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itillo é um dos novos escrito­

T
res que desponta no cenário
evangélico digno de ser lido.
Sua habilidade de escrita é
flagrante. Há objetividade,
fluidez, consistência,
profundidade, instigação,
características, entre outras, que
considero essenciais a um livro. [...]
Nesta obra, Eleição Condicional, o
autor discute a doutrina bíblica da
eleição defendendo uma perspectiva
arminiana. Ele faz isso de modo
preciso. Evoca teólogos patrísticos,
calvinistas, arminianos, e até liberais
como Rudolf Bultmann; chama para a
discussão o historiador judeu Flávio
Josefo; vai aos lexicógrafos e seus
trabalhos para discutir termos gregos;
visita dicionários teológicos e, mais
importante, satura seu opúsculo com
referências bíblicas.[...] Desse modo,
recomendo a leitura de Eleição
Condicional na esperança de que seja
alargado o conhecimento bíblico do
leitor no que tange à doutrina da
eleição e, por fim, que seja Deus
glorificado: soli Deo gloria!

ZWINGLIO •
Autor de Uma introdução ao
arminianismo clássico
THIAGOTITILLO
© 2015 Editora Reflexão. Todos os direitos reservados.

© T hiago Titillo

Editora Executiva: Caroline Dias de Freitas


Coordenador Editorial: Welington Gomes
Revisão: Alexandra Resende
Capa: Petty Arts
Diagramação e Projeto gráfico: Estúdio Caverna
Impressão: Markpress Gráfica e Editora

1a Edição - Outubro / 2015

DADOS INTERNACIONAIS DE CATALOGAÇÃO NA PUBLICAÇÃO (CIP)


CÂMARA BRASILEIRA DO LIVRO, SP, BRASIL__________

TITILLO, THIAGO
Eleição Condicional / Thiago Titillo. 1. Edição - São Paulo: Editora Reflexão, 2015.

ISBN: 978-85-8088-160-8
I.Arminianismo 2. Facts 3. Teologia Arminiana 4. Thiago Titillo I.TÍtulo ll.Série.

95-6542 CDD-085

índices para catálogo sistemático:


1. Teologia Arminiana 2. Soteriologia 3. Título

Editora Reflexão
Rua Fernão Marques, 226 - Vila Graciosa - 03160 030 São Paulo
Fone 11 4 1 0 7 6068 1 11 3477 6709
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transm itida por quaisquer meios (eletrônico ou mecânico, incluindo fotocópia e
gravação) ou arquivada em qualquer sistema ou banco de dados sem permissão
escrita da Editora Reflexão.
À minha filha Yasmim, herança do Senhor.
AGRADECIMENTOS
Ao Deus bendito, por sua maravilhosa graça que me foi manifestada
em Jesus Cristo.
À Danielly, esposa amada, que cumpre cabalmente o texto sagrado
de Provérbios 3 1.10-31.
Aos meus pais, Domingos e Celeste, pela influência poderosa do
exemplo, que me ensinou mais do que quaisquer palavras acerca da ver­
dade evangélica. Ao meu irmão Igor, pela amizade e presença constante,
e à minha querida tia-avó Celeste.
À minha outra mãe, Mainha, pelo amor com que sou alimentado
desde a mais tenra infância, e à minha avó Anízia.
Ao Dr. Jack Cottrell por pacientemente responder as minhas mensa­
gens via facebook.
Aos amigos de caminhada: Pr. Adauberto Alves, Pr. Fábio Borges,
Pr. Flenrique Araújo, Juliano da Silva, Pr. Neander Kraul, Pr. Rodolfo
Beghini e Pr. Roberto Meireles.
Ao meu amigo e pastor, Márcio Mattos, e aos demais irmãos da Pri­
meira Igreja Batista em Botafogo.
Aos amigos Paulo Cesar Antunes, Pr. Wellington Mariano e Pr. Zwin-
glio Rodrigues, que leram o manuscrito, dando valiosas sugestões.
Aos meus queridos alunos de Teologia, que me estimulam com seus
questionamentos a buscar sempre a verdade revelada nas Escrituras.
Por fim, manifesto minha gratidão à Editora Reflexão pelo convite
para participar desse projeto, e pelo relevante trabalho que tem prestado
ao público evangélico brasileiro ao publicar obras de teologia arminiana.
SUMÁRIO

Prefácio...................................................................................................9

Introdução...........................................................................................11

1. Eleição e predestinação.............................................................. 15

2. A eleição de Jesus Cristo.............................................................25

3. A eleição de Israel........................................................................33

4. A eleição da Igreja........................................................................43

5. A eleição de indivíduos..............................................................53

6. Análise de passagens difíceis das Escrituras.........................63

Conclusão............................................................................................89

Bibliografia.......................................................................................... 91
ip m B
PREFÁCIO

Concordo com o religioso dominicano Henri Lacordeire que disse


existirem três coisas das quais o homem precisa para ser feliz: “benção
divina, livros e amigos”. Livros nos torna felizes! Se o livro for bom, como
os escritos por Thiago Titillo, mais ainda.
Titillo é um dos novos escritores que desponta no cenário evangélico
digno de ser lido. Sua habilidade de escrita é flagrante. Há objetivida­
de, fluidez, consistência, profundidade, instigação, características, entre
outras, que considero essenciais a um livro. Meu primeiro contato com
essa verve do autor ocorreu com a leitura de seu primeiro e primoroso
trabalho A Gênese da Predestinação na História da Teologia Cristã, ao qual
está conectado este livro que prefacio, embora este último faça parte de
outro projeto.
Nesta obra, Eleição Condicional, o autor discute a doutrina bíblica
da eleição defendendo uma perspectiva arminiana. Ele faz isso de modo
preciso. Evoca teólogos patrísticos, calvinistas, arminianos, e até liberais
como Rudolf Bultmann; chama para a discussão o historiador judeu Flá-
vio Josefo; vai aos,lexicógrafos e seus trabalhos para discutir termos gre­
gos; visita dicionários teológicos e, mais importante, satura seu opúsculo
com referências bíblicas.
O percurso desse estudo é feito pelas seguintes estradas: eleição e
predestinação; a eleição de Jesus Cristo; a eleição de Israel; a eleição da Igreja;
a eleição de indivíduos e, uma análise de passagens difíceis das Escrituras.
Esta organização proposta pelo autor põe o livro em uma estrutura didá­
tica interessante, pois como está posta a sequência dos títulos, fica mais
fácil para o leitor traduzir com clareza a abordagem bíblica sobre o tema
eleição condicional.
Neste diapasão da qualidade didática desta pesquisa, devo realçar
também o poder de síntese de Titillo. O estadista inglês Winston Churchill

9
THIA60TITILL0

disse: “As palavras antigas são as melhores; as breves, as melhores de todas."


Acho que posso deduzir dessa fala de Churchill, que também faz parte
de seu pensamento exaltar a capacidade de dizer muito, escrevendo pouco.
Titillo falou consigo mesmo e com a multidão que o lerá, o essencial sobre
a doutrina da eleição condicional em palavras, frases, orações e períodos
breves. Esse é um mérito do autor já notado por mim desde a leitura de
seu primeiro trabalho. Isso é uma dádiva para qualquer leitor.
Findada a leitura deste trabalho, não tive dúvidas sobre seu va­
lor no tocante à grande contribuição a ser dada ao movimento arminiano
no Brasil. Acadêmicos em teologia, professores, seminaristas e outros
estudiosos, bem como o leitor iniciante nos estudos teológicos, poderão
ser enriquecidos pelo corpus deste livro.
Desse modo, recomendo a leitura de Eleição Condicional na es­
perança de que seja alargado o conhecimento bíblico do leitor no que
tange à doutrina da eleição e, por fim, que seja Deus glorificado: solí Deo
gloriai

Zwinglio Alves Rodrigues


Pastor, professor e escritor.

10
ARMUANISMO
INTRODUÇÃO
A eleição é uma das doutrinas bíblicas mais disputadas na teologia.
Não há qualquer novidade nisso. Sua relação com as controvérsias entre a
predestinação e o livre-arbítrio remonta a Pelágio, Agostinho e João Cassia-
no, figuras importantes envolvidas em torno desse debate nos séculos IV-V
Mais de mil anos depois, no século XVI, tal contenda foi reavivada
pelo embate entre o humanista católico Erasmo de Roterdã e o reforma­
dor Martinho Lutero. O erudito holandês escreveu sua famosa Diatribe
sobre o livre-arbítrio (1 5 2 4 ),1 rebatida pelo reformador alemão com sua
polêmica obra Da vontade cativa (1 5 2 5 ).12 A tréplica de Erasmo não foi
respondida por Lutero, que preferiu seguir a sugestão de Melanchthon.3
No século seguinte, a Holanda se tornou o palco da querela entre os
discípulos de João Calvino e de Jacó Armínio. Por fim, após seis meses de
atividades, o Sínodo de Dort encerrou suas atividades em maio de 1619,
favorecendo o partido calvinista. Os interesses políticos por detrás do
Sínodo são evidentes, mas sua imparcialidade é discutível.4
Mesmo durante o grande reavivamento do século XVIII, a questão

1 O texto de Erasmo encontra-se publicado em língua portuguesa, in: RUPP,


E. Gordon; WATSON, Philip S. (editores). Livre-arbítrio e salvação. 1. ed.
São Paulo: Refjexão, 2014.
2 LUTERO in: KAYSER, Ilson (editor-geral). Martinho Lutero: Obras seleciona­
das. Debates e controvérsias. Volume 4. São Leopoldo e Porto Alegre: Sinodal
e Concórdia, 1993.
3 SCHEIBLE, 2013, pp. 156-161. Melachthon, cooperador de Lutero, aban­
donou a posição rígida do reformador alemão sobre a escravidão da von­
tade. Sua visão final acerca do livre-arbítrio foi publicada na Instrução para
os visítadores (1528) e em seu Comentário sobre Colossenses (1529). Na con­
trovérsia entre Lutero e Erasmo, Melanchthon buscou uma via média que
acabasse com a polêmica. O próprio Lutero, posteriormente, enfraqueceu
seu ponto de vista sobre a predestinação por causa da convicção de que
Deus deseja a salvação de todos os homens (BERKHOF, 2007, p. 104).
4 Para considerações historiográficas sobre o Sínodo de Dort, consultar
o capítulo 5 da obra Uma introdução ao armínianismo clássico: história,
doutrinas efundamentação bíblica. Maceió: Sal Cultural, 2015, pp. 75-88

11
THIAGOTITILLO

não foi ocultada: em dado momento, John Wesley e George Whitefield


deixaram manifestas suas diferenças teológicas acerca do assunto.5
Se não é novidade que a doutrina da eleição é tão disputada, não
deveria ser também que a mesma - seja qual for a linha teológica - é
confessada por todos quantos creem na Bíblia. Todavia, não há acordo
sobre sua correta interpretação. Mas um questionamento permanece: se
em cerca de mil e seiscentos anos a questão não foi resolvida, por que
escrever mais um texto sobre o assunto?
A resposta se relaciona com os dois objetivos principais da presente
obra. O primeiro é apresentar o conceito arminiano de eleição, visto
que o mercado editorial brasileiro, até recentemente, não dispunha de
muitas publicações de teólogos arminianos sobre o tema. O segundo
é demonstrar que uma compreensão adequada da doutrina bíblica da
eleição é edificante e confortadora. Ela encoraja o crente e o faz dar gló­
ria a Deus por seu propósito maravilhoso. Nada tem a ver com um deus
carrancudo lançando pessoas no inferno, e poupando algumas poucas,
por mero capricho.
Para alcançar os objetivos supramencionados, a obra se divide em
seis capítulos, nos quais serão apresentados aspectos diferentes, mas não
independentes, da eleição.
O primeiro capítulo abordará a diferença entre as doutrinas bíblicas
da eleição e da predestinação, muitas vezes ignorada não apenas por lei­
gos, mas também por teólogos. O segundo capítulo visa demonstrar a
preeminência da eleição de Jesus Cristo no propósito divino de redimir
a humanidade. O terceiro capítulo observará a eleição de Israel para a
execução de um papel específico na realização do plano de Deus: trazer
o Salvador ao mundo. O quarto capítulo tem em vista especificamente a
eleição da Igreja, o povo de Deus. No quinto capítulo será apresentado
o conceito pessoal de eleição, enfatizando as condições necessárias para

5 Refiro-me à Carta ao Reverendo Senhor John Wesley, datada de 24 de


dezembro de 1740, na qual “Whitefield atacou Wesley pessoalmente com
grande acrimônia e veemência” (LELIÈVRE, 1997, p. 97) em resposta ao
sermão Graça gratuita - ou Graça livre - , pregado por John Wesley em
Bristol, com base em Romanos 8.32.
èRMINIANISMO
que indivíduos, particularmente, possam fazer parte do corpo eleito de
Cristo. Por fim, no sexto e último capítulo, será realizada uma análise
mais detalhada de algumas passagens bíblicas comumente usadas pelos
teólogos calvinistas em favor das doutrinas da eleição e reprovação in­
condicionais. Infelizmente, algumas passagens ficaram de fora devido ao
espaço limitado. Deu-se preferência àquelas encontradas no Novo Testa­
mento. Devido à sua natureza, esse capítulo é um pouco mais extenso.
Espero que a leitura das páginas a seguir possam demonstrar que
a teologia arminiana apresenta fielmente a doutrina bíblica da eleição.
Minha oração é que o Senhor use esta pequena obra como bem lhe
aprouver.

Thiago Titillo
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1. ELEIÇÃO E PREDESTINAÇÃO
Muitas vezes as palavras “eleição” e “predestinação” são usadas de
modo intercambiável, embora uma análise minuciosa das passagens bí­
blicas pertinentes demonstre a diferença que há entre elas. O fato de
Efésios 1.4-5 trazer as expressões “escolheu” e “predestinou” no mesmo
contexto, e de igual forma Romanos 8 .2 9 -3 3 incluir as palavras “predes­
tinou” e “eleitos”, certamente contribui para a fusão dos dois conceitos.
Em sua Carta endereçada a Hípólito A. Collibus, Jacó Armínio define
predestinação da seguinte forma: “É um decreto eterno e misericordio­
so de Deus em Cristo, pelo qual Ele decide justificar e adotar fiéis, e
conceder-lhes a vida eterna, mas condenar os infiéis e as pessoas impe-
nitentes [...J”.1
Armínio usa o termo predestinação no sentido soteriológico, com
referência à eleição dos crentes e a reprovação dos incrédulos. Mas para
deixar mais claro ainda sua perspectiva condicional da eleição, ele diz
poucas linhas adiante:

Mas esse decreto que descrevo aqui não é aquele pelo qual Deus
decide salvar algumas pessoas e, para que possa fazer isso, decide
dotá-las de fé, mas condenar outras, e não dotá-las de fé. No entan­
to, muitas pessoas declaram que este é o tipo de predestinação de
que o apóstolo trata, nas passagens que acabo de citar [Romanos 8
e 9, e Efésios 1], Mas nego o que eles afirmam.12

O teólogo holandês prossegue afirmando a realidade de um “decreto


eterno de Deus, segundo o qual Ele administra os meios necessários para
a fé e a salvação”. Mas, continua ele, Deus “faz isso de uma maneira que

1 ARMÍNIO, 2015b, p. 404. Para uma compreensão mais profunda do pen­


samento de Armínio e seus seguidores acerca da predestinação, recomendo
a leitura do capítulo 8 da obra: OLSON, Roger E. Teologia Arminiana: mitos
e realidades. São Paulo: Reflexão, 2013 (pp. 233-258).
2 Ibid.

