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“JULIAN”

(Ratinhos Brancos II)

Relato Espiritual

‘Não há ninguém que, depois de ter acendido uma candeia a


cubra com um vaso ou a coloque sob uma cama.

Mas a põe sobre o candeeiro, a fim de que aqueles que entrem


vejam a luz.

Porque não há nada de secreto que não deva ser descoberto,


nem nada de oculto que não deva ser conhecido e manifestar-se
publicamente. ’

Lc; VIII: 16 e 17
Mc; IV: 21 e 22

1
Mt; V: 15 e 16
O Evangelho Segundo o Espiritismo, cap XXIV.

Espírito: Augustus Ciprus.


Psicodigitação de: Laszlo Josef Matrai.

2
Dedico este trabalho a todos que sinceramente me
apoiaram e o vem fazendo, com seu amor e
amizade!

Registro minha especial gratidão a uma querida


amiga, que muito me auxiliou na revisão
doutrinária desta obra, e que preferiu o
anonimato.

Muitas vezes faltam palavras que exprimam o


quanto nos sentimos gratos pela maravilhosa
transformação que algumas pessoas fazem em
nossas vidas. Obrigado Maurício, obrigado
Hermes!

3
ÍNDICE

ALGUNS COMENTÁRIOS......................................................................................................4
TRISTES ALIANÇAS................................................................................................................6
PREPARAÇÕES........................................................................................................................8
APRENDIZADO......................................................................................................................15
TELEPATIA.............................................................................................................................18
MAIS LIÇÕES..........................................................................................................................20
GISELLE..................................................................................................................................27
O REENCARNANTE..............................................................................................................30
MEMÓRIAS.............................................................................................................................36
MANINHA...............................................................................................................................40
O PEQUENO JULIAN.............................................................................................................41
MISSÃO PARALELA..............................................................................................................46
ÂNGELO..................................................................................................................................48
UM LAR...................................................................................................................................51
UBIQUIDADE.........................................................................................................................55
TREINAMENTO......................................................................................................................59
COLÔNIA AMOR....................................................................................................................64
MOTOQUEIROS.....................................................................................................................68
RECUPERAÇÃO.....................................................................................................................71
DESPEDIDAS..........................................................................................................................78
VISITA.....................................................................................................................................80
BRASIL....................................................................................................................................82
BRINQUEDOS.........................................................................................................................84

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ALGUNS COMENTÁRIOS

Este livro, que é o segundo que relata as vivências dos


‘Ratinhos Brancos’, os irmãos Gustavo e Henrique no plano
espiritual, e que Augustus redigiu com simplicidade e maestria,
trouxe-me doces prazeres durante o processo de transcrição
mediúnica.
Seu texto leve e fluente, suas histórias algumas vezes
temperadas com emoções alegres e suaves, além de me fazer
sorrir muitas vezes, trouxe-me muitas lições de detalhes da vida
espiritual, que então eu via com certa reserva, até ter
apresentada aqui sua explicação lógica e plausível, o que me
levou à introspecção e profunda análise em relação aos meus
próprios preconceitos.
Nessa obra vemos surgir novos companheiros de infinito
dos irmãos Viert, cujo reencontro vai aos poucos evidenciando
como esses rapazes vem trilhando esta mesma senda evolutiva
na qual nós, por vezes vacilantes, e não raramente temerosos,
tentamos firmar nossos pés, e ao mesmo tempo percebemos em
alguns aspectos o seu avanço evolutivo, e em outros percebemos
nitidamente, apesar de não nos ser relatado diretamente na
narrativa, que para eles ainda existem muitas limitações, dando-
nos conta de que o processo evolutivo do ser depende de um
avanço total de todas as possibilidades e potenciais que cada um
de nós possui, igualmente, como criaturas.
Percebemos que se o fio da balança evolutiva pende mais
em uma direção, sofremos as limitações impostas pelo lado
desfavorecido e que necessita ainda de muita atenção.
Através de explicações claras, de linguagem simples e
acessível, são esclarecidos certos pontos obscuros para a maioria
de nós e algumas poucas questões, que, ao observarmos os fatos
sem uma análise profunda, despretensiosa e desapaixonada,
tendemos a considerar a hipótese de fazerem parte do imaginário
ou de alguma tendência nossa ao misticismo dispensável.
Fatos estes constatados por muitos de nossos
companheiros e companheiras espíritas, através da mediunidade,
em especial da vidência, e que por estes são muitas das vezes
ocultados ou omitidos, pois o que vêem, parece estar em
desacordo com a codificação, e julgam que aquilo que lhes salta

5
aos olhos, pode tratar-se como sendo mera mistificação por
parte de entidades zombeteiras (e eventualmente é realmente),
ou talvez até bem intencionadas, mas pouco evoluídas,
descartando dessa forma grandes oportunidades que a vida
espírita apresenta.
É certo que devemos sim recusar qualquer inverdade,
como se diz: ‘é preferível rejeitar noventa e nove verdades a
aceitar uma mentira’, mas acredito cada vez mais que isso nos
traz um dever implícito. O dever que consiste em cada vez mais
saber diferenciar uma coisa da outra, é mais que um simples
dever, é também uma questão de responsabilidade,
especialmente considerando que desde o nascimento de nossa
doutrina, através da codificação, temos sido instruídos que, para
julgar determinado assunto, a respeito devemos tudo conhecer,
tudo saber e tudo estudar, conforme orientou o próprio Kardec.
Além do que, pode ser preferível uma coisa a outra, mas
não acredito seja recomendável que passemos a rejeitar tudo o
que nos soe estranho ou inusitado, sem antes nos determos em
uma análise profunda e desapaixonada da questão, pelo menos
assim julgo ser o mais acertado, pois quantas vezes considerei
determinado fato como sendo impossível e até mesmo algo
ridículo, e depois a própria vida mostrou-me que absurda foi
minha atitude de rejeição incontinente.
Este relato, assim como em algumas passagens do
primeiro livro de Augustus1, nos convida a tornarmo-nos mais
flexíveis nas nossas interpretações da codificação ampliando lhe
o leque de possibilidades sem perder de foco o cerne da questão,
e assim ampliar nossos horizontes, ao invés de fechar os nossos
olhos diante do crepúsculo da ciência das coisas, em
consequência de certos receios algumas vezes infundados que
possuímos; penso - e espero que cada vez mais a humanidade
desta forma opere - que devemos superar nossos medos, e sim,
considerar as nuances que são possíveis dentro de cada lição
recebida, pois podemos estar correndo o risco de perder valiosas
oportunidades de aprendizado e da prática da caridade e amor ao
próximo.
Eis que aqui também nos é apresentado um dos recursos
que nossos irmãos da espiritualidade dispõem para lidar com
determinadas situações, a ‘bicorporeidade perispiritual’ regida
1
“Ratinhos Brancos”

6
pela ‘ubiquidade espiritual’, e amparada pela capacidade
mental de alguns espíritos de ordem superior de dar uma forma
específica e temporariamente “viva” a um pensamento, trata-se
das formas-pensamentos em um nível mais elevado, mais
apurado.
Confesso que quase nada sabia a respeito dos temas aqui
abordados, “espíritos infantis” e “ubiquidade”, e isso me deixou
bem apreensivo, mas algumas de minhas apreensões
desanuviaram quando chegou às minhas mãos, entre outros
tantos, um texto extraído de um dos livros de Hermínio C.
Miranda, cujo título é “Diversidade dos Carismas”, detalhando
um caso de espíritos revestidos da aparência infantil.
Casos de ubiquidade e bilocação, todos ocorridos com
irmãos encarnados, e que, essencialmente a meu ver são
diferentes expressões de uma mesma causa, estão registrados na
codificação, por exemplo, n'O Livro dos Médiuns' e em
‘Obras Póstumas’, ambas de Allan Kardec, porém infelizmente
de forma muito superficial. Porém, destacamos os comentários
de Kardec à questão 92a de ‘O Livro dos Espíritos’, a qual eu
recomendo seja lida e estudada atenciosamente.
Em outras publicações muito respeitáveis, encontramos
diversas referencias ao testemunho público de tal efeito, são
casos como o do frade franciscano Fernando Martins de Bilhões,
conhecido por todos como São Francisco de Pádua, de Dom
Bosco, de nosso Eurípides Barsanulfo, de Sir Carne Raschse e
com certeza muitos outros.
Estudando esses casos, eu concluí que se tais eventos
mediúnicos (os da ubiquidade e bi corporeidade) ocorrem,
mesmo com os entraves e embaraços que a matéria propicia a
nós, espíritos encarnados, sujeitos às nossas mazelas intimas,
que dizer então de um espírito já bem adiantado na senda
evolutiva? Que dizer de um espírito liberto da maioria das
paixões que o embaraçariam, ainda mais quando sob a
influência da matéria?
Com certeza tais possibilidades do espírito se tornam
ainda mais excepcionais!
Espero de coração, que estas linhas a seguir vos tragam
algumas surpresas e alegrias, assim como trouxeram a mim.

Muita Luz e Paz!

7
Laszlo Josef Matrai.

Taubaté, 27 de fevereiro de 2012.

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TRISTES ALIANÇAS

Henrique e Gustavo Viert, dois irmãos que viveram na


França durante a segunda guerra mundial, médicos que
desencarnaram jovens quase ao final da guerra, retornam à
colônia espiritual de Champs Elisées localizada na esfera
espiritual acima de Paris, conduzindo seu pai Petrus pelas mãos,
o qual foi resgatado do umbral por eles próprios.
Uma vez tendo se certificado de que Petrus estava
satisfatoriamente instalado e recebendo os devidos cuidados,
eles procuraram o diretor da colônia Sr. Gautier, para se
apresentar ao trabalho, pois quase um ano se passara desde o
inicio de sua empreitada em resgatar Petrus.
Foram recebidos com alegria.
O Sr. Gautier os abraçou feliz e satisfeito com o
resultado da empreitada dos jovens irmãos, principalmente com
a compreensão destes, no momento adequado, do que
significavam as suas palavras ‘sejam inocentes’2.
- Senhores, nós damos graças ao Pai pelo modo como os
fatos se desenrolaram, e pelo relativamente pouco tempo
demandado para o socorro de Petrus.
- Com certeza somos gratos ao Pai e ao nosso Mestre
Jesus que nunca nos desamparam. - afirmou Gustavo - mas
também somos gratos ao senhor e a todos os nossos irmãos que
em momento algum nos faltaram com o apoio. Entretanto Sr.
Gautier - questiona Gustavo - porque o senhor não nos disse
direta e abertamente como deveríamos proceder junto ao nosso
pai Petrus, de molde a sensibiliza-lo e tira-lo de suas cismas?
O Sr. Gautier detém-se por um breve momento a
observar os irmãos Viert atentamente, e com um sorriso franco e
aberto explicou:
- Bem, realmente tudo tem seu tempo, às vezes esqueço-
me de que os jovens irmãos são, por assim dizer, novos por aqui.
E reafirmando o que eu disse, tudo a seu tempo; se lhes
apresentasse a solução completa quando os orientei a serem
‘inocentes’, perderiam os senhores a oportunidade de
aprendizado que se lhes ofereciam as circunstâncias.
2
Ver “Ratinhos Brancos” .

9
E após uma breve pausa continuou:
- De um lado, porque não teriam os irmãos a necessidade
de se esforçar em compreender as nuances da situação, e com
isso determinar com precisão qual a atitude mais apropriada para
cada momento; e de outro, porque se o fizesse como me
indicaram agora ter sido seu desejo, talvez tal procedimento
fosse adotado por vocês antes do momento adequado, antes que
Petrus estivesse realmente apto a abandonar suas cismas, posto
ser evidente o envolvimento emocional dos irmãos para com
Petrus e, de como esse fato os influenciava em suas decisões.
- Acredito - continuou o Sr. Gautier - que mesmo se eu
não vos tivesse alertado veladamente para a solução do
problema, seguramente meus dois queridos e jovens irmãos
teriam encontrado por si mesmos a chave que abriu as algemas
que retinham Petrus, algemas estas que são um dos mistérios
que mais aflige a humanidade, o medo!
Gustavo e Henrique entreolham-se interrogativamente e
simplesmente não conseguem atinar com o sentido da afirmação
do Sr. Gautier, que após poucos segundos de pausa
complementa:
- Sim meus queridos, medo! Analisemos as condições de
vosso pai naqueles dias de dor e sofrimento a que ele se lançou.
Vejamos, assim que Petrus desencarnou qual foi a sua primeira
reação ao ver diante de si, Liandra e Suzanne?
- Ele apavorou-se! - afirmou Henrique.
- Sim - continuou Gustavo - ele acreditou que ambas lá
estavam para cobrar-lhe pelos seus erros.
O Sr. Gautier silencia e observa os dois irmãos, que
rapidamente meditam a respeito, olham-se, e em uníssono
dizem:
- Compreendemos! - Ao que Henrique continua - A
culpa que carregava foi de tal forma alimentada por ele, que se
encheu de pavor diante da possibilidade ser confrontado e
buscou a fuga!
- Exatamente! - concorda o Sr. Gautier - e foi esse medo
exacerbado pelo seu excessivo rigor, adicionado ao orgulho
pessoal ferido, pois sempre se julgou superior aos demais, que o
levou a uma queda maior do que seria de se esperar diante do
quadro que ele vivia.

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- Sua culpa seguramente existia, cometera erros que
exigem reparação de alguma espécie, como sabemos não
necessariamente pela dor, mas também na prática da caridade e
o exercício de amor ao próximo, entretanto não havia quem
estivesse naquele momento perseguindo-o, ou buscando
qualquer demanda de justiça em relação aos seus atos para com
a família, ao contrário!
- No momento de seu desencarne, estava Petrus cercado
por pessoas que tem por ele muito amor, apenas a própria
consciência culposa conduzia seus sentimentos a um medo
exagerado, o qual enquanto encarnado foi ampliado com o
concurso de seus perseguidores invisíveis, que buscavam lhe
dominar os pensamentos e sentimentos de forma impiedosa, em
procura de vingança, relativa a atos de Petrus de outros tempos
para com eles; em encarnações anteriores. Tal perseguição,
invisível e implacável ao longo de anos, aliada à sua indiferença
espiritual o fez acreditar ser possuidor de uma culpa maior que,
a que efetivamente era portador em relação à Suzanne e Liandra.
Após mais uma pausa para reflexão, Henrique pede
notícias dos perseguidores de Petrus, ao que é satisfeito pelo Sr.
Gautier:
- Estes pobres irmãos, tão logo tendo percebido que não
conseguiriam mais alcançar Petrus devido aos dois guardiões
que enviei às ocultas para auxilia-los...
Neste momento os dois irmãos entreolham-se e sorriem,
pois compreenderam então o que afirmaram os perseguidores de
Petrus referindo-se aos ‘dois’ que o protegiam.
- Fiz isso - continuando o Sr. Gautier - só para dar
maiores garantias, mas afianço-lhes que solicitei que não
interferissem além da proteção oculta que exerciam, proteção
essa, que por força da Lei Maior, Petrus tinha pleno
merecimento, afinal Deus nunca abandona seus filhos.
- Bem, voltando aos nossos dois irmãos sofredores sobre
quem estávamos falando, ao notar sua impotência diante das
circunstâncias e incapazes de confrontar os guardiões, retiraram-
se dali em confabulação, buscando deliberar a respeito do que
fariam a seguir.
- Sem atinar com uma forma de levar adiante seus
intentos, um deles demonstrou uma certa fraqueza em seus
sentimentos, a qual deu-nos a oportunidade de nos aproximar e,

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de lhe modificar positivamente as percepções da vida, e
consequentemente conduzi-lo a uma colônia umbralina de
recuperação diretamente ligada à nossa, onde segue sob
tratamento com vistas à educação e orientação espiritual.
- O outro, que se chama Jasper, se mantém perseverante
em seus intentos e permanece nas sombras, buscando aliar-se a
outros infelizes para ter apoio em suas futuras investidas contra
Petrus. Lá permanece ansiando encontrar Petrus reencarnado
para reiniciar sua vendeta.
Diante de tal notícia, os irmãos Henrique e Gustavo,
tomados de sincera piedade, iniciam mentalmente uma prece em
favor daquele que permaneceu nas sombras em busca de
vingança, ao que foram acompanhados em silêncio pelo Sr.
Gautier.
Como consequência da intensa concentração deles
durante a prece, automaticamente viram-se transportados a uma
região semi-obscura do umbral, em uma cidadela chamada
“Carpo”, dentro dos limites vibratórios do grande complexo
umbralino de Páthia, no qual se encontrava Jasper, o último e
inflexível perseguidor de Petrus. Os irmãos percebendo-se a sós
próximos a Jasper, e antes que pudessem esboçar qualquer
reação diante das circunstâncias, o Sr. Gautier lhes fala
mentalmente:
- Louvores a nosso Pai que nos permitiu uma nova
oportunidade de aprendizado! Permaneçam um pouco junto a
este nosso pobre irmão observando-o e perscrutando-lhe os
pensamentos e atos, e assim que os senhores julgarem oportuno
retornem junto a mim. Não se preocupem, estarei
acompanhando-os de minha posição e os auxiliarei em o que se
faça necessário.
Os irmãos Viert, cuidando de manterem-se ocultos aos
olhos dos habitantes daquela região do umbral, através da
intensificação de suas vibrações e de técnicas específicas para
tal, acompanharam Jasper por algumas horas e assistiram a
realização de um pacto sinistro entre este e um dos senhores das
trevas. Tal pacto tinha por intento atingir Petrus tão logo
possível. Este evento causou severas preocupações nos irmãos
Viert.
Passadas algumas horas, quando todos os detalhes
básicos e mais importantes já eram por eles conhecidos,

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Henrique e Gustavo entreolharam-se e buscaram a presença
mental do Sr. Gautier que de pronto lhes respondeu:
- Queridos irmãos, mantenham a serenidade, nosso Pai
permitiu que assistissem tais eventos por confiar em vossos
corações, regressem imediatamente meus caros irmãos,
regressem em paz!
Ouvindo essas palavras, os irmãos Viert novamente
colocaram-se em prece, e com os olhos rasos d’água, viram-se
repentinamente diante do sorridente Sr. Gautier!

PREPARAÇÕES
- Queridos irmãos! Rejubilem-se! O Pai está convosco e
com certeza nosso Mestre Jesus está em seus corações! - disse o
Sr. Gautier, abraçando-os, e após breve pausa continuou:
- Acreditem-me, não estamos desamparados. O fato de
vocês terem sido levados diante desse triste quadro, do qual
foram testemunhas, indica que a vitória é, e sempre será, do
amor e da paz!
Os irmãos entreolham-se profundamente ensimesmados,
mas contendo-se instintivamente em seus sentimentos de receio,
pedem ao Sr. Gautier que os esclareça, ao que são prontamente
atendidos:
- Petrus demandará algum tempo para estabilizar-se
mental e espiritualmente. Após esse período, passará por uma
série de preparações com vistas ao seu retorno à terra, e com
certeza, se nos foi permitido antever as perseguições de que será
alvo, teremos amplas possibilidades de ação, antecipando-nos
em nosso planejamento para ampara-lo em sua jornada com os
recursos de que dispormos, desde que evidentemente nunca nos
desviemos do pleno cumprimento das Leis.
Tendo ouvido os esclarecimentos, os irmãos Viert
acalmaram-se e sentiram-se até mais animados e esperançosos, e
mais uma vez abraçaram o Sr. Gautier agradecendo-o por seu
amparo.
O Sr. Gautier então os convida para mais uma prece em
gratidão pelas oportunidades que se apresentam.

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Encerrada a prece, o Sr. Gautier novamente toma a
palavra:
- Considerando as circunstâncias e o excelente
desempenho de vocês, eu acredito que estamos prontos para dar
inicio a uma nova etapa. Acompanhem-me, por favor, ao
hospital da colônia, que os senhores já tiveram oportunidade de
visitar. Eu os apresentarei ao diretor de lá para que os irmãos
tenham oportunidade de submeter-se ao aprendizado
preparatório com vistas às suas futuras atividades, e eu
aproveitarei para fazer uma visita a velhos amigos, pois há
muito que venho devendo isso.
- De que se tratam essas atividades das quais seremos
encarregados? - questiona Henrique.
O Sr. Gautier sorri e responde:
- Calma meus queridos, tudo tem seu tempo! - disse
sorrindo.
- Sigamos a pé, já que vocês ainda não conhecem a nossa
colônia, pois mal tiveram tempo para se adaptar à vida espírita.
Então os três seguiram pelas belíssimas veredas que
ligavam as instalações da administração geral onde estavam,
com as esplendorosas alamedas que atravessavam
ordenadamente a colônia, em traçados absolutamente retilíneos,
cujos cruzamentos raramente eram perpendiculares, mas
angulares formando losangos gigantescos em cujos ângulos
agudos sempre havia um parque, proporcionalmente maior ou
menor.
A natureza ali era esplendorosa em beleza e variedade e
tudo causava um certo êxtase nos irmãos Gustavo e Henrique.
O clima era aprazível e discretamente temperado por
suave brisa aromática, o sol a todos aquecendo gentilmente com
seus raios, que ali na colônia produziam um bem estar e uma
sensação de tepidez bem diferente da que conhecemos, pois
parecia energizar a todos, sem levar os seus habitantes a
qualquer estado semelhante a euforia ou excessiva premência
por atividade, tampouco induzia à letargia.
Pássaros de beleza incomparável aos da terra gorjeavam
e saltitavam por entre o arvoredo; viam-se flores por todos os
lados inclusive nas frondosas árvores que centravam e ladeavam
as extensas e largas alamedas. Os animais e insetos que ali
habitavam eram um tanto quanto diversos, apesar de

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extremamente semelhantes aos do plano físico terrestre,
aparentavam uma indefinível superioridade aos encontrados na
terra.
Questionado a respeito o Sr. Gautier explica:
- Sim, são os mesmos “princípios espirituais” que
habitam os veículos físicos animais que lhes são próprios na
terra, entretanto, aqui em nosso plano, e mais especificamente
em nossa colônia, só encontramos os princípios espirituais que
estão em fase de transição para uma subespécie, ou espécie
superior, no reino animal ou vegetal conforme o caso. Os
demais, ou seja, que não estão nesta fase transitória evolutiva,
atendem de forma quase autômata aos impositivos da lei de
reencarnação e evolução, sendo assistidos por espíritos
especialistas nesta tarefa, salvo raros casos excepcionais em que
determinadas necessidades, bem específicas nos permitem que
os retenhamos alguns junto a nós, artificialmente.
- Os animais que são mantidos aqui, permanecem entre
nós por um período de tempo necessário à aquisição de
determinadas características que se arraigarão em seus
“instintos”, e se somarão às suas inteligências ainda
embrionárias, tal processo é controlado minuciosamente por
técnicos especializados e espíritos seus subordinados. Faz parte
do processo evolutivo, como um meio de impulsionar nossos
irmãos que estagiam no reino animal, de molde a atingirem
certos patamares mais rapidamente. Alguns inclusive, em que
encontramos características muito específicas, deverão
prosseguir sua jornada evolutiva, em busca da consciência
humana em outros orbes mais adiantados que a terra e com as
condições necessárias para atender as suas necessidades
evolucionais, e uma vez tendo alcançado o aperfeiçoamento
necessário, seguirão para um mundo primitivo para iniciarem a
formação de uma nova humanidade.
- Princípios espirituais? Não são eles espíritos como nós?
- espanta-se Henrique.
- Sem duvida, não deixam de sê-lo! A questão aqui,
como em muitos dos problemas que afligem a humanidade, é de
semântica, fruto da pobreza da linguagem humana. Nós em
nosso plano preferimos nos referir aos nossos irmãos do reino
animal e vegetal, ainda como princípios espirituais, e isso
porque consideramos que suas jornadas evolutivas estão apenas

15
no inicio, apesar dos milhões e milhões de anos de suas
existências, e tendo em vista o infinito que os aguarda, assim
como a nós. Tal denominação, de espírito, nós reservamos aos
seres cuja consciência já se encontra desenvolvida e tem
consequentemente o livre arbítrio, ou seja, classificamos como
espíritos, os princípios espirituais que já ingressaram na
humanidade, mesmo que em suas expressões mais básicas e
elementares.
O Sr. Gautier, deteve-se diante de uma belíssima flor
onde pousara uma borboleta de cores absolutamente
indescritíveis aos encarnados, e estendendo seus dedos em sua
direção fez com que aquele esplêndido inseto subisse
placidamente em seus dedos, e sorrindo, continuou a falar,
admirando o inseto e devolvendo-o à flor pouco depois:
- Ainda se encontra distante o dia em que conquistarão a
consciência de si próprios e socialmente dos que os cercam, a
qual vem em conjunto com as primeiras noções das leis,
especialmente e mais intensamente a de causa e efeito.
Preferimos, por questões de semântica como me referi a pouco,
utilizar o termo “espírito” apenas aos que já alcançaram a
consciência de si, ou seja, os primeiros degraus da humanidade,
o que no entanto não indica que o contrário seja incorreto ou
inapropriado.
- Damos a denominação de centelhas espirituais3, ou
mônadas, aos “espíritos” recém-criados por nosso Pai e que
traçam os primeiros passos de sua jornada evolutiva, em que o
objetivo é o aprendizado da fixação do espírito à matéria, para
que tais “espíritos” possam dar seus primeiros passos no mundo
material orgânico, na condição de vírus, bactérias e em seguida
seres unicelulares um pouco mais complexos, quando então, ao
habitar estruturas físicas multicelulares, os denominamos de
princípios espirituais. Desde a criação até a dita “angelitude”,
somos todos espíritos, a diferenciação que semanticamente aqui
expomos aos senhores é apenas para atender as classificações
evolutivas do ser, no sentido de facilitar a contextualização do
que se discute ou que se estuda.
Henrique, sentindo uma irrefreável curiosidade, levanta
uma questão:

3
Grifado pelo autor espiritual.

16
- Mas e quanto aos insetos como esta borboleta que o
senhor há pouco sustentou em seus dedos, estes também estão
em fase transitória?
- Oh! Sim, sem dúvida! Caso contrário nem mesmo
próximo de nossa colônia os veríamos, pois sobre os insetos e
seres mais elementares da fauna terrestre, a imposição da lei de
reencarnação é ainda mais imperiosa do que o é sobre os
animais mais complexos e evoluídos. Sua presença entre nós é
cuidadosamente avaliada e controlada pelos técnicos que me
referi anteriormente.
E Gustavo ajunta, apontando uma belíssima árvore
próxima, carregada de estranhos frutos, que aparentavam ser um
híbrido de pêras com mangas:
- O mesmo se dá então com as árvores...
- Sim, - continuou o Sr. Gautier, aproximando-se da
árvore apontada, e colhendo um de seus frutos, de uma forma
toda particular, continuou:
- O planeta se avizinha de um período transitório em sua
marcha evolutiva, em que deixará de ser um planeta de provas e
expiações e passará a ser de regeneração. Na verdade, este
processo já teve início há algum tempo, e vai se intensificando
paulatinamente, até que dentro de vários lustros atinja seu ápice.
Neste meio tempo, o homem terrestre avançará muito em suas
tecnologias, especialmente nas de sobrevivência, preparando-se
para, em alguns poucos séculos, abandonar definitivamente
determinados hábitos alimentares, os quais têm por preço a
existência física de seus irmãos animais.
- Entretanto, dependendo da constituição física, fruto da
imposição genética pessoal, a necessidade humana por
determinados nutrientes, em especial algumas proteínas que são
abundantes nos alimentos de origem animal, será ainda
totalmente indispensável à manutenção de uma existência física
saudável. Estes princípios espirituais que aqui vemos, -
apontando para a árvore - atualmente no estágio de arvores
frutíferas, estão sendo preparados por nossos técnicos para
refinar o processo de modificação genética que em muitos casos
está em franco progresso no orbe, e que em momento apropriado
será intuído aos cientistas agrônomos terrestres, de forma a
garantir maior sucesso em seu desenvolvimento. Tais árvores,
que nada mais são que princípios espirituais muito elementares,

17
ao serem ligadas às sementes que lhes darão a possibilidade de
expressão no plano material, estarão de tal forma exercitadas, ou
treinadas para produzir determinadas características em seus
frutos, que influenciarão positivamente as sementes
desenvolvidas na terra, a tal ponto de corrigirem eventuais
distorções genéticas, garantindo assim o sucesso de seu
desenvolvimento, e ao mesmo tempo possibilitando que uma
nova espécie seja desenvolvida sem as limitações que ocorrem
em plantas híbridas, as quais, como afirmei, terão características
muito específicas no suprimento de determinadas necessidades
da futura humanidade encarnada na terra, reafirmando o
exemplo anterior, de proteínas muito semelhantes às animais.
- E este fruto que o senhor carrega nas mãos, é
comestível, aqui em nosso plano? – Questiona Henrique,
nitidamente ensimesmado com o fruto.
- Decerto que sim! - afirmou sorrindo - provem! - disse
oferecendo o fruto.
Henrique tomou o estranho, mas atraente fruto em suas
mãos, investigando seu peso, sua textura, aproximando o fruto
de seu nariz, aspirou longamente e surpreendeu-se com o fato de
que nada sentia e em seguida, observado pelo Sr. Gautier que
parecia estar algo divertido com suas reações e pelo Gustavo
que já apresentava alguma impaciência, deu uma mordida na
fruta, extraindo dela um grande e suculento naco e em seguida a
passou para o Gustavo, que imediatamente imitou-o, retirando
ele também uma boa porção da fruta.
Ambos admiraram-se com a quase total ausência de
sabor e a consistência algo gelatinosa da fruta, e sem perda de
tempo o Sr. Gautier adiantou-se nas explicações:
- Estes frutos que aqui vêem, serão levados até nossas
colônias nas proximidades da crosta e algumas no umbral para,
uma vez devidamente processados, servirem de alimento aos
nossos irmãos recém-desencarnados cuja dependência mental
por alimento ainda é muito grande. Esses frutos em particular
encerram em si determinadas características terapêuticas que
auxiliarão em muito a recuperação desses nossos irmãos, sendo
que essas mesmas características terapêuticas serão transmitidas
às plantas terrestres às quais darão origem no orbe por
imposição genética perispiritual. Aqui em nosso plano,
normalmente os frutos quando cultivados em colônias que se

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aplicam ao desenvolvimento da agricultura terrestre, que é uma
das atribuições de nossa colônia, são aproveitados e sofrem
certo processamento, convertendo-os em sucos ou caldos
revigorantes e harmonizadores e até curadores como esse
mesmo que vocês proveram. São raríssimas as circunstâncias em
que eles são oferecidos aos nossos assistidos no estado ‘in-
natura’.
Tudo ali convidava à reflexão e à contemplação cuja
imediata consequência era a de sentir-se profundamente grato ao
Pai por toda aquela beleza e diversidade.
Detiveram-se em um caramanchão formosamente
florido, cujas flores assemelhavam-se às rosas terrestres, mas
essas últimas jamais conseguiriam rivalizar em beleza com as
que se encontravam ali.
Acompanhando o Sr. Gautier, todos se acomodaram em
bancos cuja tosca e simples aparência em nada correspondia ao
conforto que os mesmos ofereciam, causando surpresa aos
irmãos Viert.
Em momento algum o Sr. Gautier demonstrou estar
apressado ou deu qualquer sinal de perturbar o êxtase a que os
irmãos Viert deixaram-se envolver e que, ao contrário do que
normalmente fariam, não proferiam uma única palavra, não
fizeram uma única pergunta que fosse, limitando-se a ouvir, ver
e sentir.
Lá permaneceram algum tempo, sentados a observar a
movimentação das pessoas e dos singulares veículos que se
deslocavam silenciosamente, a contemplar a natureza e a se
integrar com as energias revigorantes e revitalizantes que o
ambiente oferecia aos borbotões.
Após aproximadamente meia hora de serena
contemplação, o Sr. Gautier gestualmente os convida a
acompanha-lo e levanta-se. Quase simultaneamente, um veículo
de transporte coletivo se detém diante deles e estes entram e
tomam assento. Com um movimento quase imperceptível o
veículo avança e segue a poucos metros acima do solo
percorrendo uma grande distância até que estes se encontrassem
diante do hospital da colônia. Ao descerem do veículo, o Sr.
Gautier se dirige aos dois quebrando o silêncio que naturalmente
imperava entre eles:

19
- Meus irmãos, eu quero agradecer-vos, pois vocês me
propiciaram momentos dos quais eu deveria me permitir com
mais frequência, porém deixo-me levar por minhas obrigações e
raramente saio das instalações da administração geral. Todos
nós devemos eventualmente fazer uma pausa em nossas
atividades para a contemplação, a meditação e integração com
as energias e vibrações que emanam de nosso Pai, energias estas
que nos renovam e sustentam para a boa realização dos
compromissos que assumimos. Entremos e sigamos ao encontro
do Dr. Maurice, encarregado da direção de nosso hospital.
Seguiram então por uma larga vereda até o majestoso
pórtico de entrada do hospital e ao penetrarem no edifício,
depararam-se com um amplo pátio interno à guisa de recepção.
Suas dimensões impressionam, sua área ultrapassa em limites a
‘Place des Vosges’, considerada uma das mais belas da capital
francesa, da qual guarda grande semelhança, mas não apenas a
supera em dimensões como também muitíssimo em beleza. A
meia-cúpula a guisa de teto do pátio, em formato algo gótico,
toda em cristal translúcido, ergue-se a mais de trinta metros do
solo.
Um pequeno jardim interno ornamenta o centro deste
pátio, no qual há uma cascata e pequeno lago povoado por
belíssimos peixes que deslizam suavemente em suas águas
quase imperceptíveis de tão puras. Plantas aquáticas
semelhantes a nenúfares de variados matizes bordejam a
superfície e aromatizam doce e suavemente o ar nas
proximidades do pequeno lago artificial. Este jardim é
circundado e entrecortado por diversas ruelas bordadas com
flores suavemente perfumadas, e de espaço em espaço há bancos
convidando os transeuntes a sentar-se, sendo que muitos destes
bancos efetivamente estavam ocupados.
Havia uma intensa, porém suave e ordenada
movimentação de espíritos por ali e reinava naquele ambiente
uma paz indescritível em termos humanos, apesar da intensa
atividade.
Suave melodia chegava aos ouvidos dos que lá se
encontravam, tudo maravilhava os irmãos Henrique e Gustavo.
Ao circundarem o jardim interno avistaram um senhor
corpulento e de elevada estatura, aparentando algo em torno de
40 anos de idade, portador de uma jovialidade incomum no

20
semblante, longos cabelos e barba ruivos, olhos claros fitando-
os com firmeza e expressando um largo sorriso no rosto. Ao se
aproximarem, este avançou em sua direção de braços abertos e
abraçou efusivamente o Sr. Gautier, beijando-lhe as faces.
- Gautier meu amigo! Que alegria recebe-lo aqui após
tanto tempo!
- Também me sinto muito feliz em te rever meu grande
amigo!
- Então, - ajuntou o Dr. Maurice, dirigindo seu olhar e
sorrisos aos dois irmãos - vocês são os irmãos Viert que tanto
ouvi falar!
E cumprimentou-os um a um, abraçando-os e beijando-
os nas faces, e por fim comentou:
- Realmente aos senhores os meus parabéns, pois para
retirar esse velho de sua sala... - disse rindo-se a valer.
- É verdade - ajuntou sorrindo o Sr. Gautier - dessa vez
sou forçado a não discordar, reconheço que tenho exagerado em
meus afazeres e que devo dispor de mais tempo para os amigos.
As nossas atribulações na governadoria têm sido intensas desde
a última grande guerra, mas já sinto que as coisas começam a
entrar em um ritmo menos aflitivo, e aproveitando a grande
expansão de nossa colônia, estou para designar dois novos vice-
governadores podendo de essa forma aliviar a carga de trabalho
que me impus e dispor de tempo para outras atividades não
menos importantes!
- Muito bem, muito bem! Vamos? - Dr. Maurice
convidou a todos com um gesto de mão, abrindo um franco e
satisfeito sorriso no rosto, indicando o caminho - sigamos ao
meu gabinete e lá poderemos definir nossas ações.
Seguiram então caminhando por mais uns cinquenta
metros até alcançarem a base de uma das quatro torres frontais
que ladeavam o edifício principal, e ali eles tomaram um
elevador construído todo em material translúcido. Subiram uns
poucos andares e ao deixarem o elevador, fizeram-no
diretamente na ante-sala do Dr. Maurice, que apresentou os
irmãos Viert aos que o secretariavam. Em seguida atravessaram
ampla porta que se fechou assim que estes passaram.
A sala do Dr. Maurice era ampla, mas decorada com
simplicidade e sobriedade. As cores ali eram bem suaves, em
tons pastel, a iluminação ficava por conta das amplas janelas e

21
discretos vitrais voltados ao exterior e o ambiente transmitia
calma e serenidade.
Também ali se percebia suave e alegre música, numa
intensidade muito baixa, mas perfeitamente audível, o ar estava
impregnado com vaporoso aroma agreste e amadeirado,
reconfortante e revigorante. Todos tomaram assento em um
conjunto de poltronas próximo à mesa do diretor do hospital.
- Então meus caros irmãos, o que posso fazer por vocês?
- Bem meu caro Maurice - assume a palavra o Sr.
Gautier - nossos jovens irmãos anseiam em ser úteis e se
dispuseram voluntariamente ao trabalho. Como você pôde
constatar na ficha de serviço deles, e nas ocorrências de há
pouco em Páthia, consideramos que com suas habilidades e dons
naturais, eles serão muito úteis junto aos que se fazem pequenos.
Os irmãos entreolham-se e Gustavo pergunta:
- Ficha de serviço? Mas se ainda estamos à procura de
algum trabalho como podemos ter uma ficha de serviço?
- Oh! Vocês a têm sim e é bem extensa - ajuntou o Dr.
Maurice sorrindo com sincera satisfação ao tomar entre as mãos
uma prancha de material translúcido e indefinível para os
irmãos, muito fino e semelhante aos ‘tablets’ terrestres da
atualidade, em que uma das superfícies fez-se opaca e uma tela
resplandeceu apresentando textos referentes aos irmãos - cada
um de vocês, - disse exibindo a tela em suas mãos - somente de
serviços médicos prestados na terra, tem cerca de quatro mil e
duzentas horas. E não me refiro aos serviços remunerados
conforme as convenções terrestres, mas sim as que vocês
despenderam em serviços gratuitos aos pobres e necessitados
que não dispunham de recursos para qualquer tipo de
tratamento, e que vocês já prestavam desde antes de iniciar seus
estudos, quando acompanhavam Petrus em seus afazeres. E
sabemos que suas fichas só não são mais extensas unicamente
por terem deixado a terra assim, aparentemente, tão
prematuramente.
- Mas então esse “trabalho”, conta aqui também? -
questiona Henrique
- Claro que sim! - Explica-se o Dr. Maurice - Deram
bom uso aos ‘talentos’ que o Pai vos confiou. Tais talentos
foram por vocês revertidos em beneficio dos carentes, e como
em obediência às escrituras, destes de graça o que de graça

22
recebestes, nada mais justo que isso reverta em algum tipo de
beneficio aqui em nosso plano, ou seja, na vida eterna!
Mostrou-lhes alguns detalhes por eles já há muito
esquecidos, todos anotados em suas fichas de serviço e ajuntou,
como que folheando páginas no aparelho que retia em suas
mãos:
- Sem falar no custeamento de despesas de viagem dos
pacientes, bem como de suas acomodações e alimentação e de
seus acompanhantes, dos serviços prestados em seu pequeno
hospital, dos medicamentos oferecidos aos mais pobres, e
especialmente a calma, paciência e sincero interesse e desvelo
pelos dramas dos que os procuravam, sem fazer qualquer
distinção, etc, etc... - pousando com visível admiração o
aparelho sobre sua mesa.
- Portanto meus queridos irmãos, - continua o Sr. Gautier
- todo o serviço prestado ao próximo já constava em suas fichas
de serviços muito antes mesmo de vocês desencarnarem. Na
verdade, como Governador desta colônia, posso assegurar-lhes
que esses serviços que vocês diligente e desinteressadamente
prestaram na terra, faz com que esses créditos em horas de
trabalho que possuem sejam multiplicados por três,
considerando as dificuldades próprias à vida no plano físico,
assaz ampliadas pelos apelos da matéria aos quais os senhores
não se deixaram levar, pelo menos no que concerne aos
objetivos que vocês traçaram antes desta sua última romagem na
terra, e ainda nas muitas vezes em que sacrificaram de boa
vontade seu conforto pessoal e o atendimento aos impulsos da
carne em favor dos necessitados em circunstâncias diversas,
tudo isso de boa vontade. A soma dos créditos de ambos os
irmãos, conquistados na forma que descrevi, acrescidos por
outro tanto em créditos obtidos através de outros inúmeros
meios que os senhores inconscientemente laboraram, somam
mais de sessenta mil bônus-hora, quantia que vos concede o
direito de aquisição de fluidos específicos, à guisa de matéria-
prima, e de um espaço suficiente para edificar uma residência
própria aqui em nossa colônia, sem que a tenham de conquistar
apenas com as horas de serviços aqui realizados, o que é o caso
de a maioria esmagadora dos que aqui vem.
Os dois irmãos mal podiam acreditar no que ouviam.

