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T
res que desponta no cenário
evangélico digno de ser lido.
Sua habilidade de escrita é
flagrante. Há objetividade,
fluidez, consistência,
profundidade, instigação,
características, entre outras, que
considero essenciais a um livro. [...]
Nesta obra, Eleição Condicional, o
autor discute a doutrina bíblica da
eleição defendendo uma perspectiva
arminiana. Ele faz isso de modo
preciso. Evoca teólogos patrísticos,
calvinistas, arminianos, e até liberais
como Rudolf Bultmann; chama para a
discussão o historiador judeu Flávio
Josefo; vai aos lexicógrafos e seus
trabalhos para discutir termos gregos;
visita dicionários teológicos e, mais
importante, satura seu opúsculo com
referências bíblicas.[...] Desse modo,
recomendo a leitura de Eleição
Condicional na esperança de que seja
alargado o conhecimento bíblico do
leitor no que tange à doutrina da
eleição e, por fim, que seja Deus
glorificado: soli Deo gloria!
ZWINGLIO •
Autor de Uma introdução ao
arminianismo clássico
THIAGOTITILLO
© 2015 Editora Reflexão. Todos os direitos reservados.
© T hiago Titillo
TITILLO, THIAGO
Eleição Condicional / Thiago Titillo. 1. Edição - São Paulo: Editora Reflexão, 2015.
ISBN: 978-85-8088-160-8
I.Arminianismo 2. Facts 3. Teologia Arminiana 4. Thiago Titillo I.TÍtulo ll.Série.
95-6542 CDD-085
Editora Reflexão
Rua Fernão Marques, 226 - Vila Graciosa - 03160 030 São Paulo
Fone 11 4 1 0 7 6068 1 11 3477 6709
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transm itida por quaisquer meios (eletrônico ou mecânico, incluindo fotocópia e
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escrita da Editora Reflexão.
À minha filha Yasmim, herança do Senhor.
AGRADECIMENTOS
Ao Deus bendito, por sua maravilhosa graça que me foi manifestada
em Jesus Cristo.
À Danielly, esposa amada, que cumpre cabalmente o texto sagrado
de Provérbios 3 1.10-31.
Aos meus pais, Domingos e Celeste, pela influência poderosa do
exemplo, que me ensinou mais do que quaisquer palavras acerca da ver
dade evangélica. Ao meu irmão Igor, pela amizade e presença constante,
e à minha querida tia-avó Celeste.
À minha outra mãe, Mainha, pelo amor com que sou alimentado
desde a mais tenra infância, e à minha avó Anízia.
Ao Dr. Jack Cottrell por pacientemente responder as minhas mensa
gens via facebook.
Aos amigos de caminhada: Pr. Adauberto Alves, Pr. Fábio Borges,
Pr. Flenrique Araújo, Juliano da Silva, Pr. Neander Kraul, Pr. Rodolfo
Beghini e Pr. Roberto Meireles.
Ao meu amigo e pastor, Márcio Mattos, e aos demais irmãos da Pri
meira Igreja Batista em Botafogo.
Aos amigos Paulo Cesar Antunes, Pr. Wellington Mariano e Pr. Zwin-
glio Rodrigues, que leram o manuscrito, dando valiosas sugestões.
Aos meus queridos alunos de Teologia, que me estimulam com seus
questionamentos a buscar sempre a verdade revelada nas Escrituras.
Por fim, manifesto minha gratidão à Editora Reflexão pelo convite
para participar desse projeto, e pelo relevante trabalho que tem prestado
ao público evangélico brasileiro ao publicar obras de teologia arminiana.
SUMÁRIO
Prefácio...................................................................................................9
Introdução...........................................................................................11
1. Eleição e predestinação.............................................................. 15
3. A eleição de Israel........................................................................33
4. A eleição da Igreja........................................................................43
5. A eleição de indivíduos..............................................................53
Conclusão............................................................................................89
Bibliografia.......................................................................................... 91
ip m B
PREFÁCIO
9
THIA60TITILL0
10
ARMUANISMO
INTRODUÇÃO
A eleição é uma das doutrinas bíblicas mais disputadas na teologia.
Não há qualquer novidade nisso. Sua relação com as controvérsias entre a
predestinação e o livre-arbítrio remonta a Pelágio, Agostinho e João Cassia-
no, figuras importantes envolvidas em torno desse debate nos séculos IV-V
Mais de mil anos depois, no século XVI, tal contenda foi reavivada
pelo embate entre o humanista católico Erasmo de Roterdã e o reforma
dor Martinho Lutero. O erudito holandês escreveu sua famosa Diatribe
sobre o livre-arbítrio (1 5 2 4 ),1 rebatida pelo reformador alemão com sua
polêmica obra Da vontade cativa (1 5 2 5 ).12 A tréplica de Erasmo não foi
respondida por Lutero, que preferiu seguir a sugestão de Melanchthon.3
No século seguinte, a Holanda se tornou o palco da querela entre os
discípulos de João Calvino e de Jacó Armínio. Por fim, após seis meses de
atividades, o Sínodo de Dort encerrou suas atividades em maio de 1619,
favorecendo o partido calvinista. Os interesses políticos por detrás do
Sínodo são evidentes, mas sua imparcialidade é discutível.4
Mesmo durante o grande reavivamento do século XVIII, a questão
11
THIAGOTITILLO
Thiago Titillo
ilm
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1. ELEIÇÃO E PREDESTINAÇÃO
Muitas vezes as palavras “eleição” e “predestinação” são usadas de
modo intercambiável, embora uma análise minuciosa das passagens bí
blicas pertinentes demonstre a diferença que há entre elas. O fato de
Efésios 1.4-5 trazer as expressões “escolheu” e “predestinou” no mesmo
contexto, e de igual forma Romanos 8 .2 9 -3 3 incluir as palavras “predes
tinou” e “eleitos”, certamente contribui para a fusão dos dois conceitos.
