estado propiciar recursos
educacionais e financeiros para o exercício desse direito, vedado qualquer tipo de coerção por parte de
instituições privadas ou públicas.
Art. 1.566. São deveres de ambos os cônjuges:
I - fidelidade recíproca;
II - vida em comum, no domicílio conjugal6;
III - mútua assistência;
IV - sustento, guarda e educação dos filhos;
V - respeito e consideração mútuos.
OBS.: A infidelidade virtual pode traduzir quebra de dever conjugal (ex.: relações afetivas
travadas pela internet). Evite a expressão “adultério virtual”, que pressupõe conjunção
carnal.
Impedimentos Matrimoniais
Trata-se dos requisitos de validade ou eficácia do casamento.
Anteriormente, dividiam-se, nos termos do art. 183 do CC anterior, em:
a) Impedimentos Dirimentes Públicos ou Absolutos – art. 183, I a VIII;
b) Impedimentos Dirimentes Privados ou Relativos – art. 183, IX a XII;
c) Impedimentos Impedientes ou Proibitivos – art. 183, XIII a XVI.
Esta matéria foi simplificada pelo codificador de 2002, que, simplesmente, previu os IMPEDIMENTOS
(art. 1521) e as CAUSAS SUSPENSIVAS do casamento (art. 1523).
6
Ver PL. 5172/02 (sobre abandono do lar conjugal).
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Os impedimentos, quando verificados, causam a NULIDADE do casamento (art. 1548, II), ao passo que
as causas suspensivas, se ocorrentes, impõem a obrigatoriedade do REGIME DE SEPARAÇÃO LEGAL DE
BENS (art. 1641, I).
As CAUSAS DE ANULAÇÃO do casamento, por sua vez, correspondentes aos antigos “impedimentos
relativos”, estão elencadas a partir do art. 1550, devendo-se ressaltar a hipótese de ERRO ESSENCIAL
quanto à pessoa do outro cônjuge (arts. 1556 e 1557):
Art. 1.556. O casamento pode ser anulado por vício da vontade, se houve por parte de um dos
nubentes, ao consentir, erro essencial quanto à pessoa do outro.
Art. 1.557. Considera-se erro essencial sobre a pessoa do outro cônjuge:
I - o que diz respeito à sua identidade, sua honra e boa fama, sendo esse erro tal que o seu
conhecimento ulterior torne insuportável a vida em comum ao cônjuge enganado;
II - a ignorância de crime, anterior ao casamento, que, por sua natureza, torne insuportável a vida
conjugal;
III - a ignorância, anterior ao casamento, de defeito físico irremediável, ou de moléstia grave e
transmissível, pelo contágio ou herança, capaz de pôr em risco a saúde do outro cônjuge ou de sua
descendência;
IV - a ignorância, anterior ao casamento, de doença mental grave que, por sua natureza, torne
insuportável a vida em comum ao cônjuge enganado.
Casamento Putativo
Trata-se de casamento nulo ou anulável, contraído de boa-fé por um ou ambos os cônjuges, cujos
efeitos jurídicos são preservados, por conta da aplicação da teoria da aparência.
Nesse sentido, o CC:
Art. 1.561. Embora anulável ou mesmo nulo, se contraído de boa-fé por um ou ambos os cônjuges, o
casamento, em relação a estes como aos filhos, produz todos os efeitos até o dia da sentença
anulatória.
§ 1o Se um dos cônjuges estava de boa-fé ao celebrar o casamento, os seus efeitos civis só a ele e aos
filhos aproveitarão.
§ 2o Se ambos os cônjuges estavam de má-fé ao celebrar o casamento, os seus efeitos civis só aos
filhos aproveitarão.
Confira-se ainda jurisprudência do STJ sobre a matéria:
Casamento putativo. Boa-fé. Direito a alimentos. Reclamação da
mulher.
1. Ao cônjuge de boa-fé aproveitam os efeitos civis do casamento,
embora anulável ou mesmo nulo (Cód. Civil, art. 221, parágrafo
único).
