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A GARANTIA PRIVADA DOS DIREITOS

INDICAÇÕES BIBLIOGRÁFICAS: HEINRICH EWALD HÖRSTER/EVA SÓNIA MOREIRA


DA SILVA, A Parte Geral do Código Civil Português – Teoria Geral do Direito Civil, Coimbra,
Almedina, 2019, pp. 233-235;ANA TAVEIRA DA FONSECA, «Anotação ao art. 336.º», in AAVV.
Comentário ao Código Civil – Parte Geral, Universidade Católica Editora, Lisboa, 2014, pp.
794-797; MARIA DA GRAÇA TRIGO, «Anotação ao art. 337.º» e «Anotação ao art. 339.º», in
ibidem; MARIA DA GRAÇA TRIGO/ ANA TAVEIRA DA FONSECA, «Anotação ao art. 338.º»,
inibidem; ANTÓNIO MENEZES CORDEIRO, Tratado de Direito Civil Português – V, Coimbra,
Almedina, 2011, pp. 401 e ss.; LUÍS CARVALHO FERNANDES, Teoria Geral do Direito Civil, II,
Lisboa, Universidade Católica Editora, 2010, pp. 721 a 733

I.A admissibilidade de tutela do direito subjetivo mediante o recurso à própria


força assume, nos nossos dias, feição excecional. A garantia dos direitos é,
normalmente, realizada por via dos mecanismos que o Estado põe à disposição do
particular, ou seja, a tutela dos direitos é, em princípio, pública, proibindo-se o recurso à
autodefesa. Conforme dispõe logo a primeira norma do Código de Processo Civil, «a
ninguém é lícito o recurso à força com o fim de realizar ou assegurar o próprio direito».
A norma seguinte garante o acesso aos tribunais, atribuindo a cada direito a ação
«adequada a fazê-lo reconhecer em juízo, a prevenir ou reparar a violação dele e a
realizá-lo coercivamente, bem como os procedimentos necessários para acautelar o
efeito útil da ação» (cfr. art. 2.º, n.º 2, CPC) 1. Consequentemente, o art. 10.º CPC
estabelece distintas espécies de ações, consoante o fim visado pelo titular do direito.
Assim, cada uma das duas espécies basilares, declarativas ou executivas, subdivide-se
em três subespécies: as ações declarativas podem ser de simples apreciação, quando se
destinam a certificar a existência de um direito, de condenação, se têm por fim exigir a
prestação de uma coisa ou de um facto, ou constitutivas quando têm em vista autorizar
uma mudança na ordem jurídica existente; as ações executivas, que têm por fim a
realização coativa de uma obrigação devida, servem para pagamento de quantia certa,
para entrega de coisa certa ou para prestação de um facto positivo ou negativo 2. O
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A garantia de acesso ao Direito e tutela jurisdicional efectiva tem dignidade constitucional,
proclamando-se no art. 20.º CRP que «a todos é assegurado o acesso ao Direito e aos tribunais para
defesa dos seus direitos e interesses legalmente protegidos» e proibindo-se a denegação da justiça por
insuficiência de meios económicos. O legislador ordinário concretiza o comando constitucional por via da
criação de um «sistema de acesso ao direito e aos tribunais», de modo a assegurar que «a ninguém seja
dificultado ou impedido, em razão da sua condição social ou cultural, ou por insuficiência de meios
económicos, o conhecimento, o exercício ou a defesa dos seus direitos», cfr. Lei n.º 34/2004, de 29 de
Julho, com as alterações introduzidas pelo Decreto-Lei n.º 120/2018, de 27 de dezembro.
2
Ao lado das ações, o legislador processual civil predispõe também procedimentos cautelares,
ou seja «providências conservatórias ou antecipatórias concretamente adequadas a assegurar a efetividade
2