Em sua Carta endereçada a Hípólito A. Collibus, Jacó Armínio define
predestinação da seguinte forma: “É um decreto eterno e misericordio
so de Deus em Cristo, pelo qual Ele decide justificar e adotar fiéis, e
conceder-lhes a vida eterna, mas condenar os infiéis e as pessoas impe-
nitentes [...J”.1
Armínio usa o termo predestinação no sentido soteriológico, com
referência à eleição dos crentes e a reprovação dos incrédulos. Mas para
deixar mais claro ainda sua perspectiva condicional da eleição, ele diz
poucas linhas adiante:
Mas esse decreto que descrevo aqui não é aquele pelo qual Deus
decide salvar algumas pessoas e, para que possa fazer isso, decide
dotá-las de fé, mas condenar outras, e não dotá-las de fé. No entan
to, muitas pessoas declaram que este é o tipo de predestinação de
que o apóstolo trata, nas passagens que acabo de citar [Romanos 8
e 9, e Efésios 1], Mas nego o que eles afirmam.12
15
THIAGOTITILLO
Ele sabe ser adequada à justiça, isto é, à sua misericórdia e à sua severi
dade”.34Com essas afirmações, Armínio defende que a eleição e a repro
vação são condicionadas, respectivamente, à fé e à incredulidade, sendo
que os meios necessários à fé são administrados por Deus de maneira
justa e imparcial, e não de forma arbitrária.
Wiley e Culbertson, teólogos arminianos, definem predestinação de
maneira um pouco diferente:
3 Ibid.
4 WILEY; CULBERTSON, 2013, p. 269.
16
Chamamos predestinação ao decreto eterno de Deus pelo qual de
terminou o que quer fazer de cada um dos homens. Porque Ele não
os cria com a mesma condição, mas antes ordena a uns para a vida
eterna, e a outros, para a condenação perpétua. Portanto, segundo
o fim para o qual o homem é criado, dizemos que está predestinado
à vida ou à morte. ’
10 Ibid.
11 THIESSEN, 1987, p. 261. A teologia de Thiessen é claramente arminiana,
embora ele não parecia ter consciência disso. Afirmou as doutrinas da
depravação total (ibid., pp. 199-200) e da absoluta necessidade da graça
preveniente (ibid., pp. 107-108 e 261), mas evitou o rótulo, fazendo,
inclusive, uma infeliz confusão entre arminianismo e semipelagianismo
no tratamento da imputação do pecado de Adão à posteridade (ibid., p.
194). Para mais informações sobre Thiessen, consultar: OLSON, op. cit.,
pp. 247-248.
18
êBMNANISMO
A palavra grega traduzida por predestinar (“decidir de antemão”) no
Novo Testamento é proorízõ (pro, “antes de”; horizõ, “determinar”).12 Ela apa
rece seis vezes no Novo Testamento, majoritariamente nos escritos de Paulo
(At 4.28; Rm 8.29-30; 1 Co 2.7; Ef 1.5, 11). Quando proorízõ aparece no
contexto da doutrina da salvação, tem-se em vista o destino preparado para
os eleitos. Em nenhuma das seis ocorrências a palavra faz referência a pe
cadores sendo destinados à condenação eterna. Tal observação deveria ser
suficiente para desmontar a compreensão calvinista da predestinação como
a escolha de uns indivíduos para a salvação e de outros para a perdição.
Outro importante passo para a construção de um entendimento bí
blico acerca da doutrina da eleição é a compreensão do significado do
verbo progínõskõ (pro, “antes de”; gínõskõ, “saber”) e do substantivo cognato
prognõsis (“conhecimento de antemão”, “presciência”, “previsão”).13 Este,
no grego secular, “significa a ‘presciência’ que possibilita a predição do
futuro”, sendo usado como termo técnico da medicina por Eiipócrates.14
Bultmann diz acerca de progínõskõ:
19
THIAOOTITILLO
20
km
é
m iú
quer menção do verbo cognato sendo usado nesse sentido pelos os escri
tores do Novo Testamento.21
Vine atenta para a diferença entre o significado dos verbos “predetermi
nar” e “conhecer de antemão”: “Este verbo [proorizõ] deve ser diferenciado
de progínõskõ, ‘saber de antemão, prever, antever’; este tem referência espe
cial às pessoas antevistas por Deus; o verbo proorizõ tem referência especial
ao que os sujeitos da Sua presciência são ‘predestinados’”.22 Essa distinção é
vista em Romanos 8.29: “Porquanto aos que de antemão conheceu [proég-
no], também os predestinou [proórisen] para serem conformes à imagem de
seu Filho, a fim de que ele seja o primogênito entre muitos irmãos”.
Uma objeção comum feita pelos intérpretes calvinistas é que o texto
não se refere a algo que Deus previu nas pessoas - como por exemplo, a
fé, a santidade e a perseverança - , mas as próprias pessoas: “aos que”, e
não “o que”. Se Deus conheceu pessoas, tal conhecimento deve ser de um
tipo distinto, pois o conhecimento mental de Deus não se restringe a um
grupo, pelo contrário, se estende a todos sem exceção. }phn Stott coloca
da seguinte forma: “[...] Deus conhece todo mundo e todas as coisas de
antemão, ao passo que Paulo está se referindo a um grupo específico”.23
É inegável que Paulo está se referindo aos membros de um grupo,
distinguindo-os das demais pessoas. Jack Cottrel, erudito arminiano,
elucida a passagem:
21
THIAGOTITILLO
22
4 RMNANISM
4
0
Para fundamentar seu ponto de vista, Shank apela para o texto grego:
Shank conclui:
Deste modo, a eleição é o ato pelo qual Deus escolhe homens para
Si mesmo, ao passo que a predestinação é o ato determinativo de
Deus quanto ao destino do eleito que Ele escolheu. A predestinação
é a predeterminação de Deus da eterna circunstância da eleição: fi
liação e herança como coerdeiros coifn Cristo (Efésios 1.5, 11), e
glorificação junto com Cristo em plena conformidade à Sua ima
gem (Romanos 8.28-30). Em Efésios 1.3-14, a eleição está em vista
no versículo 4 (Porque Deus nos escolheu Nele antes da criação do
mundo) e a predestinação não é para eleição, mas para a circunstân
cia da eleição: adoção como filhos de Deus (v. 5) e participação na
herança eterna (v. 11). Em Romanos 8.28-30, a eleição é simultânea
com a presciência de Deus, e a predestinação não é para com a elei
ção e a salvação, senão para conformidade à imagem de Seu Filho
(v. 29), uma predestinação a ser realizada mediante o chamado, a
justificação e, finalmente, a glorificação (v. 30).30
23
THiÃGOUTILLO
24
M£------------------
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2. A ELEIÇÃO DE JESUS CRISTO
A eleição de Jesus Cristo como o libertador da raça humana é fun
damental para uma compreensão adequada da doutrina bíblica da salva
ção. A eleição é cristocêntrica porque “a eleição do homem é compreen
dida somente em Cristo; fora de Cristo não existe eleição para nenhum
homem”.1 O plano de Deus de eleger indivíduos unidos a Cristo pela fé
para formar um povo para si, passa necessariamente pela eleição do Seu
próprio Filho como o “primeiro eleito”.12
O primeiro dentre os quatro “Cânticos do Servo” registrados no livro
de Isaías (42 .1 -9 ; 4 9 .1 -7 ; 50.4-11; 5 2 .1 3 -5 3 .1 2 ) testemunha inequivo
camente a eleição do Filho como Servo do Senhor, o Messias escolhido:
1 Ibid., p. 26.
2 “Primeiro” em ordem lógica, e não cronológica, visto que Deus é eterno e,
por isso, não experimenta sucessão de momentos como suas criaturas.