23
Como era de costume deles, naturalmente, quase
instintivamente olharam-se e exclusivamente por pensamento
dialogaram:
- Veja você mano! - admirou-se Henrique - uma casa!
- Mal posso crer... Mas acho que não seria correto -
afirmou mentalmente Gustavo dirigindo-se a Henrique.
- Sim Gustavo, eu concordo e não acredito que somos
melhores do que ninguém, nós devemos declinar a oferta, além
do que o Sr. Renan e a Sra. Julliete nos tem sido tão bons,
tratam-nos com tanto carinho e desvelo que acho seria uma
grosseria imperdoável de nossa parte sairmos de sua residência
assim, sem antes consulta-los a respeito.
- Muito bem, estamos de acordo em relação a isso, mas
como será que o Sr. Gautier vai se sentir quanto a nossa recusa?
E qual será a reação do Dr. Maurice? Não corremos o risco de
ofende-los? Pois essa perspectiva parece anima-los e muito!
Nesse ponto o Sr. Gautier e o Dr. Maurice dão uma boa e
sonora gargalhada aplaudindo-os discretamente:
- Muito bem! Muito bem! Bravo meus irmãos! - afirma
radiante o Sr. Gautier.
- Não esperávamos outra atitude dos senhores! -
complementa o Dr. Maurice.
Atônitos, os irmãos Viert entreolham-se algo
acabrunhados, pois foram pegos de surpresa ao constatar que
eles podiam ouvir-lhes os pensamentos.
Agora por pensamentos o Sr. Gautier se lhes dirige:
- Desculpem-nos a reação, é que a alegria íntima nos
dominou e não pudemos resistir! A telepatia é meio comum e
usual de comunicação aqui entre os que já alcançaram
determinado patamar de aprendizado e desprendimento. Tal fato
era desconhecido por vocês, pois estão efetivamente há muito
pouco tempo em convívio com os espíritos desencarnados aqui
na colônia, a maior parte de seu tempo desde que desencarnaram
foi gasta em o socorro de Petrus, lá nas bandas do umbral, por
isso e por mera circunstancialidade não sabiam vocês dessa
possibilidade de comunicação.
- Mas não se preocupem - ajuntou o Dr. Maurice,
também em pensamento - ninguém ousa ultrapassar os limites
da intimidade de quem quer que seja.

24
Agora retornando à comunicação fonada, continua o Dr.
Maurice:
- Não se incomodem com a possibilidade de magoar
quem quer que seja com a situação de vocês irem ou não morar
em uma casa própria, para esses casos nada melhor que um bom
e sincero diálogo e tudo se resolve. Aqui o livre-arbítrio é ampla
e integralmente respeitado, além do que vocês já nos cativaram
o coração de tal modo que naturalmente apenas desejamos o
melhor para vocês mesmos. E quanto ao desejo que os senhores
tem de serem úteis em nossa colônia, acreditamos que para
dotar-lhes dos recursos que irão necessitar daqui por diante,
seria razoável que os senhores participassem de alguns cursos
preparatórios.
- Dentre os cursos que iremos sugerir-lhes está o da
comunicação telepática, sendo que, graças à evidente facilidade
com que os senhores dispõem para uso de tal faculdade do
espírito, entrarão na turma de estudos em um grau mais
avançado e lá compreenderão os processos e os procedimentos,
além dos aspectos éticos pertinentes.
- Mas retornando ao momento em que os interrompemos
- ajunta o Sr. Gautier - estamos muito felizes diante de vossa
reação à situação proposta. Conversem entre si com calma, e
depois com o Sr. Renan e sua esposa, aguardem um pouco antes
de tomarem uma decisão, pois novos fatores podem surgir, e
assim que vocês chegarem a uma conclusão, por favor, me
comuniquem; se decidirem por assumir uma residência própria
em nossa colônia, eu ficarei feliz em lhes apresentar as
alternativas disponíveis e proporcionais às suas possibilidades,
bem como em conduzi-los ao departamento de edificações de
Champs Elisées.
Após uma pequena pausa em que o silêncio reinou no
ambiente, pois os irmãos Viert puseram-se a meditar, o Sr.
Gautier levanta-se e anuncia:
- Bem, meu tempo agora começa a escassear, afinal de
contas, ainda não disponho dos colaboradores com os quais
deverei dividir minhas atribuições, devo retornar! Caro Maurice,
eu deixo em suas sábias mãos os dois já tão amados irmãos
nossos, sei que os conduzirá com propriedade em seus
caminhos.

25
E abraçando amorosamente cada um, disse aos irmãos
Viert:
- Quanto a vocês, sua permanência entre nós nos enche
de alegria e nos arremete em agradecimento ao Pai eterno, que
sempre nos renova as esperanças através de seus filhos que nos
são apresentados.

APRENDIZADO
Os irmãos Viert então recebem das mãos do Dr. Maurice
um plano de ações proposto pelo Departamento de Socorro,
intimamente ligado ao Departamento de Saúde pela instituição
hospitalar da colônia, em que se dispõe um roteiro de cursos a
serem assistidos por eles no Departamento do Esclarecimento,
desde alguns básicos, relativos à alimentação em ambientes
diversos e vestuário. Alguns cursos eram considerados de nível
mediano como a comunicação telepática e volitação em
diferentes ambientes, e até alguns mais avançados como o da
perscrutação elementar da matéria e dos sistemas orgânicos
básicos de um encarnado do ponto de vista somático assim
como o da penetração mental.
Com a lista em mãos, após analise dos horários e suas
cargas horárias por parte de Henrique e Gustavo, estes se
dirigem ao Dr. Maurice que pacientemente os observava em
silêncio e questionam:
- Dr. Maurice, desculpe-nos, mas não conseguimos atinar
qual seria a expectativa a nosso respeito, só temos a certeza de
que vó outros já nos traçaram um destino aqui, porém este nos é
totalmente desconhecido, pois sermos “úteis junto aos
pequenos” - parafraseando o sr. Gautier - é um mistério
insolúvel para nós.
O Dr. Maurice esboça um amplo sorriso, seguido de
alguns momentos de silêncio e quando parecia satisfeito com
algo que os irmãos não puderam compreender o que fosse,
disse-lhes:

26
- Muito bem! Na verdade não temos nada definido para
os senhores, como que a destina-los fatidicamente a uma tarefa
específica. O que desejamos realmente é fazer uma proposta de
trabalho, de natureza algo incomum em nosso plano. São poucos
os que se dispõe a tal tarefa, por motivos vários que não me cabe
discriminar aqui, fato que nos coloca em posição de deficiência
tendo em vista a alta demanda de necessitados de amparo e
esclarecimento, no entanto acreditamos que os senhores têm
muitas características que seriam de extrema serventia para as
empreitadas a que nos referimos. Tal proposta pode ser recusada
pelos senhores sem qualquer prejuízo próprio e
consequentemente nós buscaremos atribuir-lhes um trabalho que
venha mais ao encontro de suas preferências e anseios. Os
irmãos têm mais do que créditos para escolherem os caminhos a
seguir entre nós, se conosco desejarem permanecer!
- E esta proposta seria? - perguntou Henrique.
- Com certeza os senhores trazem ainda viva na memória
a lembrança de sua primeira visita ao nosso hospital em que
foram conduzidos pelo Sr. Renan. E seguramente vocês
recordam-se das horas de trabalho voluntário que despenderam
na enfermaria infantil feminina do centro de tratamento da
‘Auto-Incapacitação Mental’4. Pois bem! Temos pouquíssimos
especialistas em atendimento de campo nos casos de fixação
mental infantil. Nossa proposta é no sentido de prepara-los para
tal, de forma que possam assim resgatar essas pobres e enfermos
espíritos de suas ilusões, reconduzindo-os ao caminho natural de
suas evoluções até os pés de nosso Pai maior!
Os irmãos entreolham-se, e quase maquinalmente
passam a observar o plano de treinamento que repousa em suas
mãos, e transcorridos poucos segundos sorriem marotamente um
ao outro e Henrique declara:
- Aceitamos com prazer! Apesar de ainda não
compreendermos porque somos considerados como portadores
de características especiais para isso. Muito nos alegraria
auxiliar nossos irmãos e irmãs a retomarem sua senda evolutiva.
- Muito bem! - exclamou o Dr. Maurice, com evidente
satisfação - Conforme o que me foi reportado pelo Sr. Gautier e
o Sr. Renan, vocês já foram introduzidos na problemática dos
4
Ver os capítulos “PRIMEIROS PASSOS” e “A ALA INFANTIL” de
“Ratinhos Brancos” .

27
nossos irmãos e irmãs que se detém na ilusão da infância 5, e que
com isso preservam em si não só o aspecto infantil, como
também a mentalidade e trejeitos infantis, à exceção dos casos
em que essa condição é premeditada pelo espírito desencarnado.
Esses últimos não são o alvo de nossas preocupações e ações no
momento, apesar de que, no cumprimento de suas incumbências,
não faltará aos senhores o contato com esse naipe de espíritos.
Continuou o Dr. Maurice:
- Apenas para complementarmos com precisão e
sincronizarmos a evolução de nossos pensamentos, vamos
recordar o que lhes foi antecipado. – disse, manipulando o
mesmo dispositivo em que consultara a ficha dos irmãos Viert.
- Lá o Sr. Renan vos esclareceu a respeito de que todo
espírito, mesmo encarnado, essencialmente é “adulto”, e que sua
temporária condição infantil natural se dá por imposição dos
processos reencarnatórios e de suas leis.
- Também foram esclarecidos quanto ao fato de que os
laços que unem o espírito à sua forma material, no nosso caso a
aparência e comportamento mental infantil, não são somente os
laços fluídicos que ligam o espírito ao corpo físico, que existem
outros laços, mais especificamente os laços mentais, psíquicos e
psicológicos, que na totalidade desses casos preponderam sobre
os anteriores, laços esses que retém o ser não mais ao corpo
físico ou qualquer expressão residual deste, mas sim à condição
em que este se apresentava6.
- Ainda que o próprio processo de “amadurecimento” do
aspecto físico e do estado mental de um espírito desencarnante
em tenra idade na matéria depende em grande parte de sua
evolução, ou seja, de sua ascendência como espírito imortal
sobre a matéria, fruto de suas vivências e experiências no campo
reencarnatório e que, quanto maior for o seu aproveitamento,
tanto maior será a madureza do espírito, e consequentemente
menor a preponderância da matéria com mais rápida
recuperação da sua realidade própria após o desencarne, também
existem outros fatores importantes, que regem os espíritos que
são jovens na condição humana, dentre os quais o mais
corriqueiro é a pouca relevância do “eu”.

5
Idem(4) .
6
Destacado pelo autor espiritual.

28
- Mais ainda, viram que não são poucos os que, em sendo
espíritos ainda muito influenciáveis, sob a ação da mentalização
intensa, consequente da dor da perda pelo desencarne por parte
daqueles que foram seus pais terrestres, acabam por perpetrarem
inconscientemente um processo de auto hipnose induzido ao
manterem e alimentarem até a sua ligação mental e sentimental
com aqueles que lhe foram genitores terrestres, e assim eles
conservam-se por períodos maiores ou menores tal qual quando
encarnados, ou seja, crianças e às vezes até como bebês.
- E que também existem os espíritos que por um
processo mental e psicológico, recusam a forma adulta e
permanecem com o corpo e a mente na infância, perpetrando um
processo de fuga, que é o caso da maioria dos que se encontram
neste estado ilusório.
- Por fim, foram afiançados de que existem outras
circunstâncias que promovem tal fato, como por exemplo, os
que são oportunistas, além de outros casos que com o tempo e
estudo adequado os senhores poderão averiguar por si mesmos.
Os dois irmãos ouviam atentamente as palavras do Dr.
Maurice e simultaneamente a isso relembraram os fatos citados
a respeito dos primeiros esclarecimentos recebidos do Sr.
Renan.
- Como modesto acréscimo à esplêndida e magistral aula
informal ministrada pelo Sr. Renan aos senhores, eu quero
apenas acrescentar mais uma possibilidade, e das mais raras e de
difícil solução em nosso plano, dentre as muitas que já vos
foram apresentadas, a das sucessivas reencarnações.
- Ocorre algo raramente, de um espírito em atendimento
às suas necessidades experimentais na senda evolutiva, enfrentar
um número significativo de reencarnações, as quais são
notadamente sucessivas, ou seja, com pouco ou quase nenhum
intervalo entre uma e outra encarnação, e que em cada uma
destas encarnações, excepcionais a que nos referimos aqui, é
interrompida sempre na infância, e sempre o mais tardar em sua
fase impúbere.
- São casos raros, frutos da Misericórdia Divina que
sempre dispõe de recursos os mais variados para trazer o ser ao
reajuste. E são esses os de mais difícil solução. A recuperação
da verdadeira natureza mental desses espíritos depende de um
trabalho árduo e contínuo em que muitas pessoas participam do

29
processo de recuperação mental, cujo estado na infância se
arraigou profundamente em seu ser, em sua mente, em
consequência dessas encarnações infantis seguidas. Como os
senhores aceitaram participar desse trabalho, em breves tempos
se depararão com casos como esses e compreenderão então, em
que consiste a sua dificuldade.
Pequena pausa natural se estabeleceu entre os três e
interrompendo o silêncio, Gustavo interpela o Dr. Maurice:
- Até certo ponto, podemos compreender algo da
dificuldade desses casos, e não ousamos considerar tarefa fácil,
mas Dr. Maurice, nós continuamos sem compreender o que nos
habilita especialmente à tarefa e por que são raros os que se
dispõe a abraça-la? Ou seria o caso de serem poucos os
qualificáveis a abraça-la?
- Justa e exatamente isso! São poucos os qualificáveis a
abraça-la. E explico-me! Os irmãos têm intrinsecamente duas
qualidades indispensáveis a qualquer um que seja, que pretenda
por mãos à obra nessa causa, independentemente de suas
habilidades, e em vosso caso, notadamente acima da maioria
esmagadora dos que habitam a nossa colônia!
Nesse ponto do diálogo poderia se dizer terem os irmãos
Viert corado intensamente, pois não reconheciam em si qualquer
coisa que os destacasse dos demais.
- Primeiro vocês têm absoluta e total ausência de
preconceito humano e moral. Tal qualidade foi herdada de suas
experiências anteriores, em que a pouca importância dada pelos
senhores às responsabilidades inerentes de toda criatura divina
na senda evolutiva, ou seja, pela tendência que os senhores
sempre tiveram em não querer assumir qualquer
responsabilidade, em dar quase nenhuma importância à
seriedade da vida, queriam sempre divertir-se, junto a outras
tantas características que sempre os retardaram em seu
progresso espiritual, atitudes sempre valorizadas pelos senhores,
por fim teve um lado positivo, o de constituí-los em dois seres
absolutamente isentos de preconceitos. A todos os senhores
tratam igualmente sem deter-se em analisar se tal ou qual é ou
não merecedor de vossa assistência, ou de analisar quais seriam
os defeitos de um ou outro na tentativa de interpretar através da
culpa passada a situação dolorosa em que se encontra aquele ou

30
aquela a quem assistem o que impreterivelmente acaba por
conduzir ao julgamento.
- A maioria quase absoluta dos que habitam as nossas
esferas precisa policiar-se constantemente a esse respeito o que
em vós, é ato natural. Tal qualidade, a vossa ausência total e
absoluta de julgamento, é indispensável no trato dessas
perturbações espirituais, pois sem essa condição não há como
criar a necessária empatia com o espírito que é alvo de nossa
atenção, posto que o espírito travestido de criança, física e
mentalmente, é muito sensível às energias mentais dos que os
cercam, tal sensibilidade funciona como uma defesa própria e
inconsciente, percebendo-se alvo de julgamento por parte dos
que dele procuram acercar-se, desconfiado foge ou repele
qualquer contato, diálogo ou orientação.
- A segunda é também uma consequência da vida
zombeteira que os senhores insistiram em adotar por diversas
existências, em ambos os planos, e que é uma inocência quase
infantil, no sentido de os senhores terem certa dificuldade de
perceber a malícia de algumas situações, ou contida nas
intenções das pessoas em a maioria das ocasiões em que a
malícia está incorporada. Essa também é uma qualidade muito
importante na execução dessa tarefa, pois essa ausência de
malícia é característica marcante de toda criança.
Os dois entreolham-se com certa gravidade e preservam
o silêncio.
Dando por concluída a reunião, o Dr. Maurice orientou-
os a seguir adiante com a programação dos cursos que lhes fora
entregue e pediu-lhes que assim que os tivessem concluído o
procurassem novamente.
Obedecendo as instruções recebidas, seguiram para o
centro educacional da colônia no Departamento de
Esclarecimento, e lá foram atendidos por Jeromè, um dos
monitores do centro educacional que procedeu à inscrição destes
nos diversos cursos propostos pelo Dr. Maurice, obedecendo a
uma ordem bem específica. E atendendo um desejo dos próprios
irmãos Viert, foi programada uma agenda bem apertada em que
por várias semanas eles teriam cerca de dezoito horas de seus
dias tomados com os cursos.
Uma alteração na programação foi solicitada pelos
irmãos, ao que foram atendidos por Jeromè, eles solicitaram

31
participar do curso de telepatia desde o nível básico, pois apesar
de terem desenvolvido a telepatia de forma natural entre si,
desejavam estudar toda a teoria relativa desde o nível mais
básico.

TELEPATIA
O curso de telepatia foi ministrado pela Sra. Madeleine.
De porte matronal, aparentando algo em torno de
cinquenta anos de idade, muito jovial em seus trejeitos, com
olhos vivos e acalentadores, transmitia a todos uma profunda
sensação de calma e conforto, como as mães sabem transmitir
aos seus filhos, entretanto, os mais atentos percebiam nela, um
desalento indefinível.
Os irmãos Henrique e Gustavo imediatamente
estabeleceram uma intensa empatia com a Sra. Madeleine, que
por sua vez nutria pelos rapazes uma profunda admiração e
carinho.
O curso básico trata das técnicas básicas da telepatia, de
como o pensamento é originado pela vontade do espírito, das
questões éticas do uso da telepatia e de outros aspectos
pertinentes.
Quando este se encontrava em seus primeiros dias,
Henrique levanta uma questão:
- E entre os encarnados? É possível adquirir a técnica
telepática conscientemente?
A Sra. Madeleine medita por alguns instantes e sorrindo,
como é de seu feitio, lhe responde:
- Sem dúvida! Apesar de o veículo físico interpor uma
severa série de obstáculos à livre expressão do espírito que o
habita, fruto das próprias imperfeições do ser, é perfeitamente
possível que dois espíritos, que possuam um alto nível de
empatia, mais especialmente entre dois seres que se amam
incondicionalmente, apesar de esta não ser condição exclusiva

32
para tal, consigam dialogar telepaticamente sempre que o
desejarem. Entretanto, a total confiança que estes encarnados
devem ter entre si, é sim condição indispensável, além disso,
convém que estudemos o assunto segundo os ensinamentos da
codificação espírita, iniciemos com o seguinte trecho:
Ao dizer isso, um enorme quadro a guisa de lousa que
estava posicionado na parede, atrás e acima da instrutora,
imediatamente emitiu um brilho característico e sobre um fundo
branco, suave e de tom perolado que produzira em sua
superfície, apresentou um texto, em que conforme surgiam as
palavras, uma a uma, duas vozes, sendo uma feminina e uma
masculina interpretavam o texto alternadamente, sem que no
entanto essas vozes tivessem sua origem perceptível, era como
se surgissem aos ouvidos nítida e vivamente. Tal fato ocorrera
sem que para isso a Sra. Madeleine tivesse que acionar qualquer
dispositivo de controle, o enorme quadro atendia apenas à sua
vontade.
O texto apresentado foi:

ITEM 285 de ‘O Livro dos Médiuns’,


Telegrafia humana
58. Duas pessoas, ao se evocarem reciprocamente,
poderiam transmitir seus pensamentos e se
corresponderem?
“Sim, e essa telegrafia humana será um dia um meio
universal de correspondência.”
58 a. Por que não pode ser praticada desde já?
“Ela é praticada por certas pessoas, mas não por todas; é
preciso que os homens se purifiquem para que seu
Espírito se desprenda da matéria, e é ainda uma razão
para fazer a evocação em nome de Deus. Até lá ela está
circunscrita às almas mais esclarecidas e
desmaterializadas, o que raramente se encontra no
estado atual dos habitantes da Terra.”

- Ao analisarmos o trecho em questão, - disse a Sra.


Madeleine retomando a palavra - percebemos que para o sucesso
da comunicação telepática, ou como denominada à época de

33
Kardec, da ‘telegrafia humana’7, é condição inalienável, o
esclarecimento quanto às coisas da vida espírita e o
desprendimento da alma pela matéria, ou seja, do espírito
encarnado pelas coisas da matéria, o que não implica em
descaso em relação à vida material, que é benção na senda
evolutiva do espírito, mas sim de desapego à matéria. E nós, de
nosso lado, percebemos na prática observatória que, um fator
que muito contribui positivamente para o sucesso de tal
empreitada e não citado no texto apresentado, que é o fato de um
ou ambos os interessados terem mediunidade ostensiva a qual
impulsionará imensamente o intercâmbio telepático, apesar de
que o fato de não possuírem, um ou ambos, a mediunidade em
pleno exercício de suas possibilidades, não ser fator excludente,
mas um fator auxiliar.
Uma das alunas que participavam do curso questiona:
- Quando em minha última passagem na terra, era
comum que eu e meu esposo, que ainda se encontra encarnado,
sentíssemos os pensamentos um do outro, não nitidamente, mas
na maioria das vezes, e isso era corriqueiro, como se
estivéssemos pensando simultaneamente no mesmo assunto e
tendo a mesma idéia ou conceito a respeito de algo ou de uma
situação, além de que não raramente com as mesmas palavras,
mas nunca premeditadamente. Isso é um tipo de telepatia
natural?
- Com certeza! E é mais comum do que se imagina a
princípio! Muitos casais que se amam, parentes próximos ou
amigos que nutrem amor entre si pelos laços da amizade sincera
e pura, têm essas experiências telepáticas e cada vez com maior
frequência. Seres que se amam e através de gerações se
encontram sempre dentro de condições que os mantenham em
convívio, acabam em determinado ponto dentro de suas jornadas
evolutivas por desenvolver uma ‘prototelepatia’ de forma
natural, sem que para isso devam treinar ou algo assim, desde
que evidentemente, ambos estejam mais ou menos no mesmo
patamar moral mínimo necessário para isso.
Outro colega de curso apresenta a seguinte questão:
- E como se dá a transmissão de pensamento?
7
Termo que foi utilizado para relacionar conceitos novos com tecnologias da
época, o termo telepatia veio a ser difundido mais tarde. - nota do autor
espiritual.

34
A Sra. Madeleine sorri satisfeita e explica:
- Essa é uma questão que vêm a propósito! O trecho que
analisaremos a seguir, é um segmento do Capitulo 8 do ‘Livro
dos Espíritos’ que trata da ‘Emancipação da alma’, no item 455
intitulado ‘RESUMO TEÓRICO DO SONAMBULISMO, DO
ÊXTASE E DA DUPLA VISTA’.
Esclareceu a Sra. Madeleine, que continuou as
explicações posicionando uma pasta leve em que transportava
suas anotações, de forma a bloquear a nossa visão sobre a
metade inferior de seu rosto. De sua cabeça só era possível ver
apenas de seus olhos e acima.
Mais uma vez o quadro se iluminou e foi apresentado
vivamente destacado o seguinte trecho da codificação:

“...No estado de desprendimento em que se encontra, o Espírito


do sonâmbulo entra em comunicação mais fácil com outros
Espíritos encarnados ou não encarnados; essa comunicação se
estabelece pelo contato dos fluidos que compõem os
perispiritos8 e servem de transmissão para o pensamento, como
o fio na eletricidade. ...”

Então a Sra. Madeleine continuou, ainda ocultando sua


face parcialmente:
- O espírito para manifestar-se, executa uma série de
ações consecutivas tão rapidamente, que podemos afirmar, sem
recear em cometer uma impropriedade, que o faz
instantaneamente. O primeiro ato é o da ‘vontade’ que o
espírito exterioriza através do pensamento. Seja o espírito
encarnado ou não, o pensamento, imediata e automaticamente
serve-se do fluido universal primário, o mais básico, que é a
matéria prima de toda a criação, para então dar forma e vida
mais ou menos efêmera, a esse pensamento, que conforme o
caso permanece no campo das idéias e conceitos não expressos,
ou é exteriorizado através de atos; um exemplo é a
exteriorização do pensamento, fruto da vontade, através da
palavra.

8
Destacado pelo autor espiritual.

35
MAIS LIÇÕES
A partir de então, enquanto a Sra. Madeleine prosseguia
em sua dissertação, foi baixando pouco a pouco a pasta com a
qual ocultava parcialmente seu rosto e continuando as
explicações:
- Neste processo de ‘pensar’, o espírito quando quer se
dirigir a um outro espírito, sem o uso da palavra articulada,
natural e inconscientemente, como que estende seu perispirito,
servindo-se para isso da matéria prima universal, alcançando
instantaneamente seu interlocutor, seja qual for a distância que
os separe...
Foi neste momento que todos se admiraram ao constatar
que a Sra. Madeleine continuava a os alcançar com suas
palavras, mas seus lábios permaneciam cerrados e sorridentes.
-...normalmente as mentes envolvidas se tocam por assim
dizer, ao primeiro impulso do desejo de comunicar-se do
emissor ao receptor, e isso acontece pois o receptor percebe
naturalmente a intenção do emissor, e instantaneamente tem
seus fluidos perispirituais direcionados em busca do emissor, e
com o encontro destes, estabelece-se a comunicação telepática,
ou como preferem alguns, a conversação mental.
Todos sorriam profundamente impressionados, pois não
se notara qualquer variação no tom ou na forma como as
palavras chegavam a cada um, era como se a Sra. Madeleine
ainda estivesse articulando as palavras.
Naturalmente estabeleceu-se um pequeno, mas contido
burburinho, e a Sra. Madeleine permitiu que assim o fosse,
observando placidamente seus alunos por poucos minutos e
finalmente pediu a atenção.
- Como vocês puderam constatar, entre a comunicação
verbalizada e a telepática, nenhuma diferença se fez sensível,
isso porque simplesmente, aqui em nosso plano, não há qualquer
diferença significativa entre ambas. Articulamos palavras
porque estamos assim habituados, costume que trazemos da
terra e que é naturalmente difícil de abandonar, e que a maioria
por aqui, ainda não está apta a fazê-lo por si de forma natural.
Toda vez que queremos nos comunicar, fazemos aqui o mesmo

36
processo que descrevi há pouco, nós desejamos, pensamos, e se
o pensamento destina-se à comunicação, expressamo-lo através
do distendimento das energias perispirituais adicionadas do
fluido universal primário em direção ao nosso, ou nossos
interlocutores. Estes então, no processo de compreensão,
naturalmente os convertem em palavras, de acordo com a sua
linguagem própria; com um mínimo de atenção no início e certa
percepção, podemos facilmente discernir uma forma de
comunicação da outra.
Henrique então pergunta:
- Mas então, diferentemente do que ocorre na terra, nós
aqui não vibramos o ar com nossas cordas vocais?
- Vibramos sim, mas não como na terra! Aqui o ar possui
propriedades específicas que o diferem do ar no plano físico,
vocês por hora não conseguirão alcançar esta percepção, e na
verdade, até certo ponto seria algo incorreto buscar
similaridades. Isto é algo que no devido tempo todos terão a
oportunidade de estudar e perceber na prática quando
ingressarem nos cursos avançados de alimentação.
Após uma pequena pausa para que todos pudessem
assimilar suas palavras, a Sra. Madeleine continuou, agora se
dirigindo ao grupo normalmente:
- Quando nos dirigimos a alguém, ou a um grupo como o
de vocês, sem uso da fonação articulada, estamos fazendo a
comunicação telepática de forma consciente e deliberada, assim
como fazemos, por exemplo...
E olhando à sua volta, toma em suas mãos a pasta que
utilizara para ocultar parcialmente sua face.
- Para que eu possa tomar nas mãos essa pasta de arquivo
tenho de, quase automaticamente, pensar na ação e ordenar, algo
inconscientemente aos meus membros que se dirijam à pasta e
que meus dedos a retenham entre si, calculando instintivamente
as posições e velocidades de deslocamento dos membros. Da
mesma forma eu raciocino em um nível quase subliminar para
exercer a comunicação telepática, ordenando ao meu ser que o
faça.
- O espírito desencarnado, após a percepção destas coisas
que vos falo, que são possíveis apenas quando este alcança certo
nível de compreensão fruto de seu progresso espiritual, e após
um certo treino, decide qual formato de comunicação lançará

37
mão e poderá até, caso decida pelo uso da telepatia, dentro de
algumas limitações, decidir quem o ouvirá telepaticamente,
selecionando o alvo ou alvos da distenção de suas energias
perispirituais, isolando-as dos demais.
- E também saberá reconhecer sem quaisquer chances de
erro, quando se trava o diálogo por um ou outro formato, pois se
não soubesse diferenciar tais situações, poder-se-ia incorrer em
ato falho e constrangedor na presença de quem não esteja
participando da conversa e descobrir que algo está ocorrendo
sem seu conhecimento.
Gustavo então, perplexo com o funcionamento da lousa,
dirige outra questão:
- Mas então, se a nossa comunicação não se dá
exatamente ou exclusivamente pela vibração do ar em nosso
plano, mas sim mais pela transmissão generalizada de nossos
pensamentos a todos os presentes no ambiente, que imagino de
alguma forma utiliza também o ar que nos cerca de uma forma
diversa de como ocorre na terra quando aqui nos comunicamos
articuladamente, como pudemos “ouvir” a locução dos textos
apresentados à lousa?
- Excelente! Aqui em nosso plano, dispomos de recursos
tecnológicos que a humanidade terrestre demandará muitos anos
ainda por alcançar. Dentre estes recursos, um dos que tomará
mais de século por conquistar, isso apenas na aplicação prática
de seus princípios mais básicos, encontramos em nossos
dispositivos eletrônicos que transmitem ondas vibratórias, assim
como as de um rádio, na frequência mental, de molde que as
mentes ao alcance das emissões destes dispositivos possam
captar-lhes as emissões de forma compreensível.
- Este é o caso desse nosso quadro - apontando a enorme
lousa - cujos circuitos estão previamente programados para
obedecer apenas minhas ordens mentais, acessando seus
arquivos e apresentando os textos por mim desejados.
- As paredes desta sala, como de todas as salas
destinadas a apresentações sejam didáticas ou outras, são
revestidas de um material especial que emite uma frequência
específica, que impede que as ondas emitidas pelos quadros
deixem o ambiente, e venham a perturbar nossos irmãos em
outros ambientes.
Uma mão se levanta e ouve-se a pergunta:

38
- E com a comunicação telepática entre encarnados se dá
o mesmo processo que acontece conosco?
Neste ponto a Sra. Madeleine lança um discreto e
sorridente olhar em direção dos irmãos Viert e continua:
- Não se esqueçam de que o pensamento é força viva e
dinâmica que atende prontamente à vontade do espírito que o
produz, seja encarnado ou não! Duas pessoas que tem profunda
simpatia entre si acabam por equalizar suas energias próprias
quase à total equivalência, as quais tão mais similares serão
quanto maior a simpatia, amor e confiança que nutram um pelo
outro. Portanto torna-se evidente que a constituição de seus
pensamentos, energética e vibratóriamente falando, será muito
semelhante, quase idêntica, assim, não haverá, portanto muitos
obstáculos ao espírito encarnado para que assimile em sua
própria mente, o fruto da mente de seu afim, para isso bastando
que lance mão de técnicas simples e específicas.
Gustavo interpela:
- E qual seria a técnica da qual os encarnados deveriam
lançar mão para atingir essa possibilidade?
- Eu já esperava essa pergunta! - responde a Sra.
Madeleine com ar divertido.
- A técnica é bastante simples. Basta que os interessados
se recolham a um ambiente calmo, silencioso, preferencialmente
escuro ou na penumbra, de molde a que seus sentidos possam se
concentrar em seu objetivo. É sempre aconselhável que se faça
uma preparação através de preces, rogando o amparo do mais
alto, e de forma previamente combinada entre si, procurem
inicialmente transmitir um ao outro, formas geométricas
simples, umas três ou quatro. Por exemplo, circulo, quadrado e
triangulo. Cada um deve em sua vez de transmitir, mentalizar a
forma escolhida e imaginar, ou conceituar que esta forma
geométrica está formada na mente do receptor e ao mesmo
tempo executar um ‘gatilho’.
- Esse gatilho para os encarnados, é indispensável a
princípio, para estabelecer a realização da intenção, e pode ser,
por exemplo, um leve estalar de dedos, um breve e quase
inaudível silvo entre lábios ou qualquer outro gesto quase
totalmente imperceptível e que venha a se destinar unicamente
para este fim.

39
Após pequena pausa em que observou a reação dos
presentes, como ninguém apresentou uma questão, continuou:
- Devem manter-se por algum tempo neste exercício, e
cada vez que se procurar a transmissão e recepção de
pensamentos, neste caso um conceito geométrico, é
recomendável que não se ultrapasse cinco ou dez segundos por
tentativa. Também recomendamos que os treinandos não
esmoreçam a cada insucesso, pois a princípio suas mentes tem
que superar algumas barreiras que às vezes são um tanto quanto
resistentes, mas não são de forma alguma insuperáveis para as
almas cujas intenções são realmente puras e sinceras, basta
persistência, confiança e boa vontade.
A esta altura uma das participantes do curso perguntou:
- E qual a periodicidade em que se deve fazer esse
exercício e por quanto tempo a cada vez?
- Cada um deve praticar conforme suas possibilidades.
Evidentemente que se fizerem um treino por dia com duração de
uns quinze minutos, os resultados virão mais rapidamente que
aos que possam fazê-lo a cada dois dias ou uma vez por semana.
Quanto ao tempo de duração de cada treino, recomendo que não
se ultrapasse quinze ou vinte minutos por dia, pelo menos até
que se consigam resultados efetivos para não sobrecarregar o
psiquismo do encarnado que, digamos, seria algo como um
equipamento muito sensível e recém-construído, que precisa
funcionar a meia carga até que suas peças se ajustem
adequadamente com o trabalho e o esforço, e uma vez alcançado
o ajuste natural, não existirá mais esforço.
- Os melhores horários para o treino são pela manhã, o
mais breve possível após o despertar do sono físico, ou à noite
antes de recolherem-se para dormir, desde que não estejam
muito fatigados. São esses momentos em que o espírito alcança
maiores possibilidades de desprendimento e a mente possui
maior influencia sobre a matéria.
Mais uma vez a Sra. Madeleine silenciou e observou
seus treinandos por alguns momentos, esperando que suas
palavras fossem assimiladas por todos e continuou:
- Uma vez que a taxa de acerto de ambos os treinandos
encarnados seja superior a cinquenta por cento, devem eles
então aumentar a complexidade, talvez colorindo as formas
geométricas, conceituando três cores para cada forma, como por

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exemplo, azul, amarelo e vermelho. Então, digamos que eu
estivesse treinando essas técnicas, transmitiria a essa altura o
conceito, o pensamento, ou a idéia de um triangulo azul, ou um
quadrado vermelho, ou um circulo amarelo e assim por diante.
Vale ressaltar que não chegará à mente do receptor a imagem de
uma forma geométrica com determinada cor, mas na verdade o
conceito de tal.
- A esta altura também se torna conveniente acrescentar
variantes previamente combinadas, como alternar a transmissão
de formas geométricas coloridas com algarismos unitários, de
zero a nove, ou simplesmente abandonar as formas geométricas.
- Daí por diante, uma vez tendo alcançado taxas de
sucesso satisfatórias, deve-se aumentar gradativamente a
dificuldade dos pensamentos transmitidos, passando-se para
formas e objetos, como uma casa, uma mesa, para então uma
determinada pessoa, nomes e em seguida frases curtas até que
finalmente a reciprocidade, transmissão/recepção se torne
natural, sempre antecedida por um gatilho, que permanece
indispensável, até que a afinidade mento-telepática se torne tão
profunda que basta que você ‘imagine’ estar procedendo a
execução do gatilho, o qual sua mente relaciona a determinada
pessoa, para que o processo telepático se inicie naturalmente.
- Evidentemente tal procedimento não é necessário aqui,
pois que libertos que estamos da carne, não somos submetidos
às suas limitações e imposições, as quais são as que nossas
mentes ainda imaturas e impressionáveis estabelecem.
Todos os participantes daquela classe punham-se a
imaginar as possibilidades para a humanidade encarnada, se esta
passasse a utilizar a telepatia como forma de comunicação, a
excitação diante de tal possibilidade animava a todos. A Sra.
Madeleine permitiu que as conversações se estabelecessem ali,
observando apenas, e após vários minutos solicitou a atenção de
todos:
- Realmente, a telepatia nos dotaria uma gama de
vantagens e facilidades das quais não dispomos na terra hoje, e
essa impossibilidade ocorre porque a humanidade ainda possui
uma variedade e uma amplidão de imperfeições em cada um de
seus componentes, que são poucos os que não tem receio de
abrir-se ou de expor-se, mesmo à pessoa mais amada, com
receio do julgamento e da exibição de sua maior intimidade que

41
são os seus pensamentos, além de evidentemente, faltar o
esclarecimento e desligamento material conforme vimos há
pouco, no trecho de ‘O Livro dos Espíritos’ relativo ao tema da
‘telegrafia humana’.
- Temos ainda por obrigação de falar nas questões éticas
pertinentes. Para muitos irmãos encarnados esse dom latente é
negado, pois sua utilização de forma desleal com os demais
irmãos de jornada será uma tentação constante e difícil de
combater, que só uma alma já liberta da maioria das imposições
da matéria e do ‘ego’ conseguiria realizar sem maiores
dificuldades.
- Imaginem, por exemplo, que entre duas almas que
alcançaram a possibilidade de comunicação telepática entre si,
uma delas estar pleiteando um cargo importante, e que para
conquista-lo deve realizar uma prova teórica cujo tema não é de
seu domínio, mas seu companheiro telepata é extremamente
hábil em tal assunto. Seria muito tentador para o primeiro
solicitar apoio do segundo por via telepática, de molde a
beneficia-lo em seu teste, e seria com certeza muito difícil ao
segundo recusar-se a auxilia-lo nesta prova.
- Assim a chance de o segundo socorrer telepaticamente
o primeiro é muito grande e isso com certeza, além de ser no
mínimo um gesto com pouca ou nenhuma ética pessoal,
acarretará um prejuízo a quem estivesse realmente apto a
conquistar o cargo pleiteado por merecimento próprio. Trata-se
tão somente do mau uso dos ‘talentos’ conferidos pelo Pai.
- Outra difícil prova seria a de não incorrer no erro do
enaltecimento do “eu” através do exibicionismo, sempre
injustificado, e normalmente acrescido da exploração financeira
de tal recurso, em exibições públicas reservadas a expectadores
pagantes.
Tais palavras trouxeram a todos muito que pensar, a sala
permaneceu por longos segundos em silêncio em que, com
certeza todos ali racionalizavam a responsabilidade que a
comunicação telepática entre encarnados impõe à alma que a
domina.
A Sra. Madeleine acrescenta:
- Chegará o dia em que a humanidade, moralmente
progredida, alcançará o direito natural de usufruir livremente do
recurso telepático, então os encarnantes terão esse recurso

42
ativado naturalmente pela imposição da programação genética,
cujo recurso jaz latente bastando que seja ativado pelos nossos
maiores no momento aprazível. Na verdade não se trata
exatamente de ativação, porém mais exatamente de uma espécie
de desbloqueio, o qual só será possível quando os encarnantes
possuírem determinados avanços espirituais e morais que se
farão sensíveis em suas constituições cefálicas, mais
especialmente as que são diretamente ligadas e sob a regência da
glândula pineal.
- Nosso cérebro, quando encarnados, é dispositivo de
interfaceamento entre espírito e matéria, mas principalmente é
precioso e bendito recurso que limita nossas possibilidades, até
que alcancemos a madureza necessária para utilizarmos tais
recursos sem perigo ao nosso progresso e aos que conosco
compartilham das experiências evolutivas na carne.
- Além disso, todo espírito que alcança o patamar
evolutivo necessário para perscrutar pensamentos, não o faz
levianamente, e isso faz de uma forma absolutamente natural
para ele, pois compreende que a todos cabe o direito de errar.
Mais uma vez reina o silêncio entre os alunos até que
finalmente o mesmo é interrompido por uma aluna que dirige a
seguinte questão a Sra. Madeleine:
- Então, desculpe-me a aparente impertinência, por que
motivo a Senhora está nos ensinando tão precisamente o método
de aprendizado para encarnados, se este recurso nos é negado
quando na matéria mais densa?
- Maravilhoso! – Exclama a Sra. Madeleine abrindo
amplo sorriso – Não se preocupe minha querida, não está sendo
impertinente, ao contrário, sua pergunta nos mostra o quanto
você é perspicaz e atenta. Estamos tocando em tal assunto, pois
atualmente nos foi autorizado fazê-lo. Nossos maiores desde já
estão preparando a humanidade terrestre para a grande transição
que está por vir e será muito útil a todos terem em seus
subconscientes tais informações quando retornarem ao orbe em
suas jornadas de redentor aprendizado, pois aos poucos,
instintivamente as pessoas procurarão desenvolver tais
potenciais. Além disso, sabemos que em futuro não muito
distante tais informações serão levadas à humanidade encarnada
através da mediunidade.

43
Passados poucos momentos de silêncio na sala, um aluno
retoma o diálogo em diferente aspecto da lição:
- Mas então, pelo que pude compreender quando a Sra.
afirmou que quem possui este alcance de perscrutar
pensamentos, não o faz levianamente, nossos pensamentos
podem ser ouvidos por qualquer um? - pergunta um colega da
turma que até então não havia se manifestado uma vez sequer,
com uma expressão de espanto.
- Sim, é claro, dentro de certas condições específicas,
sim!
E este mesmo insiste:
- Mas não são invioláveis os pensamentos de uma
pessoa?
- Essa é uma questão para qual existe uma resposta
simples, mas elaborada. Recorramos novamente à codificação
espírita:

Questão 283 de ‘O Livro dos Espíritos’


Os Espíritos podem esconder seus pensamentos?
Podem se ocultar uns dos outros?
“R.: - Não, para eles tudo está a descoberto,
principalmente entre os que são perfeitos. Podem se
afastar uns dos outros, mas sempre se vêem.”
“Isso não é, entretanto, uma regra absoluta, porque certas
categorias de Espíritos podem muito bem se tornar
invisíveis para outros, se julgarem útil fazê-lo.”