15
THIAGOTITILLO

Ele sabe ser adequada à justiça, isto é, à sua misericórdia e à sua severi­
dade”.34Com essas afirmações, Armínio defende que a eleição e a repro­
vação são condicionadas, respectivamente, à fé e à incredulidade, sendo
que os meios necessários à fé são administrados por Deus de maneira
justa e imparcial, e não de forma arbitrária.
Wiley e Culbertson, teólogos arminianos, definem predestinação de
maneira um pouco diferente:

a predestinação é o propósito gracioso de Deus de salvar da ruína


completa toda a humanidade. Não é um ato arbitrário de Deus
para garantir a salvação a um número especial de pessoas e a
ninguém mais. Inclui provisionalmente todos os homens e está
condicionada somente pela fé em Cristo. [...] A eleição difere da
predestinação nisto, que a eleição implica uma escolha, enquanto
a predestinação não. O plano gracioso pelo qual se leva a cabo
esta eleição chama-se predestinação, nos predestinou para ele, para
a adoção de filhos, por meio de Jesus Cristo, segundo o beneplácito de
sua vontade d

Eles fazem uma distinção entre predestinação e eleição: a predesti­


nação é o plano divino de prover salvação a todos os homens e efetivá-
-la na vida dos crentes, enquanto a eleição é a escolha das pessoas que
cumprem a condição de crer em Cristo.
Ambas as definições concordam que o plano divino de salvar indiví­
duos depende da fé destes. Deus salva aqueles que depositam sua fé em
Jesus Cristo.
Isso contraria aquilo que foi ensinado por João Calvino. Em sua obra
A Instituição da Religião Cristã, III.21.5 - doravante chamada Institutas - ,
ele define predestinação - também igualando-a à eleição e reprovação -
de forma absolutamente determinista:

3 Ibid.
4 WILEY; CULBERTSON, 2013, p. 269.

16
Chamamos predestinação ao decreto eterno de Deus pelo qual de­
terminou o que quer fazer de cada um dos homens. Porque Ele não
os cria com a mesma condição, mas antes ordena a uns para a vida
eterna, e a outros, para a condenação perpétua. Portanto, segundo
o fim para o qual o homem é criado, dizemos que está predestinado
à vida ou à morte. ’

Berkhof reconhece três usos da palavra predestinação. Prim ei­


ramente, como sinônimo dos decretos de Deus. Em segundo lugar,
como referência ao Seu propósito em relação a todas as criaturas m o­
rais. Mas por fim, ele diz que mais frequentemente, ela denota “o con ­
selho de Deus concernente aos homens decaídos, incluindo a eleição
soberana de uns e aju sta reprovação dos restantes”.56 Sproul distingue
a predestinação mais ampla - no âmbito da providência - da pre­
destinação no sentido mais estreito - restrita à “questão extrema da
salvação ou condenação predestinadas, que chamamos de eleição ou
reprovação".7
Já vimos que muitos teólogos igualam a predestinação - em seu
aspecto soteriológico - com a decisão divina de salvar o pecador ou
condená-lo. Mas será que o sentido bíblico de predestinação pode ser
igualado ao sentido bíblico de eleição?
Existem dois grupos de palavras gregas - nas suas diversas formas -
usados no Novo'Testamento para se referir ao ato de escolher: haiéromai
e eklégomai ,8
O verbo haireõ (tomar; escolher) tem o significado específico de “se­
lecionar preferivelmente pelo ato de tomar do que por mostrar preferên­
cia ou favor”,9 enquanto o verbo eklegõ “significa, na voz média, ‘escolher
para si mesmo’, não implicando necessariamente a rejeição do que não é

5 CALVINO, 2009, p. 380.


6 BERKHOF, 2007, p. 103.
7 SPROUL, 2002, p. 15.
8 NORDHOLT, in: COENEN; BROWN, 2000, p. 616.
9 VINE; UNGER; WHITE JR„ 2013, p. 608.
THIAGOTITILLO

escolhido, mas ‘escolher com idéias subsidiárias de generosidade, favor


ou amor”.101
O teólogo arminiano Henry Clarence Thiessen define a doutrina da
eleição:

Por eleição, entendemos aquele ato soberano de Deus em graça,


pelo qual Ele escolheu em Jesus Cristo para a salvação todos aque­
les que de antemão sabia que O aceitariam. Esta é a eleição em
seu aspecto redentor. As Escrituras também falam de uma eleição
para privilégios exteriores (Lc 6.13, Jd; At 13.17; Rm 9.4; 11.28,
Israel), a filiação (Ef 1.4, 5; Rm 8.29, 33), e para uma tarefa par­
ticular (Moisés e Arão, SI 105.26, Davi, 1 Sm 16.12, 20.30; Salo­
mão, 1 Cr 28.5; e os Apóstolos, Lc 6.13-16; Jo 6.70; At 1.2, 24;
9.15; 2 2 .1 4 ).11

Thiessen m enciona três pontos importantes da doutrina bíblica


da eleição. Primeiramente, a eleição é um “ato soberano de Deus em
graça”. Deus não tem a obrigação de escolher ninguém, visto que
todos são igualmente pecadores, m erecendo assim a condenação. Em
segundo lugar, ele afirma que a eleição é cristocêntrica - “pelo qual
escolheu em Jesus C risto”. A eleição do indivíduo ocorre somente
em união com Jesus Cristo pela fé. Não existe eleição fora de Cristo.
Por fim, Thiessen afirma que a eleição contem pla “aqueles que de
antemão sabia que O aceitariam ”. A compreensão da relação entre a
eleição e a presciência de Deus é sumamente importante para o en­
tendim ento adequado da doutrina.

10 Ibid.
11 THIESSEN, 1987, p. 261. A teologia de Thiessen é claramente arminiana,
embora ele não parecia ter consciência disso. Afirmou as doutrinas da
depravação total (ibid., pp. 199-200) e da absoluta necessidade da graça
preveniente (ibid., pp. 107-108 e 261), mas evitou o rótulo, fazendo,
inclusive, uma infeliz confusão entre arminianismo e semipelagianismo
no tratamento da imputação do pecado de Adão à posteridade (ibid., p.
194). Para mais informações sobre Thiessen, consultar: OLSON, op. cit.,
pp. 247-248.

18
êBMNANISMO
A palavra grega traduzida por predestinar (“decidir de antemão”) no
Novo Testamento é proorízõ (pro, “antes de”; horizõ, “determinar”).12 Ela apa­
rece seis vezes no Novo Testamento, majoritariamente nos escritos de Paulo
(At 4.28; Rm 8.29-30; 1 Co 2.7; Ef 1.5, 11). Quando proorízõ aparece no
contexto da doutrina da salvação, tem-se em vista o destino preparado para
os eleitos. Em nenhuma das seis ocorrências a palavra faz referência a pe­
cadores sendo destinados à condenação eterna. Tal observação deveria ser
suficiente para desmontar a compreensão calvinista da predestinação como
a escolha de uns indivíduos para a salvação e de outros para a perdição.
Outro importante passo para a construção de um entendimento bí­
blico acerca da doutrina da eleição é a compreensão do significado do
verbo progínõskõ (pro, “antes de”; gínõskõ, “saber”) e do substantivo cognato
prognõsis (“conhecimento de antemão”, “presciência”, “previsão”).13 Este,
no grego secular, “significa a ‘presciência’ que possibilita a predição do
futuro”, sendo usado como termo técnico da medicina por Eiipócrates.14
Bultmann diz acerca de progínõskõ:

O verbo significa ‘conhecer de antemão’, e no NT ele se refere à


presciência de Deus ao eleger seu povo (Rm 8.29; 11.2) ou de Cris­
to (1 Pe 1.20), ou o conhecimento de antemão que os crentes têm
por meio da profecia (2 Pe 3.17). Outro possível significado é ‘saber
antes de falar’ como em At 26.5. O substantivo é usado pela LXX15
em Ju d ite9.616 para o conhecimento predeterminante de Deus, em

12 JACOBS; KRIENKE in: COENEN; BROWN, op. cit., p. 1796.


13 VINE; UNGER; WHITE JR., op. cit., p. 493.
14 JACOBS; KRIENKE in: COENEN; BROWN, op. cit., p. 1796.
15 É a tradução grega do Antigo Testamento encomendada ao sacerdote Eleazar
por Ptolomeu Filadelfo, para a Biblioteca de Alexandria. A tradição afirma
que esta versão foi feita por 72 eruditos, 6 de cada tribo, para concretizar o
empreendimento que levou 72 dias.
16 O livro de Judite foi escrito no século II a.C. Orígenes e Jerônimo dão
testemunho de que ele não era considerado canônico pelos judeus
palestinianos. No século I, já fazia parte da LXX. Alguns pais da Igreja
negaram sua inspiração, mas seu lugar no cânon católico foi assegurado.

19
THIAOOTITILLO

Judite 11.19 para a predição profética. Justino usa o termo similar­


mente no Diálogo com Trifão 92.5; 3 9 .2 .17

Justo González diz que a presciência é, “na teologia clássica, o as­


pecto da onisciência divina pelo qual Deus conhece os acontecimentos
que ainda não têm tido lugar e as coisas que ainda não existem”.1819Este
sentido está incluso naquilo que a teologia arminiana compreende da
relação entre a presciência divina e a eleição dos crentes: Deus, desde a
eternidade passada, à luz de sua presciência de todas as coisas, elegeu
aqueles que no curso da história aceitariam livremente a Sua graça em
Cristo (1 Pe 1.2; cf. Rm 8.29).
Os teólogos calvinistas discordam. Eles entendem que a presciência
divina não se refere - pelo menos nas passagens relacionadas à eleição -
ao conhecimento prévio de Deus daqueles que responderiam livremente
ao seu chamado gracioso. Berkhof diz que

o sentido das palavras proginoskein e prognosis no Novo Testa­


mento não é determinado pelo uso que delas é feito no grego
clássico, mas pelo sentido especial de yada ’.ig Elas não indi­
cam simples previsão ou presciência intelectual, a mera obten­
ção de conhecimento de alguma coisa de antemão, mas, sim,
um conhecimento seletivo que toma em consideração alguém
favorecendo-o, e o faz objeto de amor, e, assim, aproxima-se da
ideia de predeterminação.20

É interessante que Bultmann, quando fala em seu verbete do “co­


nhecimento predeterminante de Deus”, reconhece que o substantivo
presciência aproxima-se da “ideia de predeterminação” apresentada por
Berkhof. Contudo, embora mencione tal uso em Judite 9.6, não faz qual-

17 KITTEL; FR1EDRICH, 2013a, pp. 134-135.


18 GONZÁLEZ, 2009, pp. 261-262.
19 Do hebraico, “conhecer”.
20 BERKHOF, 2007, p. 105.

20
km
é
m iú
quer menção do verbo cognato sendo usado nesse sentido pelos os escri­
tores do Novo Testamento.21
Vine atenta para a diferença entre o significado dos verbos “predetermi­
nar” e “conhecer de antemão”: “Este verbo [proorizõ] deve ser diferenciado
de progínõskõ, ‘saber de antemão, prever, antever’; este tem referência espe­
cial às pessoas antevistas por Deus; o verbo proorizõ tem referência especial
ao que os sujeitos da Sua presciência são ‘predestinados’”.22 Essa distinção é
vista em Romanos 8.29: “Porquanto aos que de antemão conheceu [proég-
no], também os predestinou [proórisen] para serem conformes à imagem de
seu Filho, a fim de que ele seja o primogênito entre muitos irmãos”.
Uma objeção comum feita pelos intérpretes calvinistas é que o texto
não se refere a algo que Deus previu nas pessoas - como por exemplo, a
fé, a santidade e a perseverança - , mas as próprias pessoas: “aos que”, e
não “o que”. Se Deus conheceu pessoas, tal conhecimento deve ser de um
tipo distinto, pois o conhecimento mental de Deus não se restringe a um
grupo, pelo contrário, se estende a todos sem exceção. }phn Stott coloca
da seguinte forma: “[...] Deus conhece todo mundo e todas as coisas de
antemão, ao passo que Paulo está se referindo a um grupo específico”.23
É inegável que Paulo está se referindo aos membros de um grupo,
distinguindo-os das demais pessoas. Jack Cottrel, erudito arminiano,
elucida a passagem:

21 Ênio Mueller,. em seu comentário de 1 Pedro 1.2 - sobre o vocábulo


“presciência” (prognõsis) diz que Bultmann atribui o entendimento
patrístico da eleição como escolha divina feita com base no conhecimento
antecipado de Deus à polêmica contra o determinismo, e que o sentido
neotestamentário da expressão depende do pensamento judaico, conforme
o Antigo Testamento (MUELLER, 1988, p. 70). Embora Bultmann
reconheça que o uso do verbo ginõskõ (tradução do hebraico y ad a’) no
Antigo Testamento, sendo um ato da vontade divina, “significa transformar
algo em objeto de cuidado e contém assim a nuança de ‘eleger’ (Gn 18.19;
Êx 33.12, etc.)” (KITTEL; FRIEDR1CH, 2013a, p. 132), permanece, porém,
que no verbete sobre o verbo cognato proginõskõ, Bultmann não relaciona
seu uso neotestamentário ao uso do verbo conhecer no Antigo Testamento
(ibid., pp. 134-135).
22 VINE; UNGER; WHITE JR., op. cit., p. 891.
23 STOTT, 2007, p. 300.

21
THIAGOTITILLO

O versículo 29 começa (após a conjunção) com o pronome relativo


‘quem’ (traduzido ‘aos’ na NVI). Como regra geral esperaríamos um an­
tecedente para este pronome, e aqui o encontramos no v 28, a saber,
‘aqueles que amam a Deus’. Deus pré-conheceu aqueles que o amariam,
isto é, ele pré-conheceu que em algum momento de suas vidas eles vi­
ríam a amá-lo e continuariam a ama-lo até o fim. Veja o paralelo em ICo
8.3, ‘Mas, se alguém ama a Deus, esse é conhecido dele’ (ACF).24

O ato cognitivo pelo qual Deus conheceu dentre os filhos de Adão


aqueles que o amariam em resposta à sua graça - cumprindo as condições
necessárias à salvação - está intimamente relacionado com a eleição de
indivíduos para o corpo eleito de Cristo e sua predestinação à glória. Deus,
de fato, conheceu pessoas. Mas as conheceu como pessoas que “amam a
Deus” (v. 28). Não há, portanto, qualquer motivo para buscar um signi­
ficado diferente do natural para o verbo progínõskõ em Romanos 8 .2 9 .25
Assim, as doutrinas da eleição e da predestinação estão intimamente
relacionadas entre si, embora sejam distintas. Robert Shank percebeu
essa distinção:

Os dois, apesar de intimamente relacionados e mutuamente envol­


vidos, não são a mesma coisa. Tanto a eleição quanto a predesti­
nação são obras determinativas, mas a eleição é a escolha dos ho­
mens por Deus per se, ao passo que a predestinação olha para além
do fato da eleição, propriamente dita, para os propósitos e objetivos
abrangidos na eleição.26

24 COTTRELL, Jack. Predestinação e pré-conhecimento: Comentário sobre


Romanos 8.29. Tradução: Paulo Cesar Antunes. Disponível em: <www.
arminianismo.com> Acesso em 09 de julho de 2015. Esse texto faz parte
do Commentary on Romans 1-8 (College Press, 1996). O Dr. Jack Cottrell me
enviou gentilmente o trecho no qual analisa Romanos 8.29 pelo facebook,
sendo posteriormente traduzido e publicado com sua permissão.
25 Esse versículo será analisado mais pormenorizadamente no capítulo sobre
a eleição de indivíduos.
26 SHANK, 2015, p. 162.

22
4 RMNANISM
4
0
Para fundamentar seu ponto de vista, Shank apela para o texto grego:

É digno de nota que o verbo eklegõ aparece no Novo Testamento


apenas na voz mediana (exlegomai,27 escolher para si mesmo). O
uso da voz mediana, representando Deus como agindo com refe­
rência a Si mesmo na eleição dos homens, está em contraste mar­
cado com o verbo neotestamentário pro-oridzõ2S (pré-determinar,
decidir de antemão), o qual nunca aparece na voz mediana. O con­
traste é significativo.21329

Shank conclui:

Deste modo, a eleição é o ato pelo qual Deus escolhe homens para
Si mesmo, ao passo que a predestinação é o ato determinativo de
Deus quanto ao destino do eleito que Ele escolheu. A predestinação
é a predeterminação de Deus da eterna circunstância da eleição: fi­
liação e herança como coerdeiros coifn Cristo (Efésios 1.5, 11), e
glorificação junto com Cristo em plena conformidade à Sua ima­
gem (Romanos 8.28-30). Em Efésios 1.3-14, a eleição está em vista
no versículo 4 (Porque Deus nos escolheu Nele antes da criação do
mundo) e a predestinação não é para eleição, mas para a circunstân­
cia da eleição: adoção como filhos de Deus (v. 5) e participação na
herança eterna (v. 11). Em Romanos 8.28-30, a eleição é simultânea
com a presciência de Deus, e a predestinação não é para com a elei­
ção e a salvação, senão para conformidade à imagem de Seu Filho
(v. 29), uma predestinação a ser realizada mediante o chamado, a
justificação e, finalmente, a glorificação (v. 30).30

27 Eklégomai. A diferença se dá pela forma de transliteração adotada por


Shank.
28 Proorizõ. Assim como no caso de eklégomai, Shank adota uma transliteração
diferente.
29 Ibid., pp. 162-163.
30 Ibid., p. 163.