recurso aos tribunais como meio para obter o reconhecimento e efetivação prática de um
direito vem igualmente indicado na lei civil substantiva (vide, nomeadamente, os arts.
817.º e ss. para os direitos de crédito e art. 1311.º para o direito real de propriedade),
mas tem o seu lugar próprio na lei processual ou adjetiva.
Todavia, em certas hipóteses em que não é possível acionar em tempo útil os
mecanismos estaduais e, além disso, o particular está em condições de atuar pelos seus
próprios meios para realizar ou salvaguardar o exercício do direito, é consentido o
recurso à garantia privada, desde que respeitados certos limites nessa atuação.
No capítulo I do subtítulo IV (relativo ao exercício e tutela dos direitos) da Parte
Geral da lei civil portuguesa estão previstas três modalidades de autotutela dos direitos,
a saber: a ação direta, no art. 336.º; a legítima defesa, no art. 337.º e o estado de
necessidade, no art. 339.º.
II.O art. 336.º CC permite ao titular de um direito – «é lícito…» começa por
dizer-se no n.º 1 – recorrer à força com o fim de realizar ou assegurar o seu próprio
direito. Esta atuação pode consistir, conforme o n.º 2 da mesma norma, «na apropriação,
destruição ou deterioração de uma coisa, na eliminação da resistência irregularmente
oposta ao exercício do direito, ou noutro acto análogo». Requisito de admissibilidade do
recurso à ação direta é a urgência ou premência da atuação do agente «pela
impossibilidade de recorrer em tempo útil aos meios coercivos normais». É, na verdade,
esta inviabilidade do recurso em tempo útil aos mecanismos públicos de tutela dos
direitos que justifica a garantia privada dos direitos3. Além disso, para que a atuação
seja lícita, isto é, conforme ao ordenamento jurídico, é preciso que sejam respeitados os
seguintes limites: que não se sacrifiquem interesses superiores aos que o agente visa
realizar e que o agente não exceda o necessário para evitar o prejuízo. O agente não
poderá portanto lesar interesses, valorativa ou economicamente, superiores aos que visa
salvaguardar. Quando o agente vá além daquilo que é necessário para assegurar a defesa
do seu direito, a sua atuação torna-se ilícita, podendo ser fundamento de
responsabilidade civil. A atuação do agente é também ilícita quando este procede na
convicção errónea de estarem preenchidos os pressupostos da ação direta. O legislador

do direito ameaçado», a que o titular do direito pode recorrer para salvaguardar o efeito útil da ação
judicial (cfr. os arts. 362.º e ss. CPC).
3
Os tribunais portugueses têm recusado o recurso à ação direta do dono da obra quando, feita a
denúncia de defeitos, o empreiteiro não proceda voluntariamente à eliminação dos defeitos. Com a
ressalva da situação de urgência na realização das obras (para evitar, por exemplo, a ruína do imóvel), o
dono da obra tem de recorrer à via judicial para obter a realização do seu direito. Cfr., entre outros, o
Acórdão STJ de 07.07.2010, e o Acórdão da Relação do Porto de 20.12.2011, ambos inwww.dgsi.pt.
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exonera, todavia, o agente da responsabilidade nas hipóteses em que o erro seja


desculpável (art. 338.º CC)4.
Ao lado da previsão geral do art. 336.º, a lei civil portuguesa reconhece, em
especial, a admissibilidade do recurso à ação direta: ao possuidor, em caso de
perturbação ou esbulho (art. 1277.º CC), ao proprietário e aos titulares de outros direitos
reais (arts. 1314.º e 1315.º CC) e ao locatário para realização de reparações ou outras
despesas urgentes que não tenham sido realizadas pelo senhorio (art. 1036.º CC).
Não são admitidas as convenções que venham alargar a possibilidade de recurso
à ação direta a hipóteses não reconhecidas na lei, porquanto constituem violação do
princípio da tutela pública e da proibição geral de autotutela5.
III. Com fundamento constitucional – sob a epígrafe «direito de resistência» o
art. 21.º CRP reconhece o direito de «repelir pela força qualquer agressão, quando não
seja possível recorrer à autoridade pública» – a legítima defesa é a mais antiga e
emblemática forma de autotutela. Com particular pertinência no domínio do Direito
Penal, o instituto foi acolhido pelo legislador civil, no art. 337.º. Atua em legítima
defesa quem usa os seus próprios meios para afastar uma «agressão atual e contrária à
lei». São requisitos de admissibilidade de atuação do agente a necessidade da defesa
(«desde que não seja possível fazê-lo pelos meios normais», diz o n.º 1 do art. 337.º) e a
proporcionalidade da atuação («e o prejuízo causado pelo acto não seja manifestamente
superior ao que pode resultar da agressão», acrescenta o mesmo n.º 1). Só cabe na
previsão desta norma a agressão humana, posto que apenas os comportamentos
humanos podem ser «contrários à lei», ou seja, ilícitos. Não há portanto legítima defesa
de perigo causado por forças da natureza ou por animais. Ainda que estes tenham sido
excluídos do domínio conceptual de «coisas» não adotam condutas contrárias à lei e
aplicam-se, por via remissiva do art. 201.º-D e a título subsidiário, as disposições legais
sobre coisas. Se o perigo de dano nasce de uma coisa (ou animal) poderemos estar, isso
sim, em face de uma atuação em estado de necessidade. Não se requer que, além da