2. A mulher que reclama alimentos a eles tem direito mas até à data
da sentença (Cód. Civil, art. 221, parte final). Anulado ou
declarado nulo o casamento, desaparece a condição de cônjuges.
3. Direito a alimentos "até ao dia da sentença anulatória".
4. Recurso especial conhecido pelas alíneas a e c e provido.
RESP 69108 / PR ; RECURSO ESPECIAL
1995/0032729-5
Há entendimento do STF, todavia, no sentido de não haver limitação de tempo no que tange ao direito
alimentar (RTJ, 89:495).7
Formas Especiais de Casamento
São formas especiais de casamento: casamento por procuração (art. 1542), casamento “in articulo
mortis” (iminente risco de vida ou in articulo mortis ou nuncupativo– 1540), casamento em caso de
moléstia grave (art. 1534).
Em sala da aula, faremos referência à controvérsia que gira em torno da admissibilidade do casamento
espírita, já havendo precedente favorável do Tribunal de Justiça do Estado da Bahia (veja, no final
deste material de apoio, o parecer do professor Dalmo Dallari).
4. União Estável8
7
Referência feita por C. R. Gonçalves (S. Jurídica – Dir. de Família, Saraiva).
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Tema: Direito de Família I
Prof.: Pablo Stolze Gagliano
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Histórico
Conceito de União Estável – pessoas desimpedidas ou separadas de fato
União Estável Putativa
Concubinato Consentido
Tratamento Jurídico no Brasil (Fases)
Regulamentação anterior (Leis n. 8971/94 e 9278/96) e o novo CC – art. 1723:
O século XX marcou a história da humanidade, não apenas como a era da tecnologia, mas também da
profunda mudança de valores, refletindo-se, por conseqüência, no âmbito da família: o casamento
deixaria de ser a única instância legitimadora e passaria a conviver com outras formas de união livre.
Nessa linha, com especial influência do Direito francês9, o nosso sistema jurídico, paulatinamente,
passaria a ceder espaço ao concubinato – entidade familiar não matrimonializada10 – preferindo,
inclusive, substituir esta expressão – indicativa de uma relação proibida – pela noção de
companheirismo.
Ora, podemos observar que a evolução desse instituto deu-se a passos lentos, no âmbito do Direito
Civil, que, de maneira tímida, apenas em 1912, por ocasião da entrada em vigor do Decreto n. 2.681,
reconheceria à concubina direito à indenização pela morte do companheiro em estradas de ferro11.
A partir daí, em geral, apenas o Direito Obrigacional deitaria seus olhos à tutela da companheira, para
admitir, em um primeiro momento, a possibilidade de se pleitear indenização pelos serviços
prestados durante o período de convivência. Observava-se, pois, aqui, a preocupação da
jurisprudência em evitar o enriquecimento sem causa de uma das partes da relação, mas sempre a
situando no árido terreno obrigacional, razão por que, no âmbito judicial, as demandas porventura
instauradas tramitariam em Varas Cíveis.
E note-se que, nessa primeira fase, a companheira era tratada como mera prestadora de serviços
domésticos.
Mas a jurisprudência evoluiria, em um segundo momento, para admitir o reconhecimento de uma
sociedade de fato entre os companheiros, de maneira que a companheira deixaria de ser mera
prestadora de serviços com direito a simples indenização, para assumir a posição de sócia na relação
concubinária, com direito à parcela do patrimônio comum, na proporção do que houvesse
contribuído.
Nessa linha, o Supremo Tribunal Federal, que já havia editado súmula admitindo o direito da
companheira à indenização por acidente de trabalho ou transporte do seu companheiro, se não
houvesse impedimento para o matrimônio (S. 35), avançaria mais ainda, para reconhecer, na súmula
380, direito à partilha do patrimônio comum:
8
Escrevemos a respeito em nosso “O Contrato de Doação – Análise Crítica do Atual Sistema Jurídico e os seus Efeitos no Direito
de Família e Sucessões”, fruto de nossa pesquisa para a elaboração da dissertação de mestrado na PUC-SP (Ed. Saraiva).