23
THiÃGOUTILLO

Em suma, a eleição é a escolha graciosa feita por Deus daqueles que


estão em Cristo para formarem o Seu povo (Ef 1.4). A predestinação é o
propósito determinado por Deus desde a eternidade para esse povo (Ef
1.5; Rm 8.29-30).
Embora o sentido bíblico da doutrina da eleição tenha sido apresen­
tado em seu aspecto soteriológico, a culminância do propósito de Deus
para o seu povo passa necessariamente por alguns estágios. Em primeiro
lugar, a eleição de Jesus Cristo como o libertador da humanidade caída.
Em segundo lugar, a eleição de Israel como a nação pela qual o Salvador
viria ao mundo. Em terceiro lugar, a eleição da Igreja como corpo eleito
de crentes em Cristo. Por fim, em quarto lugar, a eleição de indivíduos
que aceitarão a oferta do evangelho para fazerem parte do corpo eleito
de Cristo.

24
M£------------------
ãmâã
2. A ELEIÇÃO DE JESUS CRISTO
A eleição de Jesus Cristo como o libertador da raça humana é fun­
damental para uma compreensão adequada da doutrina bíblica da salva­
ção. A eleição é cristocêntrica porque “a eleição do homem é compreen­
dida somente em Cristo; fora de Cristo não existe eleição para nenhum
homem”.1 O plano de Deus de eleger indivíduos unidos a Cristo pela fé
para formar um povo para si, passa necessariamente pela eleição do Seu
próprio Filho como o “primeiro eleito”.12
O primeiro dentre os quatro “Cânticos do Servo” registrados no livro
de Isaías (42 .1 -9 ; 4 9 .1 -7 ; 50.4-11; 5 2 .1 3 -5 3 .1 2 ) testemunha inequivo­
camente a eleição do Filho como Servo do Senhor, o Messias escolhido:

Eis aqui o meu servo, a quem sustenho; o meu escolhido, em quem a


minha alma se compraz; pus sobre ele o meu Espírito, e ele promul­
gará o direito para os gentios. Não clamará, nem gritará, nem fará ou­
vir a sua voz na praça. Não esmagará a cana quebrada, nem apagará
a torcida que fumega; em verdade, promulgará o direito. Não desa­
nimará, nem se quebrará até que ponha na terra o direito; e as terras
do mar aguardarão a sua doutrina. Assim diz Deus, o SENFIOR, que
criou os céus e os estendeu, formou a terra e a tudo quanto produz;
que dá fôlego de vida ao povo que nela está e o espírito aos que
andam nela. Eu, o SENFIOR, te chamei em justiça, tomar-te-ei pela
mão, e te guardarei, e te farei mediador da aliança com o povo e luz
para os gentios; para abrires os olhos aos cegos, para tirares da prisão
o cativo e do cárcere, os que jazem em trevas (Is 42.1-7).

Certamente, se as expressões “meu servo”, “meu escolhido” e “pus


sobre ele o meu Espírito” (v. 1) não forem suficientes para indicar que a

1 Ibid., p. 26.
2 “Primeiro” em ordem lógica, e não cronológica, visto que Deus é eterno e,
por isso, não experimenta sucessão de momentos como suas criaturas.

25
THIAGQTITILLO

pessoa de Cristo está em vista, a afirmação de que o Senhor fará dele o


“mediador da aliança com o povo e luz para o gentios” (v. 6) deve encer­
rar o assunto. Somado a isso, o evangelista Mateus diz que, após Jesus
curar diversos enfermos, advertiu

que o não expusessem à publicidade, para se cumprir o que foi dito


por intermédio do profeta Isaías: Eis aqui o meu servo, que escolhi,
o meu amado, em quem a minha alma se compraz. Farei repousar
sobre ele o m eu Espírito, e ele anunciará juízo aos gentios. Não
contenderá, nem gritará, nem alguém ouvirá nas praças a sua voz.
Não esmagará a cana quebrada, nein apagará a torcida que fumega,
até que faça vencedor o juízo. E, no seu nome, esperarão os gentios
(Mt 12.16-21).

Sob a inspiração do Espírito, Mateus testemunhou o cumprimento


da profecia de Isaías na pessoa de Jesus de Nazaré. Com base na aplica­
ção que Mateus faz da profecia de Isaías 42 - “o meu servo, que escolhi,
o meu amado” - , Parkinson diz que “o Senhor Jesus é preeminentemente
o escolhido e amado de Deus. É este tema de escolha e ser Amado que
é a chave para a compreensão da eleição da Igreja, visto que somos esco­
lhidos Nele e aceitos no Amado (Ef 1.4, 6 )”.3
O profeta Isaías reafirma a eleição do Servo-Messias mais à frente, no
segundo cântico:

Ouvi-me, terras do mar, e vós, povos de longe, escutai! O SENHOR


me chamou desde o meu nascimento, desde o ventre de minha mãe
fez menção do meu nome; fez a minha boca como uma espada agu­
da, na sombra da sua mão me escondeu; fez-me como uma flecha
polida, e me guardou na sua aljava, e me disse: Tu és o meu servo,
és Israel, por quem hei de ser glorificado. Eu mesmo disse: debalde
tenho trabalhado, inútil e vãmente gastei as minhas forças; todavia,
o meu direito está perante o SENHOR, a minha recompensa peran-

3 PARKINSON, 2013, pp. 17-18.

26
éRIW
è
lSM O
te o meu Deus. Mas agora diz o SENHOR, que me formou desde o
ventre para ser seu servo, para que torne a trazer Jacó e para reunir
Israel a ele, porque sou glorificado perante o SENHOR, e o meu
Deus é a minha força. Sim, diz ele: Pouco é o seres meu servo, para
restaurares as tribos de Jacó e tornares a trazer os remanescentes
de Israel; também te dei como luz para os gentios, para seres a
minha salvação até a extremidade da terra. Assim diz o SENHOR,
o Redentor e Santo de Israel, ao que é desprezado, ao aborrecido
das nações, ao servo dos tiranos: Os reis o verão, e os príncipes se
levantarão; e eles te adorarão por amor ao SENHOR, que é fiel, e do
Santo de Israel, que te escolheu (Is 49.1-7).

Alguns estudiosos alegam que o Servo do Senhor não é uma referên­


cia ao Messias, mas ao povo de Israel (cf. v. 3 ).45Outros entendem como
uma referência ao Israel ideal, a saber, os fiéis. Há ainda aqueles que
veem no Servo a figura do próprio profeta Isaías, ou a profissão profética,
ou ainda, uma personagem histórica comum - talvez, contemporânea do
autor. Todavia, é mais seguro manter a intàrpretação cristã histórica: o
Servo é a figura messiânica.3 Ridderbos está correto quando diz:

Mas em 49.3 o Servo messiânico é também chamado de Israel. Isto


deve significar que ele é o verdadeiro Israel, em quem tem funda­
mento a jealidade tudo o que é dito de Israel como servo do Senhor.
A graça concedida a Israel, da qual dá testemunho o nome ‘sevo do
Senhor’, está concentrada nEle; e a tarefa à qual é chamado Israel,
como Servo do Senhor, é verdadeiramente realizada apenas por Ele.
Portanto, há um paralelo entre esta designação e a expressão ‘filho
de Deus’, que é usada em primeiro lugar em relação ao povo como
um todo (Êx 4.23; Os 11.1) mas em seguida é transferida para o rei

4 Ralph L. Smith diz que “‘Israel’ é considerado por muitos um acréscimo


posterior ao texto” (SMITH, 2001, p. 398).
5 Para uma análise minuciosa das diferentes interpretações sobre a identidade
do Servo do Senhor e uma defesa da visão messiânica, ver: RIDDERBOS,
1995, pp. 338-346.

27
; TITULO

dravídico, e alcança o seu significado pleno no grande Rei da casa


de Davi (Sls. 2.7; 89.27).6

MacArthur capta bem a relação entre Israel e o Messias: “Que o uso


que o Senhor faz do nome de Israel aqui se refere ao Messias (42.1; 49.5-
-7; 52.1 3 ; 53.11) é explicável por causa do íntimo relacionamento que
existe entre a nação e o seu rei”.7
O apóstolo Pedro também enxerga a eleição do Messias no profeta
Isaías. Ele diz: “Chegando-vos para ele, a pedra que vive, rejeitada, sim,
pelos homens, mas para com Deus eleita e preciosa” (1 Pe 2.4). Em segui­
da, ele faz uma citação livre de Isaías 28.16: “Pois isso está na Escritura: Eis
que ponho em Siâo uma pedra angular, eleita e preciosa; e quem nela crer
não será, de modo algum, envergonhado” (v. 6). Aqui, o apóstolo endossa
que a fé é a condição para a união com o eleito (“e quem nele crê”).
Parkinson comenta:

Essas Escrituras se referem a Cristo como eleito, e transmitem um


significado de preeminência, escolha e preciosidade. Cristo é eleito
(ou escolhido) como o Servo sem igual e supremo de Deus; Ele é es­
colhido e precioso como a principal pedra de esquina. Portanto, para
termos uma compreensão bíblica de eleição, precisamos começar
com uma apreciação do lugar supremo que Deus deu ao Seu Filho.8

Ênio Mueller esclarece o significado da passagem:

Jesus Cristo foi a pedra escolhida por Deus para ser a pedra funda­
mental do edifício da humanidade, o edifício da salvação, de um novo
mundo. A palavra eklektón é a mesma usada em 1.1, referindo-se àque­
les aos quais a carta é enviada, e traduzida por ‘eleitos’. Temos aqui uma
chave para compreender toda a doutrina da eleição. Os homens são

6 Ibid., p. 344.
7 MACARTHUR, 2010, p. 915.
8 PARKINSON, op. cit., p. 18.

28
ém m ã
eleitos porque Jesus Cristo foi eleito primeiro. Ele é, por excelência, o
eleito de Deus (cf. as palavras divinas por ocasião do batismo de Jesus e
da transfiguração [Mc 1.11 e paralelos; 9.7 e paralelos; ‘amado’ = ‘elei­
to’, conforme Lc 9.35, Is 42.1]). Em Jesus, nós somos eleitos (Ef 1.4).
A fórmula ‘em Cristo’, tão cara ao Novo Testamento, ganha assim uma
nova significação. Cristo é o eleito, e nós somos eleitos nele.9

As passagens acima falam com bastante clareza da eleição do Filho.


Nenhuma delas, no entanto, é um testemunho de Jesus sobre si mesmo
como o eleito. Há, porém, uma passagem no evangelho de João, na qual
Jesus fala de si mesmo como aquele “a quem o Pai santificou e enviou ao
mundo” (Jo 10.36). Robert Shank diz sobre esse texto:

Bengel comenta que ‘Essa santificação é mencionada de tal forma como


que podendo ser anterior ao Seu envio ao mundo’. Com respeito à
santificação declarada por Jesus, Thayer assevera que o uso da palavra
hagiazõ ‘Deus é dito [...] como tendo selecionado [Cristo] para Seu
serviço [...], por ter entregue a Ele o ofício de Messias [...]’. Há uma
boa garantia para essa interpretação na Nova Tradução na Linguagem
de Hoje (NTLH): ‘o Pai Me escolher e Me enviou ao mundo’. João
10.36 tem diversos cognatos que refletem a consciência de Jesus sobre
Sua eleição para Seu ofício mediador, assim como Seu advento em Sua
missão redentora por expressar o desígnio e a vontade do Pai.101

O testemunho de Mateus, Pedro, João e Jesus é confirmado pelo


próprio Pai: “Deus identificou Jesus de Nazaré como Seu eleito quando
o Céu se abriu e o Espírito Santo desceu na forma corpórea de uma
pomba sobre Ele, e uma voz veio do Céu dizendo: ‘Tu és Meu Filho
amado, em Ti Me comprazo’ (Lc 3 .2 2 )”.11 No episódio da transfigura-

9 MUELLER, op. cit., p. 126.


10 SELANK, op. cit., p. 29. Os cognatos de João 10.36 apresentados por Shank
na nota de rodapé são: João 5.37; 6.27; 12.49; 16.26; cap. 17.
11 PARKINSON, op. cit., p. 19.

29
TH1AG0TITILL0

ção, quando uma nuvem encobriu Moisés, Elias e Jesus, novamente


ouviu-se uma voz dizendo: “Este é o meu Filho, o meu eleito; a ele
ouvi” (Lc 9 .3 5 ).12
A eleição de Jesus Cristo é central, pois todos os demais aspectos da
eleição dependem deste. O conhecimento eterno de Deus contemplava
não apenas a desobediência dos homens (Rm 3 .1 0-18; cf. SI 14.2-3),
mas também a obediência do seu Filho (Fp 2.8), motivo pelo qual Deus
decretou a redenção da raça humana através de Jesus e de sua obra (At
4 . 1 2 - c f . 2.23; 4 .2 8 ; 1 Pe 1.20).
Em concordância com o testemunho bíblico, Jacó Armímo propôs,
em sua Declaração de sentimentos, que a ordem (lógica) dos decretos de
Deus deve colocar Jesus Cristo em primeiro lugar:

O primeiro decreto integral de Deus a respeito da salvação do ho­


mem pecador é aquele no qual Ele decreta a indicação de seu Filho,
Jesus Cristo, para Mediador, Redentor, Salvador, Sacerdote e Rei
que deve destruir o pecado pela sua própria morte, e que deve, pela
sua obediência, obter a salvação que se perdeu, devendo comunica­
ria pela sua própria virtude.13

Para Armínio, os dois ramos da teologia calvinista - supralapsaria-


nismo14 e infralapsarianismo15 - não glorificavam a Cristo em primeiro

12 Evento registrado nos outros sinóticos, com pequenas diferenças: “Este é o


meu Filho amado, em quem me comprazo; a ele ouvi” (Mt 17.5); “Este é o
meu Filho amado, a ele ouvi” (Mc 9.7).
13 ARMÍNIO, 2015a, p. 226.
14 Do latim: supra, “acima de”, “antes de”; lapsus, “queda”. Propõe a seguinte ordem
(lógica) dos decretos: 1) predestinar algumas criaturas para a vida etema e outras
para a condenação eterna; 2) criar a humanidade; 3) tomar certa a queda; 4)
fornecer os meios para a salvação dos eleitos; 5) aplicar a salvação aos eleitos.
15 Do latim: infra, “abaixo de”, “sob”; lapsus, “queda”. Entende que o decreto da
eleição e reprovação é logicamente posterior aos decretos da criação e da queda,
como segue: 1) criar a humanidade; 2) tornar certa a queda; 3) predestinar
algumas criaturas para a vida etema e outras para a condenação etema; 4)
fornecer os meios para a salvação dos eleitos; 5) aplicar a salvação aos eleitos.

30
H f f ii
lugar. Ambos tratavam Jesus Cristo como uma figura secundária nos de­
cretos de Deus.16 Carl Bangs explica as razões de Armínio:

Bem ancorado estava o temor (de Armínio) de que Beza e Gomar, os


intérpretes supralapsarianos de Calvino corriam o perigo de separar
a doutrina deles da cristologia e de fazer Cristo um mero instru­
mento ou meio para a realização de um decreto prévio e abstrato.
Armínio procurou estabelecer a doutrina à luz das Escrituras e em
relação intrínseca com a cristologia.17

Desta forma, o entendimento de Armínio segue o entendimento bí­


blico de que Jesus é o primeiro eleito, aquele que foi designado por Deus
para libertar a raça humana do cativeiro do pecado e da morte.

16 “A posição do próprio Calvino quanto a este ponto tem sido discutida. Como
isto em seu tempo não era um ponto especial de controvérsia, é possível citar
de seus escritos certas passagens que sustentam o conceito supralapsariano,
e outras passagens que favorecem o conceito infralapsariano” (HODGE,
2001, pp. 719-720).
17 BANGS apud WYNKOOP, 2004, p. 58. A crítica é igualmente válida para o
infralapsarianismo, pois, como observa Olson, “tratavam Jesus Cristo como
secundário à predestinação de alguns humanos caídos para a salvação e
outros para a condenação (como no infralapsarianismo)” (OLSON, op. cit.,
p. 238).