25
THIAGQTITILLO
26
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è
lSM O
te o meu Deus. Mas agora diz o SENHOR, que me formou desde o
ventre para ser seu servo, para que torne a trazer Jacó e para reunir
Israel a ele, porque sou glorificado perante o SENHOR, e o meu
Deus é a minha força. Sim, diz ele: Pouco é o seres meu servo, para
restaurares as tribos de Jacó e tornares a trazer os remanescentes
de Israel; também te dei como luz para os gentios, para seres a
minha salvação até a extremidade da terra. Assim diz o SENHOR,
o Redentor e Santo de Israel, ao que é desprezado, ao aborrecido
das nações, ao servo dos tiranos: Os reis o verão, e os príncipes se
levantarão; e eles te adorarão por amor ao SENHOR, que é fiel, e do
Santo de Israel, que te escolheu (Is 49.1-7).
27
; TITULO
Jesus Cristo foi a pedra escolhida por Deus para ser a pedra funda
mental do edifício da humanidade, o edifício da salvação, de um novo
mundo. A palavra eklektón é a mesma usada em 1.1, referindo-se àque
les aos quais a carta é enviada, e traduzida por ‘eleitos’. Temos aqui uma
chave para compreender toda a doutrina da eleição. Os homens são
6 Ibid., p. 344.
7 MACARTHUR, 2010, p. 915.
8 PARKINSON, op. cit., p. 18.
28
ém m ã
eleitos porque Jesus Cristo foi eleito primeiro. Ele é, por excelência, o
eleito de Deus (cf. as palavras divinas por ocasião do batismo de Jesus e
da transfiguração [Mc 1.11 e paralelos; 9.7 e paralelos; ‘amado’ = ‘elei
to’, conforme Lc 9.35, Is 42.1]). Em Jesus, nós somos eleitos (Ef 1.4).
A fórmula ‘em Cristo’, tão cara ao Novo Testamento, ganha assim uma
nova significação. Cristo é o eleito, e nós somos eleitos nele.9
29
TH1AG0TITILL0
30
H f f ii
lugar. Ambos tratavam Jesus Cristo como uma figura secundária nos de
cretos de Deus.16 Carl Bangs explica as razões de Armínio:
16 “A posição do próprio Calvino quanto a este ponto tem sido discutida. Como
isto em seu tempo não era um ponto especial de controvérsia, é possível citar
de seus escritos certas passagens que sustentam o conceito supralapsariano,
e outras passagens que favorecem o conceito infralapsariano” (HODGE,
2001, pp. 719-720).
17 BANGS apud WYNKOOP, 2004, p. 58. A crítica é igualmente válida para o
infralapsarianismo, pois, como observa Olson, “tratavam Jesus Cristo como
secundário à predestinação de alguns humanos caídos para a salvação e
outros para a condenação (como no infralapsarianismo)” (OLSON, op. cit.,
p. 238).
31
Á p iilO
3. A ELEIÇÃO DE ISRAEL
Como foi visto no capítulo anterior, a eleição de Jesus é central no
propósito de Deus para redimir a humanidade. Mas para que esse pro
pósito fosse consumado, Deus escolheu um povo, uma nação: Israel. O
texto bíblico expressa essa verdade:
33
THIAGOTITILLO
34
àtòméib
Nessa passagem, o apóstolo mostra que as promessas feitas a Abraão
tinham seu cumprimento final na morte e ressurreição de Jesus Cristo,
com o objetivo de alcançar “todas as famílias da terra”, a descendência
espiritual de Abraão, a saber, judeus e gentios que pela fé na pessoa e na
obra de Cristo formam o Novo Israel.
Jack Cottrell comenta sobre o propósito de Deus na escolha de Israel:
Por que Deus fez isso? A resposta está no propósito de Deus para o
mundo como um todo. No mesmo dia em que o pecado entrou na
raça humana, Deus anunciou seu plano para enviar um Salvador
(Gênesis 3.15). Mas antes que o Salvador pudesse entrar na história
e realizar Sua obra, os preparativos precisavam ser feitos. O elemen
to chave no plano era a escolha de uma única nação com o meio da
entrada do Redentor no mundo. A nação de Israel
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37
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[...] o ‘amor’ de Deus por Jacó e o ‘ódio’ por Esaú não dizem res
peito a esses homens antes que nascessem, mas muito tempo após
terem vivido. A citação em Romanos 9.13 não é de Gênesis, quando
eles viveram (c. 2000 a.C.), mas de Malaquias 1.2,3 (c. 400 a.C.),
38
i p WISMO
muito depois de terem morrido! Os atos maus feitos pelos edomitas
aos israelitas são muito bem documentados no Antigo Testamento
(cf. Nm 20). E é por causa disso que Deus os tem odiado como país.
Aqui, novamente, isto não significa que nenhum indivíduo daquele
país venha a ser salvo. Aliás, há crentes tanto de Edom (Am 9.12)
como do país vizinho, Moabe (Rt 1), assim como haverá pessoas no
céu de toda tribo, raça, língua, povo e nação (Ap 7.9).9
39
THIA60TITILL0
O profeta, então, lem bra que Israel, e não Edom, foi escolhido por
Deus: “amei a Ja có , porém aborreci a Esaú” (Ml 1 .2 -3 ).12 Enquanto
em Gênesis há uma atirmação profética sobre as duas nações, em
Malaquias há uma afirmação histórica. O texto de Gênesis olha para
frente; o de Malaquias olha para trás. Deus se apresenta através do
profeta como aquele que toma para si as afrontas sofridas por Israel
no decurso da história. Por isso, apesar do desprezo dos sacerdotes
(w . 6 -8 ), Deus m ostra-lhes cuidado especial, condenando seus inim i
gos - no caso, Edom. O texto não faz qualquer referência ao destino
eterno de indivíduos.