9
Dispõe o art. 515-8 do Código francês, alterado pela Lei n. 99-944, de 15-11-1999, no sentido de que: “Le concubinage est une
union de fait, caractériseé par une vie commune présentant un caractère de stabilité et de continuité, entre deux pesonnes, de sexe
differént ou de même sexe, qui vivent em couple”. Nota-se, pois, que também é reconhecida a união entre pessoas do mesmo sexo,
tendência sentida nas legislações da maioria dos Estados europeus.
10
O Código Civil de 1916, lembra-nos CLÁUDIA GRIECO TABOSA PESSOA, não tratou o concubinato como instituto, “tendo
havido, tão-somente, previsões quanto ao impedimento absoluto para o casamento do cônjuge adúltero com o seu co-réu
condenado (art. 183, VII), à possibilidade de reivindicação de bens transferidos à concubina (art. 248, IV), ao reconhecimento da
filiação em relação à prole havida das uniões concubinárias (art. 363, I), à proibição de doação (art. 1.177), à declaração de
ilegitimidade passiva testamentária à concubina (art. 1.719, III) e à proibição de instituição de seguro de vida (art. 1.474)” (cf. a
excelente obra Efeitos patrimoniais do concubinato. São Paulo: Saraiva, 1997, p. 17-18).
11
Referência feita por Cláudia Grieco Tabosa Pessoa, Efeitos patrimoniais do concubinato, cit., p. 18.
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A contribuição da companheira, que tanto poderia ser direta (econômica) como, em uma visão mais
avançada, indireta (psicológica), justificaria, pois, a demanda voltada à divisão proporcional do
patrimônio, cujo trâmite seria feito em sede do Juízo Cível, como já mencionado, visto que, até então,
a relação entre os companheiros não era admitida como uma forma de família.
A nossa Constituição Federal, todavia, modificaria profundamente esse cenário, retirando o concubinato
puro (entre pessoas desimpedidas ou separadas de fato) da zona do Direito das Obrigações, para
reconhecer-lhe dignidade constitucional, alçando-o ao patamar de instituto do Direito de Família,
consoante se depreende da leitura de seu art. 226, § 3º:
Note-se, aqui, não ter havido uma identificação com o casamento – tanto é que se dispôs facilitar a
conversão em matrimônio –, mas sim uma equiparação em nível constitucional, para efeito protetivo,
no âmbito do Direito Constitucional de Família.
Seguindo, pois, esse referido mandamento constitucional, duas importantes leis foram editadas: a Lei
n. 8.971, de 1994 (que regulou os direitos dos companheiros aos alimentos e à sucessão), e a Lei n.
9.278, de 1996 (que revogou parcialmente o diploma anterior, ampliando o âmbito de tutela dos
companheiros).
O novo Código Civil, por sua vez, culminaria por derrogar12 a lei de 1996, uma vez que a disciplina da
união estável passaria e integrar o corpo do nosso próprio Estatuto Civil:
“TÍTULO III
DA UNIÃO ESTÁVEL
Art. 1.723. É reconhecida como entidade familiar a união estável entre o homem e
a mulher, configurada na convivência pública, contínua e duradoura e estabelecida
com o objetivo de constituição de família.
§ 1o A união estável não se constituirá se ocorrerem os impedimentos do art.
1.521; não se aplicando a incidência do inciso VI no caso de a pessoa casada se
achar separada de fato ou judicialmente.
§ 2o As causas suspensivas do art. 1.523 não impedirão a caracterização da união
estável.
Art. 1.724. As relações pessoais entre os companheiros obedecerão aos deveres de
lealdade, respeito e assistência, e de guarda, sustento e educação dos filhos.
Art. 1.725. Na união estável, salvo contrato escrito entre os companheiros, aplica-
se às relações patrimoniais, no que couber, o regime da comunhão parcial de bens.
Art. 1.726. A união estável poderá converter-se em casamento, mediante pedido
dos companheiros ao juiz e assento no Registro Civil.
Art. 1.727. As relações não eventuais entre o homem e a mulher, impedidos de
casar, constituem concubinato”.
