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UNIVERSIDADE METODISTA DE ANGOLA

FACULDADE DE CIÊNCIAS JURÍDICAS E SOCIAIS

CURSO DE DIREITO

DIREITO DOS REGISTOS E DO NOTARIADO

3.º ANO / I.º SEMESTRE / ANO ACADÉMICO 2021-2022

DOCENTE

José G.J Muetunda

BREVES CONSIDERAÇÕES SOBRE O


NOTARIADO

Luanda

2022
1.1- Noções: notário e fé pública

O notariado, desenvolvido em primeiro lugar na Itália, tem como


finalidade dar forma legal e conferir fé pública aos actos jurídicos
extrajudiciais, conforme prevê o art. 1.º do Código do Notariado (adiante
CN). Dito doutro modo, a actividade notarial conforma a vontade dos
particulares à lei e confere autenticidade aos actos jurídicos praticados
fora dos tribunais.

Dito isto, faz-se necessário identificar o funcionário público e,


simultaneamente, profissional do direito a quem cabe o exercício da
actividade supracitada. De história, reza-se que o notariado apareceu
no séc. XII, predominantemente nas cidades comerciais de Génova, Pisa
e Milão, com os notários imperiais e apostólicos, nomeados pelo
imperador ou pelo papa, respectivamente1.

Em conformidade com o art. 1.º do Regime Jurídico do Notariado


(doravante RJN), aprovado pelo Decreto Presidencial n.º 51/11, de 16
de Março, o magistrado desta que se configura como justiça preventiva
é o notário, definido como “jurista a cujos documentos escritos,
elaborados no exercício da sua função, é conferida fé pública”. Nas
palavras de Kassoma (2019:12), “o notário é um redactor qualificado
com fé pública”2.

Nestes termos, a fé pública corresponde à convicção ou certeza de


que os factos praticados pelo notário são verdadeiros. Outrossim,
sublinha-se que a fé pública é outorgada pelo Estado ao notário, através
do qual é conferida aos actos da sua competência.

1.2- Princípios orientadores da actividade notarial


1
Cfr. LOPES, J. de Seabra, Direito dos Registos e do Notariado, 6.ª edição, Coimbra,
Almedina, 2011, pág. 12
2
Cfr. KASSOMA, Moisés, O Notário e a Tutela do Comércio Jurídico, Lousane,
Angolanae Dissertationes, 2019, pág. 12
Para tratar sobre os princípios orientadores da actividade
notarial, é-nos útil, mais uma vez, o RJN, que os enumera e detalha nos
seus arts. 10.º e seguintes, como seguem por nós desenvolvidos:

1.2.1- Princípio da legalidade

O notário aprecia a viabilidade de todos os actos que lhe são


requeridos, em face das disposições legais aplicáveis e dos documentos
apresentados ou exibidos. Na prática, o redactor qualificado e dotado de
fé pública verifica, especialmente, a legitimidade dos interessados, a
regularidade formal e substancial dos referidos documentos com vista a
produção do acto pretendido pelos interessados (art. 11.º, RJN).

1.2.2- Princípio da autonomia

No exercício das suas funções, o notário actua com


independência, quer em relação ao Estado quer a quaisquer interesses
particulares, estando nisto visível a incindibilidade da sua natureza
pública e privada (art. 12.º, n.º 3, art. 1.º, ambos do RJN).

1.2.3- Princípio da imparcialidade

O notário tem a obrigação de manter-se equidistante


relativamente a interesses particulares susceptíveis de conflituar. Deve
abster-se, portanto, designadamente, de assessorar apenas um dos
interessados em um determinado negócio. Por força deste princípio, não
pode praticar actos em que seja parte ou beneficiário, quer directa quer
indirectamente (por meio do cônjuge, qualquer parente ou afim na linha
recta ou em segundo grau da linha colateral), constituindo um
impedimento (art. 13.º RJN, art. 8.º, CN).

1.2.4- Princípio da exclusividade

As funções notariais são exercidas em regime de exclusividade,


sendo incompatíveis com quaisquer outras funções remunuradas,
sejam estas públicas ou privadas. Excepcionam-se as actividades
docentes ou de formações, participação em conferências, colóquios e
palestras, ou ainda a percepção de direitos de autor (art. 15.º, RJN e
art. 1.º da Lei n.º 1/97, de 17 de Janeiro, Lei da Simplificação e
Modernização dos Registos Predial, Comercial e Serviço Notarial).

