Você está na página 1de 3

Riscos e oportunidades oferecidos pela nova era

da abundância

A única coisa que não garante um novo sistema produtivo é que


o capitalismo vai parar a concentração em poucas mãos de
riqueza e poder.
Por: Miguel Ricaurte-Lombana

Há algumas semanas, o documentário 'O Dilema Social' apareceu na Netflix, que destaca a crescente
influência das redes digitais na vida comunitária e nas empresas que as criaram. Depoimentos são
coletados de ex-executivos dessas plataformas, especialistas em inteligência artificial, sobre o bem e o
mal que contribuíram para a sociedade.

Não há dúvida de que Facebook, Google, Pinterest, WhatsApp, Instagram, Tik-Tok, entre outros,
fizeram contribuições inestimáveis para a sociedade. Para citar apenas três casos, plataformas de
teleconferência, como Zoom, Microsoft Teams e Google Meet, têm suportado a produtividade dos
negócios durante a pandemia, enquanto o mecanismo de busca do Google vem nos fornecendo uma
enciclopédia insuperável, para alguns comparáveis a Aleph de Borges.

No entanto, essas empresas estavam evoluindo e, ao longo do tempo, acumularam informações


detalhadas sobre cada um dos seres humanos, processados e armazenados em
supercomputadores cada vez mais poderosos. Com base nessas informações, essas empresas nos
conhecem melhor do que nós, sabem que horas acordamos, o que lemos, com quem nos comunicamos
ou o que compramos. E com ele eles prevêem diretamente ou permitem que terceiros prevejam nossos
comportamentos. Em outras palavras, eles constroem modelos que inferem o comportamento dos
mercados com uma precisão muito alta, na medida em que não constroem mais suas projeções a partir
de amostras, mas de relatórios detalhados.

Essa é a informação que eles incorporam em seus modelos de negócios ou nas informações que
produzem trilhões de dólares anualmente quando vendem para terceiros. E essa é a informação
que permite aos usuários garantir a demanda por um produto, promover uma moda ou incitar o
comportamento. Em muitas ocasiões com um objetivo altruísta, como quando a leitura ou boa gestão
do ambiente é estimulada, mas cada vez mais com a manipulação de nossos cérebros, semeando
fanatismo ou obtendo um certo tipo de reconhecimento pessoal de 'influenciadores', 'likes' ou
'retweets'. As últimas eleições presidenciais nos Estados Unidos ou a violência observada em vários
países são apenas pequenas amostras do que está acontecendo e do que está por vir.
Não surpreende, então, que a Geração Z (aqueles nascidos após 1996) seja a única a mostrar as
surpreendentes taxas de depressão e suicídio que está mostrando, que são explicadas pelo sentimento
de fracasso que algumas crianças percebem pelo simples fato de que as outras da "rede" pouco
valorizam ou porque seu estilo de vida difere muito do que eles vêem nelas.

Mas outras rupturas sociais também estão chegando que, junto com as redes, anunciam a
transformação mais profunda da civilização humana. Esses são os avanços que já são observados em
setores como informação, alimentos, materiais, transporte, energia e aqueles que são impulsionados
por novos processos produtivos.

Basta lembrar a queda no custo de produção de energias alternativas, como eólica e solar; a redução
definitiva dos preços do carvão; menor demanda por petróleo; o surgimento de carros elétricos,
autônomos e sob demanda; os impactos positivos do "sequenciamento do genoma" sobre o custo das
proteínas (como resultado do qual até 2030 o rebanho pecuário de países como os Estados Unidos terá
sido reduzido para metade do atual); as próximas jornadas hipersônicas, com cinco vezes a
velocidade do som; computadores biológicos capazes de agir em células vivas para detectar o
impacto de uma droga ou prevenir o câncer.

São avanços apoiados por um novo sistema produtivo que privilegiará a criatividade sobre a rotina;
abundância sobre a escassez; e competência sobre proteção. Um novo sistema de produção no qual
matérias-primas como carvão, petróleo, aço ou concreto darão sua proeminência a fótons, elétrons,
ácidos nucleicos, moléculas e bits.

Como destacado em uma publicação recente recomendada pela leitura (Rethinking Humanity, Five
Foundational Sector Disruptions, the LifeCycle of Civilizations, and the Coming Age of Freedom,
James Arbib & Tony Seba, junho de 2020), um cenário possível antes de 2030 é que, por conta da
redução dos custos de produção e do aumento da produtividade dos fatores, os humanos podem viver
confortavelmente com um orçamento de apenas US $ 200 por mês.

A única coisa que não garante essa nova era é que o capitalismo vai parar a concentração em poucas
mãos (cem cidadãos?) de riqueza e poder tão imensos que continuarão a aparecer nas próximas
décadas. Para dar apenas um exemplo, Elon Musk é o grande protagonista dos carros elétricos e
autônomos (Tesla); o tráfego intercontinental através de túneis (a Companhia Chata); viagens privadas
ao espaço, à Lua e a Marte (SuperX); a maior empresa mundial em inteligência artificial (OpenAI), e
agora a da interface entre o cérebro humano e as máquinas inteligentes (Neuralink). De acordo com a
Forbes, graças a seus diversos empreendimentos, Musk é hoje o quinto homem mais rico do mundo,
com uma fortuna de US$ 90 bilhões. Não seria que se nos negligenciarmos estaríamos a poucos passos
de uma nova escravidão?

São questões que hoje são tratadas em pequenos círculos de intelectuais de primeiro mundo, apesar do
impacto que poderiam ter no tecido social. Não seria que o Governo incluísse questões como esta na
agenda do nosso Ministério da Ciência e Tecnologia? Não deveria ser que devemos liderar esse
processo na América Latina? Mesmo que pareçam ficção científica, são realidades que estão lá,
logo ali.

Colunas anteriores
Os desafios para a educação em uma nova era

Quais são as reais opções para obter os recursos públicos que o país exige?

Nossa capital social e os ensinamentos de um professor japonês


*As opiniões expressas neste texto são de inteira responsabilidade de seu autor e não representam de
forma alguma a posição editorial de Pulzo.

Você também pode gostar