Não resta dúvida de que a passagem em tela está afirmando a
eleição incondicional. Paulo deixa isso claro no versículo 11: “E ain
da não eram os gêmeos nascidos, nem tinham praticado o bem ou o
mal (para que o propósito de Deus, quanto à eleição, prevalecesse,
não por obras, mas por aquele que cham a)” (Rm 9 .1 1 ). A escolha de
Jacó em detrimento de Esaú não foi precedida por qualquer m éri
to que ele pudesse ter. Deus escolheu soberanamente Jacó para dar
prosseguimento à linhagem da qual nascería o Messias eleito, Jesus
40
km
é
tm ã
Cristo. Esaú foi deixado de fora desse grande privilégio.13 A eleição de
Romanos 9 é, portanto, corporativa, a eleição incondicional da nação
de Israel. Cranfield diz: “Na verdade, é com a eleição da comunidade
que Paulo se preocupa em Romanos de 9 a 1 1 ”.1415
Para cumprir o Seu propósito, Deus escolheu os patriarcas Abraão,
ísaque e Jacó (Ne 9.7; Rm 9 .7 -1 3 ) objetivando formar a nação eleita, o
que não significa que foram individualmente escolhidos para a salvação.
Israel foi escolhido para executar um papel de serviço na realização do
plano de Deus de redimir a humanidade. A intenção de Deus sempre foi
“usar de misericórdia para com todos” (Rm 9 .3 2 b ).13
41
4. A ELEIÇÃO DA IGREJA
No capítulo anterior observamos o propósito fundamental de Deus na
escolha de Israel: trazer o Salvador ao mundo. A missão de Jesus Cristo é ex
pressa com clareza no quarto evangelho: “Porquanto Deus enviou o seu Filho
ao mundo, não para que julgasse o mundo, mas para que o mundo fosse salvo
por Ele” (Jo 3.17). Deus não apenas escolheu o Seu Filho para salvar a huma
nidade, e a nação de Israel para trazê-lo ao mundo. Deus escolheu também
um povo para si. Todos os que estão em seu Filho, Jesus Cristo, fazem parte
desse povo. A eleição é incondicional no que tange ao povo de Deus, mas
condicional no tocante às pessoas que são incluídas nesse povo. Isso significa
que, embora Deus tenha decidido na eternidade que todas as pessoas que esti
vessem em Cristo fariam parte do povo predestinado à salvação, contudo, Ele
não escolheu quais pessoas individualmente fariam parte desse povo.
O povo escolhido por Deus é a Igreja1 - o “corpo de Cristo” (Ef
4.12). Paulo escreve aos colossenses: “Ele é a cabeça do corpo, da igreja”
(Cl 1.18). A relação entre Cristo e sua Igreja assemelha-se à união entre
a cabeça e o restante do corpo humano. Cristo, o eleito, é o cabeça; a
Igreja, seu corpo, é eleita nEle (Ef 1.4).
À semelhança de Israel, a eleição da Igreja também é corporativa.
O apóstolo Pedro, em evidente analogia com a nação escolhida, Israel,
expressa essa verdade:
Vós, porém, sois raça eleita, sacerdócio real, nação santa, povo de
propriedade exclusiva de Deus, a fim de proclamardes as virtudes
daquele que vos chamou das trevas para a sua maravilhosa luz; vós,
sim, que, antes não éreis povo, mas, agora, sois povo de Deus, que
não tínheis alcançado misericórdia, mas, agora, alcançastes miseri
córdia” (1 Pe 2.9-10).
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THIAGOTITILLO
5 Ibid.,p. 185.
6 BOICE, 2011, p. 193.
7 In: FRANGIOTTI, 2002, p. 81. Ver também sua saudação aos tralianos:
“[...] à Igreja santa que está em Trália, na Ásia, eleita e digna de Deus |...|"
(ibid., p. 97). É interessante que quando sua carta é pessoal, como a que
escreveu a Policarpo, Inácio não se refere ao seu destinatário como eleito ou
predestinado (ibid., p. 121).
8 RIDDERBOS, 2013, p. 390.
48
THIAGOTITILLO
o faz. Pelo contrário, ele afirma que Paulo tem em vista nessas passagens
o corpo eleito de Cristo, a Igreja.9
Ridderbos prossegue falando da eleição corporativa da Igreja em
Cristo:
9 É verdade que mais adiante Ridderbos diz que Paulo, em Efésios 1.11, tem
em vista “a igreja como tendo sido predestinada para a glória futura”, mas
prossegue dizendo que tudo o que é dito nessa passagem sobre o propósito
divino em relação à igreja “encontra-se dentro do contexto maior do conselho
de Deus, o Criador e Consumador de todas as coisas” (ibid.). Permanece,
porém, o fato de que Ridderbos concorda que a predestinação mencionada
em Efésios 1,5, 11 e em Romanos 8.29 tem como objeto a Igreja.
10 Ibid.
46
àmmm
O próprio Calvino reconheceu o caráter corporativo da eleição. Em
suas Instítutas, IV 1.2, ele diz: “De tal modo os eleitos de Deus estão uni
dos em Cristo que, assim como dependem todos de uma única Cabeça,
do mesmo modo constituem um só corpo, unidos por ligaduras seme
lhantes àquelas que há nos membros do corpo humano”.11 Mas a defini
ção de “predestinação” oferecida por Calvino1112 exclui qualquer condição
para a eleição de indivíduos, submetendo assim a eleição corporativa à
eleição pessoal e incondicional.
Não é incomum escritores calvinistas criticarem a eleição corpo
rativa conforme defendida pela teologia arminiana. Embora a maioria
dos teólogos reconheça o caráter corporativo da eleição, nem todos os
teólogos calvinistas estão dispostos a admiti-lo. E mesmo aqueles que
o admitem, não estão dispostos a reconhecer o seu aspecto primário,
como o próprio Calvino deixou de reconhecer. Alguns opositores acu
sam a perspectiva arminiana de ser inconsistente. Alegam que a eleição
corporativa pressupõe eleição individual, do contrário, seria uma mera
escolha de um grupo abstrato, cujos membros serão completados pos
teriormente sem qualquer controle da parte de Deus.13
Mas uma analogia entre a Igreja e a nação de Israel é suficiente para
refutar esta objeção. Deus escolheu Abraão para ser o cabeça corporativo
da nação. Deus disse a ele: “de ti farei uma grande nação” (Gn 12.2). É
interessante que Deus escolheu o grupo antes dos seus membros serem
completados. Na verdade, Deus escolheu a nação antes de haver nação.