- Durante a evolução espiritual e moral do ser, - continua


a Sra. Madeleine - ocorre que se estabelece de forma natural
uma hierarquia entre os espíritos, insisto que estabelecida
exclusivamente pela ascendência moral. Aquele já mais
experimentado e que avançou mais em seu aprendizado,
burilando-se de molde a transformar positivamente a maioria de
suas tendências, expressas pelos seus vícios e defeitos,
naturalmente possui muito mais recursos que aquele que ainda
galga os primeiros degraus da senda evolutiva. Sua ascendência
moral lhe faculta isso.
- Sua área de percepção é mais ampla, seus limites
sensoriais espirituais se expandem, e graças a sua moral
avançada, dispõe como que uma permissão natural e automática,

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regida pelas leis estabelecidas pelo nosso Criador, para, dentro
dos limites estabelecidos pelo sensorial próprio, alcançar as
possibilidades de algo como..., ‘tudo ver, tudo ouvir, tudo sentir
e tudo saber’, isso, eu insisto e repito, dentro de seus próprios
limites, os quais, mais uma vez repito, são estabelecidos pela sua
ascendência moral e espiritual, fruto de seu aprendizado. Quanto
mais avançado o espírito, maior sua esfera sensorial e, portanto
maior a sua ciência e consciência das coisas que o cercam.
A Sra Madeleine mais uma vez aguardou por um
momento para que seus estudantes pudessem meditar a respeito
e quando se sentiu satisfeita, prosseguiu:
- É evidente que, para o espírito, nem tudo o que se
encontra em seu campo sensorial é de seu interesse, e mais uma
vez graças a seu avanço espiritual, ele pode abstrair-se do que
for, conforme lhe convir. Para um espírito com maior
ascendência que outro, não há segredos deste segundo para com
o primeiro. E se o que for superior assim o desejar, não só seus
próprios pensamentos tornam-se inacessíveis ao segundo, como
também a sua própria presença pode ser-lhe oculta, bastando
para isso que lance mão de técnicas, que todos os irmãos aqui
presentes haverão de aprender em breve, com certeza.
Os irmãos Henrique e Gustavo entreolham-se e sorriem
discretamente ao notar que a Sra. Madeleine lhes dirigira um
olhar de simpatia, e mentalmente agradecem a ela por ocultar
aos demais que eles já dominavam tais técnicas.
Então, uma questão interessante foi levantada:
- Mas então, como pode um perseguidor desencarnado,
ficar de vigia sobre os pensamentos de um desafeto seu,
evidentemente encarnado, aguardando uma oportunidade de
modificar ou influenciar os pensamentos que este irmão
encarnado possui, no sentido de prejudica-lo, quando o irmão
encarnado é superior ao primeiro, evolutivamente falando?
A Sra. Madeleine agradece a pergunta e esclarece:
- Não há disputa sem litígio e a Lei é uma só para todos!
Nesses casos, é evidente que o perseguido, sendo alvo e vítima
de um perseguidor, ou ele possui alguma falta passada que os
une, mesmo sem que o encarnado disso possua qualquer noção,
ou que esse nosso irmão encarnado sendo isento de faltas para
com seu perseguidor, mesmo que desempenhando uma missão
qualquer ou apenas cumprindo sua programação evolutiva, não

45
se acerca da segurança necessária obtida através da prece, da
prática da caridade, do verdadeiro interesse em melhorar-se e
progredir, etc. Além disso, não se esqueçam de que a matéria é
sério e forte obstáculo à plena manifestação do espírito que a
habita e afeta intensamente as manifestações do espírito
encarnado, entre as quais, o próprio pensamento do espírito
encarnado. Explico-me, o espírito encarnado, quando realiza o
ato de pensar, sem que se dê conta do processo, dá ao
pensamento uma forma quase tangível, são as formas
pensamentos, imperceptíveis para muitos de nós, espíritos
desencarnados, mas passíveis de um processo similar à “leitura
táctil”, termo que mais se aproxima ao que realmente ocorre. O
caso é que, qualquer espírito desencarnado, ao se aproximar de
um encarnado e por este mostrar interesse, fará a leitura das
formas pensamentos emitidas pelo encarnado, num processo
muito semelhante ao dos sentidos físicos da audição e da visão,
em que o órgão correspondente é estimulado, transformando
este estímulo em impulsos transmissíveis pelos nervos que os
carreiam até o cérebro que interpreta tais estímulos formando
imagens e sons.
- Dessa forma, com alguma concentração por parte do
perseguidor, aproveitando-se especialmente da instabilidade
emocional e espiritual do imprevidente espírito encarnado, em
especial se este comete alguma falha, consegue o perseguidor
partilhar-lhe os mais íntimos pensamentos e como sabemos,
sempre que a guarda baixa, o inimigo ataca!
- Recorramos às escrituras em busca de nosso exemplo
máximo. Quando Jesus jejuou no deserto por quarenta dias9, as
escrituras afirmam que o “demônio” veio a tentar-lhe
primeiramente quanto à alimentação, a qual podemos supor,
fazia-se premente ao mestre após período tão longo de privação.
- Essa passagem nos introduz ao conceito de que o jejum
(que pode ser expresso de diversas formas, sempre no sentido
sacrifical) nos fortalece não por consequência de um sofrimento
imposto ao nosso veículo físico, mas sim ao nosso espírito.
Nosso Mestre não se furtou ao cumprimento das leis que regem
a existência terrena e aproveitou ao máximo a plena execução

9
Mateus - Cap IV - vv 01 a 10, Marcos - Cap I - v 13, Lucas - Cap IV vv 01
a 13

46
dessas leis para exemplificar para a humanidade o ideal de
comportamento e postura daquele que deseja a salvação.
- Caso não estivesse o Mestre encarnado entre os
homens, naturalmente que o espírito identificado por um
“demônio” no evangelho, jamais poderia dEle se acercar,
entretanto, nosso Mestre não se furtou ao pleno cumprimento
das Leis divinas e, uma vez encarnado, sujeitou-se a todas as
suas expressões, tornando-se assim acessível a um espírito
inferior, que buscou alguma fraqueza no Mestre encarnado,
tentando-o.
- Nas escrituras fica claro pelas palavras e pela firme
postura de Jesus, que Ele se mantinha o tempo todo em conexão
mental com o mais alto, dando-nos a chave para a solução de
nossa defesa contra as influências inferiores que buscam nos
impedir o progresso.
Tendo passado alguns momentos para reflexão dos
alunos, a Sra. Madeleine percebe que deve concluir seu
raciocínio de modo diverso ao que vinha traçando:
- Os pensamentos são frutos da vontade do espírito seja
qual for o plano em que se manifeste, entretanto a acessibilidade
dos pensamentos depende não apenas de sua vontade. Como
estamos nos referindo aos encarnados, analisemos a questão por
este ponto. A percepção dos pensamentos entre encarnados é
ordinariamente inviolável entre si, desde que aquele que venha a
ser objeto da leitura, consciente e propositadamente não venha a
dar essa possibilidade, que como vimos, depende da sua vontade
manifesta através da intenção de faze-lo trazida ao campo da
manifestação através do condicionamento mental por um gatilho
direcionado especificamente por uma pessoa também encarnada,
simpática a si mesma e cuja prática telepática foi estabelecida
em comum acordo entre esses encarnados.
- Entretanto, quando falamos de um encarnado e um
espírito desencarnado os fatores tornam-se mais complexos. A
um espírito desencarnado é dada a possibilidade de perscrutar os
pensamentos de um encarnado e sugerir-lhe outros
incondicionalmente.
- É possível, ordinariamente, aos espíritos inferiores,
sugerir livremente ao encarnado idéias, pensamentos e até
sentimentos, especialmente se o encarnado os possuir latentes,
sejam estes encarnados seus iguais ou aos encarnados que lhe

47
são moralmente superiores, sendo que a estes é bem mais difícil
a consecução do intento do inferior, que normalmente vê suas
intenções frustradas, e cansando-se acaba por se afastar.
- Temos também conhecimento de casos em que pactos
entre encarnados e desencarnados são levados a efeito pelas
mais diversas motivações e objetivos, sempre espúrios, em que o
desencarnado, possuindo profunda afinidade vibratória e mental
com o encarnado, transmite-lhe todos os pensamentos daqueles
que os cercam, para que dessa forma o seu compactuante possa
beneficiar-se das mais diversas e tristes formas que possível lhe
for.
- E mais! Com treino na percepção de fluidos e
vibrações, o próprio encarnado pode influenciar positivamente e
conscientemente um espírito inferior que busque lhe prejudicar!
É muito vasto esse campo, e não seria produtivo para nós nesse
ponto de nossos estudos nos aprofundarmos no assunto. O que
temos já nos basta para horas e horas de meditação e
experimentação.
- Mas e nós que aqui estamos? Por que não podemos
dialogar telepaticamente? Por que então ainda não conseguimos
tal feito?
A Sra. Madeleine, sempre sorrindo, fraternalmente
atende ao questionamento:
- Alguns dos fatores que preponderam no caso dos
irmãos e irmãs aqui presentes e da maioria dos habitantes
ordinários desta colônia e dos que se encontram em outras ainda
mais próximas da crosta, residem na impressionabilidade do
espírito, ou melhor, no quanto as suas mentes estão ainda
concentradas nos conceitos de existência no plano físico e nas
limitações que este apresenta ao ser humano.
- As práticas diárias de manifestação, interação e
autopreservação do ser no plano material, por anos e anos a fio,
em seguidas experiências reencarnatórias nas quais não foi
cultivado o conhecimento da vida espírita, mas em que o foco
quase absoluto foi concentrado no aperfeiçoamento moral e
espiritual, através na maioria das vezes do burilamento pela dor,
faz com que o modo de vida material crie profundas raízes no
ser, difíceis de substituir senão quando o espírito já alcança certo
patamar evolutivo de compreensão e desprendimento, ou seja,

48
quando espírito já possui um maior domínio sobre as imposições
da matéria.
- Vocês aqui, assim como muitos de nossa colônia, estão
dando os primeiros passos efetivamente sensíveis, no sentido de
libertar-se dos grilhões que a vida material impõe.
Dito isso, a Sra. Madeleine deu por encerrada essa etapa
do curso, e foi acompanhada por seus alunos em uma prece de
agradecimento.

GISELLE
Passados alguns meses dedicados intensivamente aos
estudos e prática das técnicas estudadas, de acordo com a
extensa programação que lhes foi apresentada, Gustavo e
Henrique apresentam-se ao Dr. Maurice, que satisfeito com o
progresso e aproveitamento dos dois, pede que o acompanhem
até a ala infantil do departamento da “Auto-incapacitação
Mental Crônica”.
Ao entrarem em uma ampla sala, que até então lhes era
totalmente desconhecida, mesmo tendo eles frequentado
assiduamente as instalações do setor em que se encontravam, em
virtude do intenso treinamento a que se submeteram, os dois
foram apresentados pelo Dr. Maurice a uma delicada moça,
muito jovem na aparência, portadora de uma beleza suave e
olhar cândido, que a todos envolvia com uma sensação de
profundo bem estar. Tratava-se de Giselle.
- Senhores, esta é Giselle! Ela é uma das Coordenadoras
dos trabalhos de assistência aos irmãos que vivem a ilusão da
infância no plano espiritual.
Após as apresentações e cumprimentos, o Dr. Maurice os
deixa sob a tutela de Giselle e inicia-se um agradável dialogo:
- Estou muito feliz em poder contar com os irmãos em
nosso trabalho de socorro no plano terrestre, onde muitos de
nossos irmãos desencarnados vivem suas ilusões, e à maioria
das vezes, não se dão conta do sofrimento e da perda que eles
vivem.

49
- Sofrimento e perda? - interpelou Henrique, tão absorto
quanto Gustavo diante da profunda serenidade que Giselle
transpirava apesar de sua jovialidade tão natural e de seus
trejeitos alegres e, algo enfáticos na sua forma de se expressar;
Gustavo e Henrique não sabiam o que, mas algo nela os
fascinava, sem que, no entanto conseguissem definir o que
fosse.
- Sim, com certeza! Sofrimento, porque não importa o
quanto enganem a si mesmos ou se permitam assim manter-se,
na ilusão, sentem-se sempre e invariavelmente deslocados, fora
do contexto, e isso promove em seus corações um constante
sentimento de medo e impotência. Isso sem falar em outros
aspectos decorrentes de seu dia a dia. E quanto à perda,
podemos citar e nos deter nesta citação, a da perda de
oportunidades de vida, como seres eternos que se situando em as
condições em que se encontram, retardam sua marcha e
estagnam no caminho, algumas vezes por tanto tempo que quase
perdem o contato com seus companheiros de jornadas, o que
acaba implicando em mais um fator agravante de sua situação,
pois perdendo o contato com seus afetos que seguem na jornada
evolutiva, perdem eles o suprimento de suas carências afetivas,
as quais eles buscam atender através da piedade e comiseração
de “estranhos” por uma criança “abandonada”, mas que na
verdade ele mesmo é responsável único e direto pelo abandono
auto-imposto.
- Como assim? - interpela Henrique - Há casos que se
arrastam através dos tempos?
- Sim, infelizmente sim! - assevera Giselle - temos em
nossos registros alguns casos especiais e não tão raros, em que
as condições mentais do espírito se mantiveram inalteradas por
alguns milhares de anos, entretanto o Pai nunca abandona seus
filhos, não importa o quanto esses perseverem em seus erros.
- Mas então como esses espíritos conseguiram manter a
coesão perispiritual além de furtar-se ao impositivo da
reencarnação por tanto tempo?
- É o livre arbítrio levado ao extremo; as condições
mentais desses espíritos desviados de seus reais objetivos, não
formaram obstáculos para que as mentes poderosas desses
mesmos espíritos lançassem mão de todos os recursos mentais e
ideoplásticos disponíveis para sustentar-se no estado que

50
elegeram para si próprios. Como não se tratam de espíritos
perversos e voltados à pratica do mal, e não buscam nada além
de esquivar-se de sua própria realidade, os imperativos da Lei de
reajuste pela reencarnação se fazem menos intensos e mais
facilmente evitáveis por eles. Evidentemente que para tudo
existem limites, os quais são determinados pela Lei maior.
Nunca nos esqueçamos de que o Pai nos concedeu como maior e
mais precioso bem, o dom do livre arbítrio, sendo que as Leis,
invariavelmente cumpridas em todos os seus artigos, apenas nos
orientam em qual seja a correta utilização do livre arbítrio. A
insistência destes espíritos em permanecer vivendo a ilusão da
infância, decorrente do incorreto uso do livre arbítrio, tem como
consequência corretiva ou reajustadora, a constante sensação de
estar deslocado do meio, de não fazer parte do contexto. Esses
espíritos encontram artifícios aos quais lançam mão numa
tentativa desesperada de obter um equilíbrio entre a força da Lei
que busca reajusta-lo e o seu desejo de manter-se como está. Por
um período de tempo mais ou menos longo, até conseguem, mas
cedo ou tarde acabam cedendo. Nossa preocupação é a de
facilitar-lhes a compreensão do estado de coisas em que vivem,
facilitando-lhes o reajuste. Tal reajuste torna-se muitas vezes de
difícil solução quando a tenacidade do espírito é notável e este
não pratica o mal, ao contrário, em determinadas circunstancias
os observamos auxiliando alguns outros espíritos, mas quando
sentem que serão confrontados com sua própria realidade,
esquivam-se fortemente.
Giselle então, os conduz a uma das tendas no parque
central situado no departamento em que se encontravam 10, em
que um grupo de jovens cuja aparente faixa etária relativa se
situa entre doze e quatorze anos. Era um grupo numeroso de
garotas e garotos reunidos em torno de dois jovens aparentando
algo entre dezessete ou dezoito anos, que a guisa de monitores
conduziam estudos evangélicos.
Ao penetrarem o espaço da tenda, detiveram-se próximos
à sua entrada e imediatamente todos ali saudaram Giselle,
amorosa e alegremente, mas com uma ordem e disciplina de
fazer inveja aos educadores terrestres. Feitas as apresentações,
Giselle pediu aos monitores que continuassem com suas
10
Veja no capítulo ‘A Ala Infantil’ do livro ‘Ratinhos Brancos’ a descrição
do parque central citado aqui. - nota do médium.

51
atividades, e para não causar qualquer distúrbio aos trabalhos
em andamento, passou a dialogar mentalmente com os rapazes:
- É importante que antes de nos colocarmos com as mãos
à obra, estudemos alguns aspectos relativos à complexidade da
recuperação dos espíritos que se encontram na ilusão da infância
e juventude. Esses irmãos e irmãs que aqui se encontram estão
em fase de recuperação da consciência plena de si mesmos
como espíritos completos e suficientes. Convém lembrar que na
maioria quase total dos casos em que a condição mental de
infância se fez arraigada na mente do espírito, sua recuperação
plena só se dará paulatinamente, a natureza não dá saltos e não
podemos força-los a uma condição para a qual suas psiques não
estão ainda prontas para vivenciar plenamente, ou seja, a
condição adulta natural de todo espírito. Forçar tal condição
seria uma violação às suas limitações, o que mais prejuízos
acarretariam do que vantagens.
- Quer dizer então que se desejássemos, - interpõe
Henrique - de alguma forma poderia se impor a quem se
encontra em tais condições, a condição natural adulta do
espírito?
- Sim, há como fazê-lo, mas os danos mentais e
psicológicos resultantes desse tipo de imposição ao espírito
acarretam mais em prejuízos do que em vantagens, e em casos
extremos causam danos realmente desalentadores. Portanto, não
há na imposição, qualquer gesto de respeito, caridade e amor ao
próximo, mas sim a violação brutal do direito ao livre-arbítrio,
mesmo que a escolha da condição mental-espiritual tenha sido
tomada algo inconscientemente.
- E quais seriam tais prejuízos? - Questiona Gustavo.
- Na sua maioria, resultam em prejuízos à saúde mental
do espírito, pois apesar deste recuperar o aspecto adulto, sua
mente permanece em grande parte na condição infantil,
perturba-se então com a aparência adulta e com os tratos que
recebe daqueles com quem interage, pois naturalmente todos
esperam deste as reações, interações, sentimentos e capacidades
cognitivas de um adulto, coisa que sua mente embotada pelas
limitações auto-impostas pela condição fictícia da infância não
lhe permite.
- As perturbações mentais decorrentes, intensificam a
sensação de insuficiência e dependência que esses espíritos

52
carregam em si, além de que, nas tentativas reencarnatórias que
se seguem, visando a correção de sua situação mental
embaraçada através do esquecimento, resultarem em almas
profundamente perturbadas e não raramente portadoras de
distúrbios mentais psicóticos, de dependência ou alienação.
Alguns dentre os casos de autismo e retardamento, enfatizo que
não todos nem sua maioria, têm nesse malfadado processo a sua
origem, e afirmamos que sem sombra de dúvida que todos os
casos de autismo, sem exceção, são de irmãos nossos que por
consequência de graves débitos passados, sucumbem à sanha
perseguidora de seus algozes vingativos e lançam-se
voluntariamente a este processo de fuga que os torna refratários
ao mundo que os cerca e não raramente tornam-se agressivos,
quando procuramos demove-los deste estado mental e
psicológico.
- Mas, - insiste Gustavo - essa “imposição” de que
falamos, pensei que não afetaria apenas a aparência, mas
também a mente, a psique, através de processos de
magnetização, isso não acontece, a magnetização não dá
resultados?
- A magnetização, único recurso efetivo nesses casos de
despertamento forçado, reaviva a memória do espírito, traz ao
seu consciente a realidade dos fatos, mas se a sua psique não se
encontra estável e pronta para tal, se suas condições psicológicas
prendem-no a conceitos de auto-insuficiência e medo, esse
despertar provoca nele um conflito tal, que não raramente leva o
espírito a enclausurar-se em fuga, o que explica as perturbações
mentais que citei, que quando não ocorrem, levam o espírito a
evadir-se de nosso meio e recusar intensamente qualquer contato
com nosso pessoal; em breve teremos a oportunidade de
examinar um caso exatamente assim. A psique humana é
complexa e tão diversa e vasta quanto são os seres que a
compõe. Cada um é cada um!
- E quanto tempo é demandado para uma recuperação
satisfatória e suficiente desses irmãos e irmãs?
- O tempo é variável conforme o caso. Cada espírito
reage ao tratamento em conformidade com o grau de intensidade
com que tal condição mental se instalou e com o progresso
evolutivo de cada um. Alguns raros se recuperam em poucas
horas, outros em poucos dias ou semanas, outros demandam um

53
período de tempo que pode se estender por meses ou anos, até
mesmo por períodos quase equivalentes aos que decorrem
naturalmente na terra, junto ao amadurecimento físico.
Os três permanecem ali por alguns minutos, em silêncio,
observando as atividades exercidas pelo grupo, então Henrique
levanta uma questão:
- E esses espíritos têm consciência de seu estado?
- Os aqui presentes nesta tenda, na sua maioria sim, já
foram devidamente conscientizados disso. Uns poucos,
recentemente integrados ao grupo ainda não.
- Mas em que ponto cada espírito em tratamento é
esclarecido a respeito?
- Sempre que lhes percebemos alguma nuance de
maturidade em seus gestos, atitudes, palavras e pensamentos.
Então começamos a prepara-los para serem totalmente
esclarecidos. Esperamos que naturalmente o espírito vá se
libertando através do incremento da autoconfiança nas
atividades especialmente desenvolvidas com esse objetivo, do
convívio diário e constante com colegas ligeiramente mais
avançados em sua recuperação, e também no convívio com os
monitores, devidamente treinados para promover esse
despertamento de forma tranquila e não traumática. Observem
aquele pequeno, bem em nossa frente que se ocupa com as
costuras da brochura que carrega nas mãos, ampliem sua
capacidade penetrativa e reparem no corpo mental de nosso
pequeno irmão.
Feito isso os irmãos Viert perceberam que o corpo
mental do garotinho, como que “piscava” em intervalos de
alguns segundos, e a cada “piscada” apresentava por um átimo
de tempo a aparência adulta natural de seu ser.
- Viram? Esse é o primeiro sintoma de recuperação do
pequeno “Tonton” que tivemos a ventura de presenciar, a sua
atitude repentinamente introspectiva é a pista que nos leva a
buscar tal sintoma.
Giselle, visivelmente satisfeita, então troca olhares com
um dos monitores que também havia reparado nos sinais
apresentados, e todos os monitores ali pareciam terem sido
avisados do fato, pois a atividade foi imediatamente
interrompida, sem alarde e sob a justificativa de que outras

54
atividades deveriam ser assumidas, entretanto por grupos
menores formados a partir deste mesmo.
Assim os monitores tiveram ensejo de separar o pequeno
“Tonton” do grupo e conduzi-lo a outra parte do departamento
para as devidas providências que sua nova situação exigia.

O REENCARNANTE
Giselle então convida os irmãos Viert para seguirem com
ela à crosta, e no caminho eles travam uma conversação a
respeito da visita que irão proceder, Giselle toma a palavra:
- Alguns dos desafios que enfrentamos na crosta,
relacionam-se à interpretação inflexível dos textos contidos nas
obras da codificação espírita. Refiro-me à insistência de muitos
em repelir nosso concurso, ou nossos apelos em situações
especiais, ou talvez eu deva dizer, situações pouco comuns. A
titulo de exemplificação iremos conhecer agora um desses casos,
entretanto, a esse caso soma-se um número incontável de outros,
alguns semelhantes nas circunstâncias, e outros bem diversos,
mas cuja raiz é a inflexibilidade ao interpretarem as obras
levadas aos homens pelo ‘Espírito da Verdade’ e seu séquito de
luz, na codificação.
Seguiram volitando por alguns segundos ainda e quando
se avizinhavam da crosta, Giselle deteve o avanço do grupo e
novamente veio a esclarecer:
- Daqui para frente é imperioso que elevemos nossos
tônus vibratórios de molde que a nossa presença não possa ser
notada.
Uma vez estando Giselle satisfeita com a condição
vibratória que se revestiam, seguiram agora lentamente em
direção a uma construção típica de classe média alta parisiense,
onde residia a família de um famoso esportista francês.
Detiveram-se no passeio público ante a entrada, onde dois
guardiões faziam vigília e Giselle ao aproximar-se foi
cumprimentada pelos guardiões, que normalmente sisudos e mal
encarados, o fizeram com belos sorrisos estampados em seus
rostos, evidenciando não só conhece-la, mas também sentirem

55
uma profunda e grata satisfação por reencontra-la.
Imediatamente permitiram a entrada do pequeno grupo, não sem
antes observar cuidadosamente os irmãos Viert que foram por
eles saudados:
- Salve irmãos de mesma face, filhos do cordeiro!
Os dois retribuíram a saudação da melhor forma que
puderam imaginar, e surpreendidos com estranha maneira destes
guardiões se referirem ao fato de eles serem gêmeos, adido ao
aspecto de serem cristãos, seguiram a pé com Giselle em direção
à entrada da residência.
Gustavo não se contém e pergunta a Giselle:
- Mas... como? Não entendo, se estávamos em tônus
vibracional elevado, como eles puderam perceber-nos a
presença?
- Oh! Perdoem-me! - Exclamou Giselle constrangida -
esqueci-me totalmente que vocês não estão ainda inteiramente
preparados para as missões no plano material! Mil perdões, por
favor... Inadvertidamente eu modifiquei nossas vibrações
perispirituais apenas em sua superfície e pelo tempo necessário,
de forma que nossos valorosos amigos, os guardiões, pudessem
perceber-nos a presença, isso com aspecto algo vaporoso, mas
perfeitamente perceptível inclusive nos detalhes. Como talvez
pudéssemos imprimir alguma modificação no clima espiritual da
casa, e isso em primeira instância lhes despertaria a atenção, e
como não há necessidade de causar alterações em suas rotinas e
afazeres, decidi permitir que notassem nossa presença na
chegada, de molde a que não se perturbem desnecessariamente.
Como vocês transmitiram tanta confiança, segurança e
naturalidade em todas as pequenas ações que desenvolvemos
juntos até agora, isso me fez esquecer que ainda há muito que
lhes... – Giselle pensa melhor no termo a ser usado e continua
-... ensinar quanto às técnicas em uso nas excursões de diversos
naipes. - e riu-se sem graça.
Os irmãos Viert riram-se com ela e pediram-lhe que não
se incomode com o ocorrido, pois não era a primeira vez que
algo semelhante lhes acontecia, e que apesar de ainda não
compreenderem o porquê disso tudo com eles, já estavam mais
que acostumados com os eventos e reações das pessoas quando
em sua presença.

56
Todos riram, relaxando seus espíritos e ao realinhar seus
sentimentos, Giselle comunicou, sempre com um sorriso
cativante a lhe iluminar o semblante:
- Entremos! Agora absolutamente imperceptíveis, e
comuniquemo-nos mentalmente apenas!
Essa era a primeira vez que Gustavo e Henrique
visitavam o plano material desde seu desencarne. A tudo
observavam e admiravam-se em como seus sentidos eram tão
diversos agora, de como tudo lhes parecia mais vibrante,
intenso, vivo e detalhado. Assim que Giselle atravessou a porta
de entrada da casa, que estava fechada, os dois irmãos
entreolham-se perplexos e mentalmente Henrique perguntou a
Gustavo:
- Será que é só atravessar? Como se nada houvesse aqui?
- e sorriram divertidamente um para o outro.
Imediatamente Giselle retorna de dentro da casa
atravessando novamente a porta cerrada e exclama ruborizada:
- Não acredito que dei mais uma gafe! É a primeira vez
que visitam o orbe não é?
Os dois entreolham-se divertidamente, mal contendo o
riso.
- Sim, é a nossa primeira vez!
Foi impossível para eles três deterem as risadas e se
afastaram o mais rapidamente que puderam da entrada da casa.
Assim que se acalmaram, procuraram uma praça próxima dali e
Giselle os convidou a ocupar uns bancos em um lindo e florido
caramanchão dali.
A primavera parisiense exibia todo o seu esplendor.
- Vamos começar do princípio, não poderei suportar
outra gafe! Contem-me meus irmãos, sua historia desde que
aportaram no plano espiritual, quanto tempo estão aqui, que
experiências já viveram e assim por diante. E calou-se os
observando com seus olhos expressivos, cheios de vida e amor a
fitar-los, sempre com um franco sorriso estampado ao rosto.
Então os dois, alternadamente, fizeram um resumo de
suas experiências desde o desencarne, dando uns poucos, mas
essenciais detalhes dos dramas que envolviam seus familiares,
descrevendo que suas experiências limitavam-se a três visitas ao
umbral, em que a última das quais, em resgate a Petrus, foi a que
mais exigiu deles, e falaram da preparação nos cursos que

57
frequentaram, a qual evidentemente não incluiu os
procedimentos quando em visita ao orbe.
A cada detalhe novo, Giselle abria expressivamente seus
olhos em sinal de surpresa e vivo interesse, ora sorrindo, ora
franzindo o cenho, e ao final do breve relato dos irmãos Viert,
disse:
- Muito bem! Vou ser sincera com vocês, pois não recebi
nenhuma orientação de que não pudesse vos dizer o que vou
dizer agora. - endireitou-se no banco que ocupava e alinhando
suas níveas vestes lançou um breve olhar ao infinito como se
buscasse as palavras mais adequadas, e continuou:
- Não quero e nem pretendo traçar elogios falsos ou
exacerbados, entretanto é evidente que vocês têm já
desenvolvidos e latentes em si próprios determinados dons
espirituais que normalmente só encontramos em espíritos
experimentados, o que eu não duvido nem um pouco seja o caso
de vocês!
E pensou consigo, sem que eles pudessem perceber:
- ‘E como sei!’
- Isso com certeza explica as reações das pessoas que
causam estranheza a vocês, todos sentem uma coisa em vocês e
vêem outra.
- O que eu não entendo é por que vocês, considerando
ser evidente que ao desencarnarem não recuperaram suas
memórias passadas, o que por si só poderia representar um
mistério em considerando sua atual situação, e retornando à
minha estranheza, porque não foram ainda levados ao
‘Departamento das Memórias Passadas’ para resgatar as
lembranças de outras existências precedentes à vossa última, e
também resgatar essas capacidades que possuem já
desenvolvidas, mas apenas em estado de hibernação por
consequência do esquecimento reencarnatório.
Os três permaneceram ali, sentados e em silêncio por
vários minutos a meditar e finalmente Gustavo toma a palavra:
- Bem, para nós tudo isso é novo, nem sequer soubemos
que existissem tais possibilidades que você nos contou agora,
em relação ao resgate de nossas memórias. Mas com certeza, um
objetivo sério e totalmente justo existe por detrás disso. Resta-
nos aguardar, pois com certeza no tempo certo o saberemos.

58
E Henrique, exibindo um sorriso maroto como de
costume e gestos teatrais, o que evidenciava que já se sentia
inteiramente à vontade na presença de Giselle, acrescentou:
- E assim que soubermos, prometemos que você será a
primeira a saber de tudo!
Gustavo olha rindo para o irmão e dando-lhe um
pequeno ‘tapinha’ na nuca, diz:
- Eh! Mas nem aqui você perde esse seu jeito de
“cavaleiro galante”?
Todos riram e seguiram então novamente à residência
que iriam visitar de início, e ao chegarem junto à porta, Giselle
olhou para eles e disse sorrindo divertidamente:
- É só entrar como se a porta não estivesse aí.
Uma vez dentro da residência, notaram imediatamente
uma significativa mudança na atmosfera, que ali dentro se
mostrava mais leve e ‘fácil’ para eles, em comparação ao
exterior da casa. Tudo parecia apresentar um leve e tênue brilho
e a paz reinava ali. Giselle os conduziu a um aposento no andar
superior e iniciou os esclarecimentos, sempre mentalmente:
- Nesta família, reencarnou Policarpo, um dos mentores
mais destacados de nossa colônia visando o cumprimento de
uma missão bem específica. Dentre todos os seus afins
encarnados na terra, estes que hoje são seus pais na terra são os
que apresentaram melhores condições de recebê-lo como filho,
de molde a propiciar os meios de que necessitará no futuro para
cumprir sua missão.
Antes mesmo que eles penetrassem o quarto onde se
encontrava o, agora pequenino, mentor da colônia, um detalhe
imediatamente chamou a atenção dos irmãos. O grande número
de espíritos com aparência de crianças que circulava por ali. A
maioria delas não se dava conta de suas presenças, graças à
manutenção elevada de seus tônus vibratórios, e os poucos que
conseguiam perceber-lhes a presença limitavam-se a lhes dirigir
furtivo olhar e saudavam-nos em pensamento.
Mas ao penetrarem no quarto do pequenino, detiveram-
se junto à porta obedecendo a um gesto de Giselle, e viram um
espírito com aparência de menina, de uma beleza
impressionante, aparentando cerca de cinco anos de idade e da
qual partiam tênues raios luminosos, de matizes variados e
suaves, e que envolviam todo o ambiente. Ela se acercava de

59
Policarpo reencarnado, agora pequenino, que se encontrava
deitado em um berço e o distraia com gestos e palavras que
eram correspondidos com risos e Gracejos por parte do bebê, do
mentor reencarnado.
Imediatamente a menina desviou seu olhar angelical em
direção deles três e sorriu para eles.
Gustavo e Henrique foram envolvidos por uma onda de
amor absolutamente indescritível proveniente daquele belo
espírito, que lhes aquecia o ser e lhes trouxe lágrimas de alegria
aos olhos e paz aos corações. Instintivamente os dois lançaram-
se de joelhos e proferiram mentalmente uma prece de gratidão
ao Senhor, gesto prontamente acompanhado por Giselle.
Ao encerrar a prece, mal haviam enxugado suas lágrimas
e ao olhar para Giselle que previamente se posicionara entre os
dois, a viram na forma e aparência de uma menina de cinco anos
de idade, portando um lindo vestido branco, bem simples, mas
muito belo e rodado, e com uma bela fita rosa em laço a lhe
prender parte do cabelo, então, Giselle sorrindo divertidamente
para eles, disse:
- Vocês estão esperando o que?
Henrique e Gustavo entreolharam-se e imediatamente
assumiram a forma e aparência que possuíam quando tinham
também cinco anos de idade, a mesma que utilizaram em outras
ocasiões e com a qual já estavam habituados.11
A menina que se ocupava com Policarpo bebê,
graciosamente endireitou o corpo e sorrindo para eles os
convidou com um suave gesto a aproximarem-se, no que foi
atendida de pronto. Os quatro cercaram o berço, e o bebê ao vê-
los sorriu, deu um gritinho de satisfação e balbuciou
alegremente. Todos então passaram a brincar com ele joguetes
adequados aos seus cerca de seis meses de idade e tal foi o
entusiasmo do bebê com os visitantes que seus gritinhos e risos
divertidos chamaram a atenção da mãe que entrou sorrindo no
quarto, mas parou junto à porta ao perceber a presença dos
quatro, fato que denunciou a sua mediunidade de vidência. Ao
ver os quatro espíritos ali, essa jovem senhora e mãe do bebê
imediatamente assumiu ar de seriedade e lá permaneceu por
alguns segundos a observa-los. Então deu um suspiro e disse em
um tom perfeitamente audível:
11
Ver ‘Ratinhos Brancos’ - segunda parte.

60
- Bem, Desisto! Está claro para mim que não há perigo
para meu filho, pois ele sente-se feliz com as suas presenças. Só
queria entender o porquê vocês vêm aqui assim, crianças,
porque não se tornaram adultos como eu aprendi que deveria
ser...
Então, baixou a cabeça, deu meia volta e saiu do quarto.
Giselle então abraçou longamente a menina que cercava
o bebê de cuidados, a qual, sempre no mais profundo silêncio,
olhou para os dois então pequenos irmãos, e abrindo os braços
recebeu-os entre eles ao mesmo tempo, osculando-lhes as faces
docemente, um a um e dirigindo-lhes o olhar mais cândido que
jamais viram, e mentalmente disse-lhes:
- Que o Pai maior continue sempre a guia-los meus
queridos irmãos! Até breve!
Os três deixaram o quarto e reassumiram a forma adulta
imediatamente. Giselle então os convidou a acompanha-la até o
parque onde se reuniram antes, e uma vez lá os esclareceu:
- Nossa visita foi providencial. Vocês puderam
testemunhar justamente o motivo que nos trouxe aqui, pelo
menos parcialmente. Nosso irmão Policarpo, que está em seus
primeiros meses de vida terrestre é um espírito que há muito se
sublimou, e tal é o seu desprendimento da matéria que para o
sucesso do processo reencarnatório em si, é imprescindível que
haja o esquecimento das coisas passadas e da vida espiritual,
fator essencial para o perfeito cumprimento de sua missão.
- Em razão disso, nos abstemos de nossa aparência adulta
quando em sua presença, chegando mesmo ao ponto de termos
de isolar nossas energias pessoais em sua presença, de molde a
não permitir que a simples visão ou percepção fluido-energética
de alguém conhecido por ele, lhe traga as lembranças da vida
espiritual à mente. Isso seria um fator que muito dificultaria a
sua estabilidade na matéria, e poderia causar-lhe algum
sofrimento, tendo em mente as graças da vida espiritual que ele,
por merecimento, vivia. Além de outros fatores não menos
importantes. O esquecimento deve ser favorecido a todo custo.
- O problema reside no apego à ‘letra’ por parte dos pais
terrestres de nosso irmão reencarnante, que não conseguem
aceitar a possibilidade de que existam circunstâncias não
descritas em ‘O Livro dos Espíritos’ e em toda a codificação,

61
que venham de encontro com o que os olhos de nossa irmã
denunciam.
- Mas vocês já não procuraram algum médium disposto a
levar esse esclarecimento a eles? - pergunta Henrique.
- Oh! Sim! Já o fizemos, encontramos um médium muito
apto na casa espírita em que eles se reúnem semanalmente, para
desenvolver os seus trabalhos mediúnicos, entretanto, apesar da
boa fama deste, os pais de nosso irmão continuam a resistir à
idéia. Eles afirmam que se exceções existissem, seriam previstas
ou pelo menos citada a possibilidade de tal nos textos da
codificação, não levam em conta o fato de que cada um que
venha a dar seu esclarecimento sobre um fato o faça segundo
suas percepções, segundo seu aprendizado e entendimento.
- Mesmo tendo Kardec e os espíritos da codificação
afirmado que a obra não estava completa ainda, e muito havia
por vir ao longo do tempo para completá-la, que o homem ainda
não estava pronto para toda a verdade?12 - insistiu Henrique -
isso está muito claramente afirmado por Kardec, por si só não é
o anúncio de que há uma infinidade de nuances a considerar?
- Sem duvida! Mesmo assim, eles apegam-se
excessivamente e, reconheçamos, com certa justeza, afinal, se
tudo for aceito cegamente, francamente, em pouco tempo a
doutrina poderia se perder, mas bom senso acima de tudo. O
caso aqui seria de observar, estudar para então concluir
conforme as evidencias disponíveis, e não simplesmente relegar
os fatos observados ao plano da mistificação.
- Mas em que esta postura dos genitores, deste nosso
irmão reencarnante, prejudica o seu processo reencarnatório?
- Como eu disse Gustavo, e vocês puderam constatar
aqui, estamos cuidando de manter diante de Policarpo
reencarnado, ainda bebê, a aparência de crianças e todas as
vezes que a sua genitora nos vê, acredita sermos dissimuladores
dispostos a prejudica-lo, e receosa põe-se a orar fervorosamente
pedindo nossa ausência ou então, enerva-se e aí sim prejudica
muitíssimo o clima espiritual em torno do reencarnante. Nada
disso nos prejudica efetivamente, pois podemos facilmente
contornar essas situações, mas algumas vezes suas atitudes tem
causado certa perturbação ao bebê e a si próprios, pois suas

12
Vide “O Evangelho Segundo o Espiritismo” – Cap XXIV – item 7.

62
preocupações infundadas lhes servem de empecilho para a sua
própria paz.
- E o que lhes impede de tolher temporariamente a
mediunidade daquela senhora? - volta a questionar Gustavo.
- Nada impediria, na verdade poderíamos fazê-lo sem
maiores dificuldades, entretanto a situação, apesar de
lamentável, é útil e existem muitos fatores a considerar.
Aprendemos de nossa parte a ter maior compreensão com as
limitações de nossos irmãos encarnados; eles por sua vez, têm
uma constante oportunidade de aprendizado, do qual já podemos
divisar uma réstia de luz, considerando o comentário que ela fez
em suas presenças, e sua mediunidade de vidência tem sido
muito útil no esforço de treinar as sensibilidades de médiuns
promissores que frequentam o seu grupo. Aí sim, um grande e
significativo prejuízo seria levado a um grupo de irmãos nossos
que se beneficiam com sua mediunidade caso a tolhêssemos,
mesmo que temporariamente.
Os três silenciam por alguns momentos, aproveitando a
doce primavera parisiense para refletir, quando então, Gustavo e
Henrique, simultaneamente quase dão um salto dos assentos que
ocupam e perguntam em uníssono a Giselle:
- E aquela menina que estava velando pelo bebê! Quem é
aquele espírito que tão profunda e doce impressão nos causou?
- Puxa! - exclamou Giselle rindo-se da forma com que os
irmãos foram sincronizados ao formular a questão - Vocês se
entendem mesmo! - e riu-se mais um pouco, fazendo os irmãos
Viert rirem meio acabrunhados.
- Desculpe, não quis deixar-los desconfortáveis! - e riu
mais um pouco - mas é simplesmente delicioso estar na presença
de vocês! Cada minuto é uma nova surpresa.
- Não se preocupe com isso, - respondeu Gustavo - nós
também não cansamos de rir de nós mesmos! Sabemos que você
não o faz com maldade, mas com a alegria e jovialidade que só
o amor de uma irmã é capaz de fazer!
Agora foi Giselle que se sentiu um pouco acabrunhada e
pensou mais uma vez sem que eles pudessem percebê-la:
- ‘Irmã... ’
Henrique não perdeu a oportunidade para divertir-se
mais um pouco, dando o troco ao irmão:

63
- Quem diria irmãozinho! Como estamos hoje... tão
gentil e polido?! - Disse-o Henrique, pressionando as bochechas
de Gustavo entre seus dedos.
- Ora, - disse rindo-se Gustavo e livrando-se das mãos do
irmão, ajeitando e alisando as roupas como se estivessem
empoeiradas - não perturbe mano! O que Giselle irá pensar de
nós? Que não passamos de dois moleques?
Ao que Giselle arremata:
- Pois saibam os senhores, que moleques mais doces e
gentis que vocês, eu ainda estou por conhecer, que o Pai os
conserve sempre assim, doces e puros!
Após descontraírem e relaxarem das risadas e folguedos,
Giselle toma a palavra:
- Bem, o que dizer de nossa irmã Mercie? - refletiu por
alguns momentos e prosseguiu - ela é um espírito muito antigo,
que tem profunda ligação com nosso irmão Policarpo. Ela
ascendeu a esferas muito superiores há mais dois mil anos
terrestres, e, no entanto, recusa-se a deixar a esfera espiritual da
terra em definitivo até que tenha conseguido trazer para junto de
si todos do grupo de suas relações espirituais do passado, e ao
que me consta, Policarpo é o último que resta a ascender, e
provavelmente o fará assim que encerrar esta missão para a qual
está se preparando através da reencarnação. Então nossa irmã
nos deixará definitivamente, devendo seguir para outro orbe
mais adiantado e muito menos materializado que a terra.
Gustavo, com uma expressão de perplexidade no rosto,
pergunta a Giselle:
- Mas se ela é um espírito assim tão mais adiantado em
sua evolução do que nós, porque o sacrifício de descer aqui para
velar por seu afeto, não poderia ela designar outros para a tarefa
e se preservar desse vale de dores e lágrimas, cuja atmosfera
para ela deve assemelhar-se como a de um pútrido lodaçal para
nós?
- Oh! Com certeza poderia, entretanto, desde que
ascendeu, ela tem desenvolvido um trabalho muito importante e
muito efetivo exatamente na área a que estamos nos dedicando
agora, aos irmãos e irmãs que estão vivendo na ilusão da
infância. Há quase mil anos terrestres atrás, ela fundou o
primeiro posto de socorro aos portadores da síndrome da “Auto-
Incapacitação Mental Crônica” no plano espiritual e de sua

64
primeira ala especialmente dedicada àqueles que vivem na
ilusão da infância.
Nessa ocasião, as colônias como a nossa ainda não
existiam, não na forma organizada como as vemos hoje, então o
primeiro centro de tratamento foi criado em esfera superior à de
Champs Elisées. Esses casos “infantis” não são comuns a ponto
de se afirmar que exijam centros com tal especialidade em todas
as regiões do orbe, pois mal alcançam dois centésimos
percentuais dos irmãos em desequilíbrio na erraticidade.
Entretanto, se considerarmos os bilhões de criaturas
desequilibradas errando pelo espaço circundante à terra e pelo
umbral, concluiremos que o número dos que tratamos é bastante
significativo, e tem se mantido dentro desses mesmos patamares
por gerações sem conta.
E após alguma reflexão, Giselle completa:
- A irmã Mercie é nossa mentora espiritual, nossa
orientadora e foi de suas mãos que recebemos a maioria das
técnicas de socorro e tratamento de casos como os que
trabalhamos. Salvo raríssimas exceções, ela sempre vem nesta
aparência de menina que vocês conheceram, não importando a
ocasião, lugar, ou pessoas com quem interaja. Eu mesma estou
me dedicando a esse trabalho há mais de quarenta anos e jamais
a vi com outro aspecto. Sua presença sempre nos enche de luz,
amor, paz... não há palavras adequadas para descreve-la, vocês
sentiram! E no que me concerne, a irmã Mercie já pertence
àquela classe de espíritos angelicais que compartilham com o
Pai altíssimo do amor puro à humanidade.
E após uma breve pausa em que os três meditaram
rapidamente e postaram-se visivelmente emocionados, Giselle
os convida:
- Vamos! Sigamos para o nosso próximo passo!