Para efeito de reconhecimento da união estável, não se exige lapso temporal predeterminado, bem
como não são indispensáveis a convivência sob o mesmo teto ou more uxório (S. 382 do STF) nem a
existência de prole comum. Claro que todos esses fatores, isoladamente ou, com mais razão ainda,
reunidos, facilitarão a admissibilidade do vínculo concubinário, mas não podem ser encarados como
requisitos imprescindíveis.
Ademais, vale relembrar que apenas a relação concubinária pura – vale dizer, entre pessoas
desimpedidas ou separadas de fato – merece, regra geral, a tutela do Direito de Família, sendo
esta a orientação da jurisprudência mais moderna:
12
Não é correto dizer, em nosso sentir, que a Lei de 1996 teria sido totalmente revogada (ab-rogada). Tome-se, a título
exemplificativo, a norma referente ao direito real de habitação da(o) companheira(o) sobrevivente, que, posto não expressamente
regulado no Código novo, ainda estaria em vigor. A negação desse direito, “afigura-se grave, à medida que a difícil situação
sucessória do companheiro <no Código de 2002> deve ser atenuada, segundo uma interpretação constitucional, e em atenção ao
superior princípio da vedação ao retrocesso”, desenvolvido por CANOTILHO (GAGLIANO, Pablo Stolze. Código Civil
Comentado – v. XIII, Atlas, cit., p. 218).
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Prof.: Pablo Stolze Gagliano
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“O contrato de convivência não tem força para criar a união estável, e, assim, tem
sua eficácia condicionada à caracterização, pelas circunstâncias fáticas, da entidade
familiar em razão do comportamento das partes. Vale dizer, a união estável
apresenta-se como conditio juris ao pacto, de tal sorte que, se aquela inexistir, a
convenção não produz os efeitos nela projetados14”.
Um ponto ainda deve ser salientado: não se deve confundir a união estável – entidade familiar
constitucionalmente reconhecida – com o simples namoro.
No STJ também observamos a preocupação em se diferenciar o namoro da união estável:
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Interessante questão ainda diz respeito à união estável putativa: se uma pessoa casada (e que
ainda mantém sociedade conjugal) mantiver relação concubinária com outra, que, de boa-fé, ignora o
status matrimonial do seu companheiro, poderia invocar a proteção da legislação de família, invocando
a teoria da aparência (putatividade)? Em nosso sentir, teoricamente sim, muito embora não tenha sido
este o entendimento esposado pelo STJ, neste recente acórdão:
Art. 1.725. Na união estável, salvo contrato escrito entre os companheiros, aplica-se às relações
patrimoniais, no que couber, o regime da comunhão parcial de bens.
Este contrato escrito em sentido contrário, é, como vimos, o denominado contrato de convivência.
Lembre-se, inicialmente, de que “companheira (o)” não se confunde com “concubina (o)”:
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Há quem sustente, para a concubina, a mera proteção do direito obrigacional (pedido de indenização ou
a aplicação da S. 380 do STF).
Os ministros da Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) reconheceram o direito de uma
dona de casa a receber indenização pelo período de convivência com um homem casado. Ela vai
receber uma pensão mensal de meio salário mínimo, correspondente aos 36 anos de duração do
relacionamento, só interrompido com a morte dele. O homem mantinha uma vida dupla: morava com a
mulher e, alguns dias e noites da semana, passava com a concubina. No entanto, o STJ reformou
decisão da Justiça paulista, segundo a qual a concubina detinha o direito a morar no imóvel depois da
morte da esposa. “Neste caso haveria uma apropriação de bem de espólio”.
Segundo o ministro Aldir Passarinho Junior, relator do processo no STJ, o entendimento do Tribunal
aponta para o pagamento de indenização à concubina durante o período de vida em comum. “A
concubina faz jus a uma indenização por serviços domésticos prestados ao companheiro, o que não
importa em dizer que se está a remunerar como se serviçal ou empregada fosse, mas , sim, na sua
contribuição para o funcionamento do lar, permitindo ao outro o exercício de atividade lucrativa, em
benefício de ambos”. Liberado dos afazeres domésticos, o homem não despende tempo, energia ou
preocupação para a manutenção da casa e de si mesmo, “encargos confiados à concubina, e isso tem
certo valor, reconhecido jurisprudencialmente”.