31
Á p iilO
3. A ELEIÇÃO DE ISRAEL
Como foi visto no capítulo anterior, a eleição de Jesus é central no
propósito de Deus para redimir a humanidade. Mas para que esse pro­
pósito fosse consumado, Deus escolheu um povo, uma nação: Israel. O
texto bíblico expressa essa verdade:

Porque tu és povo santo ao SENHOR, teu Deus; o SENHOR, teu


Deus, te escolher, para que fosses o seu povo próprio, de todos os
povos que há sobre a terra. Não vos teve o SENHOR afeição, nem
vos escolheu porque fôsseis mais numerosos do que qualquer povo,
pois éreis o menor de todos os povos, mas porque o SENHOR vos
amava e, para guardar o juramento que fizera a vossos pais, o SE­
NHOR vos tirou com mão poderosa e vos resgatou da casa da ser­
vidão, do poder de Faraó, rei do Egito (Dt 7.6-8).

A escolha de Israel por parte de Deus não estava fundamentada em


qualquer mérito da própria nação. Foi seu amor e sua fidelidade às pro­
messas feitas aos patriarcas (v. 8) que o levou a escolher a nação de Israel.
Mas a quais promessas o texto acima faz referência? O capítulo 12 de
Gênesis responde:

Ora, disse o SENHOR a Abraão: Sai da tua terra, da tua parentela e


da casa de teu pai e vai para a terra que te mostrarei; de ti farei uma
grande nação, e te abençoarei, e te engrandecerei o nome. Sê tu
uma bênção! Abençoar-te-ei os que te abençoarem e amaldiçoarei
os que te amaldiçoarem; em ti serão benditas todas as famílias da
terra (Gn 12.1-3).

O coração da promessa feita a Abraão está na afirmação: “em ti serão


benditas todas as famílias da terra” (v. 3). O propósito de Deus ao esco­
lher Abraão para formar uma nação separada foi abençoar todas as famí­
lias da terra. Mas como Deus cumpriria esse propósito através de Israel?

33
THIAGOTITILLO

Através do descendente prometido a Abraão (Gn 12.7; 15.1-11; 17.1-8).


Porém, os verdadeiros herdeiros do pacto abraâmico são Cristo, e, con­
sequentemente, aqueles que estão nEle (Israel espiritual). O apóstolo,
escrevendo às igrejas da Galácia, diz que Cristo é a Semente de Abraão,
em quem as promessas têm seu cumprimento: “Ora, as promessas foram
feitas a Abraão e ao seu descendente. Não diz: E aos descendentes, como
se falando de muitos, porém como de um só: E ao teu descendente, que
é Cristo” (G1 3 .1 6 ; cf. Gn 2 2.17-18). E conclui: “E, se sois de Cristo,
também sois descendentes de Abraão e herdeiros segundo a promessa”
(G1 3.29).
E claro que o uso do singular “descendente/descendência” (spérmati,
“semente”) - cf. Gálatas 3 .2 6 - pode ser considerado coletivamente, tan­
to no grego quanto no português, como também no hebraico. Todavia, o
argumento de Paulo é que em algumas passagens do Antigo Testamento,
“‘descendente’ diz respeito ao maior dos descendentes de Abraão, Jesus
Cristo”.1 Como Guthrie observou: “A gramática servia apenas de apoio
indireto a uma verdade que já se tornara evidente ao apóstolo como sen­
do a essência real da promessa”.12
Essa verdade é claramente expressa por Paulo em Antioquia da Pi-
sídia:

Mas Deus o ressuscitou dentre os mortos; e foi visto muitos dias


pelo que, com ele, subiram da Galileia para Jerusalém, os quais são
agora as suas testemunhas perante o povo. Nós vos anunciamos o
evangelho da promessa feita a nossos pais, como Deus a cumpriu
plenamente a nós, seus filhos, ressuscitando a Jesus, como também
está escrito no Salmo segundo: “Tu és meu Filho, eu, hoje, te gerei.
E, que Deus o ressuscitou dentre os mortos para que jamais voltasse
à corrupção, desta maneira o disse: E cumprirei a vosso favor as
santas e fiéis promessas feitas a Davi (At 13.30-34).

1 MACARTHUR, op. cit., p. 1590.


2 GUTHRIE, 1984, p. 128.

34
àtòméib
Nessa passagem, o apóstolo mostra que as promessas feitas a Abraão
tinham seu cumprimento final na morte e ressurreição de Jesus Cristo,
com o objetivo de alcançar “todas as famílias da terra”, a descendência
espiritual de Abraão, a saber, judeus e gentios que pela fé na pessoa e na
obra de Cristo formam o Novo Israel.
Jack Cottrell comenta sobre o propósito de Deus na escolha de Israel:

Por que Deus fez isso? A resposta está no propósito de Deus para o
mundo como um todo. No mesmo dia em que o pecado entrou na
raça humana, Deus anunciou seu plano para enviar um Salvador
(Gênesis 3.15). Mas antes que o Salvador pudesse entrar na história
e realizar Sua obra, os preparativos precisavam ser feitos. O elemen­
to chave no plano era a escolha de uma única nação com o meio da
entrada do Redentor no mundo. A nação de Israel

É extremamente importante reconhecer que a exclusividade de Is­


rael não era um fim em si mesmo. Antes, era um expediente tempo­
rário, simplesmente um meio para um fim muito maior: a primeira
vinda de Cristo.

Este propósito mais abrangente da graça é claramente visto no pri­


meiro passo de Deus em relação a tornar o povo judeu um povo
separado, a saber, a chamada de Abraão. Deus prometeu fazer de
Abraão ‘uma grande nação’, mas sua promessa climática foi esta: ‘e
em ti serão benditas todas as famílias da terra’ (Gênesis 12.3; vide
Gênesis 26.4). O restante do Antigo Testamento conta sobre o tra­
tamento de Deus com o povo que Ele havia escolhido para realizar
seu propósito.3

Uma pergunta recorrente é: a eleição de Israel assegura a salvação de


todos os judeus? Paulo responde: “E não pensemos que a palavra de Deus
haja falhado, porque nem todos os de Israel são, de fato, israelitas" (Rtti

3 COTTRELL, 2014, pp. 100-101.

38
THIAGOTITILLO

9.6). Muitos israelitas morreram sob o juízo divino no deserto (1 Co 10.5-


-12). Corá, Data e Abirão foram tragados pelo abismo (Nm 16.31-33). Na-
dabe e Abiu foram consumidos pelo fogo do Senhor (Lv 10.1-2). Judas Is-
cariotes, o “filho da perdição”,4 também era descendência física de Abraão.
A relação entre Deus e Israel é tratada por Paulo em Romanos 9 - 1 1 .
Ele fala de alguns privilégios específicos da nação escolhida, culminando
na encarnação do Verbo: “São israelitas. Pertence-lhes a adoção e tam­
bém a glória, as alianças, a legislação, o culto e as promessas; deles são
os patriarcas, e também deles descende o Cristo, segundo a carne, o qual
é sobre todos, Deus bendito para todo o sempre. Amém” (Rm 9 .4 -5 ).5
Por maiores que fossem os privilégios de Israel, como povo por meio do
qual Deus traria Cristo ao mundo, a salvação eterna não fazia - necessa­
riamente - parte dos privilégios. O ponto nevrálgico da eleição de Israel
é demonstrar o amor de Deus a toda humanidade:

4 A expressão aponta para o caráter e o destino de Judas. Não se trata de


um decreto eterno de condenação da parte de Deus. Não deixa de ser
interessante o comentário que um teólogo calvinista faz da passagem:
“Apesar do sabor de predestinação da linguagem, Judas não se perdeu contra
a sua vontade, mas com sua concordância. Ele podia ter atendido ao último
apelo que Jesus lhe fez naquele gesto de comunhão na mesa do cenáculo,
mas decidiu, em vez disto, entender-se com o grande adversário. Jesus
não tem responsabilidade pela decisão fatal de Judas. Este, como os outros
discípulos, fora dado ao Filho pelo Pai, mas a apostasia é uma possibilidade
solene mesmo entre aqueles assim confiados a Jesus” (BRUCE, 1987, p.
283). Afirmar que Judas “não se perdeu contra a sua vontade, mas com sua
concordância” não chega a contradizer a teologia calvinista, uma vez que
a linguagem se enquadra na perspectiva compatibilista de livre-arbítrio.
Mas afirmar que Judas podería ter agido de maneira diferente na mesa do
cenáculo é afirmar uma visão libertária do livre-arbítrio, impossibilitando
qualquer conciliação com a teologia calvinista.
5 “Esta adoção de Israel deve ser distinguida daquela que é referida como
o ápice do privilégio do Novo Testamento (cf. Rm 8.15; G1 4.5; Ef 1.5; cf
Jo 1.12 e 1 Jo 3.1)” (MURRAY, 2003, p. 367). Aqui, “adoção” se refere à
escolha que Deus fez de Israel: “Israel é meu filho, meu primogênito” (Êx
4.22). A “glória” (também no v. 4) se refere à manifestação sensível de Deus
entre os israelitas (Êx 24.16-17; 40.34-38; Lv 16.2; 1 Rs 8.10-11; 2 Cr 7.1-
-2; cí. Ez 1.28). Portanto, não se trata do destino escatológico glorioso que
Deus tem para aqueles que estão em Cristo.
4 p ÍM ® 0
Sabemos a partir da própria Bíblia, que o amor especial de Deus
para Israel permaneceu no centro do plano de Deus para abençoar
o mundo todo (Gênesis 12.1-2). O amor especial de Deus para Is­
rael colocou a nação como agente escolhido por Ele na mediação da
redenção para todas as nações.6

Mas o povo de Israel não foi descartado após o cumprimento do pro­


pósito de trazer o Salvador ao mundo. Deus não rejeitou o seu povo (Rm
11.1). Pelo contrário, os judeus rejeitaram o evangelho da graça, porque
buscavam a justificação pelas obras, enquanto os gentios alcançaram-
-na pela fé (9.30 - 10.21). Aqui, Paulo demonstra que a graça de Deus
não é irresistível.7 A inclusão dos gentios sempre fez parte do plano de
Deus (G1 3.8, 14), conforme anunciaram os profetas (Is 60.3; J1 2.32).
Em sua oliveira doméstica, Deus cortou os ramos descrentes e enxer­
tou os gentios crentes (Rm 11.16-24). Deus não queria excluir Israel,
mas mantê-los como ramos naturais ao lado dos ramos de oliveira brava
acrescentados - os gentios. Não há distinção entre judeu e grego (Rm
10.12). Alguns ramos naturais permaneceram, a saber, os judeus cren­
tes, “remanescente segundo a eleição da graça” (Rm 11.5). Por fim, Deus
salvará todo o seu povo: “E, assim, todo o Israel será salvo” (Rm 11.26).8
Os calvinistas falham em perceber como Romanos 9.6-29 se relacio­
na com os capítulos 9, 10 e 11. Por isso, veem na expressão “amei Jacó,
porém me aborreci de Esaú” (v. 13) uma escolha eterna e individual

6 WALLS; DONGELL, 2014, p. 51.


7 Armínio também negou a irresistibilidade da graça: “Porque as
representações da graça que as Escrituras contêm são descritas como
podendo ser resistidas (At 7.51) e recebidas em vão (2 Co 6.1); assim, é
possível para o homem evitar ceder o seu assentimento à graça, e recusar
toda a cooperação com ela (Hb 13.15; Mt 23.37; Lc 7.30). Mas ao contrário,
esta predestinação [determinista] afirma que a graça é uma força irresistível
e operante” (Declaração de sentimentos, in: ARMÍNIO, 2015a, p. 209). Esse
tema específico será o tema de outro volume da presente coleção.
8 Referência ao Israel espiritual, formado por judeus e gentios convertidos a
Jesus Cristo. Uma boa defesa dessa interpretação pode ser encontrada em:
HOEKEMA, 2001, pp. 173-177.

37
THIAGOTITILLO

de Jacó para a salvação e de Esaú para a condenação. O texto, porém,


trabalha a escolha de Jacó no contexto mais amplo da escolha de Israel
para o serviço. Não se trata de um decreto eterno de Deus pelo qual Ele
incondicionalmente determina o destino final dos indivíduos, sem levar
em conta suas decisões.
Paulo tinha acabado de citar a resposta do Senhor a Rebeca: “O mais
velho será servo do mais moço” (v. 12; cf. Gn 25.23). O texto de Gênesis
que estava na mente de Paulo diz: “Respondeu-lhe o SENHOR: Duas
nações há no seu' ventre, dois povos, nascidos de ti, se dividirão: um
povo será mais forte que o outro, e o mais velho servirá ao mais moço
(Gn 25.23). Note que o texto bíblico diz: “Duas nações há no seu ventre,
dois povos”. No contexto mais amplo de Romanos 9 - 1 1 , que trata da
eleição de Israel, tal informação é esclarecedora.
A referência às duas nações fica ainda mais clara quando Paulo prosse­
gue, citando o primeiro capítulo de Malaquias no verso 13 de Romanos 9:

Sentença pronunciada pelo SENHOR contra Israel, por intermédio de


Malaquias. Eu vos tenho amado, diz o SENHOR; mas vós dizeis: Em
que nos tem amado? Não foi Esaú irmão de Jacó? - disse o SENHOR;
todavia, amei a Jacó, porém aborrecí a Esaú; e fiz dos seus montes uma
assolação e dei a sua herança aos chacais do deserto. Se Edom diz:
Fomos destruídos, porém tornaremos a edificar as ruínas, então, diz o
SENHOR dos Exércitos: Eles edificarão, mas eu destruirei; e Edom será
chamado Terra-De-Perversidade e Povo-Contra-Quem-O-SENHOR-
-Está-Irado-Para-Sempre. Os vossos olhos o verão, e vós direis: Grande
é o SENHOR também fora dos limites de Israel (Ml 1.1-5).

Norman Geisler esclarece a relação entre Romanos 9.13 e Malaquias


1.2-3:

[...] o ‘amor’ de Deus por Jacó e o ‘ódio’ por Esaú não dizem res­
peito a esses homens antes que nascessem, mas muito tempo após
terem vivido. A citação em Romanos 9.13 não é de Gênesis, quando
eles viveram (c. 2000 a.C.), mas de Malaquias 1.2,3 (c. 400 a.C.),

38
i p WISMO
muito depois de terem morrido! Os atos maus feitos pelos edomitas
aos israelitas são muito bem documentados no Antigo Testamento
(cf. Nm 20). E é por causa disso que Deus os tem odiado como país.
Aqui, novamente, isto não significa que nenhum indivíduo daquele
país venha a ser salvo. Aliás, há crentes tanto de Edom (Am 9.12)
como do país vizinho, Moabe (Rt 1), assim como haverá pessoas no
céu de toda tribo, raça, língua, povo e nação (Ap 7.9).9

As citações de Paulo dentro dos contextos de onde foram retiradas


demonstram que o apóstolo tinha em mente duas nações - Israel e
Edom, representadas por dois indivíduos. Em Romanos 9 .1 2 , como
em Gn 2 5 .2 3 , o maior é Edom, que servirá ao menor, Israel. Conforme
a nota de rodapé da Bíblia de Estudo de Genebra, “a profecia se cumpriu
quando os descendentes de Esaú, os edomitas, foram muitas vezes sub­
jugados por Israel e, finalmente, incluídos no Estado judaico durante
o período intertestamentário (1 Sm 14.47; 2 Sm 8.1 3 ; 2 Rs 1 4 .7 )”.101Se
a profecia citada por Paulo tivesse como alvo indivíduos, teria falhado:
Esaú nunca foi servo de Jacó. Pelo contrário, foi Jacó que se prostrou
diante de Esaú (Gn 3 3 .3 ), colocando-se como seu “servo” (Gn 3 3 .5 , 13-
-14) e chamando-o de “senhor” (Gn 3 3 .8 , 14-15). Cranfield diz sobre a
passagem: “a referência é, antes, às relações recíprocas das duas nações
na história. O que está aqui em debate não é a salvação ou a conde­
nação finais, e §im as funções históricas dos envolvidos, bem como as
suas relações com o desenvolvimento da história da salvação”.11
Para fortalecer o argumento de Israel com o nação escolhida, Pau­
lo cita Malaquias 1.2-3 (cf. Rm 9 .1 3 ). Por causa das aflições que Israel
estava sofrendo, o povo não estava convencido do amor de Deus.