MEMÓRIAS
Em meio caminho de retorno à colônia, Giselle
interrompe o avanço do grupo e esclarece:

65
- Acabo de receber instruções do Dr. Maurice para
conduzi-los diretamente ao ‘Departamento das Memórias
Passadas’ em nossa colônia, para que possam conhecer as
atividades desse departamento e lá vocês decidirão seus rumos.
Continuaram então em retorno à colônia, onde Giselle os
leva ao ‘Departamento das Memórias Passadas’ onde já eram
aguardados pelo Dr. Maurice, que esclarece:
- A pouco fui alertado por Giselle a respeito dos
acontecimentos em vossa visita à crosta, mais especificamente
em relação à questão das suas lembranças, então consultei
nossos maiores e decidiu-se que podemos antecipar algumas
ações sem correr o risco de prejudicar o vosso desempenho ou
suas mentes. Antes, porém, de nos aprofundarmos nessas
questões, convém que os rapazes visitem e conheçam o trabalho
desenvolvido por este departamento, pois assim os senhores
poderão desenvolver um melhor julgamento e
consequentemente tomar uma decisão mais acertada a respeito
de vossos passos daqui por diante.
Giselle, que então mal conseguia disfarçar sua ainda
despercebida ansiedade, pelos irmãos Viert, toma a palavra:
- Despeço-me por hora. Assim que estiverem novamente
disponíveis para darmos sequência no aprendizado através de
nossas visitas, eu os reencontrarei.
E deixou o grupo após abraçar carinhosamente os irmãos
Viert, inadvertidamente evidenciando sua ansiedade, que só
então chamou a atenção dos dois irmãos. O Dr. Maurice
intencionando distrai-los, imediatamente os chama, e então os
conduz para o interior das instalações do departamento, onde
são recebidos pelo Dr. Ahmed.
Uma vez feitas as saudações, o Dr. Maurice esclareceu:
- O Dr. Ahmed é o diretor do ‘Departamento das
Memórias Passadas’, e daqui por diante os conduzirá a uma
visita de esclarecimento, portanto, deixo-os em boas mãos e
aguardo noticias.
- Agradeço - ajuntou o Dr. Ahmed - é sempre um imenso
prazer poder auxiliar nossos irmãos que retomam suas vidas
espíritas, a compreenderem melhor seus papéis e sua condição
na vida espiritual.

66
Assim que o Dr. Maurice os deixa, e o Dr. Ahmed os
conduz pelos corredores do edifício principal, e inicia as
explicações:
- Recebi e estudei as suas fichas e tenho dentro de mim
que a vossa visita a este centro vos será muitíssimo proveitosa!
Neste exato momento eles se detêm diante de uma sala a
guisa de anfiteatro, já ocupada por um vasto grupo de pessoas,
onde um orador palestrava utilizando-se de recursos
audiovisuais muito avançados em relação aos padrões terrestres,
que àquela época na terra limitava-se a cartazes, alto-falantes e
projetores de slides, o grupo presente de tão concentrado estava
nas explicações, que não se perturbara com a presença dos três.
- Aqui nesta sala, os pretendentes ao acesso de memórias
passadas são instruídos a respeito de alguns detalhes pertinentes
ao processo, como por exemplo, das principais consequências
psicológicas, do real objetivo deste procedimento que antecipa
de forma artificial, porém cuidadosamente controlada, a
retomada de algumas lembranças específicas de fatos passados,
sendo que alguns podem ser de tempos remotos, outros nem
tanto; a maioria das memórias resgatadas são relativamente
recentes, sendo que residem ocultas e latentes em suas memórias
imortais. Também são discriminados os objetivos deste processo
e o porquê, de em situações especiais, que não são tão raras, ser
vantajoso, útil e desejável até, lançar mão deste procedimento.
Em seguida, os irmãos Viert são conduzidos por um
largo corredor bem iluminado, com uma extensa série de portas
em ambos os lados, e ao passar por algumas que se encontravam
abertas cujas salas estavam vazias, notaram serem essas salas de
pequenas dimensões, contendo em seu interior uma pequena
mesa de centro e algumas poltronas, o Dr. Ahmed continua com
as explicações:
- Essas salas têm duplo propósito, nelas técnicos
especializados fazem uma avaliação prévia dos candidatos ao
processo de recuperação de memórias, e caso o processo seja
aplicado, é feito em seguida um acompanhamento avaliatório e
orientativo segundo as consequências constatadas, se houverem.
Desde que iniciamos nossos trabalhos nesta área, com essas
mesmas técnicas, jamais nos deparamos com consequências
negativas de vulto ou significativas, apenas e eventualmente, um
ou outro caso necessitou alguma orientação para que,

67
efetivamente, o equilíbrio pessoal não fosse colocado em risco
ao decorrer algum tempo, diante de certas realidades próprias do
ser.
Mais adiante, tomaram uma rampa em caracol que os
levou a dois andares de alojamentos onde os pacientes, por
assim dizer, permaneciam acomodados enquanto estivessem em
tratamento, e por fim, alcançaram o último andar em que as
câmaras de tratamento se encontravam. Os irmãos Viert não
conseguiram determinar exatamente quantas câmaras existiam
ali, mas suporam serem mais de cem.
O Dr. Ahmed os levou a uma dessas câmaras que não
estava em uso e dentro dessa câmara havia uma poltrona muito
parecida com a de um dentista, ao lado da poltrona um grande
equipamento do qual viam sair muitos fios transparentes com
uma espécie de eletrodos luminosos em suas extremidades e
lateralmente à poltrona, uma porta de material diáfano e uma
ampla janela, que claramente separava a câmara onde o paciente
era submetido ao processo do operador do equipamento.
Todos os ambientes do departamento eram de cor branca,
assim como os móveis e equipamentos e tudo ali era suavemente
iluminado, para que dessa forma existisse o mínimo possível de
detalhes que pudessem interferir na concentração do paciente.
Seguiram então até o gabinete do Dr. Ahmed onde ele se
dispôs a responder as questões dos irmãos, ao que Gustavo
inicia:
- Exatamente em que, no nosso caso, a recuperação de
memórias passadas nos beneficiaria?
- Os senhores têm latentes em si, alguns potenciais
espirituais adormecidos pelo esquecimento do passado, cujo
despertamento constitui-se fundamentalmente em nosso alvo, e
então, com o processo em questão, serão prontamente
resgatados junto com muitas, mas evidentemente não todas, as
suas principais memórias passadas. Esses dons a que nos
referimos, ou potenciais do espírito, já foram desenvolvidos em
vocês em outras vivências. Estão hibernando em estado latente
como consequência natural às imposições da lei da reencarnação
que infligem ao espírito encarnado o esquecimento passageiro
do passado e da vida espírita, que no caso dos senhores ocorreu
em circunstâncias controladas, motivo pelo qual a recuperação
de suas memórias não se deu de forma natural, o bloqueio

68
gerado no procedimento pré encarnatório ao qual os senhores se
submeteram foi bastante eficiente por conta da sua total
submissão ao mesmo.
Os rapazes entreolham-se perplexos ante a declaração do
Dr. Ahmed, de que haviam sido submetidos a um procedimento
especial preparatório antes de sua última reencarnação, mas,
assim que definiam em seus pensamentos a intenção de argüir o
Dr. Ahmed a respeito este se antecipou:
- Assim que finalizarmos a vossa recuperação de
memórias, os senhores entenderão isso que vos revelei e muito
mais, por favor, sejam pacientes.
Os dois irmãos então silenciaram, submissos às
orientações do Dr. Ahmed e todos seguiram caminhando.
- Mas - acrescenta Henrique - não é dado ao espírito,
uma vez desembaraçado da matéria que o subjugava a
lembrança dessas coisas?
- A lembrança do passado, - explica o Dr. Ahmed - é
mais intensa no que se refere à sua última encarnação, em
relação às suas experiências precedentes. A lembrança mais
distante no tempo ocorre aos poucos, e naturalmente, com o
tempo, conforme o grau de adiantamento do espírito, ou o grau
de desprendimento da matéria, ou ambos. Muitas vezes essa
lembrança ocorre conforme novas experiências em
circunstâncias similares às anteriormente vividas e esquecidas
ocorrerem. Em muitos casos é extremamente útil que se antecipe
o que a própria natureza faria; entretanto o controle minucioso e
extremamente rigoroso do processo em si, e de quais lembranças
serão resgatadas é imperioso, no sentido de preservar o ser de
situações um tanto quanto complexas no lidar, e potencialmente
traumáticas, o que sabemos não ser o vosso caso, posto não
terem os senhores mais ajustes pendentes com a Lei13.
- Mas e quais as memórias que serão restauradas?, de que
épocas?, serão reencarnações ou fases de nossa existência
anterior?, e quem faz essa escolha? - questiona Gustavo.
- O plano de recuperação não nos pertence. Permanece
sob a tutoria de espíritos que nos são em muito superiores, os
quais na verdade mantém absoluto controle sobre o processo.
13
Ver ‘O Livro dos Espíritos’ - Parte Segunda - “LEMBRANÇA DA
EXISTÊNCIA CORPORAL” - Questões 304 a 306 também questões 312,
319, 351 e 978.

69
Uma vez que nossos técnicos dão o sinal ‘verde’ para seu inicio,
nossos maiores assumem o controle do equipamento e procedem
ao planejado, lançando mão para isso dos próprios técnicos
operadores que funcionam exatamente14 como os médiuns
encarnados, ou seja, operam o equipamento em transe
mediúnico, influenciados pelos espíritos das esferas superiores
responsáveis pelo processo. Quanto ao conteúdo do
planejamento, só teremos plena e exata ciência após a conclusão
do procedimento, que é por eles definida. E são esses mesmos
superiores que estabelecem quais memórias serão restabelecidas.
Só posso acrescentar, que como o processo é artificial,
normalmente não é muito grande o número de lembranças
resgatadas, mas isso pode variar conforme as necessidades e
condições do espírito que se submete ao processo.
- E quanto tempo é demandado sob a influência da
máquina?
- Isso Gustavo, dependerá de quantas memórias serão
trazidas à tona, quanto maior for o seu número,
exponencialmente maior será o tempo demandado na sua
recuperação, pois é necessário garantir a estabilidade emocional
do espírito que passa pelo processo, pois o resgate das memórias
implica também no resgate das emoções relacionadas a cada
evento relembrado. Em geral o processo é concluído após oito a
dezesseis horas, esta é a média.
- Esse processo então é como o da regressão de memória
hipnótica?
- Podemos dizer que sim Henrique, no entanto, muito
mais detalhado, mais profundo e sem dúvida totalmente livre de
efeitos secundários a longo prazo, os quais são comuns na
prática do método citado por você.
Gustavo e Henrique concordam então em submeter-se ao
processo de restauração parcial da memória conforme o que lhes
fora proposto.
Assistiram às palestras preparatórias, em que o processo
é descrito detalhadamente, as sensações e sentimentos são
também descritos, e de que o espírito que se submete ao
processo permanece o tempo todo lúcido e consciente, podendo
dessa forma interrompe-lo se assim o desejar.

14
Grifado pelo autor espiritual.

70
Em seguida foram sabatinados individualmente por
técnicos especializados, os mesmos que servirão de médiuns aos
espíritos superiores na realização do processo de cada um deles,
e já no dia seguinte apresentaram-se para submeter-se à
recuperação das memórias, cuja necessidade os maiores
determinaram.
Ambos permaneceram trinta e oito horas ininterruptas
em tratamento, ocupando câmaras contíguas e que
excepcionalmente estavam com seus equipamentos conectados
entre si. Após isso, eles deixaram suas salas, em absoluto e
voluntário silêncio, seguindo juntos para o alojamento que lhes
fora destinado e ali permaneceram em reclusão voluntária por
quase quatro dias, sendo que nos dois primeiros dias eles mal
falavam entre si.
Quando saíram de seus alojamentos, pareciam radiantes!
Sentiam-se felizes e plenos, verdadeiramente abençoados e
foram encaminhados para a entrevista final, onde sem demora
foram dispensados.
Apesar de ninguém conseguir distinguir qualquer
diferença neles agora, em relação ao antes do processo, além
talvez de irradiarem ainda mais felicidade do que antes, eles
haviam resgatado muitas capacidades anteriormente
desenvolvidas em intervalos entre encarnações, que estavam
adormecidas em seus subconscientes.
Antes, porém de deixar as instalações do departamento,
procuraram o Dr. Ahmed, que eles reconheceram como um
grande amigo da última vez que estiveram na colônia antes de
sua última reencarnação, e por ele foram recebidos com alegria.
Despediram-se, agradecendo-o pelas bênçãos ali colhidas.
Antes que saíssem, porém, o Dr. Ahmed os alertou:
- Não se esqueçam de que é esperado e absolutamente
normal, que vocês paulatinamente passem a se recordar de
outros detalhes de existências físicas precedentes e dos períodos
que passaram no plano espiritual entre suas encarnações. Isso
ocorrerá especialmente a cada vez que encontrarem alguém que
de suas vidas fez parte, e que ainda não tiveram a oportunidade
de se reencontrar, ou de se situarem em locais que foram palco
de acontecimentos marcantes em suas vidas. Entretanto,
determinadas memórias estarão de tal forma bloqueadas, que
mesmo reunindo todas as condições favoráveis para sua

71
lembrança, estas não serão trazidas, quando muito uma estranha
sensação de que algo há, em determinadas situações. Não se
preocupem, aos poucos e com o tempo esses bloqueios se
dissiparão naturalmente.
Dali buscaram a presença do Dr. Maurice, que deles
recebeu um relatório verbal completo de suas conquistas no
campo espiritual. Agora, dificilmente seriam surpreendidos nas
situações por que passassem.

MANINHA
Novamente foram ao encontro de Giselle, seguindo
instruções do Dr. Maurice, e foram por ela recebidos, com a
alegria que a caracterizava.
- Então, o que me contam de novo? Ou devo dizer, de
velho? - perguntou Giselle rindo-se.
- Ah! A maior novidade velha que temos é que agora nós
sabemos quem a senhora é, dona Giselle - rebateu
divertidamente Henrique, com uma postura desafiadora e um
falso olhar reprovador.
Giselle para dar maior dramaticidade à brincadeira
ocultou seu rosto com as mãos e olhando entrededos, disse:
- Oh senhor! Que terrível é o meu destino! Fui
descoberta...
E os três abraçaram-se comovidos, sem conseguir reter
lágrimas de alegria pelo reencontro finalmente a descoberto.
Giselle em muitas encarnações foi irmã de Gustavo e
Henrique, além de terem evidentemente alguns papéis
alternados em outras encarnações, e os acompanhou por muitas
e muitas vezes ao longo de milhares de anos e dezenas de
existências, sendo que estavam separados circunstancialmente já
há três séculos.
Uma vez recobrado o equilíbrio e pacificados os
sentimentos venturosos que os levaram às lágrimas, Gustavo,
secando gentilmente as lágrimas que insistiam em percorrer o
rosto de Giselle a questionou:

72
- Mas por que você não se revelou irmãzinha? Por que
você se ocultou aos nossos olhos?
- Ah! Meus irmãos! Como me custou caro ter de me
ocultar a vocês, estar com vocês sem me denunciar... Recebi
instruções que deveria proceder exatamente assim com vocês,
pois como já devem se lembrar, seu último reencarne foi um
tanto quanto elaborado devido as circunstâncias. Foi grande a
dificuldade de embotar suas memórias para não prejudicar seu
plano reencarnatório. Se me denunciasse, isso poderia custar a
necessária estabilidade de vocês para o processo de resgate das
memórias passadas no devido tempo - e fazendo biquinho de
menina chorona, continuou - não fiquem magoados com sua
irmãzinha...
Os três riram-se a valer e saíram a caminhar abraçados
pelas belas veredas da colônia de Champs Elisées, rumo à
morada de Giselle.
Lá chegando, depois de muito assunto colocado em dia,
Giselle lhes faz um convite:
- Eu estou a par do fato de que vocês ainda não se
decidiram por estabelecer residência própria. Portanto meus
amados irmãozinhos, eu quero convidá-los a vir se fixar aqui
comigo. Estou ocupando essa casa sozinha já há algum tempo,
pois Dolores, Jean Ives e Irany que residiam aqui comigo, estão
reencarnados no orbe15, e aqui há espaço que sobre para nós três!
- Mais tarde, eu tenho certeza que vocês saberão dar bom
destino aos créditos que possuem, posto que não devemos deixar
estagnar qualquer oportunidade de distribuir os ‘talentos’ que o
Pai nos confiou, e nesse quesito vocês são bons e habilidosos.
Henrique e Gustavo entreolham-se e divertidamente
começam a provocar Giselle:
- Ah... não sei, morar numa casa assim tão feminina, tão
cheia de flores e “fru-frus”. - disse Henrique dirigindo uma
disfarçada piscadela a Gustavo.
- É verdade mano! - Rebate Gustavo com ares de
‘machão’ - Dois homens feitos como nós não podem ser vistos
numa casa que mais parece uma república de moças, aposto que

15
Refere-se Giselle a alguns companheiros de muitas jornadas, que formam
com eles, e outros muitos, a família espiritual deles, unidos por laços de amor
e simpatia. Nota do Autor Espiritual.

73
o quarto que ela nos destinará é todo em cor de rosa e tem
unicórnios e fadinhas pintados nas paredes...
Giselle finge indignação e põe as mãos à cintura.
- Ah! Eu devia saber! Devia ter solicitado aos maiores
que não permitissem que vocês se lembrassem desse jeitinho tão
gentil que vocês sempre tiveram comigo...
E cruza os braços fingindo-se estar aborrecida.
Os dois se acercam de Giselle, um a cada lado e
beijando-lhe as faces muitas e muitas vezes, enchendo-a de
mimos dizem em uma só voz:
- Oh maninha! É claro que viremos, e cheios de alegria e
gratidão para com o Pai que nos permitiu o reencontro! Nós te
amamos maninha!
Giselle os abraça com os olhos rasos d’água e os três,
sem aviso ou combinação, abraçados, ajoelham-se na sala da
residência, agora dos três irmãos, e oram em gratidão ao Pai.
Terminada a prece e uma vez refeitos das emoções,
Giselle os comunica dos próximos passos:
- Eu solicitei ao Sr. Gautier e ao Dr. Maurice, uma breve
folga em meus afazeres e fui atendida, para que possamos passar
alguns dias juntos revendo a colônia que muito cresceu desde
que vocês partiram para sua reencarnação. Iremos reencontrar
alguns velhos amigos e os apresentarei a uns novos. Mais tarde é
muito provável que um desses amigos os acompanhará a uma
visita a uma cidade do umbral em seus vários níveis sub-
crostais, para que vocês estejam aptos a bem realizar qualquer
missão que porventura lhes seja incumbida. A mesma cidade em
que estiveram recentemente acompanhando os fatos que
presenciaram entre Jasper e um dos senhores daquelas bandas.
Assim, os três irmãos passaram alguns dias
reencontrando velhos amigos, conhecendo alguns departamentos
novos da colônia, conhecendo as novas tecnologias
desenvolvidas pelos cientistas do espaço, conquistando novos
amigos e também procuraram o Sr. Renan e a Sra. Julliete para
comunicar-lhes que passariam a residir com Giselle. A notícia
encheu o casal de júbilo, pois como disse na ocasião a Sra.
Julliete, ‘Espíritos que se amam no infinito, sempre deveriam
permanecer infinitamente juntos’.
Giselle não perdeu tempo e convidou o casal para um
encontro comemorativo em que se celebraria a reunião da

74
família, na qual os integrantes da família Viert, recentemente
retornados do plano material também estariam presentes,
incluindo-se evidentemente Heriot e os seus. Reunião esta que
além de estreitar os laços espirituais desta grande família
espiritual que se avolumava, pretendia levar a gratidão de todos
ao Pai pelas muitas conquistas de todos nestes últimos tempos.
Marcou o evento para o último dia do recesso que estavam
usufruindo.
Foi nesta reunião que os irmãos Henrique e Gustavo
souberam que em breve Petrus retornaria ao orbe através da
benção da reencarnação, para o que já estava sendo preparado, e
que seria precedido por uns poucos e seguido por vários outros,
inclusive Liandra, todos em busca de aprendizado e reajuste
com a Lei Maior.
Terminado o período de recesso solicitado por Giselle,
seguiram os três em direção ao orbe, para aumentar o
aprendizado a respeito da ilusão da infância no plano espiritual.

O PEQUENO JULIAN
Giselle conduziu seus irmãos até a crosta, onde os
primeiros raios de sol anunciavam um novo dia. Lá conheceram
o caso de um espírito um tanto quanto renitente, então chamado
Julian, que desta vez se refugiara em um lar cuja família contava
com um casal de idosos, um casal relativamente jovem e oito
filhos cujas idades variavam entre os quinze anos e um ano e
meio, sendo cinco meninos e três meninas.
Julian sentiu-se atraído para este lar, quando vagava a
esmo em procura de um refúgio, e ao notar o grande número de
crianças naquela casa, sentiu-se impelido a ali permanecer. Tal
sentimento surgira em Julian por influência de espíritos da
colônia de Champs Elisées que o seguiam na ocasião de sua
última fuga, e por conhecerem de antemão as condições
favoráveis do ambiente do lar Soulié, o induziram mentalmente
a ali chegar e permanecer.

75
Este lar era fundamentalmente cristão. A mãe, o rapaz
mais velho e duas das crianças que contavam com sete e cinco
anos respectivamente, possuíam mediunidades bastante
acentuadas, fato considerado corriqueiro e bem aceito por toda a
família.
Apesar de não se tratar de uma família rica, eles viviam
materialmente bem, pois residiam em um edifício de
apartamentos que pertencia à família, cujos apartamentos
alugados rendiam uma soma tal que, adicionada ao salário do
pai da família, o Sr. Marcel Soulié, garantia-lhes todo conforto
que uma família de classe média alta da época poderia usufruir.
O senhor Marcel Soulié era um funcionário público, e
em atendimento de suas atribuições junto ao governo francês,
permanecia por longos períodos em viagem, distante da família.
Julian era um espírito que desencarnara havia mais de
quarenta anos, seu desencarne se dera no fim da primeira guerra
mundial, quando então contava com a idade de seis anos, e
desde então esteve na colônia de Champs Elisées por duas
vezes, nas quais se mostrou intransigente e impermeável a
qualquer orientação ou tratamento, isso como consequência de
seu trauma consequente das circunstâncias trágicas e brutais de
seu desencarne.
Tornara-se refratário a qualquer tentativa de condução ao
reequilíbrio espiritual e mental, e com o passar do tempo,
aprendeu a reconhecer quando tentavam disfarçadamente
demove-lo de sua condição.
A primeira tentativa de conduzir Julian ao reequilíbrio
acabou por agravar ainda mais seu estado mental. Julian fora
conduzido a um grupo espírita que promovia trabalhos de
assistência espiritual a desencarnados, entretanto ante a tentativa
do ‘doutrinador’ em despertar a condição adulta de Julian,
mediante argumentação e forte magnetização, procedimento
usual nesses casos, deparou-se com uma forte recusa de Julian,
quando este se deu conta do que estava acontecendo.
O contato anímico com o médium, que dava a Julian a
passividade necessária para o intercâmbio, ao invés de
influenciar o mental de Julian demovendo-o da condição
infantil, junto com a magnetização do ‘doutrinador’, serviu-lhe
de “alimento” para não só sustentar-se na condição a que se

76
apegava, como também para fortalecê-lo nessa constituição
ilusória a que se atirou em fuga16.
Julian redirecionou o magnetismo do ‘doutrinador’ com
tamanha intensidade sobre o médium, que este se entregou
completamente a Julian.
Tal evento teve fortes repercussões no espírito do
médium, que acabou deixando-se comandar por Julian, pois sua
mente estava completamente embotada, consequência da força
com que Julian reagira, e inconscientemente, Julian passou a
drenar-lhe as energias. Não fosse a rápida intervenção da equipe
espiritual que dava o suporte à equipe mediúnica, interrompendo
imediatamente a ligação entre médium e espírito, seguramente o
médium sofreria graves consequências em virtude da reação de
Julian, sendo que a intervenção ocorreu tão prontamente que o
médium apenas suspeitou que algo ocorrera e o dirigente
encarnado do trabalho sequer tomou conhecimento. Tais
ocorrências, são mais comuns do que se supõe e podem ser
levadas ao conhecimento das equipes mediúnicas se antes de
encerrar a tarefa do dia, o dirigente encarnado dê algum tempo
para o intercâmbio com os dirigentes espirituais, e que seja
discutido entre os trabalhadores encarnados os comentários
obtidos nesse intercâmbio.
Julian também fora conduzido amorosamente à colônia
por duas vezes e na sua segunda estadia na colônia, Julian foi
conduzido ao ‘Departamento das Memórias Passadas’.
Sua reação contrária ao despertamento foi tão intensa
que para evitar danos ainda mais graves à mente de Julian, os
técnicos decidiram interromper o tratamento imediatamente e
retorna-lo ao instituto na colônia.
Julian, através de algumas artimanhas conseguiu
desvencilhar-se de seus tutores e deixou a colônia em disparada,
e desde então, não mais retornara.
16
Tal fato na tentativa de socorrer Julian ocorreu principalmente em
consequência do despreparo do aparato socorrista terrestre, que além de mal
preparado para a tarefa, era movido mais por um sentimento de vaidosa
curiosidade do que por amor fraternal. Ante a recusa de Julian, ao invés de
respeitar-lhe a condição e em atendimento ao seu direito ao livre arbítrio, que
nesse caso não estava infringindo nenhuma outra Lei, o “doutrinador” operou
uma forte magnetização sobre Julian, buscando retê-lo no ambiente, já que
Julian denunciava buscar a fuga dali e induzi-lo à força a condição adulta.
Nota do Autor Espiritual.

77
Assim Giselle concluiu as suas explicações:
- Eis aqui maninhos, o seu primeiro desafio. Nenhum
aprendizado é melhor que o conquistado pela prática! Sugiro
que se mantenham o maior período de tempo possível, às ocultas
mantendo seu tônus vibratório elevado, estudando o mental
deste nosso irmão e busquem a aproximação com cautela. Devo
deixa-los e seguir em retorno para a colônia onde me aguardam
outras responsabilidades. Ah! Não citem meu nome ou de
qualquer dos trabalhadores de nosso departamento na presença
dele, pois ele já nos conhece quase a todos nós.
Então, Henrique e Gustavo passaram um período
completo de quarenta e oito horas, apenas observando e
anotando o comportamento de Julian e sua interação com os
membros encarnados da família Soulié.
Neste período observaram que as duas crianças menores,
Francine de um ano e meio e Auguste de três anos interagiam
normalmente com Julian, pois ainda não perderam o dom
natural de toda criança em tenra idade de ver e ouvir, pelo
menos alguns, dos espíritos desencarnados presentes.
A Sra. Claire Soulié, matrona daquela família, percebia-
lhe a presença visualmente, porém não tinha desenvolvida a
audição mediúnica, pois não foram poucas as vezes que se
sentira apavorada com a presença de espíritos e de alguma sorte
isso bloqueou lhe o potencial auditivo, entretanto remanescendo
o visual17, portanto não tinha como interagir diretamente com
Julian, eventualmente quando sabia ela estar a sós, dirigia-lhe
algumas perguntas e comentários, mas este se limitava a olhar
esquivamente para ela, sem expressar qualquer sentimento ou
gesto que pudesse ser levado à conta de resposta.
Julian era para a Sra. Claire um motivo de constante
preocupação, não por si própria ou pelos seus filhos, mas sim
por Julian mesmo, e em favor dele orava fervorosamente todas
as noites, pois entendia que Julian necessitava de socorro, que
apesar de se divertir com seus filhos, possuía um semblante
essencialmente triste e considerava ser lamentável a solidão de

17
A falta de conhecimento, ou de cultura espiritual é o que leva um médium a
ter seu potencial incompleto ou limitado, especialmente em consequência de
“medos”. Basta a educação mediúnica e o exercício da mediunidade bem
conduzido, bem orientado além de um ambiente adequado para tal, para que a
mediunidade se manifeste em todo o seu esplendor.

78
Julian, mesmo sendo ele um espírito. Tal atitude da Sra. Claire
foi elemento decisivo na recuperação de Julian, pois aos poucos
Julian ia sendo envolvido por seu amor canalizado pelas preces
sinceras e afetuosas, energias amorosas essas acrescidas das
emanações do Mais Alto que paulatinamente, num tratamento
“formiga”, foi influenciando positivamente o mental de Julian.
A Sra. Claire não seguia o espiritismo, pois as vastas
responsabilidades familiares que lhe cabiam a impediam de
manter outros afazeres, mas seu filho mais velho Marcel Soulié
Júnior, sendo médium vidente e audiente, foi conduzido por seu
‘anjo-de-guarda’ a conhecer um grupo de estudos e prática
doutrinária espírita, nos moldes da codificação e este aos poucos
foi transmitindo à sua mãe o seu aprendizado.
Ela não interpunha qualquer obstáculo ao interesse
religioso do filho e tão pouco se furtava de ouvir atentamente as
explicações e ensinamentos que Júnior lhe trazia. Mas se já não
se sentiam à vontade com a presença de Julian, assim que
tiveram contato com o capitulo no ‘O Livro dos Espíritos’ que
trata da retomada da forma adulta por parte de um espírito
desencarnado18, o desconforto acentuou-se.
Tal ensinamento aparentemente discordava com o que
seus olhos evidenciavam como realidade.
Júnior ao consultar a esse respeito os seus instrutores
doutrinários, obteve deles a resposta de que talvez Julian não
passasse de um mistificador e que deveriam mantê-lo sob
vigilância sempre que possível e que deveria rogar em suas
preces que Julian fosse encaminhado para esclarecimento, pois
‘...com certeza trata-se de um espírito muito inferior e infeliz,
que de nós merece apenas nossa piedade, mas cuidado, não
raramente os espíritos inferiores costumam ser maus e
ladinos!’.
Foram tais as palavras usadas para orientar Junior,
palavras que lhe causaram tristeza, pois ele já observava e
conversava com Julian há muito tempo, em diversas ocasiões, e
nunca percebeu neste qualquer traço de agressividade ou
malícia. Julian comportava-se exatamente como se apresentava,
como uma criança de seis anos de idade!

18
Ver ‘O Livro dos Espíritos’ - Allan Kardec - 2ª Parte - Capítulo 7 - A
infância.

79
No terceiro dia junto à família Soulié, Gustavo e
Henrique decidiram que seria conveniente apresentar-se a Júnior
de alguma forma e também introduzir-se no convívio com a
família Soulié, e o fizeram na noite daquele dia.
O apartamento da família Soulié era duplo, ou seja, dois
apartamentos foram anexados um ao outro de forma que
comportava a família confortavelmente em cinco quartos.
O maior deles que antes se destinava à sala de estar de
um dos dois apartamentos, foi dedicado à ocupação das meninas
e das crianças menores, é neste quarto que Julian permanecia
durante a noite, não raramente brincando com os espíritos das
crianças temporariamente libertos de seus veículos físicos pelo
sono. Júnior dividia seu quarto, o menor dos cinco quartos, com
mais dois irmãos, um com treze anos e outro com onze anos,
todos meninos.
Quando estes se recolheram para o repouso, os irmãos
Viert permaneciam ainda ocultos aos olhos de todos ali, e com o
concurso dos tutores espirituais dos meninos, procederam a uma
projeção fluídica sobre os irmãos de Júnior de molde a lança-los
em um sono profundo e seus tutores permaneceram a sustenta-
los nessa condição.
Então Charles, o tutor espiritual de Júnior, chamou-o de
volta ao seu corpo físico e este, que ocupava a cama superior de
um beliche, despertou tendo ao seu lado os rostos de seu tutor
Charles e os irmãos Viert, todos o observando pacientemente
com sorrisos estampados nos rostos.
Charles nunca estabeleceu qualquer diálogo que fosse
com Júnior por não estar autorizado a isso, pois tal intimidade
no plano físico poderia prejudicar Júnior em suas experiências
probatórias e reajustadoras com a lei, apenas permitia que Júnior
eventualmente o visse, mas sem nunca interferir de que forma
fosse nas atitudes ou decisões de Júnior, limitando-se a inspira-
lo sempre que necessário da mesma forma que todo ‘anjo-de-
guarda’ faz com seu tutelado. Júnior, apesar de suspeitar do fato,
não tinha ciência de que Charles fosse seu tutor espiritual.
Júnior então permaneceu por alguns momentos a
observa-los, e após esses momentos, Charles abraçou os irmãos
Viert e desvaneceu diante dos olhos de Júnior, desta forma
Júnior compreendera que estes que se encontravam diante dele

80
tratavam-se de alguma sorte de espíritos de boa índole e estavam
autorizados a estar ali.
Assim, Gustavo e Henrique poderiam se apresentar a
Júnior, sem a presença de Charles, para que Júnior se sentisse
seguro quanto às intenções deles; apesar que bastaria que estes
intensificassem suas próprias irradiações perispirituais, e desta
forma Júnior os veria brilhando e resplandecendo, enchendo
todo o aposento de luz.
Entretanto, eles preferiram apresentar-se com o concurso
de Charles, pois não admitiam a possibilidade de ferir os
sentimentos de quem quer que fosse, com tal atitude tão
ostensiva, que é reservada a casos especialíssimos.
Gustavo toma a palavra:
- Júnior, chamo-me Gustavo e este aqui é Henrique. Nós
estamos aqui sob orientação de nossos maiores em missão de
socorro ao nosso irmão Julian. É indispensável que Julian não
saiba quem somos e quais são os nossos objetivos, pois ele se
encontra com a mente de tal forma perturbada, que se fixou na
forma infantil que se nos apresenta hoje, e se tiver consciência
de nossos objetivos, irá evadir-se novamente como já o fez
antes. Pedimos-te que mantenha segredo máximo a nosso
respeito e que quando for indispensável o comentário, furte-se o
máximo que te for possível de detalhes a nosso respeito, seja a
quem for, entendeu?
Júnior que estático os observava, ainda deitado, meneou
positivamente a cabeça.
- Ótimo! - Exclamou Gustavo, e continuou - Mantenha-
se atento, ore e vibre positivamente por nosso irmão Julian, não
nos revele por enquanto nem mesmo à sua mãe, pois se Julian
suspeitar de algo podemos colocar todo nosso esforço a perder.
- Entendi. - respondeu Júnior ainda maravilhado com os
fatos de que passara a fazer parte, e imediatamente questionou-
os:
- Mas então por que vocês se apresentaram a mim? Por
que eu deveria saber o que está ocorrendo aqui?
- É necessário que a harmonia e a rotina da casa sejam
mantidas estáveis o máximo possível. Precisamos que você,
quando necessário, tranqüilize as pessoas de sua família que
podem nos ver, pois isso certamente ocorrerá; mas faça isso sem
dar o menor detalhe dos fatos, nós sabemos que não será tarefa

81
fácil, especialmente por que isso terá de ser feito o mais
discretamente possível em relação a Julian.
E Henrique acrescenta:
- Tudo que ocorrer de inusitado por aqui nos próximos
dias, analise o mais serenamente que te for possível e busque
não se alterar, certo? Sempre que possível e conveniente
colocaremos você a par das ocorrências.
- Assim será! - Afirmou Junior com imensa satisfação.
- E muito obrigado por permitirem que eu participe de
alguma forma desse socorro. Eu tenho muita simpatia
pelo pequeno Julian e desejo sinceramente que ele
reencontre seu caminho!
- Ficamos felizes com teus sentimentos e confiamos em
você, mas não se esqueça, sigilo total!
Nem mesmo aos meus companheiros de estudo de espiritismo
posso fazer qualquer comentário?
- Nem mesmo a eles Júnior, pode ocorrer de eles
pretenderem observar de mais perto os fatos que irão se
desenrolar aqui, o que traria perturbações indesejadas ao
ambiente, pondo em risco o sucesso de nosso trabalho, ou ainda
poderiam pretender invocar Julian em uma sessão mediúnica,
com a intenção de doutriná-lo, colocando nossa oportunidade a
perder, este caso especificamente deve ser tratado por outras
vias que não a do intercâmbio mediúnico. Soubemos que na
ocasião em que você buscou junto a eles algum esclarecimento a
respeito de Julian, o coordenador dos trabalhos decidiu evocar
Julian na primeira oportunidade e não foi tarefa simples aos
mentores daquela casa faze-lo esquecer desse intento.
- Está bem - concordou Júnior, com certo ar de
preocupação - prometo colaborar em tudo que necessitarem.
Os irmãos Viert então, satisfeitos com o proceder de
Júnior, exclamam à guisa de despedida:
- Que as luzes de nosso Pai sejam sempre contigo Júnior!
E antes que Júnior pudesse reagir os dois desvaneceram
diante de seus olhos e ele lamentou:
- Eu tenho tantas perguntas...
Gustavo e Henrique sorriem diante da lamentação de
Júnior, pois não foram poucas as vezes que eles se sentiram
assim, com muitas questões sem resposta, e Charles que a tudo
acompanhava oculto aos olhos de Júnior, disse aos dois:

82
- Vou induzi-lo ao sono, sua mente deve estar fervendo e
seu descanso é merecido e necessário.
Charles nem bem terminou de falar e Júnior começou a
orar espontaneamente em agradecimento ao socorro que se
iniciava a Julian e pela oportunidade que lhe foi concedida em
participar do evento, mesmo que de forma, para ele, tão
modesta.
Sua prece foi acompanhada pelos três espíritos que dele
se acercavam, que não conseguiram conter a alegria pela postura
de Júnior e os quatro ali foram envolvidos por uma safirínia luz
vinda do alto, luz esta que após ter tomado Júnior por completo
à partir de seu chacra coronário, se espalhou por toda a casa,
irradiando-se em seguida e rapidamente por todo o edifício,
abrangendo vasta área da vizinhança a todos abençoando
igualmente.
Poucos foram os que estavam aptos reter-lhe os
benefícios, mas a todos promoveu alguma reação positiva, por
mais efêmera que fosse, seja acalmando mais ou menos a uns ou
outros, seja alentando e até mesmo dando ânimo e boas
resoluções a outros tantos.
A prece dinamizada pela fé e gratidão, é sempre atendida
com o maná de bênçãos do Pai que a todos alimenta
indistintamente.
A intervenção de Charles não foi necessária, após a
prece, Júnior adormeceu placidamente.