Para o relator, a pensão fixada na Justiça paulista – meio salário mínimo mensal, do começo ao fim da
relação extraconjugal – parece “coerente, pela longa duração, superior a três décadas, da convivência,
ainda que na constância do casamento”.
Por outro lado, o relator discordou de parte da decisão que atribiu à concubina o direito de residir no
imóvel de propriedade do homem, após a morte da mulher dele, em outubro de 2000. “Se o direito é
indenizatório, não parece razoável estendê-lo para além do período da relação, para torná-lo vitalício
em favor da concubina, em detrimento dos herdeiros legais, ainda que não sejam herdeiros
necessários”. A seu ver, significaria mais do que uma indenização, “uma espécie de usufruto sobre
imóvel alheio, que jamais chegou a ser ocupado pela concubina, mas pela esposa. Aí, mais do que uma
indenização, estaria havendo uma apropriação de bem do espólio, mesmo que temporária”.
Além disso, durante o período da relação, a concubina teria recebido, auxílio econômico e bens imóveis
– parte de um posto de gasolina e um apartamento.
Decisão é inédita
A 8ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça reconheceu que um cidadão viveu duas uniões afetivas: com
a sua esposa e com uma companheira. Assim, decidiram repartir 50% do patrimônio imóvel, adquirido
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no período do concubinato, entre as duas. A outra metade ficará, dentro da normalidade, com os filhos.
A decisão é inédita na Justiça gaúcha e resultou da análise das especificidades do caso.
A companheira entrou na Justiça com Ação Ordinária de Partilha de Bens contra a esposa e filho do
falecido. Alegou que manteve relacionamento público e notório com ele entre 1970 e 1998.
O relator, Desembargador Rui Portanova, concedeu apenas em parte o pedido da autora pois “não há
como retirar dos filhos o direito de herança ou totalmente da esposa o seu direito de meação”. Assim,
declarou que a companheira tem direito a 25% do patrimônio imóvel adquirido pelo falecido durante a
existência do concubinato.
A companheira vivia em Santana do Livramento e também teve um filho com o cidadão. Já a família
legalizada vivia em São Gabriel. Para o magistrado, apesar de não se aplicar o novo Código Civil
diretamente, a situação é prevista no artigo 1.727. Para ele, o novo Código Civil não proibiu o
concubinato. “Agora é possível dizer que o novo sistema do direito de família se assenta em três
institutos: um, preferencial e longamente tratado, o casamento; outro, reconhecido e sinteticamente
previsto, a união estável; e um terceiro, residual, aberto às apreciações caso a caso, o concubinato”,
afirmou.
“Tal era o elo entre a companheira e o falecido que a esposa e o filho do casamento sequer negam os
fatos – pelo contrário, confirmam; é quase um concubinato consentido.”
Já o Desembargador Alfredo Guilherme Englert, que presidiu a sessão ocorrida em 27/2, acompanhou
também, nas conclusões, o relator.
5. TEXTOS COMPLEMENTARES
Recentemente, um jornal de grande circulação publicou reportagem em que se noticiava a última moda
entre os paulistas: o contrato de namoro.
Trata-se de um negócio celebrado por duas pessoas que mantém relacionamento amoroso – namoro,
em linguagem comum – e que pretendem, por meio da assinatura de um documento, a ser arquivado
em cartório, afastar os efeitos da união estável.
Essa preocupação, aliás, é compreensível.
Quando a Lei n. 8971 de 1994 regulamentou a união estável no Brasil, exigiu, para a sua configuração,
uma convivência superior a cinco anos ou a existência de prole comum. Em outras palavras, utilizou
referenciais objetivos para o reconhecimento da união concubinária e os seus efeitos.
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Acontece que a Lei n. 9278 de 1996 operou a revogação parcial da lei anterior, colocando por terra os
critérios objetivos supra mencionados, passando a admitir a existência da união estável pelo simples
fato de um homem e uma mulher conviverem de forma pública e duradoura, com o objetivo de
constituir família.