4
Esta solução é alvo da crítica de H. HÖRSTER, op. cit., p. 234, por considerar que quem recorre
à ação direta «assume um risco especial, onde todos os cuidados são poucos», devendo ficar obrigado à
reparação dos danos causados independentemente da desculpabilidade do erro.
5
Assim, não são válidas as cláusulas de contrato de locação em que se preveja a possibilidade de
o locador reassumir a detenção da coisa locada pelos seus próprios meios, quando, na sequência do
incumprimento do contrato, o locatário não desocupe imediatamente a coisa locada. Para o contrato de
instalação de lojista em centro comercial, em que frequentemente se prevêem cláusulas de ação direta em
caso de resolução do contrato com fundamento em incumprimento das obrigações contratuais do lojista,
cfr. as seguintes decisões jurisprudenciais: Acórdão do STJ de 30.06.2009; Acórdão do STJ de 1 de Julho
de 2010; Acórdão da Relação de Coimbra de 24.01.2017; Acórdão da Relação de Lisboa de 09.02.2017,
todos in www.dgsi.pt.
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ilicitude da agressão, esta seja também culposa, admitindo-se a legítima defesa de um


ato de um inimputável6. Conquanto o termo «agressão» se assimile, na linguagem
corrente a uma ofensa à integridade física e a figura tenha aí o seu principal campo de
atuação, concordamos com MENEZES CORDEIRO quando sustenta que «agressão» é o
«desrespeito por qualquer posição protegida, pessoal ou patrimonial»7.
Diversamente da ação direta, que se limita ao recurso à força para assegurar o
próprio direito, a legítima defesa inclui a tutela dos direitos do agente e dos direitos
(pessoais ou patrimoniais) de terceiro. O requisito da atualidade da agressão coloca a
aplicação do preceito no domínio da iminência do perigo que reclama uma ação
imediata. A legítima defesa situa-se pois no campo da autotela defensiva,
diferentemente da ação direta que é relativa a uma tutela repressiva (no sentido de que
está em curso uma ofensa do direito, permitindo-se ao agente que use os seus próprios
meios para evitar a sua inutilização prática), sem prejuízo, naturalmente, do pressuposto
genérico da situação de urgência na adoção das medidas que têm de se apresentar como
necessárias pela impossibilidade de recorrer, em tempo útil, aos meios coercivos
normais. O critério de proporcionalidade formulado para a legítima defesa é menos
rigoroso do que aquele que delimita o domínio de licitude da ação direta: aqui o agente
não pode sacrificar interesses superiores aos que visa realizar ou assegurar (n.º 3 do art.
336.º); na legítima defesa, o prejuízo causado pelo ato pode ser superior ao que
resultaria da agressão, apenas não poderá ser «manifestamente superior». No n.º 2 do
art. 337.º, o legislador considera ainda «justificado» o excesso de legítima defesa que
tenha ficado a dever-se a «perturbação ou medo não culposo do agente». Haverá
legítima defesa excessiva quando, verificados os pressupostos de recurso à legítima
defesa, o meio utilizado pelo agente ou a intensidade da utilização desse meio seja
excessiva. Conforme assinala MARIA DA GRAÇA TRIGO, o legislador prevê aqui uma
causa de exclusão da culpa, verificando-se ilicitude8. Hipótese diferente desta, mas em
que poderá igualmente haver exoneração de responsabilidade do agente por falta do
pressuposto da culpa é a contemplada no art. 338.º. Se o agente incorrer em erro quanto
à verificação dos pressupostos da legítima defesa, sendo este erro «desculpável» não é
obrigado a indemnizar o prejuízo causado, apesar da ilicitude da sua atuação (há recurso
à força para repelir uma agressão inexistente). A situação prevista no art. 338.º, que se
designa legítima defesa «putativa», é distinta da prevista no n.º 2 do art. 337.º, em que
6
Em sentido diverso, MENEZES CORDEIRO, op. cit., p. 420.
7
Op. cit., p. 418.
8
Op. cit., p. 800.
5