MISSÃO PARALELA
Enquanto permaneciam junto ao espírito de Julian no
orbe, logo nos primeiros dias, Giselle os chama mentalmente
para uma área próxima à residência onde se encontravam os
irmãos Viert e por eles é atendida tão logo lhes foi possível.
- Maninhos, eu trago novidades! Conforme eu previa e
lhes adiantei a poucos dias, vocês foram oficialmente
convidados a seguir com um grupo avançado para “Páthia” onde
um de nossos colaboradores, selecionado e convidado
pessoalmente pelo Sr. Gautier, de acordo com um plano de

83
nossos maiores, irá conduzi-los dentre os diversos níveis
daquela cidade-estado do umbral para que vocês a conheçam a
fundo, e vocês irão ao final dessa excursão assistir um evento
poucas vezes presenciado, segundo eu soube.
- O que está para acontecer só ocorreu uma vez até hoje e
isso há bem pouco tempo. Infelizmente não posso adiantar-lhes
precisamente do que se trata, pois apenas tenho suspeitas do que
seja, e seria leviandade de minha parte especular. Essas ações
que estão para ocorrer devem permanecer sob sigilo absoluto.
São poucos os que têm a permissão dos maiores para participar
desse conhecimento. Também eu estarei lá, mas em um grupo
diferente e em missão específica, da qual ainda não recebi
qualquer detalhe.
Gustavo e Henrique entreolham-se e perguntam a
Giselle:
- Mas e quanto a Julian? Mal começamos e deveremos
deixar essa missão para trás?
- Não, de forma alguma! Segundo o pouco que sei dos
planos de ação, tais eventos que fomos notificados demorarão
alguns meses ainda por suceder, pois vai requerer uma vasta
preparação. Nesse meio tempo vocês seguirão a Páthia em
companhia deste nosso irmão indicado pelo Sr. Gautier, sempre
que possível no período da noite em Paris.
- Mas mesmo assim Giselle, e quando conseguirmos nos
estabelecer por aqui, nós não podemos correr o risco de nos
ausentarmos um minuto que seja, pois já percebemos que Julian
é muito arisco e se decidir nos arguir em algum momento em
que não estejamos lá, pode ser que nosso esforço seja perdido -
replicou Henrique.
- Bem, - considerou Giselle - talvez vocês consigam usar
o recurso da ubiquidade de molde a vigiar o ambiente, e assim,
caso necessário, retornar imediatamente para lá.
- Pelo que sabemos, nós ainda não estamos aptos para
isso, Giselle - comenta Gustavo - afinal nós efetivamente não
sabemos quais são nossos limites sensoriais, mas com certeza
são ainda muito limitados, e a distância que separa Páthia do lar
dos Soulié é bem grande, sem falar das questões vibratórias do
ambiente umbralino que com certeza será um fator
desestabilizante para nós.

84
Os irmãos entreolham-se mais uma vez e meditam
intensamente em busca de uma solução, ao que em dado
momento Gustavo que estava com o olhar fixo num ponto
infinito, como se divisasse algo invisível aos olhos de seus
irmãos, questiona Giselle:
- Seria possível fazer um misto de técnicas, usando o
dom da ubiquidade, se tivéssemos tal alcance evidentemente, e o
da criação de formas-pensamento tangíveis em nosso plano?
Giselle abre um enorme sorriso e responde perguntando:
- Humm! Acho que entendo o que você está propondo,
fazer duplicatas perispirituais de vocês mesmo, para além de
monitorar o ambiente, controla-las mentalmente à distância
através da ubiquidade, é isso?
- Sim, algo semelhante a isso seria possível?
Henrique intervém:
- Será que conseguiremos atingir tal nível de ação?
Talvez seja demais para nós, afinal mal e mal dominamos a
ubiquidade em uma esfera de ação ainda muito. Mesmo se
conseguíssemos, será que conseguiremos faze-lo com o mínimo
necessário de estabilidade, propriedade e precisão? Quanto
treino teremos de dispender para atingir tal avanço?
Giselle medita por alguns instantes e exclama:
- Meus maninhos, por experiência própria, eu sei que
muito do que pensamos ser impossível no momento, para o
nosso espanto, torna-se um fato e sei que não é simples
coincidência ou acaso estarmos discutindo essas possibilidades
que muito provavelmente nos estão sendo intuídas pelos nossos
maiores. Considerando isso, vou procurar informações a
respeito, e adianto-lhes que efetivamente eu já vi tal ocorrência,
e pelo que sei, é possível sim, restando para nós saber em que
condições. Sei que semelhante procedimento é perfeitamente
possível para nossos irmãos maiores, tanto é que a nossa irmã
Mercie que vela por Policarpo reencarnado, o faz mediante este
mesmo recurso que você sugeriu Gustavo, ou seja, sua presença
lá se dá o tempo todo, por esse efeito que discutimos.
Verificarei junto aos nossos maiores. Se eles realmente
estiverem intervindo sobre nós nesse momento, eu acredito que
haja uma forte possibilidade de estes interferirem de alguma
forma nos auxiliando mais diretamente na positiva execução
destas possibilidades que aventamos. Assim que eu tiver algo de

85
concreto, eu retornarei e poderemos definir de uma vez por
todas as nossas ações. De qualquer forma, seja possível ou não
utilizarmos estes recursos, buscarei com nossos superiores um
meio de contornarmos essa situação sem que tenhamos de
colocar em risco a missão de vocês junto a Julian. Existem
outros expedientes, no entanto me parecem ainda mais
improváveis.
E despedindo-se partiu volitando rumo à colônia de
Champs Elisées, e os irmãos Viert retornaram ao pequeno
jardim da família Soulié.
Passados dois dias em que os irmãos mantinham-se
vigilantes, estudando Julian, Giselle novamente os procura em
alta madrugada e eles se encontram no mesmo local. Antes,
porém, que Giselle pudesse dizer algo, Gustavo a coloca a par
de alguns experimentos que os irmãos fizeram nos momentos
disponíveis para isso:
- Maninha, nós testamos nossos limites de ubiquidade e
infelizmente a maior distância esférica que conseguimos cobrir
mal ultrapassa um quilometro, isso com um bom esforço e
quanto às duplicatas ideoplásticas perispirituais, tivemos algum
sucesso, entretanto, apesar de suas aparências não deixarem
muito a desejar, elas mais parecem marionetes inexpressivas e
pouco ativas, seus olhos não possuem brilho, não conseguimos
desenvolver o elo mental necessário para que elas se
expressassem exatamente como faríamos se estivéssemos nós
mesmos onde se encontram. - e apontando em certa direção, na
borda de um pequeno bosque próximo, indicam a Giselle onde
suas duplicatas ideoplásticas se situam.
- Além disso, maninha, se nos afastarmos além dos
limites do nosso sensorial, elas simplesmente se desfazem.
Giselle arregala expressivamente os olhos ao ver diante
de si as duas cópias perispirituais de seus irmãos, que vinham
caminhando em direção a eles.
- Como você pode ver maninha, eles apenas atendem aos
nossos comandos mentais, porém mais parecem dois bonecos do
que qualquer outra coisa, pois não conseguimos projetar neles a
nossa consciência, simultaneamente ao que fazemos em nossas
atividades usuais, o máximo que podemos fazer é transferir
nossa consciência às nossas duplicatas ideoplásticas, e neste
caso, nossos perispiritos originais simplesmente como que se

86
“desligam”, entram em uma espécie de letargia e permanecem
quase que absolutamente inativos, como que dormindo
acordados.
Eles permanecem alguns momentos a observar as
duplicatas.
- Eles lembram-me aquela película terrestre que nós
assistimos quando ainda encarnados, “A Múmia” com aquele
excelente ator, Boris Karloff. - disse Gustavo rindo-se.
- Só falta esticarem os braços e caminhar sem dobrar os
joelhos...
Os três riem-se a valer com a comparação e permanecem
mais alguns segundos a observar as duplicatas ideoplásticas que
finalmente alcançaram o ponto onde se encontravam e, junto a
eles, detiveram seu avanço.
- Isso é verdade - interpôs Henrique - mas pelo menos
conseguimos que elas sejam duradouras, estáveis e também
mantê-las ativas enquanto estejam dentro de nosso alcance pela
ubiquidade.
- Muito bem maninhos! Vocês não param de me
impressionar - exclama Giselle visivelmente satisfeita e surpresa
com o progresso de seus irmãos - e trago boas notícias. Como
imaginei, estávamos sendo intuídos pelos nossos maiores, os
quais me asseguraram que enviarão até vocês um técnico
especialista que os dotará momentaneamente, ou seja, pelo
tempo necessário ao cumprimento de nossa programação, dos
meios indispensáveis para colocar em prática as ações cuja ideia
que vocês tiveram por intuição de nossos maiores, ou seja, esse
nosso irmão superior aumentará artificialmente o dom de
ubiquidade de vocês dois e os auxiliará na criação de duplicatas
astrais mais flexíveis, aprimorando ao máximo o elo mental
entre vocês e estas suas cópias ideoplásticas, tudo isso por
processos que nem imagino quais sejam, mas assim será.
Gustavo e Henrique admiram-se com o interesse dos
maiores em que eles visitem e conheçam Páthia e questionam
Giselle a respeito, ao que esta lhes responde:
- Sinceramente meus maninhos, esta não é a primeira vez
que nos vemos diante de situações cujas circunstâncias nos
fogem ao entendimento, entretanto é evidente que nossos
maiores precisam que vocês vivam essas experiências para o
perfeito cumprimento de planos superiores cuja consecução

87
talvez esteja já em curso, cabe a nós confiar e seguir adiante,
quando for o momento certo, eles nos esclarecerão ou então a
necessidade se evidenciará em algum fato de nossas vidas,
confiemos!
Os três permaneceram em silêncio por alguns momentos,
após os quais os irmãos Viert concentram suas mentes em suas
duplicatas ideoplásticas e estas desvanecem diante de seus olhos
e o material de que eram constituídas volta suavemente à sua
origem. Um grande volume de “material etéreo” 19 agrega-se
novamente aos perispiritos dos irmãos Viert, que acompanhados
por Giselle em prece de gratidão ao Pai, recebem tais energias
fundamentalmente emocionados. No processo de
desvanecimento das duplicatas ideoplásticas, puderam observar
que a maior parte do material de que eram constituídas as
duplicatas provinha de seus próprios seres, mas que uma parcela
significativa provinha da natureza, ali representada pelos
bosques próximos, que absorveram seu quinhão, outra tanta
provinha do próprio orbe, e finalmente, outra parte, esta em
menor volume, seguiu em direção ao alto num lento e suave
movimento de turbilhão, concentrando-se em um ponto a cerca
de dez metros acima deles e desvanecendo em seguida, como se
tivessem sido suavemente tragadas por um vórtice invisível aos
seus olhos20.
Giselle quebra o silêncio que imperava entre eles:
- Maninhos, agora devo seguir meu caminho. Ainda hoje
iniciarei minhas atividades preparatórias na missão que me foi
confiada e que se relaciona com os fatos que estão por se
desenrolar em Páthia. Provavelmente alguns poucos meses

19
O termo “material etéreo” foi aqui utilizado para descrever o conjunto de
diferentes matérias primas perispirituais e mentais utilizadas no processo
ideoplástico formativo das duplicatas perispirituais, cujo detalhamento não
cabe nesta obra. Nota do autor espiritual.
20
Esta descrição da dissolução das duplicatas perispirituais dos irmãos Viert,
apesar de algo incompleta e de encerrar em si a pobreza semântica humana
terrestre, da atualidade, exprime superficialmente o processo de dissolução
das duplicatas, mais que o processo propriamente dito, descreve algumas
poucas das principais energias e componentes de sua constituição, sempre
que o procedimento é posto em prática. Tais elementos constitutivos, em seu
conjunto, tem alguns componentes ainda desconhecidos pelos espíritas e
estudiosos. Nota do autor espiritual.

88
passarão sem que possamos nos ver novamente. Que nosso Pai e
nosso amado mestre Jesus os envolvam sempre!
Os três se abraçam emocionados e felizes e sem mais
palavras, Giselle volita em direção à colônia e os irmãos Viert
seguem em direção ao lar dos Soulié. A noite se prepara para se
dissolver, pois os primeiros acordes da alvorada se fazem
visíveis no horizonte.

ÂNGELO
Mais dois dias se passaram, em que os irmãos Viert
mantinham suas posições junto ao lar dos Soulié, e na terceira
noite após a despedida de Giselle, foram chamados mentalmente
a comparecerem no mesmo local em que eles se encontraram
com Giselle, próximo ao bosque.
Como já conheciam bem a rotina da casa dos Soulié,
sentiram-se mais seguros para deixar suas posições e seguir para
o local onde eram chamados.
Lá chegando, encontraram um espírito de aparência
masculina, jovem, de traços fisionômicos muito suaves, olhos
penetrantes e vibrantes. Trazia no rosto um sorriso plácido e
transmitia uma profunda paz com sua presença. Este que os
aguardava tranquilamente os saudou:
- Que o Amor de nosso Mestre Jesus se faça sempre
presente em vossos corações e que a Luz de nosso Pai vos guie
meus irmãos! Chamo-me Ângelo Cristófolo, fui enviado para
vos auxiliar na sua preparação para com a tarefa que vos
aguarda.
Profundamente impressionados com aquele espírito e
com o amor que dele irradiava, os irmãos Viert mal podiam
fitar-lhe os olhos, tamanha a ascendência moral que este espírito
lhes inspirava. Caíram de joelhos diante de Ângelo e iniciaram
uma breve prece de gratidão ao Pai pela presença de um ser
angelical diante deles, segundo entendiam.
Assim que encerraram a breve prece, Ângelo apressou-se
em erguê-los e lhes disse:

89
- Meus irmãos! Não, por favor, não façam assim!
Levantem-se, não sou um “anjo” - afirmou sorrindo e algo
constrangido com a reação dos irmãos - muito grande é ainda a
distância que me separa de tal condição espiritual! Levantem-se
e, por favor, não tenham reservas para comigo, tratem-me como
igual, pois assim somos, todos iguais!
Os irmãos ergueram-se, mas não conseguiam olhar para
o rosto daquele espírito que transbordava humildade, ao que ele
insistiu apoiando cada uma de suas mãos sobre os ombros dos
irmãos Viert:
- Por favor, ergam seus olhos, não receiem, pois somos
irmãos, somos filhos de um mesmo Pai!
Relutantemente eles ergueram seus olhos e ao fixa-los
em os de Ângelo, sentiram-se envolvidos pela sua mente, e as
suas próprias lançaram-se em um turbilhão de recordações, que
antecediam em muito à época dos faraós no Egito Antigo, mas
foi nesta época que suas mentes se ocuparam com suas
recordações e localizaram ali, em um dos primeiros reinados da
primeira dinastia do recém formado Império Egípcio, este
espírito que ali se ocupava deles.
Relembraram-no como sendo o primeiro grande sumo
sacerdote daquele período, um homem respeitado por todos. Era
confidente e mentor do faraó e por isso concentrava-se em sua
pessoa grande responsabilidade, e em virtude de tudo isso, era
muitíssimo invejado por uns.
Relembraram que atenderam às ordens do sucessor do
sumo sacerdote no sentido de armarem uma cilada através de
falsas circunstâncias; e que foram eles mesmos que o
executaram, após este ter sido alvo da intriga elaborada pelo
mesmo sucessor, intriga que manchou sua memória a tal ponto
de ter seu nome erradicado dos registros hieroglíficos para
sempre e ter sido sepultado às secretas sob as ordens do faraó,
que apesar de ter autorizado sua execução, pois a lei egípcia
assim exigia, por amizade e amor àquele que permitira ser
executado fez questão que recebesse as oportunidades no reino
dos mortos que todo aquele que era sepultado segundo os rituais
egípcios, nas suas crenças, teria.
Apesar de todos esses fatos já terem sido resgatados
através dos tempos, de todas essas ocorrências estarem há muito
esquecidas, de todos os sentimentos consequentes estarem há

90
muito reequilibrados, tais lembranças trouxeram lágrimas aos
olhos dos irmãos Viert.
- Não há motivo para as lágrimas meus irmãos, tudo o
que aconteceu, vocês bem sabem que deveria ter sido como foi,
afinal, parafraseando nosso Mestre, não cai ao solo uma única
folha se não for pela vontade de nosso Pai. Antes desses
acontecimentos eu tivera muitas e muitas oportunidades de
reparar alguns erros de épocas anteriores à essa, através da
prática da caridade e do amor ao próximo, mas eu sempre
permiti que meu orgulho guiasse minhas ações e pensamentos e
invariavelmente acabei atraindo para mim a dor, para que eu
reencontrasse a senda do Amor e da Luz. O Pai nunca abandona
seus filhos e apesar de minha rebeldia, Ele me resgatou de mim
mesmo, e vocês apenas merecem de mim minha gratidão, pois a
dor efêmera que me propiciaram inconscientemente em seus
erros salvou-me.
Agora já calmos, restabelecidos emocionalmente, e
conseguindo encarar aquele belíssimo espírito que profunda
impressão lhes causava, eles lhe disseram em uníssono:
- Somos gratos pela tua misericórdia para conosco! Que
Deus, nosso Pai vos cubra de bênçãos por todo o sempre!
- Ele cobre a todos nós meus irmãos, todos nós!
E os três abraçaram-se ali e dirigiram uma prece de
gratidão a Deus pelo reencontro após tantos e tantos séculos.
Ângelo então os convida a sentarem-se ali na relva e
toma a palavra:
- Eu fui abençoado com a missão de auxilia-los na
conquista de novas possibilidades do espírito e iniciaremos
agora mesmo as intervenções e os treinos que vocês terão de se
submeter para que possam, não só expandir e suportar a
ubiquidade, muito além do que vocês possuem naturalmente,
mas também para que vocês consigam manter suas mentes mais
lúcidas e vivazes durante este período, pois isso vai ser
imprescindível nos próximos meses, até que tudo seja cumprido
conforme os maiores determinaram.
- Estamos prestes a iniciar uma nova era para a
humanidade terrestre e os primeiros acordes dessa orquestração
já se fazem ouvir ao longe, os instrumentos estão sendo afinados
e os músicos apressam-se em treinar as árias mais elaboradas,
pois o divino Maestro já anunciou Sua presença para breve.

91
Durante esse período preparatório, não só os orientarei nestes
processos que agora estamos buscando aperfeiçoar, como
também os acompanharei nos umbrais de Páthia, juntos iremos
visitar e aprender a respeito de cada um de seus níveis e dos
espíritos que neles habitam.
- Infelizmente, por hora não poderei lhes conscientizar
do que está por acontecer em Páthia, pois ao visitarmos seus
domínios, iremos nos encontrar com muitos espíritos
extremamente inteligentes e que, apesar de não possuírem
capacidades avançadas de penetração mental, sentindo-nos
refratários às suas tentativas de nos penetrar as mentes, e astutos
como são, irão lançar mão de suas capacidades intelectuais no
campo psicológico, para descobrir nossas intenções através de
nossos gestos, de nossas palavras e de nossas reações. Repito,
será necessário muito cuidado, alguns deles são muitíssimo
inteligentes, apesar de estarem profundamente voltados para o
mal, pelo rancor e ódio, numa insensata busca de vingança
contra Deus, quando eles mesmos são os únicos responsáveis
pelas dores que vivem, e pelos males que para si amealharam,
frutos do egoísmo e do egocentrismo.
- Mas no momento apropriado, quando nada mais
poderão fazer para interferir com os processos que se imporão
sobre Páthia, pois são de conformidade com a vontade de nosso
Pai, eu lhes esclarecerei.
Os dois irmãos permaneceram em silêncio, meditando
sobre as palavras de Ângelo, que após poucos segundos de
silêncio, continuou:
- Em primeiro lugar, trabalhemos seus campos
perceptivos visuais cujos limites vos são impostos pela
ubiquidade espiritual, deitem-se sobre a relva e fechem seus
olhos.
Ângelo posiciona-se entre os irmãos Viert, por trás
destes e impõe suas mãos sobre a área do chacra frontal deles, e
então, concentrando-se intensamente, inunda seus chacras com
raios multicores, intensos e faiscantes, provocando nos irmãos
uma sensação de vertigem momentânea, seguida da impressão
de estarem flutuando e de que subitamente tudo ao seu redor
tornara-se diminuto.
- Essa sensação que vos assomou o ser, é em virtude de
uma nova condição, artificialmente alcançada nas suas

92
percepções “visuais”, que se expandiram ao máximo que suas
mentes podem suportar sem causar danos. Neste processo
estamos também interferindo no alcance de ubiquidade dos
irmãos, ampliando-o temporariamente o quanto possível.
- Todas essas intervenções que fazemos e que ainda
faremos, tem um caráter provisório. Como não são ampliações
naturais, decorrentes de vossa evolução intelectual, e
principalmente moral, e uma vez cumprida a missão que
recebemos, vosso alcance perceptivo espiritual retomará a
normalidade uma vez que as energias vivas que as sustentam
serão interrompidas em sua fonte.
Então, Ângelo interrompeu após alguns poucos minutos
a aplicação destas energias sobre o chacra frontal dos irmãos
Viert e pediu-lhes que se mantivessem na mesma condição de
imobilidade e de olhos cerrados. Então, sem que os irmãos
pudessem notar, outro espírito se fez presente, e uma diferente
intervenção foi realizada em seus chacras frontais. Nova
aplicação de energias e os irmãos Viert sentiram que a sensação
de flutuabilidade desaparecera rápida, mas suavemente.
Enquanto o fazia, Ângelo antecipou a eles algumas
sensações com que seriam assaltados e assim que terminara a
aplicação energética, disse-lhes:
- Permaneçam serenos e com os “olhos” cerrados. Agora
concluímos a aplicação dos recursos necessários para expansão
da percepção “visual” do espírito, que como vocês já sabem, não
se limitam aos olhos, o espírito “enxerga” com todo o seu ser.
Isso, no entanto agora passará a ser muito mais intenso e
compreensível para vocês, além de que o alcance perceptivo
visual de vocês ampliou-se muito além do que tinham até agora,
não apenas em relação aos limites de distância, mas também em
transcendência vibracional, não apenas no macrocosmo, mas
também no microcosmo.
Neste ponto os irmãos Viert passaram a ter uma profusão
de sensações que se assemelhavam em muito com a visão no
sentido mundano da palavra, mas que em muitos aspectos ia
muito além disso. Ainda permaneciam de olhos fechados, mas
suas mentes eram inundadas por imagens que para eles,
racionalmente, eram impossíveis, e entretanto estavam lá.
Ângelo que a tudo acompanhava cuidadosamente,
iniciou então uma série de aplicações energéticas calmantes

93
sobre os centros de força dos irmãos, os quais em resposta a
essas energias, adormeceram imediatamente. Despertaram
poucos minutos depois, mas com a sensação de que dormiram
por longas horas. Sentiam-se revigorados e bem dispostos, mas
eles ainda não receberam de Ângelo a permissão para abrir os
olhos. Todas aquelas imagens e sensações desapareceram por
completo.
- Agora meus irmãos, abram seus olhos com calma e
serenidade21.
Ao abrirem seus olhos, os irmãos Viert se viram diante
de uma nova realidade, uma realidade quase fantástica. Tudo
diante deles possuía novos contornos, novas energias e brilhos.
A profundidade espacial aumentara espantosamente, assim
como os detalhes de tudo que lhes chegava ao sentido visual
espiritual. A vida se lhes tornara uma imensidão de luzes,
imagens e cores, podiam até mesmo perceber visualmente o
próprio som e, muitas das coisas que eram até então misteriosas
para eles, revelavam seus segredos diante de seus “olhos”, tudo
vibrava e podia ser visto, apalpado e sentido, a própria
intimidade da matéria se fez visível a eles e uma súbita
compreensão de vastos mistérios despontou em seus seres, tudo
com absoluta calma e naturalidade.
Podiam perceber nitidamente como as dimensões se
interpunham e coexistiam, entenderam então o processo
separatório das dimensões, o “divisor de águas”, cuja base se
localizava nas mentes de seus ocupantes, ou habitantes, e como
a matéria, em suas diversas expressões vibracionais, regidas
pelas mentes dos seres conscientes, atendia às necessidades de
cada expressão vibracional da criação, coexistindo sem
interferência, salvo nos casos em que a interferência é
premeditada e criada por inteligências superiores.
- Aos poucos, não demorará, vocês não só se habituarão
com a nova realidade que se vos apresenta, como também
aprenderão a filtrar e a controlar aquilo que vêem. Essa
interferência em seus campos visuais é o primeiro passo para
que possamos conquistar de forma segura e tranquila, a
21
A instrução verbal de “abrir os olhos”, foi aqui usada para representar o ato
de liberar a capacidade visual do espírito, que pode por vontade deste mesmo,
ser bloqueada, tal qual como ocorre a um encarnado que fecha os olhos. Nota
do Autor Espiritual.

94
expansão de suas possibilidades no campo da ubiquidade no
grau que almejamos. Agora meus irmãos, divirtam-se com seus
“novos olhos”, em poucos dias eu retornarei e poderemos
concluir o processo de expansão perceptiva espiritual.
Despediram-se emocionados e os irmãos Viert
retornaram para junto do lar Soulié, dando continuidade a sua
missão junto a Julian, agora com novas e empolgantes
possibilidades.

UM LAR
Alguns dias se passaram em que os irmãos Viert
mantiveram-se em observação à Julian, e então definiram os
primeiros passos a serem tomados.
Decidiram assumir a forma infantil tão característica
deles, de quando tinham cinco anos de idade em sua última
reencarnação, a mesma de quando resgataram Petrus22, e o
fizeram no pequeno e estreito jardim à entrada do edifício.
Desde as primeiras horas do dia lá permaneceram
estrategicamente posicionados de forma que Julian os pudesse
perceber a partir do quarto onde permanecia com os menores,
caso olhasse por uma das suas janelas.
Era um belo sábado de sol e Gustavo solicitou
mentalmente aos tutores espirituais das crianças, e da Sra. Claire
que os inspirassem a sair para aproveitar o frescor daquela bela e
ensolarada manhã de sábado. Seu pedido foi prontamente
atendido, e não tardou para que todas as crianças estivessem no
pequeno jardim, acompanhadas pela Sra. Claire que aproveitou
a ocasião para eliminar algumas ervas daninhas e podar seu
pequeno canteiro de rosas.
Na posição em que se encontravam, não foram vistos
pela Sra. Claire, pois um arbusto florido os ocultava, porém em
poucos minutos foram vistos por Júnior, que se espantou com a
presença de duas crianças desencarnadas no jardim, e quase
imediatamente, sem dirigir os seus olhares para Júnior, os
irmãos falaram com ele mentalmente:
22
Ver Ratinhos Brancos.

95
- Não se espante Júnior, somos nós, Henrique e Gustavo,
por favor, aja como se para você seja normal nossa presença
aqui, queremos atrair a atenção de Julian.
Júnior então, após alguns momentos gastos para absorver
e assimilar o fato, dá de ombros e continua a divertir-se com
seus irmãos. Aos poucos Gustavo e Henrique começam a
aproximar-se dos pequeninos e não demora a que todos estejam
se divertindo.
A pequena Marie de cinco anos corre em direção de sua
mãe e lhe diz:
- Veja mamãe, temos novos amiguinhos que gostam de
ficar aqui fora, não são como Julian que tem medo de sair, olhe
mamãe, são o Ike e o Gú, veja lá mamãe!
A Sra. Claire então olha na direção indicada pela
pequena Marie e espanta-se ao constatar a presença de mais dois
espíritos infantis. Sem refrear seu desânimo, sussurra:
- Oh Deus! Mais dois...
- Minha casa está se tornando uma creche de
fantasminhas...
Gustavo imediatamente chama a atenção de Júnior para
sua mãe, e ele prontamente segue até ela e a abraça
carinhosamente e lhe sussurra aos ouvidos:
- Mãezinha, você confia em mim?
A Sra. Claire fez menção de desvencilhar-se do abraço
de seu filho, mas este a impediu e insistiu sussurrando:
- Confia mamãe?
Após um longo suspiro, a Sra. Claire responde também
aos sussurros:
- Sim meu filho, eu confio totalmente, o que está
acontecendo?
E mantendo-se abraçado à mãe, Júnior lhe responde ao
ouvido, embalando-a com o corpo:
- Infelizmente mamãe, eu estou impedido por minha
palavra de lhe dizer por hora o que está havendo, mas é para o
bem. O Senhor não abandona os seus filhos! Faça de conta que a
presença deles aqui é bem vista e normal para nós, e sempre que
possível, a princípio, ignore-os.
A Sra. Claire então suavemente desvencilha-se do abraço
e sorrindo meio acabrunhada e com um tímido sorriso, toma

96
Júnior pelos ombros e fitando-lhe intensamente nos olhos lhe
diz:
- Será como você me pede meu filho.
E beija-lhe carinhosamente a testa.
Julian, que permanecia solitário no quarto, mal se
continha de curiosidade. Jamais presenciara algo assim, duas
crianças espirituais se aproximando desta forma de uma família,
e apesar do fato causar-lhe um profundo receio, sentia-se
angustiado por querer estar lá fora participando das novidades.
Em momento algum, Julian suspeitou diretamente dos pequenos
Gú e Ike, mas sentia-se algo enciumado.
Ele apenas não saiu por recear ser levado de volta à
colônia pelos trabalhadores do hospital, caso se distraísse.
Sentia-se seguro no interior da residência onde jamais alguém da
colônia entrara, segundo sua percepção, sem entender o porquê
disso, ele acreditava ser aquela casa um refúgio seguro e
perfeito.
Após cerca de uma hora de folguedos e diversão,
Gustavo e Henrique simultaneamente sentem estarem sendo
observados e, disfarçadamente buscam a origem da sensação.
Não demorou e perceberam que do outro lado da rua, à sombra
de um flamboyant, um guardião os observava com expressão de
arrogância e orgulho.
Apesar de reconhecer de pronto sua origem de guardião,
pois além da estatura que ultrapassava os dois metros e os trajes
tão comuns a essa classe de espíritos, não conseguiram definir
de quem se tratava.
O guardião estava em uma postura ereta, de braços
cruzados e pernas ligeiramente afastadas, com uma bela e longa
capa negra fosca, que ia quase até o chão a cobrir-lhe dos
cotovelos às costas, o tórax desnudo exibia duas estranhas
tatuagens uma em cada lado da parte superior do peito, o que
muito o destacava pois a maioria dos guardiões costuma cobrir o
tronco com belas camisas negras. A capa possuía um capuz do
mesmo tecido, que lhe cobria a cabeça, mas disposta de forma a
não lhe ocultar a face, que expressava além da arrogância e
orgulho, um sorriso desafiador, trajava ainda calças negras do
mesmo tecido da capa, um largo cinto também do mesmo tecido
cuja fivela apresentava um estranho e sugestivo símbolo cristão

97
que arremetia aos tempos de Jesus, além de botas negras de cano
alto.
Sua aparência no entanto não era assustadora nem tão
pouco inspirava agressão.
Além do que, ele causou aos irmãos Viert a impressão de
que o conheciam, mas não conseguiam localizar em suas
lembranças tal fato.
Após poucos segundos de observação, em que os irmãos
Viert viram serem inúteis seus esforços de penetrar-lhe o
mental, o guardião erguendo a face e colocando as mãos na
cintura deu uma sonora gargalhada e esvaeceu-se num
movimento de recuo, fitando-os nos olhos firmemente.
Os dois permaneceram em silêncio por alguns segundos,
fingindo continuar nas brincadeiras, após o que Henrique
questiona Gustavo mentalmente:
- Será um problema? Sinto que o conhecemos, mas me
frustra não saber de onde e em que circunstâncias.
- É verdade! Se ele não é problema, por que não
procurou nos falar? A telepatia não é segredo para a maioria dos
guardiões amigos.
- Não nos ocupemos com isso por hora - ajunta Henrique
- quando tiver que ser, saberemos.
Logo em seguida, com o aumento da temperatura do dia,
a Sra. Claire chama todos os seus filhos para entrarem em casa e
pede para que os maiores tragam os menores para dentro. Os
pequeninos que se ocupavam nas brincadeiras chamam Gú e
Ike, mas estes se recusam, e permanecem no jardim.
Toda essa movimentação, desde o princípio foi
acompanhada minuciosamente por Julian, que só “desgrudou o
nariz” da janela quando as crianças entraram no quarto.
Ele permaneceu o tempo todo olhando os irmãos Viert
com um pouco de ciúmes e algo contrariado.
A pequena Marie, que vinha conduzida ao colo por seu
irmão Júnior, imediatamente ao ver Julian dirigiu-se até ele,
muito entusiasmada:
- Julian! Julian! Você deveria ter vindo seu bobo!
Conhecemos dois novos amigos, o Gú e o Ike! Eles são muito
bons, você ia gostar deles, você tem que ver, eles são
igualzinhos, igualzinhos mesmo, mas eu descobri como dizer
quem é um e quem é o outro, depois eu te ensino.

98
E assim que terminou de falar pulou do colo de Júnior e
correu à janela e mais uma vez, entusiasmada disse:
- Olha lá! Vêm ver Julian, eles estão lá ainda!
E começou a acenar para os dois que lhe responderam os
acenos, sempre sorrindo.
Julian não deu o braço a torcer.
Os dias passaram céleres, e após um mês que os irmãos
Viert permaneceram no pequeno jardim, sem se ausentar nem
mesmo por um momento sequer, a pequena Marie finalmente
convencera a sua mãe, a Sra. Claire, a convidá-los a entrar, pois
eles não ousaram aceitar o convite insistente de Marie; e a Sra
Claire o fez tão somente porque Júnior acenou positivamente
com a cabeça.
Conduzida por Marie pela mão, a Sra Claire saiu ao
jardim em direção aos dois, Julian a tudo assistia atentamente
pela janela.
- Gú e Ike! - Chamou a Sra. Claire - eu ficaria feliz se
vocês aceitassem permanecer dentro de casa conosco, afinal,
não é certo que dois meninos tão novinhos, belos e educados
como vocês, permaneçam sem abrigo!
A pequena Marie concordava com cada palavra
acenando positivamente com a cabeça, mal contendo seu ímpeto
de pegar os dois pelas mãos e correr para dentro com eles, ela
dava saltinhos, batia rápidas palminhas e vibrava com a
expectativa.
Os dois irmãos limitaram-se a observar a Sra. Claire em
silêncio, fazendo uma expressão de desconfiança. Puro teatro,
pois sabiam estarem sendo observados por Julian. A pequena
Marie por sua vez, não se conteve e disse aos dois:
- Vamos seus bobos, vamos logo, a mamãe vai ficar
chateada se vocês não entrarem e vocês não querem que a
mamãe fique triste querem?
Os dois olharam para a Sra. Claire, ainda com a mesma
expressão de desconfiança que estamparam no rosto para
atender à situação, e a Sra. Claire algo impaciente com a
resistência dos dois disse:
- Ora, vamos! Isso não é hora de se fazerem de difíceis,
vamos para dentro, vamos!
- Isso, vamos, vai! - dizia Marie tentando puxá-los pelas
mãos, sem sucesso, pois suas mãozinhas atravessavam as deles,

99
fato que tirou um divertido sorriso da Sra. Claire que insistiu
carinhosamente:
- Por favor, vamos para dentro, vamos?!
Henrique e Gustavo, ou Ike e Gú como se chamavam
quando estavam na forma infantil, lançaram um olhar para a
janela do quarto das crianças de onde Julian os observava. A
Sra. Claire olhou para a janela e compreendendo o que o gesto
deles significava disse-lhes em alto e bom tom, olhando para
Julian que não recuou um centímetro que seja.
- Julian não lhes fará mal!
E erguendo ainda mais a voz para que não houvesse
dúvidas, completou olhando para Julian:
- Não é Julian?
Julian sentindo-se vencido, não ousava contrariar a Sra.
Claire, por instintivamente considera-la como mãe de afinidade;
e em respeito a sua vontade, Julian baixou o olhar e acenou que
sim.
Os dois sorriram e Marie exultou!
Imediatamente os pequenos seguiram em direção ao
interior da casa enquanto a Sra. Claire, extática no jardim, os
observava.
A Sra. Claire, pela primeira vez sentiu-se não só à
vontade com aquela estranha e incomum situação, como
também sentiu uma íntima satisfação por ter conseguido
conduzir os dois irmãos a um bom final.
Neste momento, sua tutora espiritual que permaneceu o
tempo todo oculta aos olhos de todos, orou em gratidão
enquanto a envolvia nos braços osculando-lhe a face, levando a
Sra. Claire a tocar suavemente a própria face, pois sentira um
toque delicado como uma brisa, que aqueceu seu coração.

UBIQUIDADE23
Nos dias que se passaram desde que Ângelo lhes
expandira a possibilidade perceptiva visual, e enquanto nada se
Veja em ‘O Livro dos Espíritos’ e Allan Kardec - FORMA E
23

UBIQUIDADE DOS ESPÍRITOS – questão 92 e seguinte.

100
modificara quanto à situação de Julian, os irmãos Viert
aproveitaram o período para vivenciar o mais que podiam de
seus novos atributos, mesmo sabendo que temporários,
esforçaram-se por obter o máximo de resultados positivos e
domínio sobre os recursos espirituais que lhes foram
concedidos.
Perceberam que podiam “ver” não só a grandes
distâncias de onde se encontravam como também aumentara em
muito a amplitude vibracional de seus sentidos visuais, ou seja,
eles podiam agora perceber visualmente muitos dos processos
naturais que ocorrem, sempre ocultos aos olhos de todos do
plano terrestre e de suas esferas espirituais, ou vibracionais,
mais próximas. Investigaram as profundezas da terra em seus
processos geológicos naturais e as profundezas abissais
oceânicas, levaram suas percepções às profundezas de alguns
recantos mais obscuros do umbral mais inferior. Investigaram a
orquestração da natureza terrestre por parte dos espíritos
superiores, secundados por legiões de espíritos de todas as
faixas evolutivas, até os que prestes a ingressar na humanidade,
que estagiam junto a esta, e obedientes influem
harmoniosamente na natureza física terrestre sob o comando
destes seres superiores.
Também alcançaram grandes distâncias físicas do espaço
circunvizinho da terra e ainda conseguiam divisar paragens
espirituais de elevado teor vibracional, ato que interromperam
na primeira tentativa e não mais repetiram, pois ao visualizar as
esferas mais elevadas, perceberam que os espíritos que as
habitam notaram-lhes as presenças sensoriais sem o menor
esforço, o que para eles funcionou como um freio nas suas
curiosidades, pois entenderam estar invadindo paragens cujo
acesso ainda não conquistaram por direito, mas sim apenas por
circunstâncias que assim o exigiam. Envergonharam-se do feito
e não mais elevaram suas percepções acima da esfera em que se
encontrava a colônia de Champs Elisées.
Também conseguiram sem maiores dificuldades lidar
simultaneamente com ocorrências muito distantes, em locais
diferentes, e inclusive, em campos vibracionais diversos,
chegando a ocupar-se mentalmente e passivamente de três
eventos simultâneos, com quase nenhuma dificuldade de
atenção.

101
Passados alguns dias após um mês, Ângelo retornara a
lhes chamar, como sempre com a noite bem avançada, junto ao
bosque próximo à residência dos Soulié.
Após os cumprimentos e preces, Ângelo toma mais uma
vez a palavra:
- Acompanhamos seu progresso e estamos satisfeitos
com a serenidade e o respeito com que os irmãos lidaram com
seus novos potenciais, mas devo voltar a frisar que tais atributos
são temporários, que os possuem por empréstimo, e que uma
vez cumprida nossa missão, tudo retornará ao que era, ou quase.
- Bem, agora que o uso da ubiquidade vos é mais
familiar, iremos trabalhar a vossa capacidade ideoplástica, que
segundo constatamos, em vocês já está bem adiantada em
relação aos demais de vossa esfera existencial. Por favor, meus
irmãos, deitem-se novamente na relva, lado a lado como da
outra vez, serenos e de olhos cerrados para que eu possa atuar
em seus centros de força e nas suas ligações com vosso aparelho
cerebral.
Assim que os irmãos serenaram seus espíritos e
colocaram-se em estado mental passivo, Ângelo ministrou uma
complexa série de irradiações luminosas sobre seus centros de
força, fazendo com que além destes assumirem um dinamismo
intenso e radiante, acima de seu estado normal de
funcionamento, fortaleceu as ligações dos centros de força entre
si e ampliou a capacidade de fluxo de energias dos dutos
condutores de energias para seus cérebros perispirituais.
Quando satisfeito com a estabilidade dos resultados de
sua intervenção, instalou em cada um dos irmãos, dois pequenos
dispositivos ladeando-lhes a medula oblonga e um dispositivo
minúsculo, mas de funcionamento intenso em seus plexos
braquiais, junto à entrada da espiral braquial, um importante
plexo energético mais semelhante a um poderoso transformador,
cuja manifestação ocorre apenas nos campos
semi-material/espiritual e tendo a função de reger a intensidade
do fluxo das energias circulantes entre os chacras, sejam elas
provindas do básico ou do coronário, não apenas regulando-lhes
o fluxo como também modulando-lhes, até um certo ponto, as
frequências vibracionais antes de permitirem-lhes o acesso pelos
respectivos chacras.
Após ativa-los, Ângelo orientou os irmãos:

102
- Permaneçam ainda uns momentos neste estado mental e
procurem perceber em si próprios o fluxo das energias em seus
chacras, dando especial atenção ao frontal.
Passados alguns minutos, Ângelo pediu-lhes que
“abrissem os olhos” e calmamente se colocassem eretos, em
seguida dirigiu-se a eles:
- Concluímos com isso as intervenções necessárias para
que os irmãos tirem o máximo de proveito de suas capacidades
mentais que artificialmente aprimoramos. Por favor, mentalizem
agora, cada um, uma duplicata para si.
Quase imediatamente em resposta ao esforço mental dos
irmãos Viert, surgiu diante de cada um deles uma cópia exata de
si mesmos, assim como quando procederam anteriormente à
criação de duplicatas, entretanto observaram agora uma
diferença assombrosa, para eles, em relação às duplicatas
anteriores.
Sentiam-se agora, cada um deles dois, como sendo
simultâneos.
Olhavam suas duplicatas nos olhos e ao mesmo tempo
estavam em suas duplicatas olhando os seus próprios olhos. Isso
causou-lhes um espanto tal, que não conseguiam proferir uma
única palavra, suas mentes como que paralisaram diante do
efeito e nem mesmo pensamentos eram produzidos por eles.
Repentinamente mergulharam em uma sensação de infinitude, a
qual promovia uma intensa vertigem, e em consequência suas
mentes como que buscavam desligar-se, em reação de auto-
preservação.
Ângelo deixou que eles permanecessem assim,
mergulhando em si mesmos e passando por essa espécie de
desligamento da consciência, para que caso sofressem algum
efeito de suas novas possibilidades no futuro, eles conseguissem
por si mesmos anular tal situação.
Após poucos mementos, que para eles pareceu serem
longos minutos nessa espécie de êxtase, finalmente Ângelo
interveio, orientando-os:
- É o suficiente, agora meus irmãos superem o espanto e
estabilizem-se! É imperioso que vocês se harmonizem com a
situação e comecemos a treinar o uso dessas faculdades que só
no futuro se tornará natural em vocês. Para isso, dominem-se e

103
fechem seus olhos, não mais olhem os olhos de suas duplicatas.
Retomem suas consciências e retornem à realidade.
Ao mesmo tempo em que Ângelo se dirigia a eles com
essas palavras, impunha-lhes suas mãos de forma a despender
grande volume de energias luminosas sobre cada um deles,
energias essas que rapidamente desanuviou-lhes as mentes e
trouxe-lhes de volta o raciocínio claro e conciso.
- Prestem atenção, hoje eu os auxiliei acelerando seu
reequilíbrio, pois não havia necessidade de esperar que o
processo reajustador se desse no ritmo que lhe é próprio, uma
vez que os irmãos mostraram estar procedendo da forma correta,
portanto, se no futuro acontecer de entrarem novamente neste
tipo de perturbação, já sabem como devem proceder para
reequilibrarem-se, e não se perturbem nem se abalem com a
maior dificuldade que enfrentarão em relação à que enfrentaram
agora, uma vez que estarão fazendo-o por si mesmos.
Os dois irmãos tiveram suas percepções de tal forma
ampliadas, suas consciências se expandiram de tal sorte, que
involuntariamente notaram como da mesma forma que Ângelo
distribuía sobre eles grande carga de energias, ele mesmo
recebia um belíssimo feixe energias, atingindo-o aos borbotões
pelo coronário.
Puderam perceber como essas energias viajavam em
velocidade estonteante e como seu fluxo em sua maioria quase
total descia pelo seu chacra coronário, não só pela medula
oblonga, mas também por outros dutos, até então desconhecidos
por eles, rodopiavam então em uma série intrincada de outros
dutos na altura, mas não exatamente sobre, o cardíaco, mais
entre os braços, mas ligeiramente abaixo do eixo das axilas, e
assumia sob o império da poderosa vontade daquele espírito
uma frequência diferente e então era encaminhado através dos
plexos braquiais até os plexos palmares e digitais, sendo então
finalmente dirigidos a eles mesmos.
Eles estavam assistindo ao fluxo de energias que ocorre
durante a doação de energias superiores e luminosas, as mesmas
que são aplicadas nas sessões de cromoterapia, porém em uma
escala muitíssimo superior à que ocorre com os cromoterapeutas
da terra que trabalham com irradiações luminosas espirituais, e
não as artificiais, através de luzes de frequências do espectro
visível aos encarnados.