Com isso, a diferença do simples namoro para a união estável tornou-se tênue, senão nebulosa,
passando a depender sobremaneira do juízo de convencimento do magistrado. Qualquer relação, não
importando o seu tempo de existência, poderia, teoricamente, desde que verificada a estabilidade e o
objetivo de constituição de família, converter-se em união estável.
E o reconhecimento de que a relação converteu-se em companheirismo geraria efeitos jurídicos de alta
significação: direito aos alimentos, direito à herança, partilha de bens, deveres recíprocos de
convivência.
União estável é coisa séria e, nos dias que correm, encontra-se ombreado ao casamento em termos de
importância jurídica e social.
E tal fato se torna ainda mais grave se considerarmos que este tipo de união informal ganha cada vez
novos adeptos, inclusive entre os mais jovens.
Pesquisa da Fundação Getúlio Vargas, veiculada em 2000, demonstra que na faixa etária entre 15 a 24
anos 49 % dos casais se unem informalmente, contra apenas 30 % que optam pelo casamento
religioso com efeitos civis. Apenas 17,5 % escolheram apenas o matrimônio civil e 3,4% realizam
apenas a cerimônia religiosa (o que faz com que acabem incidindo nas regras da união estável, eis que
não obtiveram, no caso, o reconhecimento do Estado).1
Pois bem.
Nesse contexto, o denominado “contrato de namoro” poderia ser considerado como uma alternativa
para aqueles casais que pretendessem manter a sua relação fora do âmbito de incidência das regras da
união estável?
Poderiam, pois, por meio de um documento, tornar firme o reconhecimento de que aquela união é
apenas um namoro, sem compromisso de constituição de família? Em nosso pensamento, temos a
convicção de que tal contrato é completamente desprovido de validade jurídica.
A união estável é um fato da vida, uma situação fática reconhecida pelo Direito de Família que se
constitui durante todo o tempo em que as partes se portam como se casados fossem, e com indícios de
definitividade.2
Salientando esta característica, SILVIO DE SALVO VENOSA, festejado civilista nacional, lembra que
enquanto o casamento é um negócio, a união estável, diferentemente, é um “fato jurídico” (DIREITO
CIVIL – Direito de Família, ATLAS, 2003) .
Por isso, não se poderia reconhecer validade a um contrato que pretendesse afastar o reconhecimento
da união, cuja regulação é feita por normas cogentes, de ordem pública, indisponíveis pela simples
vontade das partes.
Trata-se, pois, de contrato nulo, pela impossibilidade jurídica do objeto.
Lembre-se, ademais, em abono de nosso pensamento, que a Lei n. 9278 de 1996 teve alguns de seus
artigos vetados pelo Presidente da República exatamente porque se pretendia admitir a “união estável
contratual”, em detrimento do principio segundo o qual a relação de companheirismo seria um fato da
convivência humana e que não poderia ser previamente discutida pelas partes em um contrato.
O que é possível, sim, ressalve-se, é a celebração de um contrato que regule aspectos patrimoniais da
união estável – como o direito aos alimentos ou à partilha de bens -, não sendo lícita, outrossim, a
declaração que, simplesmente, descaracterize a relação concubinária, em detrimento da realidade.
E o leitor deve estar se perguntando como fica esta interessante questão diante do novo Código Civil.
A Lei Civil de 2002, diferentemente do que se poderia imaginar, não inovou na matéria. Manteve a
sistemática da Lei de 1996, ao não utilizar critérios objetivos para o reconhecimento da união,
consoante se pode ler em seu art. 1723: “É reconhecida como entidade familiar a união estável entre o
1
Dados obtidos no site: ig.planetavida.com.Br/resp/rm01.shtml?artg_cd_artigo=4490, baixado em
25/07/00.
2
2 Demonstrando que nem sempre se pode enquadrar fatos da vida a molduras jurídicas pré-definidas, LUIZ
EDSON FACHIN exemplifica precisamente com a união estável, demonstrando a existência de “relações
de fato” que geram efeitos jurídicos, independentemente da existência de um modelo ou paradigma legal
que as reconheça (cf. a excelente obra Teoria Crítica do Direito Civil, Renovar, 2000, págs. 200-201).