há «excesso» de legítima defesa, dado que nesta segunda os pressupostos da legítima


defesa – necessidade de repelir uma agressão atual e contrária lei – verificam-se, o que
falta é a adequação dos meios empregues ou do modo como são utilizados.
IV. No art. 339.º, o legislador consente o prejuízo (total ou parcial) de coisa
alheia9 para afastar o perigo de um dano, quer do agente, quer de um terceiro. Podemos
diferenciar dois tipos de situações de perigo, ambos contemplados nesta disposição
normativa: o perigo parte de coisa alheia (ou também de animal alheio, como atrás
indicámos) cuja destruição ou danificação é necessária ou, tendo o perigo fonte distinta,
é preciso causar prejuízo a coisa alheia para o remover (para ilustrar o primeiro tipo
considere-se a ação do agente que imobiliza um animal ameaçador e, para o segundo, a
entrada não autorizada em casa de outrem para recolher a água de um tanque ou de uma
piscina com o intuito de evitar a propagação de incêndio).
Tal como a legítima defesa (e diversamente da ação direta), o estado de
necessidade é uma medida de autotutela defensiva, visto que consiste na reação a um
perigo atual ou iminente. O sacrifício de coisa alheia só é permitido para repelir o perigo
de um dano «manifestamente superior». O juízo de ponderação legislativa restringe a
licitude do comportamento do agente à existência de sensível superioridade dos
interesses a salvaguardar em relação aos interesses a sacrificar.
Cabe no domínio da atuação lícita em estado de necessidade a lesão de um bem
pessoal de terceiro para salvaguardar um interesse pessoal ou até material
manifestamente superior? A letra da lei admite apenas o sacrifício de coisa alheia, mas a
doutrina portuguesa tem respondido afirmativamente à questão suscitada10.
O n.º 2 do art. 339.º consagra uma hipótese de responsabilidade por factos
lícitos, visto que, apesar da exclusão da ilicitude do comportamento do agente, obriga à
reparação dos prejuízos causados. Diferenciam-se dois grupos de situações. No primeiro
segmento normativo, o legislador introduz uma curiosa hipótese de facto lícito culposo,
na medida em que o agente terá de indemnizar os danos causados a terceiro pela sua
conduta que é lícita (o n.º 1 exclui a ilicitude), mas culposa, posto que o perigo foi
provocado por sua «culpa exclusiva»11. Nesta situação o agente fica obrigado a
9
Quando o agente sacrifica um bem seu para salvaguarda do interesse de outrem é de gestão de
negócios e não de estado de necessidade que se trata (cfr. arts. 464.º e ss. CC). No caso de o bem
sacrificado pertencer ao próprio beneficiado, estamos perante uma situação de consentimento presumido
do lesado (art. 340.º, n.º 3, CC).
10
Cfr. MARIA DA GRAÇA TRIGO, op. cit., p. 803; MENEZES CORDEIRO, op. cit., p. 444; ALMEIDA
COSTA, Direito das Obrigações, Coimbra, Almedina, 2009, pp. 573-574.
11
A eventual omissão do dever de prevenção do perigo pelo agente constitui um ilícito (art. 486.º
CC), todavia, o legislador considera, neste preceito, a reação ao perigo com a destruição de bem alheio
6

indemnizar todos os prejuízos causados ao terceiro. Na segunda parte da norma prevê-se


a satisfação de uma indemnização calculada segundo critérios de equidade, que pode ser
suportada pelo próprio agente, pelo beneficiado com a intervenção e ainda outros que
tenham tirado proveito do ato ou contribuído para a criação do perigo.