104
Ao observarem um ao outro, notaram estarem eles
também sendo beneficiados pelo mesmo fluxo de energias que
Ângelo recebia, em grande quantidade, pelo coronário.
Após isso, procuraram seguir com suas percepções em
sentido da origem destas energias e, maior ainda foi o espanto
ao constatarem de onde provinham. Puderam observar na mais
absoluta nitidez, que numa distância espiritual intraduzível em
termos humanos, essas energias provinham de um espírito
portador de uma beleza absolutamente indescritível, que se visto
por um encarnado, seria tido como sendo um poderoso e
majestoso “Anjo do Senhor”, pois de suas costas, ao longo de
toda a coluna, duas formações energéticas irradiantes,
consequência de sua ascendência, indefinível para eles, davam a
impressão de tratar-se de enormes e graciosamente belas asas,
asas essas de pura energia e luz, mas que na verdade são as
manifestações irradiantes de sua capacidade espiritual e de seu
harmonioso e íntimo elo com o Criador.
Ao aperceberem-se de tal fato, foram envolvidos pelo
espírito superior de uma forma que poderia ser comparada na
terra com um sorriso de profunda piedade amorosa, e repleto de
misericórdia.
Este evento durou poucas frações de segundo, mas para
os irmãos Viert era com se dias tivessem transcorrido, se
sentiram totalmente arrebatados por aquele amor impossível de
definir. Ângelo interrompeu então o fluxo das energias
estabilizadoras e harmonizadoras enviadas por aquele espírito,
que por sua vez “recolheu-se” e diante dos olhos dos irmãos,
apesar da enorme distância que os separava, agradeceu-os com o
olhar de extrema humildade, pela oportunidade de ampara-los
em suas necessidades, fez uma alusão de abraço sobre o peito
baixando a face sorridente, em seguida dirigiu seus olhos ao alto
e num gesto como que alçando vôo, lançou-se ao infinito,
desanuviando suavemente em sentido ascendente.
Os Irmãos Gustavo e Henrique permaneceram estáticos,
com os olhos rasos d’água, e nada mais conseguiam fazer além
de orar em profunda gratidão ao Pai, pela oportunidade de
servir, e por poder vislumbrar uma réstia da luz que aguarda
todos os filhos de Deus em sua jornada rumo aos Seus pés!

105
Ângelo também profundamente emocionado
acompanhara os irmãos em sua prece e assim que foi concluída,
recompôs-se e conclamou os Irmãos à continuidade da tarefa.
- Anjos, da forma com que muitos creem, não existem,
pois o Pai jamais privilegiou qualquer um de seus filhos, assim
sendo, todos indistintamente temos uma trilha a seguir e
invariavelmente a ela retornamos por força de suas Leis
Amorosas, caso nos desviemos. Este irmão que nos assistiu e
ainda nos assiste sem que disso possamos guardar impressão, e
continuará a fazê-lo enquanto perdure nossa conexão com ele a
qual se dará até que cumpramos nossa missão, é um desses
nossos irmãos maiores que há muito se sublimou na senda
evolutiva e, figurativamente falando, hoje vive em plenitude
absoluta ao lado de nosso Criador.
- A imagem que se definiu aos nossos “olhos”, de uma
figura humana aperfeiçoada ao máximo, foi tão somente criada
por sua poderosa e piedosa mente, em virtude de seu amor, para
que o pudéssemos perceber e muito superficialmente
compreender-lhe a natureza, num conceito que nossas mentes
pudessem assimilar. A forma já não faz parte de sua natureza há
muito e muito tempo, desde antes de nós mesmos termos sido
criados por Deus. Como viram, não é difícil acreditar em anjos,
mas falta ainda à humanidade saber deles e entender que um dia
a eles seremos semelhantes em pureza, sabedoria e amor, nesta
hora, seremos nós também, confundidos com anjos.
Os três silenciaram ali por alguns minutos,
compartilhando a meditação, como se fosse apenas uma mente a
interpretar a maravilhosa perfeição da criação, e enfim, Ângelo
inicia o treinamento dos irmãos.
- Pois bem, essa sensação de que vocês estão sendo
tomados, a de estarem vivendo em duplicidade corporal, ou
simultaneidade corporal, é apenas uma ilusão que suas mentes
estão vivendo em função da vossa total inexperiência no campo
da bicorporeidade perispiritual induzida pela vontade e regida
pelas leis da ubiquidade.
- Devido aos dispositivos que implantei em seus sistemas
nervosos perispirituais, vocês conseguem agora sem esforço,
porém de forma artificial, não só duplicar com perfeição seus
perispiritos através da ideoplastia, como também organizar suas

106
mentes de forma a assimilar todo o sensorial de suas réplicas
como se de vocês mesmos fossem as sensações.
- Vocês notarão também que a ubiquidade agora assumiu
novos aspectos, bem diversos dos que apresentava, até pouco
antes de minhas intervenções em seus perispiritos. Agora,
enquanto suas duplicatas existirem, a ubiquidade em vocês
estará focada e restringida ao controle absoluto delas, as quais
estarão em estado semelhante como se estivessem
compartilhando suas mentes e seu potencial espiritual. É algo
como se as duplicatas fossem seres viventes e raciocinantes,
como se tivessem consciência própria, entretanto não o tem,
pois a vossa consciência é que lá estará simultaneamente ao
aqui. 24
- Portanto, no fenômeno da ubiquidade sobre a
bicorporeidade perispiritual vocês, e não suas duplicatas,
possuem agora e sempre o controle absoluto, apesar de que para
vocês representará que suas consciências estão também lá. É
semelhante à ascendência do espírito sobre o corpo físico, a
diferença é que no exemplo que citei, o espírito sofre as
influências e limitações impostas pela matéria, como
consequência das leis da reencarnação, o que aqui não acontece,
pois todas as possibilidades que vocês como criaturas de Deus,
já atingiram em suas vivências, existem simultaneamente em
vocês e em suas duplicatas enquanto as sustentarem.
- Outro ponto interessante é que a capacidade natural de
ubiquidade que vocês possuíam, ou seja, dentro das limitações
de espaço e vibração que tinham antes, voltou a existir
normalmente, só que quando suas duplicatas estiverem
existindo, essa “antiga” ubiquidade ocorrerá tanto com vocês
como com suas duplicatas, isso significa que se enviarem suas
duplicatas a uma região espacial limítrofe de suas capacidades
perceptivas, tal limite sensorial se estenderá mais além na
mesma razão. A esfericidade perceptiva e sensorial torna-se
portanto, em função da ampliação artificial, mais linear que
esférica, ou seja, o alcance linear expandiu-se imensamente,
sendo que para isso, sacrificou-se o alcance cincunferencial, que
tornou-se quase o mesmo de antes das intervenções feitas.
- Reparem como suas duplicatas executam com perfeição
cada gesto vosso, como se fossem espelhos invertidos, pois ao
24
Grifado pelo Autor Espiritual.

107
movimentar, por exemplo, sua mão direita, também sua
duplicata o fará com sua própria mão direita, experimentem!
De fato, assim os irmãos fizeram e suas duplicatas os
imitaram cada gesto, sem se comportar como um simples
reflexo, mas sim como um autômato que obedece aos gestos de
seu controlador.
Ângelo continua:
- Agora, em primeira instância, iremos treinar a
independência relativa de suas duplicatas, que para facilitar
iremos chamar daqui por diante de “duos” 25. Porém, como o
tempo é escasso, deixemos esta providencia para amanhã,
encontremo-nos aqui mesmo à primeira hora da madrugada.
Despediram-se após desfazer os duos, e os irmãos
retornaram para o lar dos Soulié.

TREINAMENTO
No dia seguinte, os irmãos Viert retornaram pouco
depois da meia noite ao local combinado e lá chegando
encontraram Ângelo os aguardando serenamente, com um
sorriso amoroso em seu rosto, como de costume.
- Ângelo - interroga Henrique após os cumprimentos -
aquele espírito que nos auxiliou ontem, é seu amigo?
Ângelo sorri e responde:
- Aquele espírito atingiu um nível evolucionário com o
qual nós podemos apenas sonhar por hora, eu estou muito
distante ainda de tal progresso. Sua ascendência espiritual já o
libertou dos grilhões das próprias esferas espirituais há
incontáveis milênios. Eu já vos afirmei que sou tal qual vocês,
nada mais.
25
O termo “Duo” foi aqui utilizado pois se utilizássemos o termo “duplo”,
que parece ser em primeiro momento mais adequado, estaríamos correndo
perigo de criar confusão com o ‘duplo etérico’, denominação já largamente
em uso para definir um dos corpos do espírito, quando manifesto no mundo
material. Nota do Autor Espiritual.

108
- Mas então como o conheceu? E como se deu esse
processo em que estamos envolvidos com a proteção deste
irmão maior? - acrescenta Gustavo.
- Eu não o conheci, mas ele me conhece, não só a mim
como a vocês também, e repito o que afirmei ontem, é espírito
antiqüíssimo que vela pelo nosso progresso, nosso e de centenas
de milhões de outros como nós, desde remotos tempos em que
alcançáramos o nível da humanidade, deixando para trás os
últimos estágios de evolução no reino animal. Trabalha ele junto
ao Nosso Cristo Jesus e outros espíritos puros, auxiliando com
suas vastas possibilidades espirituais o progresso dos que apenas
ensaiam os primeiros passos conscientes rumo ao Pai. A visão
que tiveram, foi uma figura adotada por ele para que pudessem
compreende-lo, fruto de um efeito que apesar de idêntico ao que
vocês experimentam agora, é muito superior em possibilidades,
poderíamos dizer que ele lançou mão da “bi corporeidade semi-
perispiritual angélica”l26. Todo esse processo obedece a uma
extensa programação, cujos detalhes são tão dinâmicos quanto é
a nossa vida, pois nossos “destinos” não são escritos senão a
cada segundo de nossa existência, posto que nossos rumos
sempre variem de acordo com nossas escolhas. Vocês não foram
escolhidos para aqui estar sem um motivo, assim como eu, que
estou aqui como intermediário das esferas imediatamente
superiores à nossa, qual médium que transmite aos seus irmãos
encarnados nossas mensagens e nosso apoio. Quando as razões
nos fogem ao conhecimento, em virtude de nossa pouco
desenvolvida capacidade, cabe-nos saber ser dóceis e obedecer à
vontade de nosso Pai.
- Bicorporeidade semi perispiritual? - interrogam ambos
em uníssono.
- Sim, isso mesmo, pois o corpo de aparência angelical
que “viram”, criação de sua vontade, não é todo da mesma
natureza fluídica que o nosso, perispiritual, mas sim está mais
para um corpo de matéria mental muito condensada, que só foi
perceptível a vocês, por conta das intervenções feitas em seus
corpos, ampliando artificialmente suas possibilidades sensoriais.
Na constituição daquele corpo efêmero, utilizou esse nosso
irmão maior como matéria prima, em quase sua totalidade, sua
própria “matéria mental” se assim podemos chamá-la, e muito
26
Destacado pelo autor espiritual.

109
pouco, quase nada de matéria espiritual, pois ele está muito além
de nossa esfera de atuação. Nele o dom da ubiquidade cobre
uma vastidão inconcebível para nós, e sua presença
“materializada” poderia se dar em múltiplos lugares do espaço
sem que isso representasse para ele uma demanda qualquer de
esforço. É dom natural em espíritos puros, que transcendem o
tempo e o espaço como conhecemos nas noções impostas pela
matéria.
- Da mesma forma que em vocês a capacidade ainda
embrionária da ubiquidade foi acentuada temporária e
artificialmente, também eu fui submetido ao processo em
questão, a única diferença é que esta não é a primeira vez que
passo por tal experiência, e também passei por um treinamento
específico de forma que eu possa trabalhar como intermediário
dos espíritos superiores na preparação para estas mesmas
possibilidades em outros irmãos.
Passados alguns momentos em que Ângelo
pacientemente aguardou que os rapazes assimilassem as
informações prestadas, iniciaram os treinamentos.
- Bem meus irmãos, mais uma vez concentrem-se e
formem seus duos.
Num átimo de segundo, diante de cada um dos irmãos
Viert surge uma cópia fiel sua, que da mesma forma que antes
em tudo lhes imita os gestos, com precisão assombrosa.
- Ótimo! Agora quero que vocês virem de frente um ao
outro e examinem a fundo o conjunto ‘matriz/duplicata’ um do
outro. Observem a intrincada rede de conexões que se
estabeleceram naturalmente ao formarem seus duos.
Aprofundem suas sensibilidades e concentrem suas visões na
rede neural dos duos comparando com o corpo matriz, percebam
que em tudo lhes são semelhantes, eles até mesmo possuem o
conjunto interfacial mente-matéria, conhecido como cérebro, em
todos os seus detalhes. Agora se vocês se concentrarem um
pouco mais, vocês poderão notar que cada plexo ativo está
intimamente ligado, do perispirito matriz ao duo, por isso que
enquanto sem o premeditado controle mental autônomo pela
ubiquidade, seus duos se limitam a imitar-lhes os gestos.
Os irmãos, observando um ao outro, maravilharam-se
com a complexa e intrincada rede de conexões finíssimas que os
ligavam aos seus duos, de cada minúsculo centro de força e de

110
cada sinapse cerebral, assim como de cada conexão cefálica com
a medula espinhal possuía um minúsculo elo de ligação. Todos
esses dutos de ligação se uniam em um único emaranhado que
partia do centro genésico do corpo matriz até o centro genésico
do duo.
Tal fato chamou a atenção dos irmãos e Henrique
questionou Ângelo:
- Por que todos os dutos se concentram no centro de
forças genésico e de lá partem até o correspondente no duo?
- É no centro de forças genésico que se concentram as
forças geradoras de todas as criaturas humanas, e não nos
esqueçamos que são essas mesmas forças que além de se
destinar à impulsionar a criatura à reprodução, quando na carne,
impulsionam a criação, no sentido da geração, em todos os
níveis da Criação de Deus, enquanto vivem presas aos conceitos
limitados da forma, do tempo e do espaço. Notem as ligações
entre os centros de força frontal, cardíaco e genésico. Observem
como estes se destacam dos demais evidenciando um fluxo
energético mais intenso e mais carregado de energias que os
demais. Esse efeito é consequência do potencial criador de todos
os filhos de nosso Pai, que nos dotou a todos com a mais
sublime das capacidades, a de criar.
- O genésico nos impulsiona a criar, sua ligação com o
cardíaco, um pouco mais intensa que a ligação com o frontal,
agrega ao impulso criador os sentimentos da criatura; a ligação
do genésico com o frontal estabelece o suprimento da
imaginação e da inteligência ao impulso criador. As três forças
em conjunto, quando equilibradas, não apenas cada uma em
particular, mas também no conjunto, é responsável por notáveis
criações em todos os campos, mesmo quando esse equilíbrio é
negativo, ou seja, quando a inteligência que se serve desses
recursos, ainda tem sua mente voltada a ideais de baixo nível, de
moral distorcida, ou impulsionada por sentimentos ainda muito
egoístas.
- Assim, a ligação entre o perispirito matriz e o
(períspirito) duo ocorre justamente através do centro genésico,
porque este concentra todas as possibilidades criadoras daquele
que se serve de modelo, e as energias necessárias para o sustento
da efêmera existência do duo, da efêmera vida do duo, são
adequadamente dispostas através, e produzidas através, do

111
genésico. Apesar de em nossas conversações, tratarmos o
perispirito original e o duo, como duas entidades diversas, para
melhor compreensão dos assuntos relacionados que abordamos,
não percamos jamais a perspectiva de que são na realidade um
só! O duo provém do perispirito pertencente ao espírito cuja
vontade ativa o formou, e se mantém unicamente em função da
vontade desse espírito que, assim que não mais o deseje, o duo
se desfaz.
E observando os pensamentos dos irmãos Viert, Ângelo
se antecipa:
- Já o processo criador de um duo, com aquele espírito
que vocês puderam observar e que nos tutoreia, é bem diverso,
pois para ele o corpo perispiritual já foi superado há milênios
sem conta.
Continuando com as instruções, Ângelo orienta:
- Agora observem seus duos frente a frente.
Os irmãos obedeceram e assim como em todas as outras
vezes, isso teve um efeito algo desagradável, causando certa
vertigem aos irmãos, Ângelo apressou-se com os
esclarecimentos:
- Mantenham a calma e procurem abstrair-se do efeito
que essa visão, que chamamos de ‘Espelho Infinito’ vos causa.
Essa sensação é causada pelo fato de que seus sentidos agora
estão plenos, tanto em vocês mesmos como em seus duos,
portanto sua percepção visual está duplicada e não dividida
como seria de se supor. Todo o sensorial de vocês, ao invés de
se dividir entre vocês e seus duos, está em pleno potencial, ativo
com todas as suas possibilidades tanto em vocês como nos seus
duos.
- Isso porque todo o potencial sensorial de vocês, que
ampliamos ao máximo na primeira intervenção, está ativo nos
duos através das ligações que vocês observaram. Apenas suas
mentes permanecem incompartilhaveis, a inteligência
permanece tal qual era, localizada e limitada pelos seus corpos
perispirituais, seus espíritos continuam ligados única, total e
exclusivamente aos seus corpos perispirituais originais. A
sensação de vertigem deve ser agora combatida por vocês
através daquele exercício mental simples que lhes apresentei
ontem, e em poucos minutos vocês terão total controle sobre os
seus sentidos de visão.

112
- Mas exatamente porque essa vertigem, essa dificuldade
tão grande de focalizar nossas próprias imagens, quando todo o
resto parece tão estável e nítido?
- Porque os seus sentidos de visão estão sendo
sobrecarregados com a repetição de suas próprias imagens,
registradas por vocês mesmos, e registradas pelos seus duos, as
quais são transmitidas simultaneamente a vocês través dos elos
que os unem aos seus duos, os seus sentidos próprios chegam à
vossa inteligência acrescidos dos registrados pelos seus duos. O
efeito é semelhante a dois espelhos dispostos frontalmente, em
que as imagens de um, são registrados pelo outro e vice e versa.
Daí a sensação de vertigem que os assalta, mas vamos então
treinar a corrigir essa distorção natural, para que assim vocês
tenham a estabilidade necessária para aprender a utilizar
plenamente os recursos de seus duos.
Ângelo então, novamente explica detalhadamente, passo
a passo o procedimento necessário para superar o efeito
‘Espelho Infinito’, e uma vez satisfeito com os resultados, pede
aos irmãos que desfaçam seus duos e eles combinam o
reencontro para o dia seguinte, quando então eles continuariam
o aprendizado.
No dia seguinte, Ângelo que já aguardava os irmãos
Viert, ocupava-se com alguns estudos enquanto eles não
chegavam e em dado momento, na hora combinada, observou
que os irmãos se dirigiam para o local de estudo, junto ao
bosque, com suas duplicatas já formadas.
Ângelo não pode deixar de rir-se ao observar como os
irmãos se divertiam com seus duos, que em tudo os imitavam.
Como eles conseguiram aprender a impor a distância que seus
duos deveriam manter deles, faziam pequenas traquinagens pelo
caminho, como caminhar ao lado de um regato e ver seu duo
mergulhar e caminhar dentro das águas do riacho, passar ao lado
de árvores fazendo com que seus duos as atravessassem, coisas
sem importância, mas com as quais Henrique e Gustavo se
divertiam como duas crianças em alegre aprendizado,
especialmente sentindo os efeitos das circunstâncias, sem que os
estivessem provocando pessoalmente.
Quando estavam já a menos de uma centena de metros
do local de encontro, se deram conta de que estavam sendo
observados há muito por Ângelo, e “coraram” imediatamente,

113
envergonhados por comportar-se como duas crianças. Ângelo
então, ao ter os dois em sua presença, lhes disse:
- Calma! Não há motivo para vocês se constrangerem,
primeiro porque vocês não faziam nenhum mal aos seus duos,
nem tinham qualquer intenção de fazê-lo, mesmo porque se o
fizessem sentiriam em si mesmos as consequências, devido à
intima ligação que possuem com seus duos, que como dissemos,
são vocês mesmos - e rindo-se continuou - o castigo seria
instantâneo! E em segundo lugar, teve seu lado prático, pois
assim vocês vão se acostumando com os sentidos dobrados pela
ubiquidade.
Pensando nisso, Gustavo pergunta:
- Ângelo, eles podem sofrer? Algum mal pode atingi-los
e faze-los sofrer?
- Não, pois na verdade eles não possuem um espírito, não
possuem inteligência e nem mesmo os seus sentidos lhes
pertencem, os sentidos dos duos, não são deles, são vossos,
insisto, eles não são eles, são vocês também ali! - afirmou
apontando para os duos - Eu sei que a princípio é difícil para
vocês considera-los como sendo vocês mesmos, pois suas
mentes ainda não foram nem ativadas, nem treinadas a viver a
segmentação mental em toda a sua vasta gama de possibilidades,
mas assim é. Qualquer sofrimento, dentro das possibilidades
ditadas pela impressionabilidade de suas mentes, seria vosso,
pois vocês são eles e vice e versa.
Gustavo e Henrique entreolham-se e sorriem, satisfeitos,
pois não recairia sobre eles nenhuma responsabilidade adicional,
caso inadvertidamente eles levassem os duos a uma situação de
perigo. Percebendo os pensamentos dos irmãos, Ângelo
completa o esclarecimento:
- É verdade, não caberia a vocês responsabilidade sobre
o sofrimento deles porque eles não podem sofrer, pois são quase
que máquinas sob suas ordens, mas não se esqueçam que se algo
pudesse ocorrer de errado com eles, vocês é que sentiriam toda a
dor e sofrimento, pois os duos são compostos de vocês mesmos,
o que por si só já é grande responsabilidade, pois seus corpos em
todos os níveis, não lhes pertencem, mas sim ao Pai.
Os dois irmãos se olham e percebem que as
responsabilidades existirão sempre, não importando as
circunstâncias em que vivemos nossas experiências, e que

114
quanto maiores as possibilidades, tão maiores serão as
responsabilidades, é um exemplo vivo do “... muito será pedido
a quem muito for dado”.
Concluindo, Ângelo acrescenta:
- Mas, como devem saber, ao espírito desencarnado, mas
ainda preso à ilusão da forma, ou seja, portador da necessidade
de um corpo perispiritual, não existe perigo real, somente àquele
consequente da incapacidade do espírito de se desprender dos
conceitos que são frutos da vida material. Se for direcionado ao
espírito preso à forma, uma grande massa de energia
eletromagnética e este não tiver absoluta consciência e certeza
de que é imune a qualquer efeito desta energia, ele então sofrerá
suas consequências, fruto da ilusão a que se submeteria. Mas, é
muito difícil nos libertarmos totalmente desta condição, só o
tempo e nossas vivencias e aprendizado é que nos libertarão da
ilusão, nesta hora, perderemos completamente a necessidade da
forma como via de expressão do espírito, e enquanto isso não
ocorre, devemos nos precaver conforme a situação em que nos
encontremos.
Ângelo dá uma pequena pausa e continua:
- Bem meus irmãos, nós agora treinaremos a parte mais
importante que é dotar seus duos de autonomia relativa através
da segmentação mental27, que é uma das características da
ubiquidade. A segmentação mental consiste na capacidade que
todos nós temos, em maior ou menor grau, de dirigir nossos
esforços mentais em mais de um foco de atenção. Na terra por
parco exemplo, esse processo ocorre naturalmente quando nos
dedicamos a atividades, cuja realização nos é tão familiar que
muito pouca atenção nos é exigida em sua realização. Sejamos
mais claros. Um motorista experimentado consegue conduzir
um veículo e dar conta das varáveis de seu trajeto, como por
exemplo, curvas, subidas, descidas, pontos de parada obrigatória
como semáforos ou cruzamentos, etc. E isso tudo, o faz tendo
ainda, em geral, a possibilidade de travar uma conversação com
algum passageiro em seu veiculo, reparar em alguns detalhes da
paisagem por onde passa, sem ter que pensar em como frear o
veiculo quando isso se faz necessário, em como cambiar uma
marcha e assim por diante. Essas operações obrigatórias na
condução de um veículo, apesar de estarem dentro do nível
27
Grifado pelo autor espiritual

115
consciêncial do motorista, ocorrem quase automaticamente, é
quase como se o seu corpo soubesse sozinho o que fazer durante
a operação do veículo, sem que a mente deva dar total atenção à
operação em curso, ficou claro?
Ante a afirmativa dos irmãos, continuou:
- Somente em situações complexas ou inusitadas e pouco
experimentadas é que a mente consciente assume total controle
sobre a operação e então sua atenção volta-se por completo na
realização de sua condução. Com os duos o processo é bem
semelhante, respeitadas evidentemente as proporções. Aliás,
como pudemos observar, vocês desenvolveram rapidamente os
primeiros estágios dessa capacidade, fato que notamos enquanto
acompanhávamos suas experiências no campo da ubiquidade na
ocasião que ampliamos essa faculdade em vocês, e vocês
perscrutavam mentalmente as diferentes esferas e ambientes sem
se ausentar de suas posições no lar dos Soulié e conservando a
interação ambiental como se nada mais estivesse acontecendo.
Após alguns momentos de reflexão, em que Ângelo
parecia buscar na memória um roteiro de ações, instruiu os
irmãos:
- Agora, sentemo-nos na relva.
Todos se sentaram, inclusive os duos que ainda repetiam
instantânea e maquinalmente todas as ações dos irmãos.
- Em primeiro lugar, vocês deverão concentrar-se de
molde a que suas mentes concentrem-se nas emissões sensoriais
de seus duos, entendam que os duos são parte de vocês, são
vocês, e que deverão agir de acordo com suas vontades, eles são
vocês e suas consciências podem coordenar as ações em ambas
as posições. Suas mentes, seus pensamentos devem residir tanto
nos duos como em vocês mesmos e para conquistar isso, nós
faremos alguns exercícios simples. Fechem seus olhos, seus
ouvidos, seus tatos, todas as suas percepções devem ser
bloqueadas, concentrem-se apenas naquilo que vocês percebem
através de seus duos.
Ângelo mantém um poderoso elo mental com os irmãos,
objetivando acompanhar-lhes o progresso e com isso poder
instrui-los verbalmente de maneira mais eficiente quanto aos
procedimentos e posturas mentais, sem no entanto interferir de
qualquer forma, seja magnética ou mentalmente. Aos poucos,
Ângelo passa pequenas e simples instruções que gradativamente

116
propicia aos irmãos a compreensão básica de como ter suas
consciências em dois pontos simultâneos com total controle e
com segurança, até que a certa altura os instrui:
- Em seus duos, levantem-se!
Prontamente os duos dos irmãos postaram-se eretos e
passaram a fitá-lo naturalmente.
- Ótimo, agora sigam para o riacho próximo, onde
Gustavo divertia-se mergulhando seu duo nas águas.
Os duos então sorriram com a lembrança da brincadeira
de Gustavo, e Ângelo observou que os irmãos permaneciam
sentados e impassíveis diante dele, o que lhe causou satisfação.
- Ótimo! Percebo que vocês conseguiram se abstrair
totalmente de si mesmos e estão com suas mente totalmente
focadas em seus duos, prossigam para o riacho.
Os duos seguiram em frente naturalmente, com a postura
e trejeitos normais dos irmãos, como se eles mesmos para lá
estivessem se dirigindo, e se detiveram às margens do riacho.
- Perfeito, como vocês podem constatar, seus sensoriais
estão absolutamente normais e, apesar de vocês estarem de fato
aqui comigo, sentem-se estar mais no riacho do aqui. Este efeito
é muito parecido com o produzido por um hábil magnetizador,
que esteja induzindo uma pessoa a um transe hipnótico. Da
mesma forma sentem-se no riacho, totalmente absortos do que
ocorre aqui à exceção do som de minha voz, que vocês
assimilam e processam naturalmente. A diferença entre um
efeito e outro consiste no fato que no caso da magnetização o
processo é totalmente e restritamente mental, e aqui vocês estão
efetivamente sob o efeito da ubiquidade em sua expressão
máxima, mental e espiritual; material em nossa esfera de ação,
pois seus perispiritos estão duplicados temporariamente por ação
de poderoso efeito de criação ideoplastica. Agora então, quero
que façam seus duos mergulharem no riacho e busquem analisar
a fauna e flora destas águas.
Assim que Ângelo certificou-se de que eles estavam se
ocupando naturalmente com suas observações, os instruiu
novamente:
- Agora muita atenção, eu quero que vocês continuem
com suas observações no riacho e em nada as modifiquem, e
aqui comigo, abram seus olhos e olhem para mim.

117
Os irmãos Viert abriram seus olhos e espantaram-se com
o efeito. Suas mentes Registravam perfeitamente suas ações no
riacho e simultaneamente registravam a presença de Ângelo,
sentado com eles sobre a relva junto ao bosque.
Os impulsos sensoriais eram perfeitamente registrados
sem que se sobrepusessem e sem que estivessem em quadros
separados, mas de uma forma inexplicável ao sentido comum
humano encarnado, ocorrendo simultaneamente e em separado28.
Eles continuavam com as observações no riacho pelos
seus duos e até se divertiam com alguns elementos da fauna que
podiam de alguma forma perceber-lhes as presenças e,
simultaneamente, diante de Ângelo eles entreolharam-se e
felicitaram um ao outro, mentalmente, sorriram e olharam com
gratidão e íntima felicidade para Ângelo.
- Isso mesmo meus irmãos! Essa capacidade de ser e
estar em dois lugares diferentes ao mesmo tempo é conquista
difícil e reservada a espíritos de elevada condição moral,
entretanto, o Pai nos registrando como homens de boa vontade,
nos concede meios que, mesmo temporários e artificiais, nos
auxiliam a avançar a passos mais largos em direção à Sua
Majestade! Por isso que, não apenas vocês, mas muitos outros
tiveram semelhantes oportunidades de aprendizado e avanço, eu
mesmo passei pelas mesmas experiências, e sempre que
necessário, meus tutores me propiciam a ampliação destes
recursos conforme o necessário para o cumprimento de tarefas
que não podem aguardar e que estejam demandando atenção
simultaneamente. Hoje no planeta, a multidão de espíritos
necessitados de amparo e já aptos por recebe-lo, nos supera em
quase onze vezes em número, e tais números tendem a subir
muito ainda nos próximos lustros. Os colaboradores do Senhor
se desdobram em esforços para atender a demanda mas mesmo
assim são muitas as dificuldades e com tais recursos que o Pai
nos concede, podemos otimizar nossas ações e sermos ainda
mais eficientes, não só em qualidade mas como também em

28
Aos que conhecem o funcionamento dos programas de computadores, esse
processo assemelha-se em muito com o processamento ‘multitarefa’, ou
‘multitask’, que consiste na execução de dois ou mais programas
simultaneamente, similar porém nem proximamente idêntico, os
computadores estão infinitamente distantes do que ocorre na mente humana,
e jamais sequer aproximar-se-ão. - Nota do autor espiritual.

118
quantidade. Infelizmente são poucos os que dispõe das
condições mentais mínimas que possibilitam a aplicação de
semelhantes meios. Entretanto, pouco a pouco os trabalhadores
do Senhor se aperfeiçoam e engrossam, paulatinamente, as
fileiras dos servidores do amor divino.

COLÔNIA AMOR
Então Ângelo inicia uma nova abordagem e instrui os
irmãos Viert:
- Prestem atenção em mim, observem-me atentamente.
Dito isso, os irmãos Viert concentraram suas percepções
sobre Ângelo e observaram que ele possuía em si os mesmos
elos energéticos que os unia aos seus duos. Mentalmente
retornaram os duos ao local em que estavam enquanto
observavam atentamente as ligações de Ângelo e perceberam
após algum tempo que aquele que estava diante deles era
também um duo. Ângelo sorri expressando grande satisfação e
diz:
- Muito bom! Realmente suas mentes estão cada vez
mais bem educadas e disciplinadas! Sigam meus elos de ligação
até onde me encontro.
Obedecendo à ordem de Ângelo, deixaram os seus duos
na beira do bosque junto ao de Ângelo e seguiram volitando até
onde Ângelo se encontrava, isso se deu quase instantaneamente
e viram-se em uma paragem da qual jamais tiveram notícias.
Um lugar de beleza inenarrável e indescritível, em que os
espíritos que ali habitavam exalavam de si próprios torrentes de
amor em “forma” de suave “luz”, doce e levemente multi-
cromática em cores e tons que jamais viram, e que envolveu os
dois irmãos de tal modo que mal podiam conter a emoção.
Diante deles encontrava-se Ângelo, resplandecendo quase como
os espíritos dali, exalando amor e quase instintivamente, os
irmãos fizeram menção de lançar-se de joelhos, ao que foram
imediatamente interrompidos por Ângelo que os amparou pelos
braços impedindo-lhes o gesto, e lhes disse:

119
- Não meus irmãos, mais uma vez eu lhes peço, não
façam isso! Não dobrem seus joelhos senão ao nosso Pai
misericordioso!
Os dois meio que relutantes e vacilantes ergueram-se e
com os olhos rasos d’água pela emoção que os envolveu,
sorrindo acabrunhados, perguntaram:
- Onde estamos? Que esfera é essa? Será a morada dos
anjos do Senhor?
- Não meus irmãos! Não como vos referis, mas todas as
esferas são as moradas dos anjos, pois todas estão circunscritas
na criação. Aqui é apenas uma colônia que se situa em uma das
esferas que envolvem o planeta terra. Esta é a ‘Colônia Amor’,
em que residem espíritos que já sublimaram o espírito a ponto
de não mais carecerem das experiências da carne em seu trajeto
evolutivo e que estão prestes a transcender a forma. Fui
instruído a traze-los aqui para que nosso aprendizado possa ser
beneficiado pelas energias que aqui abundam, e dessa forma
concluir o processo de aprendizado mais rapidamente, e também
com plena fixação em seus resultados.
Os irmãos a tudo observavam com vivo interesse e as
emoções que viviam naquela colônia, ainda hoje pulsam em
seus corações. Seres de beleza indefinível, portadores de um
olhar humilde e ao mesmo tempo cheio de compaixão
circulavam serenamente e os irmãos podiam sentir-se saudados
por eles e envolvidos em suas atmosferas psíquicas de amor,
porém nenhuma palavra ou pensamento, nos moldes a que
estavam familiarizados, na forma a que estavam habituados, era
ali proferido.
Um pequeno grupo de doze daqueles maviosos espíritos
se formara ao redor deles e Ângelo os informou:
- Esses irmãos que aqui se reuniram, nos auxiliarão em
nosso processo de aprendizado e fixação. Agora procurem
acalmar-se e concentrem-se apenas em nossas atividades, e não
mais no ambiente que nos cerca.
Os irmãos Viert então, procuraram respirar
tranquilamente e em busca do equilíbrio, proferiram uma prece
dirigida ao Pai maior e ao Mestre Jesus, pedindo pelo seu
equilíbrio e pelo amparo que necessitariam para bem assimilar
as lições que ali receberiam, rogaram para que lhes fosse
favorecido o sucesso para que se tornassem instrumentos de Seu

120
amor, o mais eficientes que suas próprias falhas e defeitos
permitissem.
Assim que terminaram as preces, ao abrir seus olhos,
constataram que estavam envolvidos e mais que isso, emanavam
de si próprios um intenso fulgor, não tão belo, intenso e puro
como o dos espíritos que os cercavam, nem mesmo como o de
Ângelo, mas resplandeciam vivamente, em belas cores suaves e
harmoniosas. Sorriram e pequenas lágrimas de gratidão
brotaram em seus olhos, entretanto agora, com os corações
serenos, e com a paz e equilíbrio necessários para a empreitada.
- Muito bem! - exclamou Ângelo - agora reparem em
como todas as informações sensoriais do que afeta seus duos,
vos impressionam naturalmente. Suas mentes acostumadas com
a disciplina, não obstaram ao sucesso do pleno funcionamento
do dom da ubiquidade, que em vocês foi artificialmente
despertado em o nível máximo que seus corpos e suas mentes
permitissem sem perigo de causar danos de qualquer espécie às
suas mentes, à sua razão. Tais processos, quando levados a
efeito artificialmente, exigem cuidados extremos, pois se a
mente daquele que é submetido a essas possibilidades, assim, de
forma artificial, não contar com a estabilidade necessária, se não
tiver o dom da disciplina bem desenvolvido, prejuízos sérios à
sua razão, à sanidade mental podem vir a acontecer,
demandando muito tempo para a recuperação do perfeito juízo
de si mesmo e das coisas. Disciplina e simplicidade, aqui, são
indispensáveis.
- Agora, sob a suave influência desses nossos irmãos que
nos amparam e nos avaliam em nossa empreitada, enquanto aqui
permanecemos a dialogar, sigamos também, através nossos
duos, volitando para a colônia Champs Elisées e procuremos
nosso irmão Maurice. Enquanto isso fiquem à vontade para
arguir qualquer um desses nossos irmãos que aqui se encontram,
que eles lhes explicarão tudo que for permitido, aproveitem, pois
agora poderão colher valiosas lições.
E assim foi feito, enquanto seus duos volitavam em
direção à colônia de Champs Elisées, os irmãos Viert fizeram
várias perguntas aos espíritos que ali os amparavam. Quase
todas as suas questões se relacionavam com suas atividades
socorristas, junto aos que se auto incapacitavam mentalmente. A
maior parte das questões recebeu respostas claras e concisas,

121
não só por palavras, mas também por um processo de
transferência mental absolutamente inédito para eles, em que
grandes “blocos” de conhecimento eram simplesmente
transferidos para suas mentes; e muitos mistérios dos processos
mentais das criaturas em desequilíbrio foram lhes esclarecidos.
Algumas poucas questões proferidas não receberam o
esclarecimento esperado pois tocavam em pontos ainda vedados
ao conhecimento humano terrestre.
Quando concluíram o diálogo com aqueles nobres
espíritos da ‘Colônia Amor’, ao mesmo tempo, através de seus
duos, já se despediam do Dr. Maurice no hospital da colônia, em
que a titulo de experimentação de suas novas habilidades,
entabularam longo diálogo no qual colocaram o Dr. Maurice a
par dos fatos. Apesar de os irmãos Viert não se sentirem dignos
da consideração dos maiores por eles, abençoando-os com essas
habilidades temporárias, foi-lhes assegurado que tal
merecimento foi resultado de conquistas pessoais, que não havia
nada que lhes tirasse o mérito de terem recebido essa benção,
tida por eles como imerecida consideração, para o melhor
cumprimento de suas missões.
Em seguida, ainda na esfera superior a que foram
chamados, os espíritos que os amparavam, sentindo-se
satisfeitos com os resultados obtidos e com o progresso do
aprendizado, deixaram os três a sós.
Ângelo então propôs:
- Aproveitemos os benefícios dessa colônia que hora
visitamos, tomem seus lugares no cumprimento de vossa tarefa
junto a Julian através de seus duos, no lar Soulié, e sigamos em
breve excursão previamente autorizada por essas paragens, para
que vocês possam conhecer um pouco mais desta colônia tão
superior à nossa, e ao mesmo tempo, isso servirá de treino num
ambiente seguro e favorável, alem de que se lhes fixem com
maior precisão as conquistas realizadas.
Assim o fizeram, seguiram calmamente em diversos
departamentos, muito diferentes do que estavam acostumados,
sempre colhendo valiosas informações e precioso aprendizado.
Simultaneamente o duo de Ângelo seguiu em continuidade de
suas obrigações e os duos dos irmãos Viert seguiram, agora com
o aspecto infantil característico que Henrique e Gustavo
lançavam mão durante todo o tempo em que se ocupavam de

122
Julian. Tudo ocorria para eles com a mais absoluta e intrigante
naturalidade, suas mentes conseguiam sem o menor esforço dar
conta de duas situações tão diversas entre si, como seria a de um
cirurgião proceder a uma delicada intervenção e ao mesmo
tempo resolver complexas equações matemáticas, tudo com
naturalidade e precisão, sem prejuízo algum a uma ou outra
atividade.
Ao iniciarem a excursão por aquela esfera, o último
comentário de Ângelo despertou a curiosidade de Henrique, que
o questionou:
- Ângelo, você disse “...desta colônia tão superior à
nossa.”, mas não é nessa colônia que você habita?
- Oh, não! Eu poderia se desejasse aqui habitar, pois fui
convidado há pouco tempo, entretanto reconheço que há muito
ainda a burilar em mim antes que eu possa, em paz com minha
consciência, vir a habitar uma esfera assim tão superior a que
habitamos. Venho de uma colônia situada na região do Chipre,
que está em nível vibratório muito semelhante à de Champs
Elisées.
- Mas eu pensei que nós das esferas menos adiantadas
não tínhamos permissão de visitar as esferas superiores.
- Bem Gustavo, na verdade não é exatamente assim
como você disse, o caso não é apenas de termos uma
‘permissão’ e não se trata de simples visitação, o que implicaria
em um pedido prévio da parte de quem deseja fazer a visitação.
A permanência temporária em uma colônia superior depende de
muitos fatores, especialmente o merecimento e a
circunstancialidade regida pela necessidade. Eventualmente isso
acontece, mas só em casos especiais como esse nosso em que
aqui estamos em cumprimento de tarefas que nos foram
delegadas pelos nossos maiores. Também há casos em que
geralmente o requisitante tem um tutor em tal esfera superior ou
espírito que lhe é muito caro. Ou ainda há casos em que tendo o
espírito, o seu desejo sido percebido pelos maiores que, mesmo
sem que tenha sido feito nenhum pedido no sentido de obter
uma permissão de visitação, e se nossos maiores julgarem que,
primeiro, o visitante terá realmente condições mentais de se
beneficiar com a visitação, e que o visitante não sofrerá danos
mentais com a visitação, e ainda que este mesmo visitante não
causará grandes perturbações à atmosfera espiritual do local,

123
então os próprios superiores tomam a iniciativa de convida-lo à
visitar a esfera, por julgarem que será proveitosa e útil.
- Quando declinei do convite de vir habitar nesta colônia,
solicitaram-me que então trabalhasse no sentido de intermediar
as atividades socorristas das colônias próximas à terra
facilitando sempre que possível, com as possibilidades dessas
esferas superiores, em missões cuja intervenção direta dos
espíritos daqui se faça necessária. Esse é exatamente o nosso
caso agora.
Eles seguiram então em visitação à Colônia Amor e após
terem sido beneficiados com um aprendizado que demandaria
muito tempo em ritmo normal de suas existências, os três
deixaram a Colônia Amor, não sem antes orar em
agradecimento ao Pai e aos espíritos daquelas paragens pela
notável oportunidade com que foram agraciados.
Uma vez tendo retornado ao plano terrestre, um dia
inteiro se passara e a madrugada do dia seguinte anunciava seu
fim. Os irmãos trouxeram seus duos para junto de si e os
desfizeram para então retornar ao lar dos Soulié. Ângelo
despediu-se deles:
- Meus queridos irmãos, retiro-me então e, nos próximos
dias eu os procurarei novamente para que então possamos iniciar
nossa exploração de aprendizado em Páthia. Que Deus em sua
infinita misericórdia vos ilumine sempre, por todo o sempre!
Muita paz meus irmãos e muito obrigado por permitirem-me
servir ao infinito Amor que nos criou.
- Nós é que lhe somos gratos Ângelo - replicaram em
uníssono os irmãos Henrique e Gustavo - Deus te abençoe por
todo o sempre, que seu Amor seja sempre em ti!
Abraçaram-se fraternalmente e felizes seguiram seus
rumos, à espera do reencontro.