Se a escolha do corpo corporativo de Cristo - o eleito - , antes dos seus
membros serem completados, faz da eleição da Igreja uma mera escolha
47
THiAGOTITILLO
Bendito o Deus e Pai de nosso Senhor Jesus Cristo, que nos tem
abençoado com toda sorte de bênção espiritual nas regiões celes
tiais em Cristo, assim como nos escolheu, nele, antes da fundação
do mundo, para sermos santos e irrepreensíveis perante ele; e em
amor nos predestinou para ele, para a adoção de filhos, por meio
de Jesus Cristo, segundo o beneplácito de sua vontade (Ef 1.3-5).
[...] nada é dito aqui sobre indivíduos, mas Paulo simplesmente diz
que Deus escolheu ter um povo santo, consistindo em filhos adoti
vos. A explicação para o autor ter afirmado que Deus ‘nos’ escolheu
é que ele estaria falando do ponto de vista dos que experimentaram
a graça a e a adoção, isto é, das pessoas nas quais o plano divino se
realizou.15
48
THIAGOTITILLO
Pai, que está nos céus. Também eu te digo que tu és Pedro, e sobre
esta pedra edificarei a minha igreja, e as portas do inferno não pre
valecerão contra ela (Mt 16.13-18).
51
THiAGOTITILLO
povo.
52
4RMNIANISMO
5. A ELEIÇÃO DE INDIVÍDUOS
A expressão paulina “em Cristo” aparece 106 vezes nas suas
epístolas. Somadas às suas equivalentes “no Senhor” e “nEle”, o número
aumenta para 160 vezes (36 das quais apenas em Efésios).1 No capítulo
anterior foi observado que Deus escolheu desde a eternidade um povo
para si, embora não tenha escolhido pessoalmente quem faria parte des
se povo. O apóstolo diz: “Bendito o Deus e Pai de nosso Senhor Jesus
Cristo, que nos tem abençoado com toda sorte de bênção espiritual nas
regiões celestiais em Cristo, assim como nos escolheu, nele, antes da fun
dação do mundo” (Ef 1.4). Estar “em Cristo” apresenta-se como a condi
ção para fazer parte do povo eleito.
No capítulo 8 de Romanos, Paulo relaciona diversas vezes a salvação
ao estar “em Cristo”. Os que “estão em Cristo” estão livres da condenação
(v. 1). Somente “em Cristo” o pecador está livre da lei do pecado e da mor
te (v. 2). A vida no Espírito depende, necessariamente, de estar em Cristo
(w. 9-10).12 O próprio amor de Deus, experimentado pelo seu povo, “está
em Cristo Jesus, nosso Senhor” (v. 39). Paulo fala na mesma epístola sobre
Andrônico e Júnias, que “estavam em Cristo” antes dele (16.7), numa clara
referência à salvação. Mas o que significa “estar em Cristo”?
Estar “em C risto” é estar em uma união redentora com Ele, re
cebendo assim todos os benefícios da salvação. A condição sine qua
non para a salvação do indivíduo é a fé em Jesu s Cristo: “Quem nele
crê não c julgado; o que não crê já está ju lgad o, porquanto não crê
no nome do unigênito Filho de D eus” ( J ° 3 .1 8 ). No prólogo do
mesmo evangelho se lê: “Veio para o que era seu, e os seus não o
receberam . Mas, a todos quantos o receberam , deu-lhes o poder de
serem feitos filhos de Deus, a saber, aos que creem no seu nom e”
(Jo 1 .1 1 -1 2 ).
Retomando o pensamento paulino, especificamente, em Romanos,
seu tema principal é a justificação pela fé: “Pois não me envergonho do
evangelho, porque é o poder de Deus para a salvação de todo aquele
que crê, primeiro do judeu e também do grego; visto que a justiça de
Deus se revela no evangelho, de fé em fé, como está escrito: O justo
viverá por fé” (Rm 1 .1 6 -1 7 ). No capítulo 4, o apóstolo Paulo menciona
Abraão e Davi como exemplos veterotestamentários da doutrina, e ini
cia o capítulo 5 afirmando: “Justificados, pois, mediante a fé, temos paz
com Deus por meio de nosso Senhor Jesus Cristo” (v. 1). As passagens
bíblicas sobre esta condição à salvação são abundantes (G1 3 .2 6 ; 5.6;
Ef 2 .8 ; Cl 2 .1 2 ; At 16.31). A fé, portanto, é a condição básica para a
união com Cristo.
A Bíblia também apresenta o arrependimento como condição para a
salvação do pecador (At 2.38; 3.19; 17.30). Mas deve-se ter o cuidado
de não separar a fé do arrependimento, como se fossem duas realidades
separadas uma da outra. Millard Erickson diz:
56
íp ilM Q
terminou salvar, de entre a raça humana que tinha caído no pe
cado - em Cristo, por causa de Cristo e através de Cristo - aque
les que, pela graça do Santo Espírito, crerem neste seu Filho e
que, pela mesma graça, perseverarem na mesma fé e obediência
de fé até o fim; e, por outro lado, deixar sob o pecado e a ira os
contumazes e descrentes, condenando-os como alheios a Cristo,
segundo a palavra do Evangelho em João 3.36 e outras passa
gens da Escritura.10
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ápIWIiSMO
Mais do que isso, ‘pré-conhecer’ (progínosko em grego) é usado no
Novo Testamento para um conhecimento antecipado dos eventos:
‘Amados, sabendo disso, guardem-se para que não sejam levados
pelo erro dos que não têm princípios morais, nem percam a sua
firmeza e caiam’ (2 Pe 3.17; cf. At 2.23; 1 Pe 1.18-20) Assim, a
equiparação que os calvinistas extremados fazem entre conhecer de
antemão e amar de antemão não pode acontecer.19
61
■ü TITULO
àe Romanos, diz sobre o versículo 29: “Os homens, de fato, retiram suas
opiniões dos fatos; Deus já outrora o via e em nosso favor se inclinara”.22
É bastante razoável admitir que um cristão da antiguidade, cuja lín
gua nativa é o grego, estava mais apto a compreender corretamente o
significado de uma palavra do Novo Testamento em seu contexto. E cer
tamente Crisóstomo não foi o único pai grego a interpretar a passagem
desta forma. Pelo contrário, toda a patrística pré-agostiniana se inclinava
à visão de que tanto a eleição quanto a reprovação estavam baseadas na
presciência de Deus das escolhas humanas livres. Justino Mártir, Irineu,
Teodoreto e Orígenes são apenas alguns exemplos.