9 GEISLER, 2001, pp. 94-95. O próprio Armínio iniciou em novembro de


1588 uma série de sermões alternados em Romanos e Malaquias. Como
ele estava lidando com as questões da graça e da predestinação, e percebia
a dependência que Romanos 9 tinha de Malaquias 1, Armínio achou
conveniente pregar esses dois livros (BANGS, 2015, p. 146).
10 Bíblia de Estudo de Genebra, 1999, p. 45.
11 CRANFIELD, 2005, p. 215.

39
THIA60TITILL0

O profeta, então, lem bra que Israel, e não Edom, foi escolhido por
Deus: “amei a Ja có , porém aborreci a Esaú” (Ml 1 .2 -3 ).12 Enquanto
em Gênesis há uma atirmação profética sobre as duas nações, em
Malaquias há uma afirmação histórica. O texto de Gênesis olha para
frente; o de Malaquias olha para trás. Deus se apresenta através do
profeta como aquele que toma para si as afrontas sofridas por Israel
no decurso da história. Por isso, apesar do desprezo dos sacerdotes
(w . 6 -8 ), Deus m ostra-lhes cuidado especial, condenando seus inim i­
gos - no caso, Edom. O texto não faz qualquer referência ao destino
eterno de indivíduos.
Não resta dúvida de que a passagem em tela está afirmando a
eleição incondicional. Paulo deixa isso claro no versículo 11: “E ain­
da não eram os gêmeos nascidos, nem tinham praticado o bem ou o
mal (para que o propósito de Deus, quanto à eleição, prevalecesse,
não por obras, mas por aquele que cham a)” (Rm 9 .1 1 ). A escolha de
Jacó em detrimento de Esaú não foi precedida por qualquer m éri­
to que ele pudesse ter. Deus escolheu soberanamente Jacó para dar
prosseguimento à linhagem da qual nascería o Messias eleito, Jesus

12 No contexto de Malaquias 1.1-5, a palavra traduzida por “aborreci”


(literalmente, “odiei”) parece trazer consigo a ideia de um juízo ativo de
Deus sobre Edom. Todavia, tal palavra nem sempre carrega esse significado.
Em outras passagens, ela deve ser compreendida dentro do contexto
semítico de amor menor, e não de ódio ativo. Gênesis 29.31 diz que “Lia
era desprezada” (literalmente, “odiada”), mas o v. anterior explica o que o
texto sagrado quis dizer com isso: “Mas Jacó amava mais a Raquel do que a
Lia” (v. 30). Jesus disse: “Se alguém vem a mim e não aborrece [literalmente,
“odeia”] a seu pai, e mãe, e mulher, e filhos, e irmãos, e irmãs e ainda a
sua própria vida, não pode ser meu discípulo” (Lc 14.26). Uma primeira
leitura desse versículo pode causar estranheza. Mas noutro lugar, o sentido
é clarificado: “Quem ama seu pai ou sua mãe mais do que a mim não é
digno de mim; quem ama seu filho ou sua filha mais do que a mim não é
digno de mim” (Mt 10.37). Quando pensamos em Edom, por volta do ano
4 0 0 a.C., é evidente que Malaquias não suaviza o ódio de Deus contra os
seus pecados. Mas quando a Bíblia fala da escolha de Jacó, e não de Esaú,
tem-se em vista o plano redentor de Deus através da nação de Israel. Esaú
não foi escolhido para levar adiante esse plano, embora não tenha sido
odiado eternamente por Deus.

40
km
é
tm ã
Cristo. Esaú foi deixado de fora desse grande privilégio.13 A eleição de
Romanos 9 é, portanto, corporativa, a eleição incondicional da nação
de Israel. Cranfield diz: “Na verdade, é com a eleição da comunidade
que Paulo se preocupa em Romanos de 9 a 1 1 ”.1415
Para cumprir o Seu propósito, Deus escolheu os patriarcas Abraão,
ísaque e Jacó (Ne 9.7; Rm 9 .7 -1 3 ) objetivando formar a nação eleita, o
que não significa que foram individualmente escolhidos para a salvação.
Israel foi escolhido para executar um papel de serviço na realização do
plano de Deus de redimir a humanidade. A intenção de Deus sempre foi
“usar de misericórdia para com todos” (Rm 9 .3 2 b ).13

13 Isso não significa que Esaú foi necessariamente excluído da salvação


graciosa de Deus. Embora o autor de Hebreus o chame de “impuro” (gr.
pomos) e “profano” (gr. bebelos) por vender a bênção da primogenitura - o
que se tornou irreversível a despeito do seu arrependimento (12.16-17) -
' nada hã no registro de Gênesis que indique que Esaú não era um adorador
verdadeiro, quando Jacó retornou para sua terra.
14 CRANFIELD, op. cit., p. 203.
15 “Observe também como Paulo conduz o argumento de Romanos 1-11
a um clímax conclusivo: “Pois Deus colocou todos sob a desobediência,
para exercer misericórdia para com todos" (Romanos 11.32, ênfase
acrescentada). Aqui a abrangência da intenção de Deus de ter misericórdia é
equivalente à abrangência da pecaminosidade humana, conforme indicado
pela repetição'da palavra todos. Se Paulo já estabeleceu em Romanos 1-3
que todos os seres humanos sem exceção estão em desobediência, então a
simetria da expressão paulina em Romanos 11.32 fortemente sugere que
Deus intenciona ter misericórdia em abrangência semelhante: sobre todos
os seres humanos sem exceção. Mesmo se aceitarmos que Paulo aqui esteja
se referindo aos judeus e gentios como grupo de pessoas, não devemos
imaginar que o desejo de Deus em demonstrar misericórdia fracassa em ser
aplicado a todo e cada indivíduo dentro de cada grupo. Afinal de contas,
Paulo estabelece que todos os seres humanos estão debaixo do pecado ao
argumentar que tanto gentios (Romanos 1.18-32 quanto judeus (Romanos
2.1 - 3.20) como grupo de pessoas estão debaixo do pecado. Se aceitarmos
a estratégia paulina de denunciar cada pessoa através de uma acusação do
grupo, então a consistência exige que concedamos que a mesma extensão
seja aplicada em relação à misericórdia de Deus, conforme Romanos 11.12
parece dizer” (WALLS; DONGELL, op. cit., pp. 49-50).

41
4. A ELEIÇÃO DA IGREJA
No capítulo anterior observamos o propósito fundamental de Deus na
escolha de Israel: trazer o Salvador ao mundo. A missão de Jesus Cristo é ex­
pressa com clareza no quarto evangelho: “Porquanto Deus enviou o seu Filho
ao mundo, não para que julgasse o mundo, mas para que o mundo fosse salvo
por Ele” (Jo 3.17). Deus não apenas escolheu o Seu Filho para salvar a huma­
nidade, e a nação de Israel para trazê-lo ao mundo. Deus escolheu também
um povo para si. Todos os que estão em seu Filho, Jesus Cristo, fazem parte
desse povo. A eleição é incondicional no que tange ao povo de Deus, mas
condicional no tocante às pessoas que são incluídas nesse povo. Isso significa
que, embora Deus tenha decidido na eternidade que todas as pessoas que esti­
vessem em Cristo fariam parte do povo predestinado à salvação, contudo, Ele
não escolheu quais pessoas individualmente fariam parte desse povo.
O povo escolhido por Deus é a Igreja1 - o “corpo de Cristo” (Ef
4.12). Paulo escreve aos colossenses: “Ele é a cabeça do corpo, da igreja”
(Cl 1.18). A relação entre Cristo e sua Igreja assemelha-se à união entre
a cabeça e o restante do corpo humano. Cristo, o eleito, é o cabeça; a
Igreja, seu corpo, é eleita nEle (Ef 1.4).
À semelhança de Israel, a eleição da Igreja também é corporativa.
O apóstolo Pedro, em evidente analogia com a nação escolhida, Israel,
expressa essa verdade:

Vós, porém, sois raça eleita, sacerdócio real, nação santa, povo de
propriedade exclusiva de Deus, a fim de proclamardes as virtudes
daquele que vos chamou das trevas para a sua maravilhosa luz; vós,
sim, que, antes não éreis povo, mas, agora, sois povo de Deus, que
não tínheis alcançado misericórdia, mas, agora, alcançastes miseri­
córdia” (1 Pe 2.9-10).

1 O uso de Igreja aqui, como a comunidade de todos os que já foram, os que


estão sendo, e os que ainda serão salvos por Jesus Cristo - a Igreja Universal
(Católica) - , não pretende suplantar o sentido local do termo aplicado as
diversas congregações cristãs no Novo Testamento.

43
THIAGOTITILLO

A comparação petrina entre Israel e a Igreja permite - ou, talvez, exija -


um desdobramento maior. Em Abraão Deus escolheu seus descendentes para
a formação do Israel étnico, a fim de trazer o Messias ao mundo; em Jesus Cris­
to, Deus escolheu os crentes - nascidos do Espírito - para a formação do seu
Israel espiritual - a Igreja predestinada à glória eterna. Enquanto o nascimento
físico garante a inclusão dos descendentes de Abraão na nação escolhida, o
novo nascimento garante a inclusão dos indivíduos no corpo do eleito, Jesus
Cristo. À semelhança de Israel, a Igreja também é eleita para o serviço. Pedro
destaca um dos seus propósitos fundamentais: “a fim de proclamardes as vir­
tudes daquele que vos chamou das trevas para a sua maravilhosa luz” (v. 9).
Mueller, comentando estes versículos, diz: “Os w. 9-10 apresentam uma
descrição da ‘identidade corporativa’ dos cristãos; aqui eles são vistos como
grupo, como coletividade, como comunidade e corpo de Jesus Cristo”.2
Poucos linhas antes, Pedro havia mencionado Jesus como o indiví­
duo eleito - “a pedra que vive... eleita e preciosa” (v. 4) - e os crentes
como “pedras que vivem” (v. 5). Assim, a linguagem do apóstolo nos
versos 4 -1 0 é fortemente corporativa.
A eleição corporativa da Igreja não é apresentada exclusivamente por Pe­
dro. É um conceito firmemente estabelecido pelos escritores do Novo Tes­
tamento. O apóstolo João inicia assim a sua segunda carta: “O presbítero à
senhora eleita [eklekte kuria] e aos seus filhos” (2 Jo 1). E encerra, dizendo: “Os
filhos da tua irmã eleita te saúdam” (v 13). A despeito das muitas especulações
sobre a identidade da “senhora eleita”,3John Stott comenta com lucidez:

E mais provável, porém, que a frase signifique uma personificação,


e não uma pessoa - não da igreja em geral, mas de alguma igreja
local sobre a qual a jurisdição do presbítero era reconhecida, sendo
seus filhos (1, cf. 4, 13) os membros individuais da igreja.4

2 MUELLER, op. cit, p. 134.


3 As principais sugestões foram: 1) Electa, sendo “senhora” (gr. kuria) um
tratamento carinhoso; 2) Kyria, a quem João chamava de “escolhida”
(eklekte); 3) Maria, a mãe do Senhor (cf. Jo 19.27); 4) Marta (aramaico para
“senhora”).
4 STOTT, 1982, pp. 172-173.
Sobre o versículo 13, ele diz: “A epístola termina com uma mensagem
de saudações da parte dos filhos da tua irmã eleita, isto é, dos ‘membros da
sua congregação-irmã’ (Alexander), a igreja de onde João está escreven­
do”."56Boice nos lembra que “uma saudação similar de ‘a nossa co-eleita
em Babilônia’ (também um final no singular e no feminino) ocorre apenas
poucas páginas antes, no Novo Testamento, em 1 Pedro 5 .13”.b
A descrição joanina das congregações locais como “senhora eleita” (v. 1)
e “tua irmã eleita” (v. 13) refletem o aspecto corporativo da eleição. Note que
a comunidade é descrita como eleita. Os membros não são descritos indivi­
dualmente dessa forma. São eleitos por fazerem parte da comunidade eleita.
Inácio de Antioquia - martirizado em Roma por volta de 110 d.C. - também
considerava a comunidade como povo eleito, objeto da predestinação divina
à glória. Em sua carta aos Efésios, ele diz na introdução:

Inácio, também chamado Teóforo, à Igreja que foi grandemente


abençoada com a plenitude de Deus Pai, predestinada antes dos
séculos para existir sempre, para uma glória que não passa, inaba­
lavelmente unida, escolhida na paixão verdadeira, pela vontade do
Pai e de Jesus Cristo, nosso Deus.7

O teólogo reformado Herman Ridderbos, após mencionar Efésios


1.5, Romanos 8.29 e Efésios 1.11, conclui: “Em todas essas passagens
fica evidente que a igreja era o objeto da predestinação e do conselho de
Deus, pelo fato de pertencer a Cristo”.8 Ridderbos teria aqui uma ótima
oportunidade de defender a predestinação de indivíduos para a salvação,
e em Efésios 1.11, especificamente, também para a perdição. Mas ele não

5 Ibid.,p. 185.
6 BOICE, 2011, p. 193.
7 In: FRANGIOTTI, 2002, p. 81. Ver também sua saudação aos tralianos:
“[...] à Igreja santa que está em Trália, na Ásia, eleita e digna de Deus |...|"
(ibid., p. 97). É interessante que quando sua carta é pessoal, como a que
escreveu a Policarpo, Inácio não se refere ao seu destinatário como eleito ou
predestinado (ibid., p. 121).
8 RIDDERBOS, 2013, p. 390.

48
THIAGOTITILLO

o faz. Pelo contrário, ele afirma que Paulo tem em vista nessas passagens
o corpo eleito de Cristo, a Igreja.9
Ridderbos prossegue falando da eleição corporativa da Igreja em
Cristo:

Tudo isso encontra uma expressão ainda mais repleta de significado


em que Deus, ‘antes da fundação do mundo’, escolheu a igreja para
si em Cristo (Ef 1.4). Aqui, trata-se, mais uma vez, como sempre
acontece com a eleição, não apenas de um decreto de Deus que só
vem a ser executado mais tarde, mas da verdadeira apropriação da
igreja para si antes da fundação do mundo. Nas palavras ‘em Cristo’
vê-se como isso é possível, e como se deve entender essa expressão.
Nessa passagem, Paulo também fala da inclusão da igreja em Cristo.
Em seu caráter presente, apesar de ainda estar na terra, ela recebeu,
em Cristo, um lugar no céu (Ef 2.6) e, desse modo participa em
Cristo das bênçãos celestiais (Ef 1.3) de modo que - Paulo faz essa
ligação expressamente - ela já foi unida com o Cristo preexisten­
te e assim, nele foi escolhida por Deus. Paulo determina que essa
preexistência é a origem da inclusão da igreja em Cristo e de sua
existência corporativa nele. Assim como sua vida está oculta em
Deus com o Exaltado (Cl 3.3), também sua eleição nele antes da
fundação do mundo. Até mesmo nesse momento pode-se falar da
igreja estando em Cristo e, desse modo, de sua eleição naquele que
Deus propôs segundo o beneplácito da sua vontade, com efeito,
naquele que pode ser referido como ‘conhecido por Deus antes da
fundação do mundo’ (1 Pe 1.20).10

9 É verdade que mais adiante Ridderbos diz que Paulo, em Efésios 1.11, tem
em vista “a igreja como tendo sido predestinada para a glória futura”, mas
prossegue dizendo que tudo o que é dito nessa passagem sobre o propósito
divino em relação à igreja “encontra-se dentro do contexto maior do conselho
de Deus, o Criador e Consumador de todas as coisas” (ibid.). Permanece,
porém, o fato de que Ridderbos concorda que a predestinação mencionada
em Efésios 1,5, 11 e em Romanos 8.29 tem como objeto a Igreja.
10 Ibid.