124
MOTOQUEIROS
Passaram os dias, as semanas, e Julian foi acostumando-
se com a presença dos pequenos irmãos, até que finalmente
passou a participar com eles de todas as brincadeiras propostas.
Ike e Gú observaram que Julian tinha uma predileção
especial por um brinquedo que pertencera a Júnior e que agora
estava disponível a todas as crianças da casa. Uma réplica em
miniatura de uma bela motocicleta. Julian tinha tamanha
admiração e adoração pelo brinquedo que chegou
inconscientemente a duplica-lo no astral, tal o seu desejo em ter
um destes, e ele jamais permitia a Gú e Ike divertir-se com o
brinquedo astral.
Gustavo e Henrique aproveitaram as suas novas
possibilidades sensoriais para analisar o brinquedo astral de
Julian. Notaram que apesar de o brinquedo apresentar
características semelhantes a ter sido construído em metal, que
era o material normalmente utilizado à época para um brinquedo
desse tipo, era na verdade constituído de matéria mental e
perispiritual de Julian, acrescido de elementos constituintes
básicos, conhecidos por nós como fluido cósmico universal, ou
seja, a matéria prima da criação que nos circunda em todo o
universo e está latentemente disponível. O fluido cósmico
universal, primariamente modificado pela atmosfera energética
planetária, e posteriormente modificada pela vontade de Julian,
constituía quase 95% do volume de que era formado o
brinquedo astral.
Encontrava-se ali outro exemplo muito claro do processo
co-criador, potencial de toda criatura humana, fruto de sua
intensa vontade firmemente dinamizada com um determinado
fim, e que nesse caso, foi levado a feito de forma inconsciente
por parte de Julian.
Notaram que havia um quase imperceptível, mas
resistente elo de ligação entre o brinquedo e Julian, tratando-se
de um cordão energético entre o brinquedo e o centro genésico
de Julian.
Tal se dava por um processo muito semelhante ao da
criação dos duos e isso causou um grande espanto aos irmãos
Viert. Uma vez que a vontade de Julian se materializara em

125
forma de uma miniatura de motocicleta. Sua mente,
inconscientemente sustentava a existência do brinquedo no
plano espiritual em que este se expressava de forma
absolutamente inconsciente, unicamente em obediência à sua
vontade. O brinquedo havia assumido desse modo, todas as
características de um objeto independente, de um objeto
“industrializado”, cuja continuidade existencial só se dava pelo
intenso desejo de Julian de possui-lo. Sua existência era mantida
pelo mesmo processo mental, natural e independente da
racionalização, que os espíritos sustentam por exemplo, suas
vestes, existem, são palpáveis, manipuláveis sem que para isso
seja necessário qualquer esforço ou preocupação por parte do
espírito.
Esses detalhes não poderiam ser notados pelos irmãos
Viert, não fosse a dilatação e aprofundamento da capacidade
sensorial perceptiva, muito ampliada neles por Ângelo.
Julian não saia das dependências da casa por motivo
algum, e quanto mais todos tentassem insistentemente faze-lo
sair, mais ele se obstinava em não fazê-lo.
Em um fim de semana em que, como de hábito, as
crianças saíram para brincar no pequeno jardim da Sra. Claire,
Julian permanecia impassível na janela observando todos a se
divertirem. Ike percebeu que Julian estava especialmente
interessado em observar as atividades de Marie, com quem ele
muito se afeiçoara, vendo diante de si a oportunidade decidiu
fazer uma “traquinagem” com Julian.
Ike aproveitou a distração de Julian, que sempre com o
nariz colado à janela, concentrado em tudo observar, entrou
furtivamente na casa, seguiu até o quarto em que Julian convivia
com as crianças menores e silenciosamente apoderou-se da
réplica astral da moto que pertencia a Julian.
Seguiu até a porta do quarto em que Julian se encontrava,
e o provocou com um riso maroto no rosto, balançando entre
dois dedos a réplica de Julian:
- Juliaaannnnn...
Quando Julian virou-se e viu Ike segurando
provocativamente a moto de brinquedo, seu precioso tesouro,
arregalou os olhos, deu um grito cheio de indignação e disparou
atrás de Ike, que saiu em carreira para fora da casa.

126
Julian, de tão obstinado que estava em recuperar seu
brinquedo, não percebeu que saíram da casa e logo eles estavam
correndo pelo jardim.
Ike buscou abrigo atrás de Gú, e ele e Julian ficaram
dando voltas em torno de Gú.
Julian que não era de má índole, não resistiu à
brincadeira e logo começou a rir com os dois irmãos e assim que
Julian relaxou e parou de persegui-lo, Ike devolveu-lhe o
brinquedo.
Rapidamente Gú propôs uma brincadeira que foi
imediatamente aceita por Julian, que ainda não se dera conta de
estar do lado de fora da casa.
Marie que a tudo assistia divertidamente, aproximou-se
de Julian abraçando-o, ou pelo menos gesticulando como se o
fizesse, pois Julian era impalpável para ela, e disse:
- Julian! Que bom! Você não é mais bobão! Você veio
brincar com a gente!
Gú que estava atrás de Julian, gesticulava desesperado
para que Marie não fizesse isso, mas era tarde demais!
Julian estancou petrificado, de olhos arregalados
observou temeroso à sua volta e não conseguia decidir o que
fazer.
Marie então, alheia ao drama psicológico de Julian,
começou a chamá-lo a brincar e ao mesmo tempo Ike e Gú o
provocavam para tentar dissipar-lhe o susto.
Aos poucos, Julian foi recobrando a razão de si e, dando
de ombros, abriu um amplo e belo sorriso, e uniu-se a todos nas
brincadeiras.
A Sra. Claire e Júnior que observavam em silêncio e à
distância olharam-se, sorriram e se abraçaram ombro-a-ombro,
agora com renovadas esperanças de que finalmente, talvez
Julian estivesse retomando o seu caminho, e mentalmente
expressaram sua gratidão ao Pai.
A partir de então, Julian sempre os acompanhou ao
jardim e como consequência desses fatos, derrubou todas as
reservas que possuía com Ike e Gú, passando a confiar
totalmente neles e sentir por eles uma profunda amizade.
Na semana seguinte, ao saírem ao jardim para brincar,
Julian levou consigo sua moto astral de brinquedo e comportou-
se algo apático. Eventualmente mantinha-se apenas na

127
companhia de Marie, que coincidentemente também não estava
com muito ânimo para brincadeiras mais expansivas, mas a
maior parte do tempo ele ficava sentado em um canto do jardim
com sua moto de brinquedo, sem mesmo dar atenção aos outros.
Ike e Gú dialogavam mentalmente tentando entrever o
próximo passo e então, Ike tem uma idéia que passou
desapercebida por Gú e disse mentalmente a ele:
- Gú, espere aqui! Tive uma idéia e vou buscar ajuda de
uns amigos que nossa maninha nos apresentou na colônia! Não
deixe o Julian me seguir para dentro, pois ele não vai me
encontrar lá.
Antes que Gú pudesse dizer algo, Ike saiu correndo e
propositalmente passou por Julian e quando o fez, deu um
pequeno ‘coque’ com o nó dos dedos para ter certeza de que
Julian o veria passar, e quando Julian olhou para ele, Ike riu e
disparou para dentro do edifício.
Julian, esfregando a cabeça onde recebeu o ‘coque’, foi
desconfiado até Gú e perguntou:
- Aonde o Ike foi?
Gú sempre teve uma grande agilidade mental e
rapidamente conseguiu um bom pretexto:
- Resolveu brincar de esconder, estou contando até cem e
depois vou lá tentar encontra-lo.
Como Julian estava apático e sem disposição para
brincadeiras agitadas, deu de ombros e voltou sua atenção para
sua moto de brinquedo e para Marie.
Não demorou e Ike retornou, foi avisado mentalmente
por Gú da desculpa que este dera a Julian, e então Gú entrou no
edifício depois de gritar para que todos ouvissem:
- Cem! Lá vou eu! - Dando a entender que iria procurar
Ike, em sequência à brincadeira pretextada.
Seguiu até o apartamento e foi finalmente esclarecido
por Ike quanto ao seu plano:
- Me desculpe maninho, mas quando busquei
mentalmente os ‘Socorristas da Estrada’, soube imediatamente
por Rafael, seu líder, que eles estavam para sair em caravana,
por isso saí às pressas sem maiores explicações. Mas mesmo
assim Rafael dispôs dois colaboradores de seu grupo socorrista
após eu ter-lhe explicado meu plano e a importância do caso, e
também já combinamos as nossas ações.

128
- Agora vamos sair e aguardar porque eles não demoram
a chegar.
Ao saírem, Júnior percebeu a movimentação incomum
dos dois e apenas com o olhar os questionou a respeito. Para
disfarçar, Gú pediu que ele se abaixasse e o abraçou, como se
quisesse expressar carinho e disse-lhe sussurrando aos ouvidos:
- Receberemos uma visita de dois amigos nossos, por
favor, não interponha qualquer obstáculo a nossas ações, sempre
agindo com naturalidade e vigie sua mãe para que ela também
não interfira. A discrição agora é indispensável!
Desfeito o abraço, Júnior sorrindo deu uma pequena
piscadela atestando sua compreensão.
Mal se passara um minuto, um forte ruído de duas
vigorosas máquinas fez-se ouvir, porém, apenas no plano
espiritual, eram dois motoqueiros espirituais, trajados com belas
roupas semelhantes a couro, capacetes com pontas de lança
sobre as cabeças envoltas em um lenço decorado, óculos escuros
e todos os paramentos relacionados.
Caracterizavam-se com perfeição os motoqueiros, como
os dos grupos que se formam na terra, alguns de arruaceiros,
outros de pessoas que apenas querem compartilhar seu prazer e
gosto pelas motos. Traziam até mesmo um palito de dentes no
canto da boca e ambos atuavam com ar de pouco caso.
Sua aparência à primeira vista, talvez causasse receio,
mas bastava um mínimo de atenção para perceber que, tanto nas
laterais das motos, como nas costas e peito de suas jaquetas,
traziam estampados emblemas que representavam nitidamente
serem eles cristãos.
Suas máquinas eram belíssimas, enormes e soavam
harmoniosamente. Eles desciam a rua lentamente, observando a
paisagem, as casas e os edifícios residenciais da região, como se
estivessem ali casualmente.
Ao ouvir os harmoniosos e poderosos ruídos produzidos
por aquelas belíssimas máquinas, Julian ergueu a cabeça com os
olhos arregalados e brilhando como nunca antes brilharam, deu
um salto e buscou com a vista de onde vinha o ruído e não
demorou estava dependurado na grade à guisa de muro, que
separava o jardim da via pública.

129
Obedecendo à combinação prévia, os dois motoqueiros
pararam suas máquinas bem em frente ao edifício, quase ao lado
de Julian e um deles disse ao outro apontando para o jardim:
- Hei Pierre! Aqueles ali não são Ike e Gú?
- Veja só! São eles sim!
E sorridentes chamaram os dois irmãos, que fingindo
nada saberem do que acontecia ali, viraram-se para eles e
esboçando alegria dispararam até os dois motoqueiros, passando
pelas grades como se estas não existissem.
Abraços de parte a parte, alegrias e frivolidades
atendidas, os motoqueiros os convidam:
- Então, vamos dar um passeio?
Ike e Gú se olham e fazem um sinal a eles para que
esperem, correm para o jardim e falam para Júnior para que peça
permissão a Sra. Claire, que a tudo observava atônita.
Júnior então vai até sua mãe e pede permissão em nome
dos dois irmãos, dando uma piscadela para sua mãe, que
compreende a necessidade de permitir, esta sorrindo meio sem
jeito, esfregando as mãos nervosamente em seu avental diz:
- Claro que sim! Já que são amigos de Ike e Gú, por que
não? Mas não se demorem e muito cuidado! Imediatamente ao
dizer isso, a Sra. Claire põe a mão na testa e nervosamente ri de
si própria, acompanhada no riso por Júnior.
- Cuidado eu disse? - Rindo-se mais ainda - com o que?
Se vocês atravessam paredes...
Os dois correram até a Sra. Claire e beijaram suas faces,
cada um de um lado em gratidão, o que fez com que ela corasse
um pouco e dispararam até as motos, pularam sobre o que
seriam os tanques de combustível e agarrando os guidões,
gritaram divertidos:
- Vamos lá!
E partiram ruidosamente em meia velocidade pela via
pública, desaparecendo à distância.
Julian, extasiado, a tudo assistiu dependurado na grade e
dela não saiu até que, passados uns dez minutos, ouviu-se
novamente o ruído das motos aproximando-se pelo extremo
oposto da via pública.
Nesse meio tempo, Gustavo e Henrique ajustaram o
plano arquitetado por Henrique e fizeram novas combinações
com o grupo de motoqueiros, amigos de Giselle e estavam todos

130
muito confiantes no sucesso da recuperação de Julian, que para
eles era apenas uma questão de tempo.
As motos encostaram novamente junto ao passeio
público, os dois meninos saltaram delas e despediram-se dos
amigos motoqueiros, que retornaram ao seu grupo que
participava de uma caravana de socorro.
Assim que Gú e Ike entraram novamente no jardim,
Julian acercou-se deles completamente entusiasmado com o
ocorrido e começou a enchê-los de perguntas, sentindo-se
completamente entusiasmado com o ocorrido.
Como se fosse a coisa mais natural do mundo, eles lhe
falaram que aqueles motoqueiros são velhos amigos e que os
ajudaram muito quando precisaram, mas evitaram entrar em
detalhes, quando então Gú lançou a isca:
- Agora que eles sabem onde nós estamos, na próxima
semana eles votarão e quem sabe, isso se a mãe Claire permitir,
você não vem junto com a gente!
Os olhos de Julian brilharam ante a perspectiva de poder
passear com eles sobre aquelas maravilhosas máquinas.

RECUPERAÇÃO
Para Julian, os dias se arrastavam.
Sua mente fervia de excitação e ansiedade para que o
sábado chegasse, e quando finalmente o dia tão esperado se
apresentou com seus primeiros raios de sol, Julian já se
encontrava dependurado na grade de proteção do edifício para o
passeio público.
Gú e Ike saíram do apartamento e quando chegaram à
porta de saída do edifício pararam para observar Julian, e Gú
disse mentalmente para Ike, com grande satisfação:
- E pensar que há poucos dias ele nem sonhava em sair
do apartamento!
- Agora ele mal pode esperar para sair às ruas... -
arrematou Ike sorrindo, que deu um soquinho no braço de Gú e
saiu correndo em direção ao jardim, sendo seguido pelo irmão.

131
Os dois começaram então a brincar de ‘pega-pega’ e
Julian ao ouvir sua algazarra, deixou as grades e foi falar com
eles:
- Será que eles vêm mesmo?
Freando sua correria bruscamente e sendo quase
atropelado por Ike, Gú pergunta como quem não entendeu:
- Eles quem? Ah! Acho que sim - disse Gú com ar de
pouco caso, remexendo uns grãos que trazia no bolso.
- Mas será que demoram?
- Não sei... - completou Ike, olhando para o céu com ar
de gravidade, como se com isso pudesse julgar melhor a
situação - é... pode ser, acho que sim!
No fundo os dois se divertiam com a situação, e usaram
de todas as artimanhas possíveis para espicaçar cada vez mais
Julian, pois precisavam que ele ansiasse por aquele passeio mais
do que tudo no mundo.
Um detalhe interessante a respeito de Gustavo e
Henrique, é que, quando se transfiguravam para Gú e Ike, não
faziam o menor esforço para também assumir todos os trejeitos
e interesses, de uma criança da idade em que eles se
apresentavam; isso sempre foi um processo absolutamente
natural para eles.
- Ai... - suspirou o pobre Julian, preocupado com a
perspectiva de os motoqueiros não virem visitá-los.
Logo em seguida, como era costume aos sábados, todas
as crianças da família se reuniram no pequeno jardim da Sra.
Claire para se divertir e tomar um pouco do saudável sol da
manhã, e a Sra. Claire ocupou-se com os cuidados que suas
poucas, mas belíssimas plantas, dela exigiam.
Passada uma hora e poucos minutos de angustiante
expectativa para Julian, ouviu-se ao longe o ronco firme e
característico das motocicletas do invisível.
Julian dependurou-se nas grades, a princípio
entusiasmado, mas seu entusiasmo decresceu ao notar que
apenas duas motos se aproximavam.
De repente ele se deu conta de que não havia
combinação prévia de ter seu desejo satisfeito, portanto vieram
apenas duas motos, que na sua concepção se destinavam a levar
Ike e Gú a passear, não havendo dessa forma como ele ir
também.

132
Em sua mente, ele teria de esperar ainda mais uma
semana para poder passear, se é que isso seria realmente
possível.
Julian sentiu-se angustiado e deprimido.
Ike e Gú, que sem que Julian soubesse, estavam
perscrutando seus pensamentos, olharam um para o outro e
deram uma risadinha divertida, procurando abaixar a cabeça de
molde a impedir que Julian os visse assim, se divertindo com a
situação e com a maneira que tudo estava ocorrendo com
perfeição.
Assim que as motos estacionaram junto ao passeio
público, Pierre e Jean Luc chamaram Ike e Gú, que correram até
eles, Julian os seguiu, mas manteve certa distância, acabrunhado
com a perspectiva de ter de esperar mais uma semana.
- Então garotos! Vamos dar mais um passeio? -
perguntou Jean Luc, um homenzarrão simpático e sempre
sorridente.
Os dois olharam para Julian e disseram aos motoqueiros:
- Esse é nosso amigo Julian, ele adora motocicletas, até
tem uma de brinquedo! Mostre a eles Julian...
Julian enfiou a mão no bolso e de lá tirou seu modelo
espiritual de moto, deu três passos e esticou o braço com o
brinquedo sobre a palma da mão, em direção aos motoqueiros.
Pierre esticou o braço e num gesto destoado com suas
enormes mãos, gentilmente pegou o brinquedo das mãos de
Julian e observou-o detalhadamente fazendo caras e faces de
quem analisa um precioso instrumento, em seguida passou-o a
Jean Luc e disse:
- Olhe só Jean Luc, é o mesmo modelo da moto de nosso
amigo Papon!
- É mesmo! Quem diria não? Parabéns garoto! É um belo
modelo que você tem aí.
E devolvendo o brinquedo a Julian, Jean Luc dirigiu-se
aos irmãos Viert:
- Mas então meninos? Vamos?
Julian a esta altura, certo de que ainda não chegara a sua
vez, baixa a cabeça e dá um passo para trás. Nisso, Ike olha para
Julian e diz aos seus amigos motoqueiros:
- Julian quer muito passear com vocês, levem-no em meu
lugar.

133
Julian mal podia acreditar no que ouvia. Seus olhos
brilharam de emoção, um enorme sorriso de esperança se
estampou em seu rosto e seu coração parecia querer saltar-lhe do
peito, ao que Pierre respondeu:
- Sim, é claro que levaremos, mas acredito que
precisamos antes de tudo, da autorização de alguém, não é
Julian? - Disse isso olhando para a Sra. Claire, que observava os
acontecimentos passivamente ao lado de Júnior, que lhe
sussurrava o que conseguia captar da conversa.
Os três meninos então correram até Júnior e lhe
explicaram atabalhoadamente a situação, Júnior se voltou à sua
mãe, observada de perto pelos meninos e transmitiu-lhe o
pedido de Julian, e conforme o fazia, os três meninos
acrescentavam detalhes à rogativa transmitida por Júnior,
pulando ao seu redor e chamando-lhe a atenção de toda a forma
possível. Ela foi antecipadamente alertada por Júnior, que de sua
parte foi orientado previamente por Ike e Gú dos fatos que então
estavam se desenrolando, e que seguiam exatamente em
conformidade com o planejado; a Sra. Claire permaneceu alguns
segundos observando Julian, que a esta altura mal podia conter-
se no lugar, e como se estivesse tomando uma decisão, abriu um
sorriso e disse:
- Está bem! Mas antes eu quero saber quanto tempo
vocês vão demorar.
A Sra. Claire decidira não ser mais apenas uma
espectadora passiva e decidiu também entrar no jogo de
representações que se formara ali.
Os meninos correram até os amigos motoqueiros,
confabularam rapidamente e retornaram informando que no
máximo em uma hora estariam de volta.
A Sra. Claire então deu licença a Julian e este, pela
primeira vez desde que entrou naquela casa, esticou seus
bracinhos em direção à ‘mãe Claire’ como eles a chamavam, e
esta então se ajoelhou, esticou os seus braços, e foi abraçada por
Julian, que a beijou no rosto.
A emoção de Julian era tamanha, que sem aperceber-se
do fato e apesar de ser dia claro, por um breve instante
conseguiu acumular fluidos mais densos da natureza em volta, e
de algumas pessoas nas proximidades que possuíam a facilidade
de doar fluidos ectoplasmáticos, fazendo que se tornasse

134
levemente palpável por uma fração de tempo, o suficiente para
que a ‘mãe Claire’ percebesse fisicamente seu carinho.
A Sra. Claire, naquele breve instante, sentindo o calor do
abraço e de seu carinho, não pôde conter uma lágrima de
emoção, que desceu por sua face.
Julian então desfez o abraço e correu em direção à moto,
não sem antes abraçar também Ike, que lhe cedera o lugar para o
passeio.
Gú já se encontrava sentado sobre o tanque de uma das
motos, segurando-se ao guidão e fingindo ser o piloto da
máquina, e Julian sentou rapidamente sobre a outra.
Antes de saírem, Jean Luc deu algumas instruções a
Julian e seguiram finalmente em seu passeio.
Assim que as motos partiram, Júnior sentou-se ao chão e
chamou Ike, e quando este se sentou próximo a ele, Júnior
perguntou:
- Para onde eles estão indo?
- Eles irão se encontrar com o grupo de socorro espiritual
que é especializado em vitimas desencarnadas em acidentes com
veículos terrestres. É um grande grupo que conta com muitos
motociclistas, ciclistas, diversos veículos motorizados, até
mesmo caminhões e ônibus.
- Na verdade esses equipamentos não são o que parecem,
apenas dão-lhes tais aparências para que as mentes, recém
despertas no plano espiritual, não sofram um choque de
realidade muito grande, é muito comum acontecer de um
espírito que desencarnou de forma abrupta, manter a consciência
imediatamente após o desencarne, e nem sequer se dar conta do
ocorrido, eles comumente se julgam ilesos e sentem-se
perplexos com sua “incolumidade” ante o quadro trágico que se
apresenta.
- Nem todos precisam destes artifícios, assim como nem
todos aportam conscientes no plano espiritual quando
desencarnam em acidentes de trânsito. Para cada situação ou
condição que um espírito se encontre no momento de seu
desencarne, haverá sempre um grupo ou um técnico que
possuirá as mais adequadas e melhores características para seu
socorro.
- A caridade não se resume apenas nas ações, mas
também na maneira em que essas ações são postas em prática. O

135
que justificaria submeter todos ao mesmo procedimento se cada
um possuiu uma visão e condição tão própria e exclusiva, de ser
e de entender? Se o impacto do desencarne pode ser atenuado,
torna-se nosso dever fazê-lo.
- Entendo... - disse Júnior com o olhar voltado ao infinito
- e como essa visita será útil para a recuperação de Julian?
Após meditar por alguns segundos Ike lhe responde:
- Nós temos um recurso de análise, que chamamos de
penetração mental. Dentro de condições especiais e favoráveis e
apenas quando realmente necessário, podemos perscrutar a
mente de alguém em busca não só das origens dos dramas que
nos levaram ao socorro, mas também de diversos detalhes na
memória oculta do individuo, lembranças temporariamente
perdidas para ele próprio, em muitos casos.
- Descobrimos que Julian no passado tinha por ocupação
a construção de máquinas e dispositivos, arcaicos e primitivos
para nosso tempo é claro, mas muito avançados à época, para
uso na agricultura e no beneficiamento de grãos. Ele também
fabricava teares, rodas d’água, sistemas de elevação de águas
para irrigação e por ai vai.
- Seu grande prazer era poder ajudar o progresso, ver que
suas máquinas auxiliavam e facilitavam a vida das pessoas. Por
isso as máquinas exercem sobre ele um fascínio tão grande.
- Então, aproveitando seu grande interesse por máquinas
e seu caráter humanitário, ele irá conhecer um pouco do trabalho
destes socorristas, e tentaremos assim aos poucos, despertar nele
o anseio de participar destas equipes, como um técnico em
maquinário, ou algo assim. Dessa forma ele por si mesmo
decidirá deixar para trás esse processo de fuga a que ele se
lançou e se permitirá a reeducação mental, e consequente
recuperação de todo o seu potencial espiritual que jaz latente
atrás dessa sua fôrma infantil, esse é nosso plano.
- Também é possível a ele e a outros que, como ele que
vivem essa ilusão da infância na vida espiritual, de
espontaneamente recuperar a madureza mental, ou que ambas as
coisas aconteçam mescladas e paulatinamente, as possibilidades
são muitas. Agora que os fatos estão acompanhando o curso
planejado, cabe a nós observar e adaptar as nossas ações em
conformidade com o progresso de Julian em sua recuperação.

136
Júnior fica alguns momentos a observar Ike, que se
diverte desviando uma formiga de seu percurso, utilizando sua
própria energia e quando Ike recoloca a formiga em seu
caminho, e antes que Júnior pudesse fazer mais perguntas, olha
Júnior nos olhos e diz fazendo careta:
- Agora eu vou brincar!
E num salto, corre em direção a Marie que se ocupava
com suas bonecas e sua irmãzinha Francine.
Quase exatamente uma hora depois, retorna o grupo em
suas motos, dessa vez, acompanhados por outras seis
motocicletas e seus condutores, produzindo no plano espiritual
um ruído realmente impressionante.
Deixaram Gú e Julian no passeio em frente ao edifício e
seguiram seus caminhos, prometendo voltar na próxima semana.
Julian entusiasmado corre até Ike e o abraça
agradecendo, e relatando atabalhoadamente a sua experiência
com os motoqueiros, Júnior e a pequena Marie juntam-se ao
grupo e ouvem atentamente o que Julian relata:
- Foi maravilhoso! Eram muitos motoqueiros e tinham
também muitos carros, um caminhão, dois ônibus e uns carros
esquisitos que não tinham rodas, mas andavam com os outros
carros e também voavam! Nós fomos a um lugar em que tinha
uma garagem muito, muito grande mesmo e como tinha gente
lá! Eu nem sabia pra onde olhar. Todo mundo lá foi muito bom
comigo. Mostraram-me como consertam os carros que quebram
e eu também vi de longe onde eles fazem os carros e as motos e
os caminhões, e tudo! Ah! Que felicidade... - e deitou-se no
pequeno gramado do jardim, com as mãos atrás da cabeça
olhando sorridente para o céu.
A pequena Marie perguntou:
- Será que um dia vocês me levam pra passear com
vocês?
Ike e Gú se olham e respondem a ela:
- Talvez a gente consiga, mas se a gente conseguir, você
só vai lembrar disso como num sonho.
- Ah! Vai ser um sonho lindo, com certeza! - e deitou-se
também, imitando Julian.
Todos se riram e ficaram ainda uns bons tempos ouvindo
as coisas que Julian viu em seu passeio.

137
Em sequência a esses fartos, Julian foi diversas vezes
com os motoqueiros visitar as instalações do ‘Departamento de
Veículos e Transporte’ da colônia de Champs Elisées, que Julian
depois de duas visitas conseguira identificar onde realmente
estava. A princípio mostrou-se quase arredio e muito
desconfiado, porém, como em momento algum se sentiu
ameaçado, aos poucos foi aumentando a confiança naqueles que
o cercavam de atenção e carinho.
Nesse processo das visitações, Julian acabara por criar
uma empatia muito forte com Pierre, que também sente por
Julian um profundo afeto, não demorou e os dois passam a se
comportar como se pai e filho fossem.
Após algumas visitas e passeios a lugares belos e
agradáveis, quando finalmente Julian se mostrou muito mais
flexível e aberto a novidades, Pierre lhe perguntou, conforme
havia sido combinado com Henrique e Gustavo:
- Então Julian, me diga uma coisa, você já parou para
pensar o que nós fazemos quando não estamos passeando?
- Não, o que fazem? - perguntou Julian com uma
expressão de curiosidade sincera no rosto.
- Nós ajudamos as pessoas.
O diálogo a partir de então foi conduzido com extrema
cautela.
- Ajudam pessoas? Como?
- Julian, preste atenção - disse Pierre pegando
gentilmente Julian pelas axilas com suas enormes mãos e
colocando-o sobre a moto. Em seguida Pierre sentou-se no chão,
em frente a Julian e cautelosamente prosseguiu:
- Você não é bobo, você sabe que nós, eu, você, o nosso
amigo feioso aqui, - apontando Jean Luc que fez uma careta
com seus belos e abundantes bigodes, arrancando sorrisos de
todos - nós somos espíritos.
Julian, meio desconfiado responde:
- Sim, eu sei, é lógico! e daí?
- Daí que todos nós estivemos vivendo na terra, com um
corpo de carne, antes de chegarmos aqui como espíritos. E você
se lembra como que alguém volta a ser espírito quando ainda
está na terra?
- A gente tem que morrer... - responde Julian ainda mais
desconfiado.

138
- Então, é aí que o nosso grupo entra, e o que nós do
grupo fazemos? Ajudamos as pessoas que morrem na carne em
acidentes de trânsito! As retiramos de perto de seus corpos sem
vida, explicamos a elas o que lhes aconteceu, isso se elas
tiverem condições de compreender, as conduzimos aos hospitais
e colônias do espaço e as ajudamos a se adaptar na sua condição
de espírito, porque elas não lembram mais como ser um espírito,
entendeu Julian?
Julian dá um suspiro algo aliviado, e responde:
- Sim, entendi!
Pierre sorri satisfeito e disfarçadamente busca com o
olhar os irmãos Ike e Gú que lhe indicam que pode prosseguir,
mas não consegue disfarçar sua preocupação, a qual é notada
por Julian, o que o deixa novamente desconfiado.
Nesse ponto, Julian interroga Pierre, olhando-o
profundamente nos olhos, deixando clara a gravidade e
seriedade de seu questionamento:
- Pierre, você não vai me deixar não é? Você não vai me
abandonar, vai?
Pierre, diante de tal questionamento, sente-se abalado
com o temor de Julian e lhe responde:
Não “mon petit”29, nada poderá nos separar se não for da
vontade de Deus!
Os dois então se abraçam longamente, Pierre não se
contém e deixa que lágrimas corram por suas faces e quando o
abraço se desfaz, Pierre rindo de si mesmo se recompõe e
continua:
- Esses lugares em que vamos prestar socorro,
normalmente não têm coisas bonitas pra se ver, os acidentes são
meio feios e assustadores, mas entre todas essas coisas feias lá
tem uma coisa muito bonita de se ver.
- Verdade? O que é? - pergunta Julian sinceramente
interessado.
- O trabalho que nós fazemos! O alivio que levamos às
pessoas que, muitas vezes na hora do acidente, nem mesmo
conseguem se lembrar de quem elas são.

29
Expressão idiomática francesa que exprime profundo carinho e respeito por
alguém, geralmente a uma criança.

139
Julian permanece com o mesmo olhar curioso e intrigado
em direção a Pierre, que após alguns momentos decide
continuar:
- O que eu quero, e com isso todos os nossos amigos
concordam, pois gostamos muito de você, é convida-lo a ir
conosco na nossa próxima missão de resgate, para que você
conheça o nosso trabalho, o que acha?
Julian abre um grande sorriso, que traz alivio a todos e
diz:
- É o que eu mais quero Pierre! Quando nós vamos?
Pierre, pleno de felicidade, novamente pega Julian ao
colo e o abraça carinhosamente e em seguida, olhando-o nos
olhos lhe responde:
- Que tal agora mesmo?
- Agora mesmo! Afirma Julian todo feliz, comemorando.
Eles seguem então a um local próximo a Paris, onde uma
corrida do tipo rally estava em andamento, e quase em seguida à
chegada deles, um acidente envolvendo dois carros acontece, em
que os carros de corrida ao se chocarem numa reta de alta
velocidade, são lançados contra o público que se acumulava à
beira da estrada de terra para assistir o espetáculo.
Além de um dos dois pilotos, muitos dos que lá estavam
assistindo o evento e que foram atingidos pelos carros,
desencarnaram instantaneamente.
Julian permaneceu à parte e observou atentamente os
socorristas em ação, inclusive Pierre que procurava acalmar o
espírito de um dos pilotos, que não se dando conta de sua
própria condição, se desesperava tentando auxiliar no socorro
aos feridos, mas não conseguia compreender o por que todos ali
pareciam ignora-lo, e por que suas mãos não conseguiam reter
nada que tentasse pegar. Observou que muitos dos que
desencarnaram ali se comportavam como se ainda estivessem
encarnados, porém aturdidos e perturbados.
Enquanto aquele drama se desenrolava, Julian percebeu
uma menina de aproximadamente sete anos de idade que
buscava aos prantos reanimar a sua mãe ainda com vida, que
jazia ao solo inconsciente. O que Julian percebera de imediato,
foi o corpo daquela mesma menina, semidilacerado, prostrado
ao solo e sem vida, a poucos metros dali.

140
Ike e Gú o observavam atentamente e não interferiram,
posto que Julian voluntariamente dirigiu-se na direção da
menina.
Seu coração encheu-se de compaixão pela menina e
Julian não hesitou em aproximar-se dela, aos poucos foi
conversando com ela e acalmando-a. Sem se dar conta, Julian o
fez sendo atentamente observado pelos irmãos, que se mantinha
a alguma distância.
Pouco depois que ele conseguiu afastar a menina uns
poucos metros de sua mãe, que ainda jazia inconsciente, um
grupo de socorristas encarnados acercou-se da senhora e
providenciou seu transporte a um hospital da terra.
A menina queria de toda forma acompanhar a mãe, mas
Julian, inconscientemente assistido por Ike e Gú, conseguiu
reter-lhe a atenção e dialogar com ela, e através de muitos
argumentos faze-la desistir do intento, e abraçando-a
ternamente, Julian, pela primeira vez desde que desencarnara
elevou seus pensamentos a Deus, rogando pela menina,
sinceramente comovido por sua situação.
Imediatamente em resposta à rogativa de Julian, ele e a
menina foram envolvidos por uma suave luz vinda do alto e a
menina pouco a pouco foi se acalmando nos braços do pequeno
Julian.
Então, uma senhora muito bela e doce, que aparentava
cerca de sessenta anos de idade, e que até então não havia sido
notada por nenhum deles ali, se aproximou de Julian e da
menina e a chamou:
- Camilla! Camilla minha neta...
A menina voltou-se para onde vinha a voz e bradou em
prantos:
- Vovó! Vovozinha... - e correu para os braços daquela
senhora.
Antes de se retirar com a menina em seu colo, que quase
imediatamente adormeceu sob o influxo amoroso daquela
veneranda senhora, esta deu alguns passos em direção a Julian,
ajoelhou-se diante dele com os olhos rasos d’água, e ajeitando a
netinha em um dos braços, disse a Julian, afagando seus cabelos
com o braço livre:
- Abençoado és meu filho! Muito obrigado por amparar
minha netinha e a consolar enquanto eu não podia ser vista por

141
ela. Se você não a tivesse acalmado e consolado, ela em seu
desespero não conseguiria enxergar-me e não sei o que seria
dela então. Fica com Deus em teu coração meu filho! Que a Paz
de nosso Mestre Jesus seja sempre em teus dias! - e após abraçar
Julian por vários segundos, inundando o seu ser com seu carinho
e gratidão, partiu para o alto com a menina ao colo,
desaparecendo aos poucos enquanto subia.
Julian ficou ali por alguns minutos, observando o céu, na
direção em que aquela senhora seguira, meditando sobre as
coisas que aconteceram e sobre ele mesmo.
Uma lágrima silenciosa corria pelo seu rosto impassível.
Sua prece ao Pai de infinita bondade, seu sincero desejo
de amparar, de auxiliar, o carinho e o amor daquela avozinha,
tudo aquilo o tocou profundamente.
A partir de então, os irmãos não mais o influenciaram e
permaneceram em silêncio a observa-lo.
Aqueles fatos promoveram uma forte reação em Julian
que, ali permanecia imóvel, a observar o infinito exatamente na
direção em que aquela senhora seguira, e uma forte coluna de
luz vinda do alto envolveu Julian, que se abstraiu do fato,
tamanha a profundidade de seus pensamentos.
Julian recordou-se de sua avó, dos carinhos que dela
recebia em grande parte na sua última encarnação, e de outros
tantos fatos que sua mente perturbada pela fuga a que se lançara,
lhe havia relegado ao esquecimento.
Chorou Julian, não um choro de dor, mas sim de
libertação.
Chorou ali estático, permitira sentir-se amado pela
primeira vez em decênios.
Abaixou a cabeça, caiu de joelhos e iniciou uma prece
em que rogava perdão ao Pai por seus atos de fuga,
sinceramente arrependido e profundamente tocado pela saudade
dos que amava.
Ike e Gú, que o observavam a poucos metros de
distância, assistiram a sua transfiguração em um jovem de algo
em torno de vinte anos de idade, transfiguração que ocorrera
naturalmente, superando todas as expectativas em relação à
recuperação de Julian.
Quando o socorro espiritual foi dado por concluído,
Pierre foi à procura de Julian.

142
Ao se dirigir ao local em que deixara o pequeno Julian a
observar as atividades de socorro, encontrou apenas Gú e Ike,
parados observando o espírito de um jovem rapaz que estava
ajoelhado, de costas para eles, a poucos metros adiante, sobre o
qual desciam luzes belíssimas vindas do mais alto.
Sem dar muita atenção ao rapaz, o sempre sorridente
Pierre colocou-se entre os dois meninos, olhou para o rapaz mais
uma vez, e com sua atenção sobre este, perguntou desconfiado:
- Hei! Onde está Julian? Não consigo encontra-lo, e eu
pedi a ele que não se afastasse muito daqui...
Os dois olharam para Pierre e em seguida fizeram um
movimento de cabeça na direção do rapaz.
Foi então que Pierre percebeu, era Julian que, de alguma
sorte, libertara-se de seus grilhões mentais e recuperara a forma
e mente adulta.
Pierre abismado seguiu lentamente em direção a Julian, e
exclamou hesitante, chamando-o:
- Julian?!
Julian, sem dizer uma palavra sequer, com os olhos rasos
d’água, ergueu-se, virou o corpo em direção a Pierre e os dois
abraçaram-se longamente, em silêncio, com lágrimas benditas
descendo por suas faces.