Jack Cottrell apresenta com fidelidade o pensamento paulino nesta
passagem:
Sabemos que Deus opera todas as coisas para o bem daqueles que
o amam e são chamados para a sua família eterna de acordo com o
seu propósito. Como sabemos disto? Porque, tendo pré-conhecido
desde a eternidade que eles o amariam, ele já os predestinou a este
estado de glória eterna! Dessa forma, podemos estar certos de que as
provações temporárias desta vida não são capazes de invalidar o que
o Deus Todo-Poderoso já predestinou que irá ocorrer! Antes, ele as
usa de forma a nos preparar para desfrutar a eternidade ainda mais.23
62
Mmmã
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Quando Jesus ficou só, os que estavam junto dele com os doze o
interrogaram a respeito das parábolas. Ele lhes respondeu: A vós
outros é dado conhecer o mistério do reino de Deus; mas, aos de
fora, tudo se ensina por meio de parábolas, para que, vendo, vejam
e não percebam; e, ouvindo, ouçam e não entendam; para que não
venham a converter-se, e haja perdão para eles.
03
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Passou, então, Jesus a increpar as cidades nas quais ele operara nu
merosos milagres, pelo fato de não se terem arrependido: Ai de
ti, Corazim! Ai de ti, Betsaida! Porque, se em Tiro e em Sidom se
tivessem operado os milagres que em vós se fizeram, há muito que
elas se teriam arrependido com pano de saco e cinza. E, contudo,
vos digo: no Dia do Juízo, haverá menos rigor para Tiro e Sidom do
que para vós outras. Tu, Cafarnaum, elevar-te-ás, porventura, até
ao céu? Descerás até ao inferno; porque, se em Sodoma se tivessem
operado os milagres que em ti se fizeram, teria ela permanecido
até ao dia de hoje. Digo-vos, porém, que menor rigor, haverá, no
Dia do Juízo, para com a terra de Sodoma do que para contigo (Mt
11.20-24). 8
67
TH1AG0TITILL0
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& p|A N S M O
sabia que muitos ali se converteríam através dos seus ensinos e milagres?
O que Jesus disse quando proferiu sua condenação sobre Corazim
e Betsaida é que, em muitas ocasiões, o povo de Israel é mais incrédulo
dos que os gentios. Para isso, Ele compara duas cidades da Galileia com
duas cidades fenícias - Tiro e Sidom. Isso fica claro no episódio da cura
da filha da mulher cananeia, quando Jesus a elogia: “Ó mulher, grande
é a tua fé!" (Mt 15.28). Aqui, Jesus encontra um exemplo que ilustra
aquilo que ele falou ao condenar as cidades da Galileia: uma estrangeira
mais crente do que muitos moradores de Corazim e Betsaida. Da mesma
forma, Jesus compara Cafarnaum - pertencente ao território de Israel -
com Sodoma, que foi destruída por sua impiedade.10
A terceira passagem a ser analisada encontra-se em João 10.26: “Mas
vós não credes, porque não sois das minhas ovelhas”. João Calvino diz
deste versículo: “Ele assinala uma razão suprema por que não criam em
seus milagres e nem em suas doutrinas. É porque são réprobos”.11 Car-
son comenta: “Mas a nota de predestinacionismo garante que mesmo sua
incredulidade massiva não é uma surpresa: ela deve ser esperada, e cai
sob a cobertura da soberania de Deus”.12
Mas o que Jesus quis dizer por “ovelha”? Será que ele tinha em mente
pessoas que foram eternamente e incondicionalmente reprovadas por
Deus? O contexto imediato não permite tal interpretação. Shank escla
rece: “Que a descrença deles não provém de algum decreto eterno e ir
revogável é evidente do fato de que aos mesmos homens Jesus apelou,
‘creiam nas [Minhas] obras, para que possam saber e entender que o
Pai está em Mim, e Eu no Pai’ (v. 3 8 )”.13 Que sentido teria Jesus insistir
O lato de que esses judeus não criam em Jesus é citado aqui como
evidência de que não pertenciam ao rebanho de Cristo. Não signifi
ca necessariamente que fosse impossível que alguns deles se tornas
sem crentes. No momento, porém, eles não criam, revelando que
não pertenciam, pelo menos no presente, ao rebanho de Cristo.14
70
&RMIN1AN1SMQ
de minha missão são insuficientes, mas porque vocês não são de
uma disposição humilde e ensinável, livre de paixões mundanas e
não estão desejosos de receber a doutrina que vem de Deus. Pessoas
desta personalidade facilmente conhecem, pela natureza de minha
doutrina e milagres, quem eu sou, e por conseguinte prontamente
creem em mim e me seguem.15
15 BENSON, Joseph. Jo 10.24-26 (The New Testament o f Our Lord and Saviour
Jesus Christ, pp. 599-600). Tradução: Paulo Cesar Antunes. Disponível em:
<www.arminianismo.com> Acesso em 25 de agosto de 2015.
16 PINK, 2002, pp. 53-54.
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4p iE l
Não há qualquer afirmação de que essas pessoas se converteram e foram
salvas naquela ocasião, mas ao menos pareciam dispostas a ouvir mais
do evangelho de Cristo.25 Vendo a boa disposição deles, Paulo e Barnabé
“os persuadiram a perseverar na graça de Deus” (v. 43).
No sábado seguinte, os dois missionários retornaram à sinagoga para
pregar o evangelho, e uma multidão foi ouvi-los (v. 44). Isso gerou inveja
nos judeus, que passaram a contradizer Paulo com blasfêmias (v. 45).
Diante dessa rejeição, eles se dirigiram para o outro grupo, formado por
gentios tementes a Deus, que já os seguiam desde o sábado anterior (v.
46). A disposição de coração destes era radicalmente diferente daquela
apresentada pelos judeus. Eles receberam a mensagem com alegria e cre
ram, porque seus corações já estavam dispostos desde primeira pregação
de Paulo naquela sinagoga. Assim, o uso de tetagmenoi quando interpre
tado à luz do contexto, favorece a interpretação arminiana, ao contrário
do que sugerem Ferreira e Myatt.