46
àmmm
O próprio Calvino reconheceu o caráter corporativo da eleição. Em
suas Instítutas, IV 1.2, ele diz: “De tal modo os eleitos de Deus estão uni­
dos em Cristo que, assim como dependem todos de uma única Cabeça,
do mesmo modo constituem um só corpo, unidos por ligaduras seme­
lhantes àquelas que há nos membros do corpo humano”.11 Mas a defini­
ção de “predestinação” oferecida por Calvino1112 exclui qualquer condição
para a eleição de indivíduos, submetendo assim a eleição corporativa à
eleição pessoal e incondicional.
Não é incomum escritores calvinistas criticarem a eleição corpo­
rativa conforme defendida pela teologia arminiana. Embora a maioria
dos teólogos reconheça o caráter corporativo da eleição, nem todos os
teólogos calvinistas estão dispostos a admiti-lo. E mesmo aqueles que
o admitem, não estão dispostos a reconhecer o seu aspecto primário,
como o próprio Calvino deixou de reconhecer. Alguns opositores acu­
sam a perspectiva arminiana de ser inconsistente. Alegam que a eleição
corporativa pressupõe eleição individual, do contrário, seria uma mera
escolha de um grupo abstrato, cujos membros serão completados pos­
teriormente sem qualquer controle da parte de Deus.13
Mas uma analogia entre a Igreja e a nação de Israel é suficiente para
refutar esta objeção. Deus escolheu Abraão para ser o cabeça corporativo
da nação. Deus disse a ele: “de ti farei uma grande nação” (Gn 12.2). É
interessante que Deus escolheu o grupo antes dos seus membros serem
completados. Na verdade, Deus escolheu a nação antes de haver nação.
Se a escolha do corpo corporativo de Cristo - o eleito - , antes dos seus
membros serem completados, faz da eleição da Igreja uma mera escolha

11 CALVINO, 2009, p. 467.


12 Cf. capitulo 1 - Eleição e predestinação. Ibid., III.21.5, p. 380.
13 SCHREINER, Thomas. Does Romans 9 Teach Individual Election unto
Salvation? Some Exegetical and Jheological Reflections. In: Journal of the
Evangelical Theological Society 36/1. Mar. 1993, pp. 25-40. Para uma
competente refutação arminiana a esta objeção ver: KLEIN, William W É
a eleição corporativa uma mera eleição virtual? Tradução: Cloves Rocha dos
Santos. Disponível em: <www.arminianismo.com> Acesso em 20 de julho
de 2015.

47
THiAGOTITILLO

de um grupo abstrato, a escolha divina de Israel também deve ser assim


considerada.
O apóstolo Paulo demonstra aos cristãos efésios o caráter cor­
porativo da eleição, que se dá unicamente em associação com o corpo
eleito, do qual Cristo é o cabeça:

Bendito o Deus e Pai de nosso Senhor Jesus Cristo, que nos tem
abençoado com toda sorte de bênção espiritual nas regiões celes­
tiais em Cristo, assim como nos escolheu, nele, antes da fundação
do mundo, para sermos santos e irrepreensíveis perante ele; e em
amor nos predestinou para ele, para a adoção de filhos, por meio
de Jesus Cristo, segundo o beneplácito de sua vontade (Ef 1.3-5).

Robert Shank faz menção a diversos exegetas acerca de Efésios 1.3-5:

A natureza corporativa da eleição tem sido observada por muitos.


No comentário de Efésios 1.4, citado anteriormente, Lightfoot es­
creve, ‘A eleição de Cristo envolve implicitamente a eleição da igre­
ja’. Westcott comenta sobre Efésios 1.4, ‘exelexato, Ele nos escolheu
(i.e. cristãos como um corpo, v. 3) para si mesmo fora do mundo’.
Bloomfield comenta sobre Efésios 1.5, ‘... o apóstolo não faz aqui
referência alguma à eleição pessoal de indivíduos...’. Lange comenta
sobre Efésios 1.3: ‘[...] ‘nós’ deve ser entendido em seu significa­
do mais amplo [...] e não deve ser limitado ao apóstolo [...] nem
aos cristãos judeus, mas se aplica a Seu povo, todos os homens, os
quais já se tornaram ou se tornarão cristãos.

Obviamente, o organismo corporativo de eleitos é compreendido


de indivíduos. Mas a eleição é primariamente corporativa, e se­
cundariamente particular. A tese de que a eleição é corporativa,
conforme Paulo entendia e visualizava na doxología efésia, é fun­
damentada em todo o contexto de sua epístola: Fazer convergir em
à^MmÈ
Cristo todas as coisas... Redenção daqueles que pertencem a Deus...
Herança Dele nos santos... A Igreja, que é o seu corpo... O Qual de
ambos fez um... Criar em si mesmo, dos dois, um novo homem...
Reconciliar com Deus os dois em um corpo... A família de Deus...
Todo o edifício bem ajustado... Um santuário santo... Juntamente
edificados, para se tornarem morada de Deus... Do mesmo corpo...
Mistério que [agora revelado], a Igreja [como cumprimento do]
eterno plano que Ele realizou em Cristo Jesus, nosso Senhor... Do
qual recebe nome toda a família nos céus e na terra... Glória na
Igreja por Cristo Jesus, por todas as gerações... Um só corpo... O
corpo de Cristo... Todo o corpo, ajustado e unido... Crescimento
do corpo... Somos membros de um mesmo corpo... Cristo é o ca­
beça da Igreja... Corpo, do qual Ele é o Salvador... Cristo amou a
Igreja e entregou-se a si mesmo por ela... Para santificá-la, tendo-a
purificado pelo lavar da água mediante a palavra e apresentá-la a si
mesmo como Igreja gloriosa... Os dois se tornarão uma só carne...
Refiro-me, porém, a Cristo e à Igreja.14

Howard Marshall diz sobre o versículo 4:

[...] nada é dito aqui sobre indivíduos, mas Paulo simplesmente diz
que Deus escolheu ter um povo santo, consistindo em filhos adoti­
vos. A explicação para o autor ter afirmado que Deus ‘nos’ escolheu
é que ele estaria falando do ponto de vista dos que experimentaram
a graça a e a adoção, isto é, das pessoas nas quais o plano divino se
realizou.15

É significativo que o apóstolo tenha usado a preposição grega en


(em), e não eis (para) - “em ele” (“nele”), e não “para ele” - neste versí­
culo. Não se trata da escolha de indivíduos para estar em Cristo, mas da
escolha de um corpo coletivo em Cristo. Que Paulo tinha em mente a

14 SHANK, op. cit., pp. 45-46.


15 MARSHALL, 2007, p. 331, nota de rodapé 7.

48
THIAGOTITILLO

eleição corporativa da Igreja em Cristo é evidente, visto que “o foco de


Efésios é o mistério da igreja”.1'1 No capítulo 3, o apóstolo dos gentios
revela o mistério mencionado anteriormente - em 1.9 “a saber, que
os gentios são coerdeiros, membros do mesmo corpo e coparticipantes
da promessa em Cristo Jesus por meio do evangelho” (3.6). O tema da
união entre judeus e gentios num só corpo em Cristo também é desen­
volvido em 2 .1 1 -2 2 . Boa parte da carta aos Efésios é dedicada a esse
assunto.
O prenuncio que Paulo faz do “mistério” de 3 .3-6 em 1.9 apresenta-
-se como um forte indicativo de que, ao usar o pronome “nos” no capítu­
lo primeiro (w. 4, 5, 6, 9), bem como o verbo na primeira pessoa do plu­
ral (“temos”, v. 7), ele tinha em mente o corpo de Cristo como um todo.
No texto grego a Igreja ( ekklesía ) é mencionada nove vezes em Efé­
sios (1.22; 3.10, 21; 5.23, 24, 25, 27, 29, 32), e diferentes metáforas são
usadas para se referir a ela: 1) biológica (corpo de Cristo: 1.22-23; 2.16;
4.4 , 12, 16; 5.23, 30); 2) da arquitetura (o templo santo: 2.20-22; 4.12,
16); 3) social (a noiva: 5 .2 1 -2 3 ).1617 Isso fortalece a ideia de que a priori­
dade de Paulo está no aspecto corporativo, e não individual.
Mas será que o próprio Senhor Jesus tem algo a falar sobre a eleição
corporativa de um povo? Eu penso que sim. Mateus é o único evangelho
em que a palavra ekklesía é usada. Nele, o Senhor fala da Igreja como co­
munidade messiânica sobre a qual as “portas da morte” (gr. pulai hadou )
não terão êxito:

Indo Jesus para os lados de Cesareia de Filipe, perguntou a seus


discípulos: Quem diz o povo ser o Filho do Homem? E eles respon­
deram: Uns dizem: João Batista; outros: Elias; e outros: Jeremias
ou algum dos profetas. Mas vós, continuou ele, quem dizeis que
eu sou? Respondendo Sião Pedro, disse: Tu és o Cristo, o Filho
do Deus vivo. Então Jesus lhe afirmou: Bem-aventurado és, Simão
Barjonas, porque não foi carne e sangue que to revelaram, mas meu

16 Bíblia de Estudo de Genebra, op. cit., p. 1399.


17 PATZIA, 1995, p. 129.
ãrnmm
w è-------------------

Pai, que está nos céus. Também eu te digo que tu és Pedro, e sobre
esta pedra edificarei a minha igreja, e as portas do inferno não pre­
valecerão contra ela (Mt 16.13-18).

A resposta de Pedro à pergunta de Jesus aos Doze (“Mas vós”, v. 15)


revela corretamente Sua identidade messiânica: “Tu és o Cristo, o Filho
do Deus vivo” (v. 16). A afirmação de Jesus testemunha que esse conheci­
mento não poderia ter origem em um ser mortal (“carne e sangue”, v. 17),
mas no próprio Deus Pai. Através de um trocadilho, Jesus “esclareceu que
a fé por ele expressa era a rocha sobre a qual Ele edificaria a Sua igreja, a
igreja do Deus vivo, que os poderes da morte jamais poderiam derrotar”.18
A concepção de Jesus sobre a Igreja é inequívoca: trata-se da comunidade
messiânica, formada por aqueles que, à semelhança de Pedro, confessam
Jesus Cristo como o Filho de Deus. O bispo J. C. Ryle (1816-1900) co­
menta essa passagem em suas Meditações no evangelho de Mateus:

“[...] tenhamos certeza de haver compreendido o que o nosso Senhor


quer dizer, quando fala sobre a sua igreja. A igreja que Jesus prometeu
edificar sobre a rocha é a ‘bem-aventurada companhia de todos os
fiéis’. Não se trata da igreja organizada e visível em qualquer nação,
estado ou localidade. Pelo contrário, a igreja é um corpo, formado
por crentes de todas as épocas, povos e línguas. Ela é composta
por todos quantos foram lavados no sangue de Cristo, que foram
revestidos da justiça de Cristo, renovados pelo Espírito de Cristo,
unidos a Cristo pela fé, sendo epístolas vivas de Cristo. É uma igreja
onde todos os membros são batizados no Espírito Santo, sendo real

18 TASKER, 1980, p. 126. Essa interpretação tem o apoio de Agostinho.


Alguns, no entanto, tem sugerido que a “pedra” é o próprio Jesus Cristo.
Apelam para a distinção grega entre petros (masculino) e petra (feminino),
argumentando que o feminino petra não poderia servir como nome
masculino. Argumentam também que petros significa apenas “pedra”,
enquanto petra significa “rocha”. Toda essa distinção perde a força quando
se recorre à base aramaica. Jesus, na verdade, disse: “Tu és Kêpâ’, e sobre
esta kêpâ’ edificarei a minha igreja”. Nenhuma diferença linguística eniie
“Pedro” e “pedra” existiu na fala original de Jesus.

51
THiAGOTITILLO

e verdadeiramente santos. Essa igreja forma um corpo. Os que a ela


pertencem estão unidos em atitudes e pensamentos, defendem as
mesmas verdades e creem nas mesmas doutrinas básicas da salva­
ção. A igreja tem apenas uma Cabeça que é o próprio Senhor Jesus
Cristo. ‘Ele é a cabeça do corpo, da igreja...’ (Cl 1.18).19

Ryle capta a visão que Jesus tinha da sua Igreja: a “bem-aventurada


companhia de todos os fiéis”, isto é, o povo do Messias. Sobre este povo,
o próprio Messias diz: “os poderes da morte não prevalecerão”. Embora
Jesus se dirija a Pedro, a promessa tem como objeto o corpo:

O corpo místico de Cristo jamais perecerá, nem decairá. Embora


muitas vezes perseguida, afligida, assediada e humilhada, a igreja
jamais desaparecerá. Ela há de sobreviver à ira de faraós e impe­
radores romanos. Uma igreja visível como a de Éfeso, pode vir a
desaparecer, mas, a igreja verdadeira nunca morre. Tal como a sarça
que Moisés viu, ela pode queimar, mas nunca será consumida. Cada
um dos seus membros será levado com segurança à glória eterna.
A despeito de quedas, fracassos e falhas, a despeito do mundo, da
carne e do diabo, nenhum membro da verdadeira igreja perecerá
Co 10.28).20

Os apóstolos Pedro, João e Paulo mantinham essencial concordância


com Jesus: o propósito divino é salvar o seu povo. E os indivíduos são
salvos somente quando, em união com Cristo, tornam-se parte desse

povo.

19 RYLE, 2002, pp. 129-130.


20 Ibid., p. 130. Note que Ryle fala da segurança com que cada um dos
membros do corpo será levado à glória eterna. Isso está de acordo com
a definição de predestinação proposta no primeiro capítulo: o propósito
determinado por Deus desde a eternidade para o seu povo. Depreende-se
daí que “nenhum membro da verdadeira igreja perecerá”, isto é, todos os
que verdadeiramente estão em Cristo serão conduzidos em segurança ao
glorioso destino dos santos.

52
4RMNIANISMO
5. A ELEIÇÃO DE INDIVÍDUOS
A expressão paulina “em Cristo” aparece 106 vezes nas suas
epístolas. Somadas às suas equivalentes “no Senhor” e “nEle”, o número
aumenta para 160 vezes (36 das quais apenas em Efésios).1 No capítulo
anterior foi observado que Deus escolheu desde a eternidade um povo
para si, embora não tenha escolhido pessoalmente quem faria parte des­
se povo. O apóstolo diz: “Bendito o Deus e Pai de nosso Senhor Jesus
Cristo, que nos tem abençoado com toda sorte de bênção espiritual nas
regiões celestiais em Cristo, assim como nos escolheu, nele, antes da fun­
dação do mundo” (Ef 1.4). Estar “em Cristo” apresenta-se como a condi­
ção para fazer parte do povo eleito.
No capítulo 8 de Romanos, Paulo relaciona diversas vezes a salvação
ao estar “em Cristo”. Os que “estão em Cristo” estão livres da condenação
(v. 1). Somente “em Cristo” o pecador está livre da lei do pecado e da mor­
te (v. 2). A vida no Espírito depende, necessariamente, de estar em Cristo
(w. 9-10).12 O próprio amor de Deus, experimentado pelo seu povo, “está
em Cristo Jesus, nosso Senhor” (v. 39). Paulo fala na mesma epístola sobre
Andrônico e Júnias, que “estavam em Cristo” antes dele (16.7), numa clara
referência à salvação. Mas o que significa “estar em Cristo”?