HIPÓTESES ILUSTRATIVAS:
1) António é proprietário de um terreno agrícola em que explora uma plantação
de milho. Bernardo, seu vizinho, tem um terreno agropecuário. Por diversas vezes, as
galinhas de Bernardo entraram no terreno de António e causaram danos na sua
plantação de milho, tendo António, nessas ocasiões, pedido a Bernardo que controlasse
os seus animais. Cansado de não ser ouvido, António embebeu alguns grãos de milho
em veneno, tendo matado os galináceos que entraram no seu terreno. Teria António
cometido um ilícito?
A admissibilidade do recurso à força própria para salvaguarda de direitos está
limitada às hipóteses excecionalmente reconhecidas pelo legislador. A atuação de
António não seria ilícita se podermos considerar que configura ação direta prevista no
art. 336.º CC. A ação direta consiste no emprego de meios próprios para evitar a
inutilização prática de direito. São requisitos de conformidade jurídica da atuação a
indispensabilidade do recurso à ação e o equilíbrio ou proporcionalidade da atuação: o
agente não pode exceder o necessário para evitar o prejuízo (n.º 1, parte final) e também
não pode sacrificar interesses superiores aos que visa salvaguardar (n.º 3). Estaria
justificada, sendo lícita, a atuação de António para evitar a danificação da sua cultura,
ou seja, para defesa do seu direito de propriedade. A aferição da impossibilidade de
recorrer em tempo útil «aos meios coercivos normais» tem de ser vista em ligação com
o objetivo de evitar a inutilização prática do direito, de modo que julgamos estar
preenchido o pressuposto da necessidade de recurso à ação direta – a decisão de uma
autoridade judicial não permitiria, pela sua demora, evitar o prejuízo da plantação.
Dúbia seria apenas a proporcionalidade da atuação: existiriam outras medidas de que o
agente se pudesse socorrer para evitar o prejuízo, cujas consequências fossem menos
gravosas para Bernardo?

(que seria lícita) e não a criação do perigo que seria ilícita.


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2) José conversava tranquilamente com a sua jovem namorada num café-bar


quando um dos clientes, Américo, já embriagado, começou a dirigir «piropos» à jovem.
José pediu-lhe que se contivesse, mas isto apenas serviu para que os comentários se
tornassem mais ruidosos e grosseiros. José agarrou Américo e empurrou-o para fora
do café, causando-lhe ferimentos ligeiros. Teria José de indemnizar Américo pelos
ferimentos provocados?
A atuação de José poderia ser justificada com fundamento no art. 337.º CC, desde
que não se limite a interpretação do termo «agressão» a ofensa à integridade física.
Nesta hipótese, há agressão à honra e ofensa moral, não do próprio agente, mas de
terceiro, a cuja defesa a intervenção do agente se direciona conforme permitido na
norma em análise. A atuação em legítima defesa ter-se-ia mantido dentro dos limites
definidos pelo legislador na medida em que o prejuízo causado não era manifestamente
superior ao resultante da agressão. A solução já seria diferente se se agredisse moral ou
fisicamente, de modo grave, o agressor.

3) Num dia de Verão de temperatura muito elevada, Joana apercebe-se de um


pequeno cachorro fechado dentro de um automóvel parado sob o sol. Com a ajuda de
uma pedra parte a janela para que o animal possa respirar sem dificuldade. É
justificada a atuação de Joana?
A atuação de Joana não se reconduz ao esquema legal do «estado de
necessidade», predisposto no art. 339.º CC, porquanto não há sacrifício de coisa alheia
para salvaguarda de direitos próprios ou de um terceiro. Assumindo que o dono do
automóvel seja também o dono do cão, há, na verdade, uma coincidência na titularidade
do direito assegurado e da coisa danificada que afasta a hipótese do campo de aplicação
do art 339.º CC, onde o legislador procede a uma ponderação valorativa, permitindo o
sacrifício de interesses de um sujeito de direito privado para remover o perigo de dano
maior de interesses de outro sujeito de direito privado (o próprio agente ou um terceiro).
A atuação de Joana poderia, todavia, ser considerada lícita ao abrigo do art. 340.º, n.º 3,
CC, posto que se ficciona o consentimento do lesado, ficando excluída a ilicitude da
lesão, quando esta se dá no interesse do lesado e de acordo com a sua vontade
presumível.

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