Por fim, o teólogo calvinista J. O. Buswell nega que o versículo se
refira à predestinação para a salvação:
Por que a Escritura diz a Faraó: Para isto mesmo te levantei, paia
mostrar em ti o meu poder e para que o meu nome seja anunciado
71
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por toda a terra. 1,ogo, tem ele misericórdia de quem quer e também
endurece a quem lhe apraz [...] Ou não tem o oleiro direito sobre a
massa, para do mesmo barro fazer um vaso para honra e outro, para
desonra? Que diremos, pois, se Deus, querendo mostrar a sua ira
c dar a conhecer o seu poder, suportou com muita longanimidade
os vasos de ira, preparados para a perdição, a fim de que também
desse a conhecer as riquezas da sua glória em vasos de misericórdia,
que para a glória preparou de antemão, [...]
Não é dito que Deus levantou-o para destrui-lo. Seu poder poderia
ter sido mostrado por Faraó rendendo-se ao seu poder. A conduta
de Faraó tornou necessário humilhá-lo. Aqui, novamente, a eleição
não é de um indivíduo para destruição, mas de um homem para
ser um rei para um propósito particular. A destruição veio sobre ele
porque, nessa posição, ele resistiu a Deus.27
78
não mentiría por causa da base comum, pois o mesmo calor que torna
líquida a cera é o que seca a lama”.35 O problema certamente não está no
sol, mas nos objetos do seu calor.36
Importantes pais da Igreja, como Clemente de Roma e Irineu, já haviam
atribuído o endurecimento do coração de Faraó a ele próprio, e não a Deus.37
Ademais, o texto está tratando de como Deus agiu para libertar o seu
povo, e nada tem a ver com a salvação ou condenação eterna de indiví
duos, conforme observou Cranfield:
81
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Ele não os fez para a perdição, como muitos supõem que Paulo
esteja falando. O particípio perfeito grego para preparados é kater-
tismena, indicando que, no caminho da perdição, um certo estágio
foi alcançado. Ele também é médio ou passivo, e uma tradução
literal da primeira palavra seria ‘tendo feito eles mesmos para a per
dição’, e do segundo, ‘tendo sido feitos para a perdição’. O segundo
não exclui a ação de Deus; mas Paulo poderia ter usado prokata-
ritzo (preparar de antemão, cf. 2 Cor. 9.5), se quisesse dizer que
Deus os preparara de antemão para a perdição (ou destruição). Ele
queria dizer eu Deus pacientemente suportou os vasos de ira, que
se haviam preparado para a destruição.43
82
Essa interpretação conta com o apoio de Crisóstomo:
[...] vaso de ira era Faraó, homem que, por sua dureza, inflamou a
ira de Deus. Tendo experimentado a longa paciência divina, não se
tornou melhor, mas permaneceu incorrigível. Por isso, Paulo não
só o chamou de vasos de ira, mas ‘Prontos para a perdição’, a saber,
preparados por aquilo que são e por suas obras.50
A expressão “preparados por aquilo que são e por suas obras” de
monstra que Crisóstomo não enxergava a passagem como uma referên
cia a Deus predestinando indivíduos desde a eternidade para a destrui
ção, mas os próprios pecadores se preparando para a condenação através
de suas ações.
O próprio contexto exige que os vasos de ira tenham preparado a
si mesmos para a destruição. Paulo diz que Deus “suportou com muita
longanimidade os vasos de ira” (v. 22). Não haveria qualquer sentido
em falar da grande paciência divina para com os pecadores se o próprio
Deus tivesse determinado que tais pecadores agissem contra a Sua von
tade. Menos sentido ainda faria Deus puni-los. Em 10.21, Paulo fala da
paciência de Deus para com o rebelde Israel (étnico), tendo em vista o
propósito mais abrangente de salvar todo o Israel (espiritual; 10.26). A
conclusão de Paulo, é que o propósito de Deus é “usar de misericórdia
para com todos” (11.32).
Stott declara que um dos propósitos da paciência de Deus com os
vasos de ira é “manter aberta a porta da oportunidade por mais tem
po”,51 e Cranfield diz que ‘“os vasos de ira’ e os ‘vasos de misericórdia’
não são quantidades imutáveis, e que a finalidade de Deus é que os
‘vasos de ira’ se tornem ‘vasos de misericórdia”’.52 O próprio apóstolo
confirma essa ideia:
84
ip w g ilò
0 versículo 11, porém, parece afirmar nos termos mais fortes a
predestinação absoluta de todas as coisas, o que naturalmente inclui
a eleição e a reprovação de indivíduos. A reunião das palavras proo-
risthentes 55 (predestinados), prothesin (propósito), boulen (conselho) e
thelematos (vontade) no mesmo versículo parece fortalecer essa con
clusão.
Mas será que é essa a verdade exposta na passagem em questão?
Primeiramente, deve-se admitir que a construção gramatical permi
te duas interpretações: 1) Deus faz todas as coisas segundo o seu
propósito; 2) Todas as coisas que Deus faz, Ele as faz segundo o seu
propósito. Essa distinção faz muita diferença, visto que a segunda
maneira de compreender a sentença não exige que Deus suscite todas
as coisas que acontecem . A ambiguidade da afirmação paulina não
permite uma conclusão sem uma análise mais cuidadosa do contexto
mais amplo.
Cottrell esclarece:
Paulo não diz todas as coisas? Porém, aqueles que tomam isso
num sentido absoluto ignoram o contexto imediato e o tema
principal de Efésios como um todo. O termo “todas as coisas”
(panta ) não é necessariamente absoluto e deve ser entendido
dentro das limitações impostas pelo contexto. Isso é visto clara
mente em ICoríntios 12.6, que diz que Deus é aquele que “ope
ra tudo [panta] em todos.” A linguagem é exatamente paralela a
de Efésios 1.11; até o verbo é o mesmo [energeo], No entanto,
o contexto de ICoríntios 12 claramente limita “todas as coisas”
aos dons espirituais do Espírito Santo, e o versículo 11 diz bem
especificamente: “Mas um só e o mesmo Espírito opera todas
estas coisas, repartindo particularmente a cada um como quer.”
De maneira similar, o contexto de Efésios 1.11 não nos permite
pensar em “todas as coisas” num sentido absolutamente inclusi-5
85
THiAGOTITILLO
A vontade divina expressa nas palavras “sua vontade” (v. 11) é uma re
ferência ao “mistério da sua vontade” (v. 9.) No capítulo 3, o apóstolo reto
ma esse tema, tomando-o mais claro: “pois, segundo uma revelação, me foi
dado conhecer o mistério, conforme escrevi há pouco, resumidamente; [...]
a saber, que os gentios são coerdeiros, membros do mesmo corpo e coparti-
cipantes da promessa em Cristo Jesus por meio do evangelho” (3.3, 6).