1 Bíblia de Estudo Pentecostal, 1995, p. 1807. Donald C. Stamps sobre Efésios


1. 1.
2 “Se, porém, Cristo está em vós, o corpo, na verdade, está morto por causa do
pecado, mas o espírito é vida, por causa da justiça” (v. 10). Quando Paulo
diz “se, porém, Cristo está em vós”, isso corresponde a dizer: “se, porém,
vós estais em Cristo”, conforme Jesus ensinou em João 14.20: “Naquele
dia, vós conhecereis que eu estou em meu Pai, e vós, em mim, e eu, em vós".
O “espírito” deve ser entendido como o Espírito de Deus, e não o espirito
humano. A palavra pneuma no contexto imediato é usada para se referir ao
Espírito Santo. E E Bruce parafraseou esse versículo em seu comentário
“Se Cristo habita em vocês, então, embora o seu corpo esteja ainda su|eito
àquela morte temporal que é consequência do pecado, o Espírito que lar
morada em vocês, o Espírito vivo e vivificante, dá-lhes aquela vida eleina
que é consequência da justificação” (BRUCE, 1979, p. 13 1).
THIAGOTITILLO

Estar “em C risto” é estar em uma união redentora com Ele, re­
cebendo assim todos os benefícios da salvação. A condição sine qua
non para a salvação do indivíduo é a fé em Jesu s Cristo: “Quem nele
crê não c julgado; o que não crê já está ju lgad o, porquanto não crê
no nome do unigênito Filho de D eus” ( J ° 3 .1 8 ). No prólogo do
mesmo evangelho se lê: “Veio para o que era seu, e os seus não o
receberam . Mas, a todos quantos o receberam , deu-lhes o poder de
serem feitos filhos de Deus, a saber, aos que creem no seu nom e”
(Jo 1 .1 1 -1 2 ).
Retomando o pensamento paulino, especificamente, em Romanos,
seu tema principal é a justificação pela fé: “Pois não me envergonho do
evangelho, porque é o poder de Deus para a salvação de todo aquele
que crê, primeiro do judeu e também do grego; visto que a justiça de
Deus se revela no evangelho, de fé em fé, como está escrito: O justo
viverá por fé” (Rm 1 .1 6 -1 7 ). No capítulo 4, o apóstolo Paulo menciona
Abraão e Davi como exemplos veterotestamentários da doutrina, e ini­
cia o capítulo 5 afirmando: “Justificados, pois, mediante a fé, temos paz
com Deus por meio de nosso Senhor Jesus Cristo” (v. 1). As passagens
bíblicas sobre esta condição à salvação são abundantes (G1 3 .2 6 ; 5.6;
Ef 2 .8 ; Cl 2 .1 2 ; At 16.31). A fé, portanto, é a condição básica para a
união com Cristo.
A Bíblia também apresenta o arrependimento como condição para a
salvação do pecador (At 2.38; 3.19; 17.30). Mas deve-se ter o cuidado
de não separar a fé do arrependimento, como se fossem duas realidades
separadas uma da outra. Millard Erickson diz:

A conversão é um ato único que possui dois aspectos distintos mas


inseparáveis: o arrependimento e a fé. Arrependimento é o ato de
o incrédulo dar as costas para o pecado, e fé, seu ato de voltar-se
para Cristo. São, respectivamente, o aspecto negativo e o positivo
do mesmo acontecimento. Em certo sentido, um é incompleto sem
o outro, e um é motivado pelo outro. Quando tomamos consciência
do pecado e o deixamos, vemos a necessidade de nos voltar para
Cristo para sermos providos de sua justiça. Por outro lado, a fé em
Cristo torna-nos conscientes de nosso pecado e, portanto, nos leva
ao arrependimento.1

Norman Geisler segue o mesmo raciocínio:

[...] existe uma ligação íntima entre fé e arrependimento, como os


dois lados da mesma moeda. Em vez de serem dois atos separados
- o que viola o princípio protestante (e bíblico) da exclusividade da
fé (sola fide) - tanto a fé, quanto o arrependimento são necessários
para a salvação, no entanto, cada um faz parte de um ato salvífico
pelo qual a pessoa recebe o dom da vida eterna. A fé implica uma
espécie de compromisso e confiança em Cristo que, naturalmente,
operam uma mudança na vida da pessoa. De modo semelhante, o
arrependimento verdadeiro (uma mudança real nossa mente acerca
do pecado e a respeito do nosso entendimento de quem é Cristo
- ou seja, o nosso Salvador) também afeta o rumo da nossa vida.

Como já vimos, a fé e o arrependimento são inseparáveis da mesma


forma que uma ordem de ‘venha aqui’ não pode ser cumprida sem
que se ‘saia de lã’. A fé genuína e o arrependimento na salvação de
uma pessoa envolvem a aceitação do certo e a rejeição do errado -
uma não pode ser exercida sem a outra. O arrependimento genuíno
diante dç Deus contém a fé, e a fé verdadeira em Deus implica o
arrependimento. De modo semelhante, existe somente uma condição
para o recebimento do carisma da salvação: a fé salvífica (o tipo de fé
que implica o arrependimento).34

A pregação de Jesus na Galileia coloca o arrependimento e a fé como


dois elementos inseparáveis, que são necessários à salvação: “O tempo
está cumprido, e o Reino de Deus está próximo; arrependei-vos e crede
no evangelho” (Mc 1.15).

3 ERICKSON, 1997, p. 394.


4 GEISLER, 2010b, pp. 420-421.
THiAGOTITILLO

Estar “em Cristo” pressupõe fé e arrependimento: “No arrependi­


mento, fé e conversão o pecador é levado até Cristo e unido a Ele pelo
Espírito Santo”.'1 Desta forma, a conversão mediante a fé e o arrependi­
mento é a condição para o pecador ser unido a Cristo. Ferreira e Myatt
dizem com aprovação: “Morey acertou quando disse que ‘em Cristo’ é o
lema de Paulo”.56 Mas, surpreendentemente, eles concluem após mencio­
narem alguns versículos de Efésios 1 e 2: “Enfim, nossa união em Cristo
é alicerçada na eleição”,7 tornando a eleição o tema de Paulo, e não o
estar “em Cristo”. A conclusão natural deveria ser: “Enfim, nossa eleição
é alicerçada na união em Cristo”.
Armínio enfatizou o aspecto condicional da salvação em sua Decla­
ração de sentimentos:

O segundo decreto preciso e absoluto de Deus é aquele em que Ele


decretou receber aqueles que se arrependerem e crerem, e, em Cristo,
por causa dEle e por meio dEle, para efetivar a salvação de tais
penitentes e crentes que perseverarem até o fim, mas deixar em
pecado, e sob a ira, todas as pessoas impenitentes e incrédulas,
condenando-as como alheios a Cristo.8

O primeiro artigo da Remonstrância (protesto; representação) - do­


cumento produzido em 1610, um ano após a morte de Armínio, por um
grupo de seguidores9 - também enfatiza a condicionalidade da salvação:

Que Deus, por um eterno e imutável plano em Jesus Cristo, seu


Filho, antes que fossem postos os fundamentos do mundo, de-

5 SEVERA, 1999, p. 286.


6 FERREIRA; MYATT, 2007, p. 730.
7 Ibid.
8 ARMÍNIO, 2015a, pp. 236-237.
9 Para maiores informações sobre a Remonstrância e os remonstrantes, indico
o capítulo 4 da obra: RODRIGUES, op, cit., pp. 61-73. Uma apresentação
mais introdutória pode ser encontrada em: MARIANO, Wellington. O que é
teologia arminiana? São Paulo: Reflexão, 2015, pp. 17-21.

56
íp ilM Q
terminou salvar, de entre a raça humana que tinha caído no pe­
cado - em Cristo, por causa de Cristo e através de Cristo - aque­
les que, pela graça do Santo Espírito, crerem neste seu Filho e
que, pela mesma graça, perseverarem na mesma fé e obediência
de fé até o fim; e, por outro lado, deixar sob o pecado e a ira os
contumazes e descrentes, condenando-os como alheios a Cristo,
segundo a palavra do Evangelho em João 3.36 e outras passa­
gens da Escritura.10

Mas como Deus pode escolher um povo desde a eternidade, e pla­


nejar seu destino? A Bíblia diz que Deus é eterno: “Antes que os montes
nascessem e se formassem a terra e o mundo, de eternidade a eternidade,
tu és Deus” (SI 90.2). Deve-se, porém, evitar o pensamento simplista de
que Deus não tem começo nem fim no tempo. Isso forçosamente nos
levaria à conclusão de que o próprio tempo é coeterno com Deus, não
sendo Sua criação. A eternidade de Deus é muito mais do que isso. Ele
se apresentou a Moisés dizendo: “EU SOU O QUE SOU” (Êx 3.14). Deus
transcende o tempo, pois Ele criou o tempo. Por isso, Ele não está limi­
tado à categoria espaço-temporal.
Assim, Deus não precisa esperar que os pecadores se arrependam e
creiam em Cristo para, somente depois, escolhê-los. Ele pode escolher
seu povo e planejar seu destino antecipadamente porque para Deus tudo
acontece num “eterno agora”. Seu conhecimento é perfeito, e a Bíblia em
diversas passagens argumenta que isso demonstra Sua divindade. É o
próprio Deus fala por intermédio de Isaías:

Lembrai-vos das coisas passadas da antiguidade: que eu sou Deus,


e não há outro, eu sou Deus, e não há outro semelhante a mim; que.
desde o princípio anuncio o que há de acontecer e desde a antigui­
dade, as coisas que ainda não sucederam; que digo; o meu conselho
permanecerá de pé, farei toda a minha vontade (Is 46. 9-10 - cf. tb.
41.21-26; 44.6-8).

10 BETTENSON, 2007, p. 373.

57
THIAGOTITILLO

Amparado no testemunho bíblico, Armínio podia dizer que o decre­


to eterno de Deus com respeito à salvação e a condenação de indivíduos
era baseado na presctência de Deus:

A estes sucede o quarto decreto, pelo qual Deus decretou salvar


e condenar certas pessoas em particular. Este decreto tem o seu
embasamento na presciência de Deus, pela qual Ele sabe, desde
toda a eternidade, quais indivíduos, por meio de sua graça pre­
ventiva, creriam , e por sua graça subsequente, perseverariam, de
acordo com a administração previamente descrita dos meios que
são adequados e apropriados para a conversão e a fé; e, do mesmo
modo, pela sua presciência, Ele conhecia aqueles que não creriam,
nem perseverariam.11

É o próprio apóstolo Paulo que diz: “Porquanto aos que de ante­


mão conheceu, também os predestinou para serem conformes à ima­
gem de seu Filho, a fim de que ele seja o primogênito entre muitos
irm ãos” (Rm 8 .2 9 ). Este versículo foi analisado brevemente no pri­
meiro capítulo, mas agora se faz necessário observá-lo mais detalha­
damente.
Já vimos que a tradição calvinista argumenta que o verbo proginõskõ
(e cognatos) em passagens relacionadas à eleição e à predestinação signi­
fica “amor eletivo”. Alguns arminianos concordam com isso, mas discor­
dam da conclusão que os exegetas calvinistas tiram a partir daí. Donald
Stamps, teólogo arminiano pentecostal, diz que

conhecer de antemão é o equivalente a amar de antemão e é usado


no sentido de ‘ter como objeto de estima afetiva’ e ‘optar por amar
desde a eternidade’ [...] O objeto da presciência (ou do amor eter­
no) de Deus aparece no plural e refere-se à igreja. Isso significa que
o amor eterno de Deus objetiva, principalmente, o corpo coletivo
de Cristo (Ef 1.4; 2.4; 1 Jo 4.19) e somente tem a ver com indiví-

11 ARMÍNIO, 2015a, p. 227.


4 p ilS f i
duos à medida que estes integram esse corpo coletivo, mediante a fé
permanente em Cristo e a sua união com Ele (Jo 15.1-6).12

Paulo estaria, então, se referindo à eleição corporativa incondicional,


e não à eleição de indivíduos.
Dale Moody, também arminiano, concorda que “conhecer e amar
muitas vezes tem o mesmo significado nas Escrituras” e que o verbo
“é frequentemente um termo usado para as relações sexuais íntimas”.1314
Todavia, não interpreta a passagem como uma referência à eleição cor­
porativa da Igreja. Para ele, Paulo se refere às pessoas que reagem amoro­
samente ao amor de Deus: “Sabemos que em todas as coisas Deus opera
para o bem dos que o amam” (v. 28a, Revised Satndard Version).

Muitos dos comentários depreciam a ênfase no amor do homem por


Deus, mas essa maneira de pensar é tendenciosa. É claro que Deus amou
o homem antes de o homem amar a Deus, mas Deus opera o seu propó­
sito apenas naqueles que reagem de maneira positiva ao seu amor. Deus
derrama o seu amor nos corações daqueles que reagem com fé (5.5).H

Mas será que o contexto limita o verbo proginõskõ ao sentido propos­


to pela tradição calvinista? Será que o contexto exige que a passagem seja
compreendida como uma eleição corporativa da Igreja?
Responderemos primeiramente à segunda pergunta. Diferentemente
da carta aos Efésios, cujo tema principal é o mistério da Igreja, Romanos
tem como tema a justiça de Deus em seus variados aspectos. Nos capítulos
5 ao 8, Paulo trabalha a justiça de Deus revelada numa salvação que sig­
nifica vida nova e justiça. As seguintes ênfases podem ser percebidas: ca­
pítulo 5 - salvação como reconciliação; capítulo 6 - salvação como santi­
ficação; capítulo 7 - salvação como libertação; capítulo 8 - salvação como

12 Bíblia de Estudo Pentecostal, 1995, p. 1713, Donald C. Stamps sobre


Romanos 8.29.
13 MOODY, m: ALLEN, 1987, p. 260.
14 Ibid.,p. 259.

59
THIAGOTITILLO

filiação.15 Em todas essas ênfases, o apóstolo tem em vista indivíduos. In­


divíduos que formam um grupo, é verdade. Mas ainda assim, indivíduos.
E quanto à primeira pergunta? Nada há no texto que exija um enten­
dimento diferente do verbo proginôskõ do que o seu significado comum
no grego clássico. “A ‘presciência’ de Deus envolve a Sua graça eletiva,
mas não impede a vontade humana. Ele ‘conhece de antemão’ o exercício
da fé que traz salvação”.16
Armínio, em Um exame do tratado de William Perkins, oferece sua res­
posta à compreensão de que “os que dantes conheceu” são “aqueles a quem
Ele amou previamente”. Ele diz: “Deus ‘não pode amar previamente e consi­
derar, afetuosamente, como seu’ a nenhum pecador, a menos que Ele o co­
nheça previamente, em Cristo, e o considere como um crente em Cristo”.17
Norman Geisler diz que “há evidências seguras de que ‘pré-conhecer’
não significa ‘escolher’ ou ‘eleger’ na Bíblia”.18 Ele continua:

Muitos versículos usam a mesma raiz grega (ginosko) para conhe­


cimento de pessoas onde não há relacionamento pessoal: Mateus
25.24 - ‘Eu sabia que o senhor é um homem severo, que colhe
onde não plantou e junta onde não semeou’; João 2.24 - ‘Jesus não
se confiava a eles, pois conhecia a todos’; João 5.42 - ‘Sei que vocês
não têm o amor de Deus’ (cf. Jo 1.47; SI 139.1, 2, 6).

Além disso, ‘conhecer’ usualmente não significa ‘escolher’, nem no


Antigo nem no Novo Testamento. Das 770 vezes em que a palavra
hebraica ‘conhecer’ (yada ) é usada no hebraico do Antigo Testa­
mento, o texto grego do Antigo Testamento, a LXX, a traduz pela
palavra grega ginosko cerca de quinhentas vezes. E no Novo Testa­
mento essa palavra é usada cerca de 220 vezes, sendo que a vasta
maioria delas não significa escolher. [...]

15 HALE, 2002, pp. 216-217.


16 VINE; UNGER; W HITEJR., op. cit., p. 493.
17 ARMÍNIO, 2015c, p. 303.
18 GEISLER, 2001, p. 79.

60
ápIWIiSMO
Mais do que isso, ‘pré-conhecer’ (progínosko em grego) é usado no
Novo Testamento para um conhecimento antecipado dos eventos:
‘Amados, sabendo disso, guardem-se para que não sejam levados
pelo erro dos que não têm princípios morais, nem percam a sua
firmeza e caiam’ (2 Pe 3.17; cf. At 2.23; 1 Pe 1.18-20) Assim, a
equiparação que os calvinistas extremados fazem entre conhecer de
antemão e amar de antemão não pode acontecer.19

É interessante que o próprio Agostinho, o primeiro teólogo


a lançar as bases da predestinação absoluta na história da Igreja,20
escreveu em sua Explicação de algumas proposições da Carta aos
Romanos, sobre 8 .2 8 -3 0 :

Com efeito, nem todos os que foram chamados foram chamados


segundo seu desígnio, pois esse desígnio diz respeito à presciên-
cia e predestinação de Deus. E não predestinou alguém, a não ser
aquele que de antemão conheceu que acreditaria em seu chamado
e o seguiría, o qual ele denomina eleito. De fato, muitos não vêm ao
ter sido chamados; mas ninguém vem se não tiver sido chamado”.21

Esta era a interpretação comum dos pais da Igreja. João Crisóstomo,


um dos mais cultos pais de língua grega e grande expositor da escola
antioquena de interpretação das Escrituras, em sua Homília sobre a (úu Ia

19 Ibid., pp. 79-80. A expressão “calvinistas extremados” é uma relcrem ta


aos calvinistas em geral. Geisler atribui tal rótulo a eles porque ele moMiio
quer se classificar como “calvinista moderado” em oposição ao que
batizou de “calvinistas extremados”. Para isso, ele redefine a lei mmologia
teológica tradicional, de maneira que, mesmo sendo armmiuno, possa se
classificar assim.
20 Para melhor compreender a mudança teológica de Agostinho, introduzindo
a ideia determinista de predestinação na teologia crista, consultar minha
obra: A gênese da predestinação na história da Icoloyia <tis/u. í hna análise do
pensamento agostiniano sobre o pecado c a yjai.il Sao Paulo: Ponte editorial,
2014.
21 AGOSTINHO, 2009, p.