DESPEDIDAS
Após esses eventos, Henrique e Gustavo, também tendo
retomado a forma adulta, confabularam com Julian, Pierre e
Jean Luc, e todos profundamente emocionados e gratos,
seguiram para a colônia onde se encontraram com Rafael,
supervisor dos ‘Socorristas da Estrada’, cuja sede então,
transformou-se em virtude da comemoração de todos ali, que o
tempo todo atuaram direta e indiretamente na recuperação de
Julian, mas sempre respeitando-lhe o livre-arbítrio, mesmo que
inconsciente.

143
Uma vez deliberados os passos que norteariam o destino
de Julian dali para frente, o grupo formado pelos irmãos Viert,
Julian e alguns poucos dos socorristas da estrada, seguiu para o
orbe, diretamente à residência que acolhera Julian por tanto
tempo, lá chegando às primeiras horas da noite.
Henrique e Gustavo entraram no apartamento e
chamaram Júnior para dar-lhes as novidades.
- Júnior, como sua mãe não pode nos ouvir, eu te peço
que vá transmitindo a ela as nossas palavras. - disse Gustavo -
além de esclarecer quem somos, pois ela ainda não nos viu
assim, adultos.
- Damos graças ao Pai que nunca desampara seus filhos,
Julian finalmente recuperou sua estabilidade mental e retomou a
forma adulta - notificou Henrique.
- Mas ele está bem? Onde está? - questionou Júnior, sem
no entanto transmitir as palavras de Gustavo para a sua mãe, que
já começava a ficar aflita ao ouvir as perguntas de seu filho.
- Sua mãe! - lembra Gustavo - vá contando a ela!
- Ah! É verdade! Perdoe-me mamãe, eles são os
pequenos Gú e Ike, em sua “verdadeira” aparência, ou melhor,
na sua aparência adulta usual, eles vieram dar notícias de Julian
que recuperou seu juízo pleno e está finalmente adulto como
deveria ser.
A Sra. Claire sorri com sincera alegria mesclada com
espanto por ver os dois belos rapagões diante dela.
- Ele se encontra no jardim, quer vê-los e despedir-se de
vocês todos - continuou Gustavo - mas não chamem ainda as
crianças, pois a visão de Julian adulto pode afetá-las
negativamente. Enquanto isso, Henrique telepaticamente pediu
aos mentores dos familiares para que os intuísse como fosse
possível de forma a distraí-los e que esses não percebessem a
ausência de Júnior e da Sra. Claire.
- Sim, é possível, vamos lá então, vejamos o nosso
Julian! - Disse Júnior tomando a destra de sua mãe entre suas
mãos.
Mas a Sra. Claire, com os olhos vidrados a observar o
infinito, visivelmente relutante, estacou no lugar.
- O que houve mamãe?
A Sra. Claire mantinha o silêncio, com o olhar perdido
no infinito.

144
- Mamãe! Vamos... - insistiu Júnior.
A Sra. Claire volta seu olhar para Júnior e explica:
- Não sei se conseguirei, me afeiçoei-me a ele com o
mesmo carinho que tenho por cada um de vocês... - disse ela em
falsete com uma lágrima já ameaçando cair.
Gustavo e Henrique entreolham-se, abraçam-se, e dizem
em uníssono, com um sorriso:
- Coração de mãe! Abençoado seja!
Júnior ri com o comentário dos irmãos e diz, ainda
retendo a mão de sua mãe entre as suas:
- Com certeza é abençoado!
E dirigindo-se então à sua mãe:
- Vamos mamãe, coragem! Ele a está aguardando...
Então, a ‘mãe Claire’, dá um suspiro profundo,
empertiga o corpo e com os olhos rasos d’água, acena
positivamente, e eles saem em direção ao jardim em encontro a
Julian, que os aguardava ansiosamente na companhia de Pierre e
Jean Luc.
Ao ver Julian, agora adulto, reconhece-o de pronto, pois
seu olhar melancólico era inconfundível. A Sra. Claire detém
seu próprio avanço e permanece alguns segundos a fitá-lo, com
um sorriso choroso, as mãos segurando e retorcendo
nervosamente seu avental e duas lágrimas correndo pelo seu
rosto.
- Mas que belo homem você se tornou... meu filho!
Julian, ao ouvir essas palavras da ‘mãe Claire’, que era
como ele a chamava, não resistiu, correu até ela e a abraçou
terna e carinhosamente, osculando-lhe as faces repetidamente e
a abraçando intensamente ao que foi plenamente correspondido.
Todos que ali estavam assistindo a cena, com suas preces
sustentavam Julian para que este se tornasse tangível para a Sra.
Claire, fato que a noite facilitava muito, e também oravam em
gratidão pelas bênçãos divinas do amor celestial que brilha no
coração dos eleitos do Senhor.
- Mãezinha Claire! Obrigado mãezinha, obrigado por me
suportar todo esse tempo! - exclamou Julian contendo o pranto e
alisando os cabelos da Sra. Claire.
Júnior dessa vez, não precisou transmitir o que Julian
dizia, pois tal era a condição de materialização que ele alcançara
que conseguia vibrar o ar com suas palavras e, pela primeira vez

145
a Sra. Claire ouviu-lhe a voz. Júnior permanecia observando em
silêncio, entre lágrimas e sorrisos.
- Oh meu querido Julian, eu lhe agradeço por ter me
abençoado com sua presença entre nós. Você é para mim um
filho, assim como os meus próprios.
Disse a Sra. Claire alisando-lhe as faces carinhosamente,
enxugando-lhe as lágrimas que mal lhe impressionavam os
sentidos, mas perceptíveis para ela, as quais levou para perto de
seu coração, retendo-as junto de si como precioso tesouro, e
continuou:
- Chegou a hora de você partir, eu sei! Perco um filho
para a morte que já o levou antes mesmo de ser-me um filho...
Julian meneou a cabeça negativamente, e com um sorriso
triste, ajuntou:
- Não mãezinha, não! Você jamais me perderá...
- Que bobagem a minha. Mas não ouse esquecer a sua
‘mãe Claire’ viu? Se o fizer, vou buscar-te em meus sonhos e
puxar-te as orelhas, como se faz a um menino travesso e ingrato!
Não ouse ferir com a saudade esse coração de mãe que te ama
muito.
- Não mãezinha, eu jamais te esquecerei, nem a você
nem a meus irmãozinhos e irmãzinhas. Por favor mãezinha, dê
um adeus a Marie por mim, depois que ela souber dos fatos,
virei aqui vê-la e aos outros também.
Enquanto Julian e a Sra. Claire travavam essa conversa,
Henrique e Gustavo tiveram uma sensação já conhecida, e
voltaram seus olhos para a rua.
Lá, embaixo do mesmo flamboyant, estava aquela
mesma figura misteriosa, aquele mesmo guardião que os
observava impassível, com a mesma postura e a mesma
expressão. Eles permaneceram alguns segundos imóveis, olhar
no olhar, e assim que Henrique e Gustavo fizeram menção de ir
até o guardião para o questionar, este recuou lentamente e
desapareceu nas sombras, com um sorriso pungente no rosto.
Pierre então chamou a atenção de todos, pois deveriam
retornar o mais breve possível, ao que foi atendido.
A Sra. Claire e Julian afastaram-se um do outro,
condoídos e antecipando as saudades, mas felizes. O grupo de
espíritos despediu-se de Júnior e da Sra. Claire, e seguiu em
retorno à colônia de Champs Elisées.

146
VISITA
Algumas semanas se passaram desde que Julian retomara
o equilíbrio mental, e desde então se submetera a um
treinamento intensivo na colônia de Champs Elisées, pois
Rafael, o supervisor da equipe dos ‘Socorristas da Estrada’, o
convidou para integrar o quadro de socorristas, convite este que
Julian aceitou prontamente.
Além de uma miríade de cursos frequentados, Julian e
mais cinco espíritos do mesmo grupo foram os primeiros alunos
de Gustavo e Henrique em um novo curso, instituído na colônia
por orientação do Sr. Gautier, diretor da colônia, cujo objetivo
era de dominar as técnicas de transfiguração da aparência adulta
para a infantil.
Neste curso, foi ensinado não só como fazer e sustentar a
transfiguração física perispiritual, mas como também evocar as
memórias do passado de molde a que o comportamento,
controlado pela mente em sintonia com uma ou várias fases em
que o espírito encarnado se encontrava na infância terrestre, se
tornasse coerente com a aparência infantil, sem permitir que, no
entanto isso afete o “adulto” por de trás da “criança”.
Uma vez concluída a fase preparatória de Julian, este
recebeu autorização para seguir em direção ao orbe, para visitar
a família que o acolhera.
Então, Julian, algo aflito, pediu que Gustavo e Henrique
o acompanhassem até o lar dos Soulié.
Escolheram um dia de sábado pela manhã, e uma vez na
crosta, não se dirigiram diretamente ao edifício dos Soulié,
detiveram-se a pouca distância e todos os três assumiram a
aparência infantil e então seguiram a pé.
Lá chegando, junto ao portão, encontraram toda a família
no pequeno jardim da Sra. Claire como de costume, e
permaneceram a observar as atividades das crianças.

147
Poucos momentos depois, a Sra. Claire que ajoelhada
cuidava de retirar algumas ervas daninhas, sentiu-lhes a
presença e erguendo a cabeça avistou os três pequenos parados
junto ao portão da rua, sorriu visivelmente emocionada,
levantou-se e após fitar-los alguns instantes chamou a pequena
Marie:
- Marie, minha filha, eu não te disse que ele voltaria para
nos ver?
Marie deu um salto e dando gritinhos de felicidade
correu em direção deles, ao mesmo tempo, a Sra. Claire
imensamente feliz, se voltou para os três e disse:
- E vocês? Estão esperando o que? Entrem!
E o pequeno Julian correu até Marie, mas dessa vez não
conseguiram abraçar-se, chegando a passar um pelo outro o que
gerou divertidas risadas, e Marie quase aos prantos deu uma
bronca em Julian:
- Por que você foi embora sem me dizer nada? Por que
você me deixou assim? Eu pensei que nunca mais iria te ver...
- Hei! Calma! Eu estou aqui não estou? - começou Julian
também quase indo às lágrimas. - Você não sabe como me doeu
ter de ir assim, mas não podia ser diferente...
- Podia, podia sim!
- Não Marie! Você sabe que eu fiquei grande, eu sei que
Junior te contou, porque o Gú e o Ike vieram falar com ele e me
contaram o que aconteceu.
- É eu sei, mas você podia falar comigo grande mesmo,
além de que você agora está pequeno de novo!
- É verdade Marie, mas estou assim por você, só agora e
só pra você, não posso mais ser uma criança, agora eu tenho de
ser adulto.
- Marie faz cara de contrariada, olha meio triste para
Julian e pergunta:
- Me mostra como você é quando você está grande?
Julian procura os irmãos Viert com o olhar e estes
acenam afirmativamente.
- Marie, você tem certeza de que quer me ver como
adulto?
- Tenho sim! Eu preciso ver para não ficar muito triste de
novo, porque eu sei que agora que você ficou adulto, você não
vai mais voltar.

148
- Tudo bem Marie, eu me mostro adulto pra você, mas eu
quero que você fique sabendo que eu não vou eu poder estar
com você todos os dias, mas tenha certeza que sempre que eu
puder, venho aqui brincar com você Marie.
- Promete?
E fazendo um sinal da cruz no peito, Julian responde:
- Pela minha mãe mortinha!
Marie dá risada, e replica:
- Vai seu bobo, me deixa lhe ver grande.
- Feche os olhos Marie.
Ela obedece, mas tenta espiar.
- Não vale espiar, fecha os olhos!
Marie se dá por vencida e realmente fecha os olhos, e em
seguida ouve uma voz, que reconhece ser de Julian, porém em
um timbre mais grosso:
- Pode abrir agora!
Cautelosamente, como se receasse levar um susto, Marie
abre os olhos e vê diante de si, um rapaz alto, olhando-a nos
olhos e sorrindo.
- Mamãe! Olha como o Julian ficou bonito! - Disse
Marie à sua mãe que observava de perto, enquanto Júnior, que
se reunira ao grupo um pouco antes, ia lhe narrando aos
sussurros a conversa entre Marie e Julian.
- É verdade minha filha! Ele se tornou um belo homem.
As duas se entreolharam sorrindo e todos permaneceram
alguns momentos em silêncio, então a pequena Marie,
demonstrando uma perspicácia inesperada para seus cinco anos
de idade, voltou-se para Ike e Gú e disse, tampando os olhos:
- Agora é a vez de vocês, quero ver como vocês são
adultos também!
Todos sorriem espantados, olhando-se uns aos outros e
Marie tampando os olhos disse impaciente:
- Não demorem, vamos logo!
Um ou dois segundos se passaram e então, Gustavo e
Henrique disseram juntos:
- Pronto doce Marie, pode abrir os olhos.
Marie abriu os olhos e com a boca semi-aberta, ficou
admirando os três.
- Como vocês todos são lindos! Quando eu crescer quero
ter um marido lindo como vocês!

149
Todos riram muito com o comentário de Marie e então
Henrique diz:
- Muito bem Marie! Hoje é sábado e nós viemos aqui
para brincar com vocês.
E diante dos olhos de Marie, da Sra. Claire e Júnior, os
três instantaneamente voltaram à forma infantil, Julian dá um
toque no ombro de Marie e diz:
- Está com você! - e os três saem em carreira pelo jardim.
Marie dá um gritinho de alegria e corre atrás dos
meninos.
Eles passam toda a manhã do sábado se divertindo no
pequeno, mas belíssimo jardim da Sra. Claire, e quando chegou
a hora usual das crianças se retirarem, os três meninos se
despediram de todos, Julian tirou o pequeno modelo de moto de
seu bolso, e nele Marie pode ver, na mesma proporção, um
Julian adulto dirigindo a moto com uma pequena Marie sentada
sobre o tanque, segurando o guidão da moto.
- Veja Marie, isso é para eu não me esquecer nunca!
Marie deu um beijinho na face de Julian, que, mesmo
sem que o toque dessa vez fosse possível, foi para Julian o mais
doce carinho que já recebera até então. Os três retornaram ao
formato adulto, despediram-se prometendo voltar sempre que
possível e seguiram em retorno à colônia.

BRASIL
Uma vez tendo chegado à colônia, o grupo seguiu
diretamente ao centro dos socorristas e lá, os irmãos Viert
despediram-se de Julian, que graças ao desenvolvimento de sua
capacidade metamorfosica perispiritual, agora se tornara um
especialista em socorro a crianças desencarnantes em acidentes
de trânsito.
Em seguida, segundo orientações do Sr. Gautier,
seguiram os irmãos Viert para um dos centros de reabilitação da
colônia, para encontrarem-se com Giselle, que acabara de
retornar de uma longa missão, que a afastou da colônia por todo
esse tempo.

150
- Então maninhos, venham cá que eu quero dar um beijo
em vocês, eu sabia que vocês conseguiriam!
Giselle os abraçou e beijou-os nas faces, feliz pelo
sucesso dos dois no caso de Julian, que se integrava rapidamente
à rotina de trabalhos dos socorristas.
- Agora vocês vão para casa e me aguardem lá, pois
temos o que conversar, o assunto é importante e algo sensível,
portanto este não é o melhor lugar para isso, em poucas horas eu
concluirei meus afazeres e deixarei instruções para todos os
meus colaboradores aqui, pois nós três nos ausentaremos um
pouco da colônia, está bem?
- Bem - disse Gustavo rindo - lá vamos nós de novo,
mais mistérios!
- Disse-o muito bem maninho, muito bem... mais
mistérios - replicou Giselle com um certo ar de seriedade que
causou algum pasmo aos dois - mas não se preocupem, não é
nada muito sério, só misterioooso...
E deu um risinho divertido com o ar de gravidade dos
irmãos.
Gustavo e Henrique seguiram para casa e descansaram
na sala de estar, onde conversaram trivialidades e relembraram
certos detalhes de seus passados em outras existências no plano
físico.
Algumas poucas horas depois, Giselle junta-se a eles e os
três passam a conversar ali mesmo.
- Maninhos, como vão suas recordações depois do
tratamento no ‘Departamento das Memórias Passadas’?
Gustavo toma a frente e responde:
- Era justamente sobre isso que estávamos conversando
desde que chegamos aqui. Não houve muita coisa acrescentada
às nossas lembranças desde então. Relembramos muitas coisas
de diversas passagens nossas na terra, algumas até de existências
que remontam à época das primeiras dinastias egípcias, mas
parece que enquanto alguns detalhes são claros e cristalinos,
outros permanecem apenas querer emergir, entretanto não
chegam senão frustrantemente próximos à superfície. É como se
as imagens quisessem se formar à superfície de um lago, mas
permanecem alguns centímetros abaixo e marolas vem perturbar
a superfície das águas impedindo que consigamos discernir o
que vemos.

151
- É exatamente assim que acontece maninhos, não
forcem nada, não procurem encontrar o que ainda não pode ser
visto. Tenham a certeza de que o que possa ser relembrado será,
e quanto ao resto, dêem tempo ao tempo.
- Giselle, - pergunta Henrique por sua vez - Enquanto
nos ocupávamos do caso de Julian, por duas vezes percebemo-
nos sendo observados por um guardião, que graças a sua atitude
furtiva não conseguimos falar-lhe, e que definitivamente não
pertence às hostes do sub mundo umbralino, entretanto ele tinha
uma postura algo arrogante, desafiadora e orgulhosa, muito
diferente dos guardiões que estão lado a lado conosco. Esta
figura nos despertou algo que não pudemos definir. É como
saber que existe uma história relacionada a ele, porém não
conseguimos definir o que seja.
Giselle reflete por alguns momentos e lhes pede que
descrevam o guardião visto por eles. Assim que eles terminam
de descreve-lo, Giselle levanta-se, e resoluta afirma:
- Muito bem! Então é chegado o momento de vocês
conhecerem uma pessoa. Vamos nos ausentar conforme lhes
falei.
- Você nos levará a ele, ao guardião que citamos?
- Não, nada disso! Faremos um breve passeio até o
Brasil, eu vou apresenta-los a um velho amigo, um velho e bom
amigo...
Os dois, apesar das reticências de Giselle, nada falam.
Levantam-se e dando as mãos, os três seguem em rápida
volitação rumo ao Brasil.
Uma vez em terras brasileiras, eles param por sobre a
cidade do Rio de Janeiro, e lá descem na região portuária da
cidade.
Seguem então normalmente em direção a um
determinado local do porto, onde desembarcavam uma série de
imigrantes europeus em chegada ao país.
Giselle os leva até um casal jovem, recém chegado, meio
que perdidos naquele país estranho e quente, de língua singular e
indecifrável para eles, mas com um povo que eles julgavam até
então, cortês e solidário.
- Estes dois, em breve serão os pais de Petrus. - afirma
Giselle.

152
Gustavo e Henrique observam os dois e quando os
conseguem ver de frente, imediatamente lhes vem à memória de
quem se tratava o casal, segundo a trajetória de encarnações que
compartilharam, inclusive com Petrus.
- Então será aqui mesmo no Brasil que nosso pai Petrus
reencarnará? - pergunta Henrique.
- Sim, será aqui, mas dessa vez, nenhum de nós três
participará, fato raro em nossas jornadas, mas será assim. -
responde Giselle denotando preocupação.
- Nem mesmo poderemos dar suporte a ele durante essa
sua encarnação?
- Não diria isso, claro que poderemos acompanhar-lhe os
passos, mas acredito que a principio quase não poderemos
interferir. Quando, e se ele vencer determinadas provas a que for
submetido, então aí sim, iremos nos aproximar e acompanha-lo
em seu trabalho como médium espírita. Assim que possível e
nos for permitido, iremos analisar seu plano reencarnatório, o
qual em sua maior parte, ele mesmo é o maior planejador. É um
plano um pouco ousado, mas nada exagerado, não será fácil,
mas também não será impossível, como muitos planos
reencarnatórios que vemos por aí.
- E mamãe Liandra estará com ele? - pergunta Henrique.
- Segundo o plano dos dois, apesar de eles estarem
reencarnando muito próximos um do outro em tempos
contemporâneos, pretendem vivenciar uma série de experiências
que muito provavelmente não permitirão seu encontro.
- Petrus deverá permanecer solitário na segunda metade
de sua estadia na terra, enquanto que de Liandra, ainda não estou
a par de seus planos totalmente, as variantes consequentes de
seu plano reencarnatório são amplas e muito distintas entre as
possíveis consequências, em conformidade com o correto ou não
correto cumprimento de suas provas; é um desses casos em que
a Misericórdia Divina guiará seus passos a partir da segunda
metade de sua jornada.
- Mas vamos então conhecer a pessoa que eu lhes falei e
por quem estamos aqui.
Novamente eles utilizaram-se do recurso da volitação e
seguiram para o estado de São Paulo em seu litoral norte. Uma
região belíssima, pouco desenvolvida e pouco habitada à época.

153
Seguiram até as ruínas de uma velha e já quase desaparecida
fazenda de escravos na cidade de Ubatuba.

BRINQUEDOS
Chegaram a uma pequena via de chão, em frente às
ruínas de um casarão e seguiram em silêncio, a pé pela via até
um riacho próximo de águas cristalinas. No caminho uma
sinfonia natural chegava-lhes aos ouvidos, o canto dos pássaros,
uma cachoeira ao longe cuja existência só era possível constatar
devido aos sons que dela chegavam, tudo era um convite à
contemplação e meditação.
A vida selvagem ainda dominava as proximidades, o
homem moderno pouco modificara a natureza da região e tudo
ali se encontrava quase como em estado selvagem e virginal
apesar da grande proximidade da civilização.
À beira do riacho, um espírito estava acocorado de costas
para eles, entoando bem baixinho uma espécie de música, um
tipo de mantra com letra e sonoridade extremamente simples,
através do qual entre outras coisas, concentrava sua mente na
tarefa de extrair e armazenar determinadas energias da natureza.
Era um homem de estatura mediana, de tez negra e
aparentando pela cor de seus ralos e bem aparados cabelos, mais
de sessenta anos.
Sua figura apesar de modesta e simples na aparência,
denunciava ser ele um espírito já muito avançado, pois todo o
seu ser emitia um brilho como eles jamais haviam presenciado,
intenso e suave ao mesmo tempo, de matizes cristalinas como as
águas que corriam diante dele, e essa sua emanação luminosa se
estendia por muitos metros em todas as direções.

154
Gustavo e Henrique imediatamente reconheceram o tipo
de energias que aquele espírito estava coletando e armazenando
em uma espécie de moringa, pois eles mesmos puderam
testemunhar o uso destes mesmos fluídos na sua primeira
participação em uma caravana de socorro no umbral sob a velha
Europa30.
Eram largamente utilizados pelos caboclos na profilaxia
geral, eliminando e dissolvendo formas-pensamento e parasitas
diversos além de ter se mostrado extremamente eficiente na cura
de chagas e feridas perispirituais.
Com um gesto, Giselle interrompeu o avanço do grupo e
os três permaneceram em silêncio, respeitosos, observando as
atividades daquele espírito que de imediato cativara os corações
de Gustavo e Henrique, mesmo sem saber de quem se tratava e
de sequer terem visto seu rosto.
Enquanto entoava sua singela canção, com gestos
simples atraia espíritos elementares da natureza que se
movimentavam com incrível agilidade e velocidade nas águas
cristalinas do riacho, e em suas mãos, gota a gota, depositavam
essas energias que por ele estavam sendo armazenadas em um
recipiente semelhante a uma moringa de barro.
Tais energias, resultado da ação da natureza em
atendimento de leis naturais sobre os fluidos universais que
provém ininterruptamente de nosso Pai, desde os primórdios do
tempo, tem um aspecto fluídico, como se tratassem de líquidos,
sem no entanto sê-lo. Possuem cores que variam de um rosa
cristalino a um azul não menos translúcido, bem suaves e que
irradiam um leve brilho cintilante.
Uma vez satisfeita a curiosidade dos irmãos em observar
os detalhes das atividades que ali se desenrolavam, eles
imediatamente puseram-se a orar, procurando de alguma sorte
dar sustentação às atividades daquele cativante espírito.
Este por sua vez, simultaneamente e em resposta à
sustentação oferecida pelos três irmãos, aumentou a intensidade
de sua voz, sem se desviar um átimo de tempo sequer de seus
afazeres, evidenciando que não só sabia da presença dos irmãos
ali, como também que suas preces o favoreciam em sua
atividade.

30
Ver ‘Ratinhos Brancos’ - ‘No Umbral’.

155
Em resposta, os espíritos elementares da natureza que
atendiam ao comando mental daquele nobre espírito, mais que
dobraram seu ritmo de coleta e transporte dos fluídos, que
também tiveram o cintilar mais intensificado, tornando ainda
mais notável e belo o procedimento.
Passara-se cerca de meia hora para que o recipiente
estivesse finalmente cheio.
O espírito que fazia a coleta entoou outro cântico em que
agradecia aos espíritos elementares que o auxiliaram na tarefa,
os quais interromperam a coleta e cercaram-no em semicirculo,
dentro das águas como se fosse um cardume de peixes
executando um complexo e notável balé aquático, e em voz alta
e firme, que possuía uma suavidade e candura nunca antes
testemunhada pelos irmãos Viert, fez uma prece de
agradecimento ao Pai, cuja consequência foi a de que todos ali
foram suavemente envolvidos por uma diáfana claridade vinda
do alto, após a qual os espíritos elementares da natureza aquática
dispersaram-se ao longo do riacho, desaparecendo de suas
vistas. Ao mesmo tempo em que os espíritos elementares se
afastaram e desapareceram nas águas, as emanações radiantes
daquele espírito abrandaram até desvanecerem-se por completo.
Aquele espírito então selou a pequena moringa e
depositou-a em um embornal que trazia amarrado à cintura,
ergueu-se e voltou-se para os três que permaneciam estáticos a
poucos metros dele.
Sua tez algo enrugada e sorridente transmitia a
experiência dos anciãos e imputava a sua figura um respeito
notável.
Seus olhos, pequenos e vibrantes sorriam e ele disse
erguendo as mãos com as palmas para cima, em gesto de abraço:
- Salve meus ‘fios’! Salve! Que nosso Pai e nosso mestre
Jesus os abençoe hoje e sempre!
Giselle, sorrindo dirigiu-se até ele, conduzindo seus
irmãos pelas mãos e abraçou o preto-velho, respondendo:
- Salve meu ‘pai Tião’, Salve! Que as luzes do mais Alto
o envolvam hoje e sempre!
Após um longo e terno abraço entre os dois, Giselle
segurando as mãos de pai Tião, apresentou seus irmãos:
- Aqui pai Tião, conforme eu te prometi eis meus
maninhos, Gustavo e Henrique.

156
- Salve meus ‘fios’! Sua presença enche de alegria o
coração tão sofrido desse veio! Hi, hi, hi, hi... - rindo-se de uma
forma tão inusitada para eles.
- Oh! pai Tião! - exclamou Giselle - o senhor não toma
jeito mesmo... - e abraçando-o lateralmente e acariciando sua
cabeça, ajuntou jocosa - tadinho do meu paizinho Tião!
- Hi, hi, hi, hi... tá certo ‘fia’, tá certo! Velhos hábitos,
você sabe.
- Sei sim pai, e não ligue pra essa boba aqui, continue
sempre assim meu ‘paizinho preto’.
- Então meus ‘fio’, o ‘veío’ agradece o seu amparo, Deus
os abençoe!
- Não há o que agradecer, pai Tião, é sempre um prazer
poder ajudar. - responde Henrique.
Giselle olha para seus irmãos e com ar de surpresa, lhes
pergunta:
- Vocês ainda não o reconheceram?
Os dois se olham surpresos e em seguida colocam todo o
seu mental em ação sobre aquele espírito e concentrando-se,
deixaram que suas mentes mergulhassem no passado e
imediatamente retomaram as lembranças de quem se tratava
aquele espírito.
Tratava-se de um antiguíssimo e muito amado amigo, ex-
sacerdote egípcio, conhecedor e exímio manipulador das leis
naturais que regem os efeitos da mente sobre as energias e seres
da natureza.
Suas memórias o localizaram dentro de uma vasta série
de encarnações, desde os primórdios do Egito e toda a sua
história lhes surgiu detalhadamente, num pequeno espaço de
tempo em que se mantiveram concentrados.
- Pois é meus ‘fios’ - comenta pai Tião - aquele sacerdote
orgulhoso, poderoso e maquiavélico, deu lugar a esse ‘preto
véio’, descalço, de roupa esgarçada, mas muito feliz na paz de
Nosso Senhor Jesus Cristo!
Imediatamente os dois, às lágrimas, abraçaram-no.
Muito confabularam a respeito das coisas passadas e
presentes, dos encontros e desencontros, dos erros e acertos, até
que finalmente, a determinada altura da conversa, Gustavo
recorda-se do guardião e questiona Giselle:

157
- Mas então maninha, não é mesmo o guardião que nós te
falamos que viemos conhecer?
- Não maninho, não é ele.
Giselle então, olha para o Pai Tião e diz, dando uma
piscadela:
- Eles estão falando do ‘Capa Preta’.
- Ahhh... - exclama Pai Tião dissimulando surpresa e
voltando seus olhos para os irmãos Viert com expressão de
preocupação, puro teatro.
- Hi, hi, hi, hi... - ri-se divertido o Pai Tião, que
esclarece:
- Não se preocupem meus ‘fios’, o ‘Capa’ está do nosso
lado, ele só não gosta de ajuntamento, sabe? Ele prefere
trabalhar sozinho, mas se preciso for, ele pede ajuda também,
assim como no futuro vocês ainda vão contar com a ajuda dele e
vice e versa. Ele é um antigo, muito antigo companheiro nosso
de jornadas, mais que vocês podem supor por hora.
- Mas, - interroga Gustavo - se é nosso conhecido há
tanto tempo, e nos é amigável, porque não conseguimos
localiza-lo em nossas memórias?
Pai Tião, que mantinha seu penetrante, mas doce e suave
olhar sobre os dele, permanece alguns segundos fitando-os com
um sorriso no rosto, e dirige-se à Giselle:
- Eles continuam os mesmos né fia? Hi, hi, hi, hi...
- É pai Tião, esses dois não tem jeito, querem saber tudo
de tudo.
- Está certo, tem de ser assim mesmo, - completa o doce
velhinho dirigindo-se aos dois - mas têm coisas meus ‘fios’, que
tem o tempo certo de serem reveladas e têm outras que, além
disso, tem que ser reveladas pela pessoa certa.
Gustavo deu-se por conformado assim como Henrique,
mas a imagem daquele guardião permanecia nítida em suas
mentes.
Então eles seguiram pela mesma via em que vieram,
confabulando a respeito das atividades que pai Tião desenvolvia
e adentraram nas ruínas do casarão da velha fazenda de
escravos.
Passaram pelo casarão e tomaram uma picada na floresta,
morro acima, e após poucos minutos depararam-se com uma

158
cabana espiritual, onde pai Tião se recolhia nos intervalos de
suas atividades espirituais.
Era uma casinha simples, tipo “pau-a-pique”, mas muito
bem formada e acolhedora. Uma vez lá, cada um assentou-se em
um “toco” junto à entrada da casinha, cercados por aquela
maravilhosa e abundante natureza virginal, e pai Tião lhes pediu
que aguardassem um pouco que ele já retornaria, entrando em
sua casinha.
Passados alguns momentos, ele retornou trazendo uma
espécie de chaleira fumegante em uma das mãos, e na outra
mão, quatro pequenas canecas de ágata dependuradas uma em
cada dedo.
- Vamos continuar a nossa ‘prosa’ tomando um chazinho
que eu preparei pra vocês, vai ser bom pra recuperarem suas
energias.
Cada um pegou uma das canecas e pai Tião depositou
nelas o líquido que fumegava na chaleira, e ao provar,
surpreenderam-se, pois o líquido na realidade não estava quente,
mas os suaves vapores que dele exalavam e davam a aparência
de fervura, na verdade eram fluidos etéreos muito sutis que se
desprendiam naturalmente do “chá”.
Seu sabor foi considerado por eles como extremamente
agradável, e não conseguiam definir nada do que conheciam,
para comparação.
Apesar de não se sentirem esgotados, ao sorver o “chá”,
sentiram-se muito revigorados e energizados, como se fossem
tomados por uma torrente de energias benéficas que se
espalharam rapidamente por todo o seu ser, promovendo
também uma ampliação em seus sentidos e alcance perceptivo
espirituais, além dos que já possuíam em acréscimo pela
intervenção de Ângelo.
Passados alguns minutos em que trocaram impressões
diversas e nos quais pai Tião transmitiu-lhes algo de seus
conhecimentos sobre as forças dinâmicas e benéficas da
natureza, mais uma vez pai Tião pediu licença e entrou em sua
casinha, retornando em seguida com dois pequenos embornais,
oferecendo-os aos dois irmãos que, mesmo sem saber do que se
tratava, aceitaram a oferta, naturalmente agradecidos.
Pai Tião sentou-se novamente em seu “toco” e
exclamou:

159
- Vamos meus ‘fios’, abram os embornais!
Ao soltarem os nós que fechavam as duas sacolinhas de
tecido semelhante a algodão branco, muito suave e resistente, e
abrindo-os, constataram que continham alguns brinquedos que
foram imediatamente retirados dos embornais e espalhados ao
chão.
Cada um possuía um pião de fieira, um mico malabarista
de barras paralelas em madeira, um carrinho de madeira, dois
bonecos fantoches em tecido, uma boneca de trapos com olhos
de botões, um saquinho de ‘bolas de gude’ e finalmente um
maço de figurinhas.
- Esses brinquedos, meus ‘fios’, eu fiz especialmente
para vocês, agora não vou me aprofundar no assunto, deixarei
que vocês descubram por si mesmos as qualidades especiais que
eles tem. Sei com certeza que eles serão úteis no seu trabalho
junto aos nossos irmãozinhos, aproveitem!
- Muito obrigado pai Tião! - disseram os dois beijando-
lhe as mãos, expressando o profundo carinho e respeito por
aquele espírito tão antigo, bondoso e sábio.
Giselle então anunciou que chegara a hora de eles
partirem e antes que o fizessem, pai Tião ofereceu ainda mais
um presente aos irmãos Viert:
- Meus ‘fios’, também quero que vocês aceitem esses
dois colares que deverão levar junto ao peito, ocultos sob suas
roupas.
Simultaneamente, Giselle retira de sob seu vestido, um
colar idêntico, para mostrar a eles que também ela foi agraciada
com este tipo de presente.
- Sempre que se virem em zonas inferiores, - continuou
pai Tião - e estiverem ou não revestidos com a aparência
infantil, se sentirem necessidade de algum tipo de auxílio, numa
situação em que não poderão tomar atitudes que revelem suas
verdadeiras identidades, ou que demandem apoio, seja por
desvantagem numérica ou por ameaça de agressão ou que
motivo for, tomem entre os dedos esses colares e mentalizem
nossos caboclos, emitindo para eles um quadro mental geral de
sua situação. Estejam onde estiverem, eles quase imediatamente
se farão presentes e saberão o que fazer para liberar o vosso
caminho!

160
- Caboclos? - perguntou Henrique - seriam os mesmos
que conhecemos na caravana de socorro que acompanhamos
com o Sr. Renan no umbral sob a Europa?
Sorrindo para Henrique, imediatamente pai Tião retém
entre seus dedos algumas contas específicas, uma preta e outra
vermelha, de um colar que trazia ao pescoço, que era formado
por uma estranha, mas bela combinação de contas e
imediatamente surgiu à beira da clareira um espírito de um
índio, de porte realmente avantajado, portando em uma das
mãos um arco. Ao seu lado trazia um felino enorme, negro e
brilhoso com olhos faiscantes, dependurado em um ombro ele
carregava um embornal e às costas um cesto de flechas, tinha
ainda o peito protegido por uma espécie de colete de bambus
finos, como se fosse um colete.
Sua vestimenta era simples e basicamente ornada de
penas multicoloridas, mas saltou-lhes aos olhos que à cintura,
usava esse índio uma cinta larga, de material semelhante a couro
de cobra, e o que a destacou foram as suas cores vivas, pois o
“couro” era de cobra-coral.
O caboclo os saudou ao longe, tocando firmemente seu
peito com um punho fechado e fazendo uma leve reverência sem
desviar seus olhos do grupo, em seguida recuou alguns passos,
deu meia volta e desapareceu na mata fechada, sendo
acompanhado por aquele imponente animal.
- Esse é nosso irmão ‘Cobra-coral’, tem esse nome de
batismo dado por seus pais. Ele foi um cacique muito importante
e respeitado no segundo século após a época do descobrimento,
e sua tribo se situava na região central do Brasil, próximo das
Minas Gerais.
- Apesar de ele e de seus irmãos índios ainda estarem nos
primeiros passos de sua etapa evolucionária na humanidade
consciente, eles são valorosos, de caráter irreprochável,
destemidos e puros de coração. Confio neles mais do que a mim
mesmo!
- As contas que formam esses colares que lhes dei, nada
mais são do que a condensação de energias muito específicas,
recolhidas na natureza da mata virgem e manipuladas por eles
mesmos, com o concurso de espíritos naturais elementares e sob
orientação de espíritos de alta ascendência espiritual e moral, de
molde a que funcionem exatamente como o que realmente são,

161
um dispositivo sinalizador e guia direcional, para que os
caboclos possam localiza-los facilmente.
- Vocês devem estar estranhando a necessidade do uso de
um artifício como este, mas explico-me.
- Como lhes disse há pouco, esses irmãos estão nos seus
primeiros passos na senda evolutiva dentro da etapa humana, e
portanto, como espíritos possuem certas limitações que vocês,
graças à sua vivência por centenas de encarnações, não possuem
há muito tempo.
- Portanto certas coisas que para nós, são naturais graças
ao acúmulo de aprendizado, eles ainda não dominam por total
falta de experiência prática, por falta de oportunidade de
aprendizado, que só é possível conquistar com um grande
número de existências em ambos os planos. É pela experiência
que se vai acumulando o aprendizado necessário. Como por
exemplo, neste caso, que não dominam senão ainda muito
elementarmente a localização espacial interplanos, através da
volitação orientada pelo pensamento, além da penetração mental
espacial em esferas de baixo teor vibratório, o que lhes dificulta
a focalização espacial nessas paragens obscuras e
vibracionalmente densas.
- Esses colares, que a primeira vista seriam tomados por
meros ornamentos, funcionam como um farol ou um guia31, de
onde vem o nome deles, guia, que uma vez ativados pela
vontade de seu possuidor, alertam os caboclos do pedido de
auxílio e dão a eles condições de localizar o ponto exato onde
devem se dirigir, como se formasse uma estrada ou uma linha
invisível, que eles seguem em velocidade, chegando quase
imediatamente onde quer que seja seu destino. É uma espécie de
aparelho de orientação que lhes indica mentalmente o caminho a
seguir. Apesar de ter sido criado a partir de forças da natureza e
por criaturas que ainda principiam seus passos na humanidade,
são de alta complexidade, eficientes, totalmente confiáveis e

31
Pode se estabelecer um paralelo com um dispositivo aeronáutico chamado
‘rádio-farol’ que emite um sinal constante em uma frequência específica para
cada aeroporto, assim, um piloto pode orientar sua trajetória ajustando seu
equipamento de ‘rádio-farol’, na frequência do aeroporto em que deseja
pousar, bastando que então siga a indicação da direção do sinal emitido no
aeroporto de destino. Nota do Autor Espiritual.

162
extremamente úteis, como vocês mesmos com certeza irão
constatar no futuro.
- Mesmo que, dando seus primeiros passos na
humanidade, graças ao grande valor moral que esses nossos
irmãos possuem, emissários de nossos maiores vêm até eles e
lhes transmitem essas possibilidades de manipulação dos
recursos naturais, as quais eles acabam dominando tão bem que,
não é raro, dependendo da circunstância, terem um sucesso em
suas empreitadas superior ao que nós conseguimos em uso de
nossas faculdades adquiridas experimentalmente ao longo de
séculos. Entenderam?
Os irmãos menearam positivamente a cabeça, e em seus
rostos estampava-se a admiração com tais possibilidades, as
quais eles nunca imaginaram existir.
- Por isso meus ‘fios’, usem-nos com cautela e precisão.
Na minha ‘guia’ eu acrescentei uma conta da mesma natureza
vibratória das suas, assim também serei notificado da
necessidade da presença dos caboclos sem que para isso vocês
tenham de me focalizar mentalmente. Vejam, - disse apontando
uma conta vermelha com um sinal preto, muito semelhante a
uma semente conhecida como ‘olho de cabra’ - se ativarem este
colar em busca de amparo pelos caboclos, eu e meus
colaboradores saberemos de vocês tão rápido como um raio! Hi,
hi, hi, hi...
Ainda conversaram por muitas horas, até que a noite se
avizinhasse, quando pai Tião anunciou que deveria seguir rumo
a suas atividades espirituais na terra, junto a um dos médiuns
com quem ele trabalhava, garantindo que eles ainda teriam
oportunidade de visitar esses trabalhos tão diferentes aos
praticados pelo espiritismo, mas repletos de luzes e sucessos,
pois eram guiados pela fé, pelo amor ao próximo e dedicação à
verdadeira caridade.
Então, emocionados todos se despediram de pai Tião, e
os três irmãos deixaram as terras brasileiras, volitando em
retorno à colônia de Champs Elisées, onde se prepararam para
sua próxima tarefa.

163
FIM

Todo final, nada mais é do que os primeiros


movimentos de um novo começo...
...o trabalho nunca acaba!
Augustus Ciprus.

164

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