1.2.5- Princípio da livre escolha

Cabe aos interessados escolher o notário que vai dar forma legal
aos seus actos, conferindo-os autenticidade, observadas as normas
relativas à competência territorial. Diferente dos conservadores que
publicitam, a actividade notarial coloca em funcionamento a confiança
das pessoas, as quais são livres de decidir a que notário segredam os
actos por si queridos. Todavia, isto não confere aos notários o direito de
publicitar as suas tarefas de modo a conquistar maior clientela (art.
16.º).

Acresce-se, em sede deste princípio, que os notários, diferente dos


conservadores, têm competência territorial ilimitada, o que significa que
inicialmente lavram actos da circunscrição provincial em que os
cartórios estão situados, podendo também, salvo disposição em
contrário, tratar de actos respeitantes a pessoas ou bens situados fora
dessa área (art.º 7.º, RJN; art. 4.º e n. 2 do art. 5.º, ambos do CN).

1.3- Actos notarias

Constitui competência material ou funcional dos notários os actos


previstos no artigo 5.º do CN. Neste artigo, constam os diversos actos
que os notários praticam no exercício das suas funções, os quais podem
ser estudados, enquanto documentos3, em três modalidades:
autênticos, autenticados e os que têm apenas reconhecimento notarial
(n.º 1, art. 51, CN).

3
Vale aqui, como definição genérica de documento, aquela que consta no Código Civil:
“qualquer objecto elaborado pelo homem com o fim de reproduzir ou representar uma
pessoa, coisa ou facto” (art. 362.º). Ainda segundo o CC, no seu art. 363, existem duas
modalidades documentais: autênticos e particulares, também ditos solenes ou
privados, conforme Kassoma (2019:89).
1.3.1- Documentos autênticos

Os que são exarados pelo notário nos respectivos livros 4 ou de


forma avulsa. Por outras palavras, são autênticos aqueles documentos
que só o notário pode lavrar (n.º 2 do art. 51.º, CN, e n.º 3, art. 363.º
Código Civil). São exemplos de documentos autênticos as escrituras
públicas de compra e venda de bens imóveis (al. a), art. 89.º, art. 875.º
CC), de habilitação de herdeiros (arts. 91.º ss, CN), de mútuo 5 (art.
1143.º, CC), incluindo as respectivas certidões (art. 176.º, CN), contanto
que os originais são arquivados nas repartições notariais.

1.3.2- Documentos Autenticados

São documentos autenticados os que são exarados pelos


particulares, confirmados por estes perante o notário (n.º 3, art. 51.º,
CN, e art. 377.º CC). A natureza de documentos autenticados é
conferida por um termo de autenticação6, exarado pelo notário depois
de as partes confirmarem perante si o conteúdo dos documentos que
lhe são submetidos (arts. 162.º - 164.º, CN). Tenha-se por paradigma
um contrato para o qual a lei não exija a escritura pública, como é o
caso do mútuo cujo valor seja de 2.000 UCF.

1.3.3- Reconhecimento notarial

Embora estes sejam também de produção particular, diferenciam-


se dos autenticados pelo facto de caber ao notário apenas o papel de
reconhecer a letra e a assinatura ou apenas a assinatura (n. 4, art.
51.º, art. 165.º, CN). O reconhecimento pode ser Presencial (escritos e
assinados ou apenas assinados na presença do notário) ou por
4
Muitas são as espécies de livros de actos notariais, operacionais ou de apoios,
conforme a previsão do Capítulo III do Título I do CN. O n.º 1 do art. 52.º estabelece
que “são lavrados nos livros de notas os testamentos públicos e os actos para os quais
a lei exija escritura pública ou que os intervenientes queiram celebrar por essa forma.”
5
Definido como o “contrato pelo qual uma das partes empresta à outra dinheiro ou
outra coisa fungível, ficando a segunda obrigada a restituir outro tanto do mesmo
género e qualidade” (art. 1142.º, CC), o mútuo deve ser celebrado por escritura pública
sempre que o seu valor atinge as 3.000 UCF, ex vi art. 1.º da Lei n.º 9/11, de 16 de
Fevereiro, que altera, entre outros, o artigo 1143.º do Código Civil.
6
“Os termos de autenticação e os reconhecimentos são lavrados no próprio documento
a que respeitem ou em folha anexa” (n.º 4, art. 52.º, CN).
semelhança (por simples confronto com a assinatura aposta no
documento pessoal, ou seja, o notário confronta a assinatura do
documento a reconhecer e a que consta no documento de identificação
pessoal do assinante).

O reconhecimento notarial por semelhança é o que acontece,


vezes sem conta, quando a um candidato a uma vaga de emprego é
exigida cópia reconhecida do certificado de habilitações literárias ou
outro documento.

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