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Disciplina: Direito Civil
Tema: Direito de Família I
Prof.: Pablo Stolze Gagliano
Data: 12/07/2007
Opinião Jurídica
Um casal nubente decidiu que em lugar da realização do casamento num Cartório do Registro
Civil iria realizá-lo num Centro Espírita, perante a autoridade religiosa reconhecida pela respectiva
comunidade. Realizado o casamento, foi solicitado seu registro no registro civil próprio, para que
produzisse efeito civil. Entretanto, a autoridade cartorária recusou o registro, alegando que o
casamento em Centro Espiríta não atendia ao requisito legal de casamento religioso.
Examinando as disposições constitucionais e legais aplicáveis ao caso, deve-se ressaltar, desde
logo, que desde a primeira Constituição republicana brasileira, de 1891, o Brasil é um Estado leigo, não
se admitindo religião oficial. A par disso, é princípio fundamental a igualdade de todos perante a lei, o
que significa, desde logo, que nenhuma religião poderá gozar de privilégios em relação às demais. O
que for permitido ou proibido a uma deverá aplicar-se igualmente a todas. Outro ponto importante que
deve ser considerado é que a Constituição assegura expressamente a liberdade religiosa, incluindo-se
aí o direito de escolher uma religião e de participar dos cultos religiosos. Reforçando a consagração da
liberdade da liberdade de crença e de realização de cultos, a Constituição proíbe expressamente
qualquer discriminação baseada em motivo de crença religiosa.
Embora exista uma discussão teórica a respeito da diferenciação entre religião e seita religiosa,
a legislação brasileira não define religião e não trata dessa diferenciação, o que deixa para as
autoridades públicas a discrição para decidir se determinado grupo religioso caracteriza ou não uma
religião. Em caso de dúvida, a decisão final caberá ao Poder Judiciário, que deverá decidir tendo em
conta as circunstâncias concretas do caso que lhe for submetido. A discussão sobre a caracterização de
um grupo social como religião pode assumir grande importância em determinados casos, sendo
interessante lembrar que há várias décadas um Tribunal dos Estados Unidos recusou o pedido de um
grupo de pessoas que dizia ter fundado uma nova religião que incluía em seu ritual o uso de maconha
em comunidade. Nessa mesma linha, a Suprema Corte dos Estados Unidos deverá decidir agora o caso
de um pequeno grupo do Novo México, que pretende ser reconhecido como congregação religiosa e
obter autorização para usar no ritual do culto o chá alucinógeno de ayahuasca. No Brasil, tem-se
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Disciplina: Direito Civil
Tema: Direito de Família I
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notícia de que desde 1999 está em curso no Judiciário uma pretensão semelhante, externada por um
grupo que se denomina Centro Espírita União do Vegetal, não havendo ainda uma decisão.
Entretanto, no caso em exame nada disso tem influência, pois além de ser muito antigo no
Brasil o reconhecimento social do espiritismo como religião, esse reconhecimento está formalmente
expresso em documentos oficiais. Assim é que na tabela das religiões brasileiras usadas pelo Instituto
Brasileiro de Geografia e Estatística - IBGE no censo de 2002 constam quinze religiões e mais quatro
grupos religiosos, sendo expressamente referida, entre as religiões do povo brasileiro, a "religião
Espírita". Não há dúvida, portanto, de que no Brasil o espiritismo é reconhecido como uma das religiões
tradicionais.
Considerando agora a questão do ponto de vista legal, o ponto de partida é o fato de que o
Código Civil Brasileiro, fixando as normas legais sobre o casamento, dispõe sobre os requisitos para a
validade do casamento e estabelece a exigência de um processo prévio de habilitação, perante a
autoridade pública, dispondo que após a celebração deverá ser feito o registro na repartição pública
competente. No artigo 1515 do Código Civil, encontra-se a seguinte disposição: "o casamento religioso,
que atender às exigências da lei para a validade do casamento civil, equipara-se a este, desde que
registrado no registro próprio, produzindo efeitos a partir da data de sua celebração."