86
4BMMANISM0
uma linha de pensamento adotada por Paulo nos capítulos 1, 2 e 3.
Portanto, a expressão “todas as coisas” não pode ser tomada isolada
mente no versículo 11 do capítulo 1. Cottrell conclui:
Assim, vemos que ‘todas as coisas’ em Efésios 1.11 não têm uma re
ferência universal; a vontade de propósito ou decretiva de Deus não
inclui todas as coisas que acontecem em todo o âmbito da natureza
e da história. Todavia, ela inclui o estabelecimento da igreja como
o corpo que une judeus e gentios sob uma cabeça, Jesus Cristo (cf.
1.10). Esta é provavelmente a principal referência na comissão de
Ananias a Saulo de Tarso, em Atos 22.14, ‘O Deus de nossos pais
de antemão te designou para que conheças a sua vontade’ (veja
também Colossenses 1.27), a saber, a sua vontade de unir judeus e
gentios em uma igreja.,8
58 Ibid.
87
THfAGOTITILLO
muito”.59 Em Antiguidades judaicas, XVIII, 2, ele diz: “De sorte que, sendo
tudo feito por ordem de Deus, depende, no entanto, da nossa vontade
entregarmo-nos à virtude ou ao vício”.6061
Embora não seja a intenção de Josefo esclarecer pormenores da rela
ção entre a predestinação e o livre-arbítrio, ele demonstra que, diferen
temente dos essênios - que atribuíam tudo à providência de Deus - , 51 os
fariseus criam na providência de Deus e no seu governo, sem, contudo,
esvaziar as ações livres dos agentes morais.
E mais provável que Paulo tenha seguido a maneira de pensar dos
fariseus, ao invés do pensamento estoico. Isso fortalece o conceito de
eleição apresentado neste opúsculo.
88
Í R M lM lii
CONCLUSÃO
Comumente se diz que a teologia arminiana rejeita a doutrina da
eleição em favor da liberdade humana. Essa afirmação não é verdadeira.
A eleição divina não exclui a responsabilidade humana, bem como a
responsabilidade humana não exclui a eleição divina. A Bíblia afirma as
duas verdades, e isso é o bastante para não minimizarmos a importância
de qualquer uma delas.
A doutrina da eleição, conforme a teologia arminiana, possui um
elevado conceito, tendo uma sólida fundamentação bíblica. As Escrituras
revelam uma relação harmoniosa entre as escolhas de Cristo, de Israel, da
Igreja e de indivíduos no propósito macro de Deus para a humanidade.
• O patriarca Jó confessou no passado: “Bem sei que tudo podes, e
nenhum dos teus planos pode ser frustrado” (Jó 42.2). Tal verdade é
indiscutível. O propósito de Deus para os homens é salvar aqueles que
creem em Seu Filho Jesus, e condenar os que não creem, manifestando,
respectivamente, Sua misericórdia e justiça (Jo 3.18).
Objetivando cumprir esse propósito, Deus escolheu Jesus Cristo
para resgatar a raça humana da maldição do pecado (Mt 12.17-21; cf. Is
42.17). Armínio enfatizou a primazia da escolha de Cristo em sua ordem
dos decretos de Deus, preservando assim o conceito cristocêntrico da
eleição, conforme ensinado nas Escrituras.
O segundo ato do drama da redenção foi a escolha de uma nação.
Quando Deus chamou a Abraão para, através dele, formar Israel, Seu
propósito não era menor do que alcançar o mundo inteiro (Gn 12.1-
-3). As promessas feitas ao patriarca encontram seu cumprimento íinal
em Jesus Cristo. Mas o drama só estará completo quando houver um
grupo de pecadores redimidos, pois o propósito de Deus é que tanto
judeus quanto gentios, pela fé em Cristo, formem o Novo Israel, a sa
ber, a Igreja.
Vimos que há semelhanças e diferenças entre o Israel e o Novo Israel.
A semelhança é que a eleição divina de ambas as comunidades (Israel
e Igreja) é corporativa. A diferença é que a escolha da Igreja não tem o
THIAGOTITILLO
91
THIAGOTITILLO
92
á p is io
__________ . Teologia Sistemática. Volume 2. Rio de Janeiro: CPAD, 2010.
HOEKEMA, Anthony A Bíblia e ofuturo. 2. ed. São Paulo: Cultura Cristã, 2001.
LELIÈVRE, Mateo .João Wesley: sua vida e obra. São Paulo: Vida, 1997.
93
THIAGOTITILLO
MURRAY, John. Comentário Bíblico Fiel. Romanos. São José dos Campos,
SP: Fiel, 2003.
PINK, A. W Deus é soberano. 5. ed. São José dos Campos, SP: Fiel, 2002.
94
j p NÃNEffi
RYLE, J. C. Meditações no Evangelho de Mateus. São José dos Campos, SP:
Fiel, 2002.
WALLS, Jerry L.; DONGELL, Joseph R. Por que não sou calvinista. 1. ed.
São Paulo: Reflexão, 2014.
THIAGOTITILLO
Vídeo:
96
VELOZO
é pastor batista, especialista em
Teologia Bíblica e Sistemática-Pasto-
ral pela Faculdade Batista do Rio de
Janeiro, graduado em Teologia pelo
Seminário Teológico Betei e
licenciado em Letras pela Universi
dade Estácio de Sá. Concluiu curso
de grego (livre) pela Faculdade de
São Bento do Rio de Janeiro. É
professor da rede estadual de ensino
(SEEDUC-RJ), da Faculdade de
Teologia Wittenberg e do Seminário
Teológico Evangélico Peniel. Casado
com Danielly e pai de Yasmim, é
membro da Primeira Igreja Batista em
Botafogo, onde serve como pastor
auxiliar.
m uma era marcada pelo ensino teológico diluído
e antropocêntrico, Thiago Titillo, um dos pioneiros
da nova geração de escritores de uma nascente
escola soteriológica arminiana brasileira, nos
presenteia com um livro profundamente bíblico e
historicamente embasado, reinserindo o termo eleição
- assim como também sua correta interpretação - no
seio arminiano. Uma obra clara, sucinta e profunda.
Leitura obrigatória para todas as pessoas interessadas
em teologia.
WELLINGTON
Autor de O que é teologia
arminiana?