Note-se que a expressão da lei é "casamento religioso", sem especificar religiões e sem
estabelecer requisitos quanto a estas. A expressão é genérica, o que significa que, verificando o
atendimento dos requisitos que seriam necessários para a validade do casamento realizado perante a
autoridade pública, o casamento celebrado perante autoridade religiosa produzirá os mesmos efeitos. O
próprio artigo 1515 prevê o registro do casamento religioso no registro próprio, o que significa que a
autoridade encarregada dos registros de casamento deverá registrar também o casamento religioso.
Pode ocorrer que a autoridade cartorial tenha dúvidas quanto à caracterização do ato como
casamento religioso e nesse caso deverá solicitar informações precisas, deixando a decisão para o
Poder Judiciário se mesmo depois de obtidas todas as informações ainda subsistir dúvida. No caso
presente, entretanto, a recusa da autoridade cartorária foi equivocada, se tiver sido baseada apenas na
dúvida quanto à aceitação do espiritismo como religião. A recusa terá sua razão de ser se tiver sido
motivada por outra causa, como, por exemplo, a falta de esclarecimento ou a dúvida quanto ao
cumprimento de algum requisito legal para que os mesmos nubentes pudessem realizar o casamento
perante a autoridade pública. Seria também razoável a recusa se a celebração religiosa incluísse
alguma prática vedada por lei, como, por exemplo, o uso de alucinógeno ou qualquer droga proibida. O
relatório da ilustre Desembargadora, no Mandado de Segurança em curso, limita-se a consignar que o
casamento foi celebrado num Centro Espírita e que, "de posse do termo da realização do casamento, a
autoridade cartorária recusou o registro, parecendo, pelo conjunto da documentação, que a dúvida do
cartorário foi quanto a validade jurídica de uma cerimônia realizada perante autoridade religiosa e não
autoridade pública, não ficando claro se essa dúvida também ocorreria se fosse outra a religião".
Quanto a este ponto, cabe observar que o Código Civil abriu exceção para o casamento
religioso para permitir dispensa da presença da autoridade pública nessa hipótese. Esse é o sentido de
"casamento religioso". Seria desnecessário e inútil introduzir na lei uma exceção para dizer que o
casamento pode ser celebrado num templo religioso, desde que presidido por autoridade pública, pois
já faz parte das antigas práticas brasileiras a realização de casamento por autoridade civil fora dos
cartórios, seja em residências, clubes ou em outros locais, sendo clássica a advertência dos civilistas de
que, nesse caso, o único pormenor formal que deve ser observado é que as portas e janelas fiquem
abertas, para deixar assinalado o caráter público da celebração. Nessa linha, poderia se realizado o
casamento no interior de um templo religioso, sem necessidade de abrir na lei uma exceção. O que isso
deixa evidente é que a expressão "casamento religioso" não se refere apenas ao local de celebração,
mas à sua realização segundo o ritual religioso. A única exigência da lei para o uso dessa exceção é que
sejam observados os requisitos legais para o casamento e que se faça depois o registro em cartório, no
registro próprio. Nesses casos, a autoridade religiosa substitui a autoridade pública, sendo sabido que
toda religião reconhece alguma espécie de autoridade com atribuições religiosas e administrativas.
Em síntese, o que se pode concluir é que o casamento realizado num Centro Espírita, perante a
autoridade reconhecida pela comunidade, tem validade jurídica e se equipara ao casamento celebrado
perante autoridade pública, devendo ser registrado no registro próprio. A única exigência do Código
Civil para essa validade é que tenham sido observados os requisitos legais para o casamento. Se
tiverem sido observados esses requisitos e se o casamento tiver sido realizado perante a autoridade
religiosa reconhecida pela comunidade respectiva, a recusa da autoridade cartorária a efetuar o registro
foi equivocada e não deverár subsistir. Essa é a minha opinião quanto aos aspectos jurídicos da
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Disciplina: Direito Civil
Tema: Direito de Família I
Prof.: Pablo Stolze Gagliano
Data: 12/07/2007
questão.
São Paulo, 04 de Novembro de 2005.
Prof. Dr. Dalmo de Abreu Dallari
MENSAGEM
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