61
■ü TITULO

àe Romanos, diz sobre o versículo 29: “Os homens, de fato, retiram suas
opiniões dos fatos; Deus já outrora o via e em nosso favor se inclinara”.22
É bastante razoável admitir que um cristão da antiguidade, cuja lín­
gua nativa é o grego, estava mais apto a compreender corretamente o
significado de uma palavra do Novo Testamento em seu contexto. E cer­
tamente Crisóstomo não foi o único pai grego a interpretar a passagem
desta forma. Pelo contrário, toda a patrística pré-agostiniana se inclinava
à visão de que tanto a eleição quanto a reprovação estavam baseadas na
presciência de Deus das escolhas humanas livres. Justino Mártir, Irineu,
Teodoreto e Orígenes são apenas alguns exemplos.
Jack Cottrell apresenta com fidelidade o pensamento paulino nesta
passagem:

Sabemos que Deus opera todas as coisas para o bem daqueles que
o amam e são chamados para a sua família eterna de acordo com o
seu propósito. Como sabemos disto? Porque, tendo pré-conhecido
desde a eternidade que eles o amariam, ele já os predestinou a este
estado de glória eterna! Dessa forma, podemos estar certos de que as
provações temporárias desta vida não são capazes de invalidar o que
o Deus Todo-Poderoso já predestinou que irá ocorrer! Antes, ele as
usa de forma a nos preparar para desfrutar a eternidade ainda mais.23

Conclui-se que o apóstolo está falando da escolha de indivíduos para


a sua família, e tal escolha se fundamenta no conhecimento prévio que
Deus tem daqueles que responderíam à sua graça com amor. O amor a
Deus, obviamente, pressupõe o tipo de fé que implica o arrependimento,
condição necessária para estar “em Cristo”. Os que amam a Deus, como
membros do seu povo, são predestinados à glorificação final em confor­
midade com a imagem do Cristo glorificado.

22 CRISÓSTOMO, 2010, p. 292.


23 COTTRELL, Jack. Predestinação e pré-conhecimento: Comentário sobre
Romanos 8.29. Tradução: Paulo Cesar Antunes. Disponível em: <www.
arminianismo.com> Acesso em 09 de julho de 2015.

62
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®' ............................

6. ANÁLISE DE PASSAGENS DIFÍCEIS DAS


ESCRITURAS
Algumas passagens difíceis da Bíblia são reclamadas pelos teólogos
deterministas para provar as doutrinas da eleição e reprovação incondi­
cionais. Dentre estas, algumas se destacam, como Marcos 4.1 0 -1 2 ; Ma­
teus 11.20-24; João 10.26; Atos 13.48; Romanos 9.14-24; Efésios 1.11.
A primeira passagem é Marcos 4.10-12:

Quando Jesus ficou só, os que estavam junto dele com os doze o
interrogaram a respeito das parábolas. Ele lhes respondeu: A vós
outros é dado conhecer o mistério do reino de Deus; mas, aos de
fora, tudo se ensina por meio de parábolas, para que, vendo, vejam
e não percebam; e, ouvindo, ouçam e não entendam; para que não
venham a converter-se, e haja perdão para eles.

Uma leitura superficial parece conduzir à ideia de que Jesus falava


por parábolas para que os réprobos não compreendessem a mensagem
de salvação, e se perdessem eternamente, por não fazerem parte dos elei­
tos. Mas é impossível compreender essa passagem, sem entender o con­
texto de onde ela,.é tirada, a saber, Isaías 6.9-10.
Shank observa que

Judá, que não tirou qualquer lição do exemplo da decadência es­


piritual de Israel e do consequente julgamento de Deus pelas mãos
dos assírios, bem merecia a censura divina denunciada em Isaías
6.9, 10, e o julgamento declarado nos versos 11 e 12. A censura
soa tão final e irremediável. Mas deve ser observado que Isaías, co­
missionado a declarar tal solene censura e anunciar o julgamento
iminente, foi também chamado por Deus para declarar alguns dos
apelos mais compassivos ao arrependimento, e as mais graciosas
promessas de perdão e restauração encontrados em todas as Sa

03
THIAGOTITILLO

gradas Escrituras, estando entre tais súplicas 1.16-19; 43.25, 26;


44.22 e 55.6, 7. O significado da censura nacional solene registrada
em Isaías 6.9, 10 deve ser entendido à luz dos muitos apelos e pro­
messas graciosas de Deus, também declarados por Seu servo Isaías.1

Ele prossegue demonstrando a ligação entre Isaías 6.9-10 ejerem ias


5.21; 6.10. No texto do profeta Jeremias “a cegueira, a surdez, e o endu­
recimento de coração de Judá são atribuídos, não a qualquer interdição
divina arbitrária, mas à vontade humana, e o apelo gracioso de Deus para
Judá pressupõe o fato da agência moral do homem”.2
Em outra passagem, no evangelho de João, o texto de Isaías 6.9-10
também é citado:

E, embora tivesse feito tantos sinais na sua presença, não creram


nele, para se cumprir a palavra do profeta Isaías, que diz: Senhor,
quem creu em nossa pregação? E a quem foi revelado o braço do Se­
nhor? Por isso, não podiam crer, porque Isaías disse ainda: Cegou-
-lhes os olhos e endureceu-lhes o coração, para que não vejam com
os olhos, nem entendam com o coração, e se convertam, e sejam
por mim curados (Jo 12.37-40).

A conjunção hina (“para”) pode ter o sentido resultativo, e não neces­


sariamente o sentido de propósito. Nesse caso, dever-se-ia entender que
a incredulidade do povo resultou no cumprimento da profecia do Antigo
Testamento, e não que ela ocorreu para que a profecia do Antigo Testa­
mento pudesse ser cumprida. Carson rejeita essa possibilidade aqui,3
mas Bruce não: “Talvez não devamos forçar a conjunção hina a ponto de

1 SHANK, op. cit.,p. 173.


2 Ibid., p. 174. Shank cita as seguintes passagens para demonstrar que,
mesmo em Sua ira, Deus permanecia disposto a usar de misericórdia com
Judá, mas isso dependia do povo: 5.22-25; 6.8; 16-19; 7.3, 5, 7.
3 CARSON, 2007, p. 447. Ele argumenta que o conteúdo do v. 39 não permite
atenuar a conjunção do v. 38. Carson parece desconsidera o hebraísmo por
trás da passagem.
ipNÃNSMO
conferir-lhe todo o seu sentido clássico de propósito (para que se cum­
prisse a profecia de Isaías); o sentido aqui pode ser que a incredulidade
deles cumpriu o que o profeta disse”.4 Um pouco mais à frente Bruce
retoma a passagem original de Isaías para associá-la ao quarto evangelho:

Quando Isaías recebeu a missão de profeta, ele foi advertido de


antemão de que as pessoas às quais ele era enviado não lhe dariam
atenção - exatamente todas as suas palavras seriam contraprodu­
centes e fariam com que eles fechassem seus ouvidos com ainda
maior determinação. Este seria o resultado do seu ministério, mas
não era seu propósito (o propósito era “que se convertam e sejam
curados”); no entanto, a tarefa é expressa como se Deus realmente o
estivesse enviando para que seus ouvintes não lhe dessem ouvidos.
Esta maneira hebraica de expressar o resultado como se fosse pro­
pósito influenciou a linguagem de João - tanto na frase inicial no
versículo 38, ‘para se cumprir a palavra do profeta Isaías’, como nas
palavras por isso não podiam crer, no versículo 39. Nenhum deles
fora incapacitado de crer pelo destino; mais adiante (no v. 42), fica
claro que na verdade alguns creram. Mas a predição do AT precisa­
va cumprir-se, e o foi naqueles que, de fato, não creram.5

O testemunho de Berkouwer soa como uma advertência aos seus


companheiros calvinistas: “É quase incompreensível que Isaías 6.9, 10
tem sido mencionado como ‘prova’ para o endurecimento dos réprobos
desde a eternidade”.6
É interessante que poucos versículos antes de Jo ão 12. 17 -10,
Jesu s afirm ou: “E eu, quando for levantado da terra, atrairei todos
a mim m esm o” (v. 3 2 ), referindo-se claram ente á graça universal
de Deus expressa na crucificação de Jesus Cristo em lavor de Ioda
a hum anidade. Se o evangelista, ao citar Isaías, pretendesse alirmar

4 BRUCE, 1987, p. 233.


5 Ibid.,p. 234.
6 BERKOUWER apud SHANK, op. cii., p. I /A

65
THIAGOTITILLO

que a proclam ação da verdade salvadora tinha como objetivo au­


m entar a condenação dos réprobos, ele estaria em flagrante con tra­
dição com aquilo que Jesu s disse sobre o desejo salvífico universal
de Deus.
Rei ornando a Marcos 4, talvez seja útil analisarmos a passagem
paralela (Mt 1 3 .1 0 -1 5 ). Os discípulos perguntaram a Jesus o motivo
dele falar por parábolas. Na resposta, Jesus cita Isaías 6 .9 -1 0 . Con­
vém observar que Jesu s foi pregar na Galileia após a prisão de Joao
Batista (Mc 1 .1 4 -1 5 ), e ali realizou muitos milagres (Mt 11 .2 -5 ). Ape­
sar disso, sua mensagem foi rejeitada por muitos (Mt 1 1 .1 6 -1 9 ), m o­
tivando Jesus a condenar as cidades “nas quais ele operara num ero­
sos milagres, pelo fato de não se terem arrependido” (Mt 1 1 .2 0 -2 4 ).
Mesmo a este povo obstinado, Jesus oferece sua graça sem qualquer
restrição (Mt 1 1 .2 8 -3 0 ). Contudo, a dureza de coração do povo traz
consequências. Jesus disse na passagem em tela: “Pois ao que tem, se
lhe dará, e terá abundância; mas, ao que não tem, até o que tem lhe
será tirado” (Mt 1 3 .1 2 ). Esse é o motivo pelo qual Jesus falava por
parábolas: os que tinham ouvidos prontos a ouvir, receberiam acrés­
cim o; os que não tinham, até a pouca disposição que tinham lhes
seria retirada. Shank diz

A aceitação da verdade sagrada tal qual ela é ofertada é um


pré-requisito indispensável para entender uma verdade adicional.
A multidão em Cafarnaum tinha rejeitado a pregação de Jesus, e
assim eles se tornaram incapazes de entender Suas parábolas do
Reino. Todos esses ‘mistérios do Reino dos céus’ permaneceriam
enigmáticos e ininteligíveis a eles enquanto eles continuassem a
rejeitar o Evangelho proclamado por Cristo.7

A parábola serve, então, ao propósito de revelar e esconder. Zuck


capta bem isso:

7 SHANK, ibid., p. 176.

66
àmmm
ê ' ......... . ''

Quando os discípulos perguntaram a Jesus por que ele falava com


as pessoas por meio de parábolas (Mt 13.10; Mc 4.10), ele disse
que tinha duas finalidades. Uma era revelar verdades a seus segui­
dores, e a outra, ocultar a verdade ‘aos de fora’ (Mc 4.11). Embo­
ra talvez pareçam objetivos contraditórios, a resposta a esse dilema
deve residir no caráter dos ouvintes. Como os doutores da lei (3.22) já
haviam expressado sua incredulidade e rejeitado Jesus, eles revelaram
o endurecimento de seus corações. Assim, não tinham condições de
compreender o significado das parábolas do Senhor. Cegados pela in­
credulidade, rejeitaram-no; então, quando ele falava por parábolas, os
escribas geralmente não captavam o sentido. Por outro lado, os segui­
dores do Senhor, que estavam abertos para ele e para suas verdades,
compreendiam-nas.s (Ênfase minha)

Paulo, anos depois, vai escrever que a entrega divina do homem ao


pecado não acontece sem que antes o próprio pecador decida rejeitar a
verdade (Rm 1.18-32).
A segunda passagem destacada nesse capítulo é Mateus 11.20-24.
Nela, Jesus condena as cidades de Corazim, Betsaida e Cafarnaum:

Passou, então, Jesus a increpar as cidades nas quais ele operara nu­
merosos milagres, pelo fato de não se terem arrependido: Ai de
ti, Corazim! Ai de ti, Betsaida! Porque, se em Tiro e em Sidom se
tivessem operado os milagres que em vós se fizeram, há muito que
elas se teriam arrependido com pano de saco e cinza. E, contudo,
vos digo: no Dia do Juízo, haverá menos rigor para Tiro e Sidom do
que para vós outras. Tu, Cafarnaum, elevar-te-ás, porventura, até
ao céu? Descerás até ao inferno; porque, se em Sodoma se tivessem
operado os milagres que em ti se fizeram, teria ela permanecido
até ao dia de hoje. Digo-vos, porém, que menor rigor, haverá, no
Dia do Juízo, para com a terra de Sodoma do que para contigo (Mt
11.20-24). 8

8 ZUCK, 1994, pp. 229-230.

67
TH1AG0TITILL0

Ferreira e Myall íazcm objeção a eleição condicional baseada na


presciência divina com o seguinte argumento:

Notamos a declaração de Jesus, de que se tivessem sido leitos os mi­


lagres em Sodoma e Tiro que foram feitos em Cafarnaum e Betsai-
da, o povo daquelas cidades teria se arrependido. Evidenlemente,
Deus, por sua presciência e conhecimento de tudo, sabia que es­
sas pessoas receberíam a salvação se lhes tivesse sido oferecida (Mt
11.20-24). Mas por que, então, a salvação não lhes foi oferecida?
Por que Deus não enviou ninguém para pregar e fazer os milagres
necessários para conseguir a salvação deste povo, se é verdade que
Deus dá tal oportunidade a todos que ele sabe que o receberíam?
Parece que este exemplo não se encaixa com a interpretação armi-
niana da eleição.9

Mas só parece. A argumentação falha quando pergunta por que Deus


não ofereceu salvação àquele povo. Falha ao supor que Deus não enviou
ninguém para pregar e lazer milagres ali. Os evangelhos testemunham que
Deus enviou o seu próprio Filho! Foi nas regiões de Tiro e Sidom que Jesus
curou a filha de uma mulher cananeia (Mt 15.21-28). Não resta dúvidas
que as pessoas destas regiões creram em Jesus por causa dos seus milagres.
Marcos diz: “Seguia-o da Galileia uma grande multidão. Também da Ju ­
deia, de Jerusalém, da Idumeia, dalém do Jordão e dos arredores de Tiro e
de Sidom uma grande multidão, sabendo quantas coisas Jesus fazia, veio
ter com ele” (3.7-8). Lucas diz que seus discípulos e uma grande multidão
de “toda a Judeia, de Jerusalém e do litoral de Tiro e de Sidom” foram até
Jesus para ouvirem seus ensinamentos e serem curados física e espiritual­
mente (Lc 6.17-19). Paulo, também, quando chega a Tiro, encontra ali
discípulos de Jesus, com quem permaneceu sete dias (At 21.3-4).
Conclui-se que a salvação foi oferecida àquele povo, milagres foram
operados ali, e pecadores se converteram. Quem pode garantir que Jesus
não foi àquelas cidades justamente porque Deus, em sua presciência,

9 FERREIRA; MYATT, op. cit.,p . 751.

68
& p|A N S M O
sabia que muitos ali se converteríam através dos seus ensinos e milagres?
O que Jesus disse quando proferiu sua condenação sobre Corazim
e Betsaida é que, em muitas ocasiões, o povo de Israel é mais incrédulo
dos que os gentios. Para isso, Ele compara duas cidades da Galileia com
duas cidades fenícias - Tiro e Sidom. Isso fica claro no episódio da cura
da filha da mulher cananeia, quando Jesus a elogia: “Ó mulher, grande
é a tua fé!" (Mt 15.28). Aqui, Jesus encontra um exemplo que ilustra
aquilo que ele falou ao condenar as cidades da Galileia: uma estrangeira
mais crente do que muitos moradores de Corazim e Betsaida. Da mesma
forma, Jesus compara Cafarnaum - pertencente ao território de Israel -
com Sodoma, que foi destruída por sua impiedade.10
A terceira passagem a ser analisada encontra-se em João 10.26: “Mas
vós não credes, porque não sois das minhas ovelhas”. João Calvino diz
deste versículo: “Ele assinala uma razão suprema por que não criam em
seus milagres e nem em suas doutrinas. É porque são réprobos”.11 Car-
son comenta: “Mas a nota de predestinacionismo garante que mesmo sua
incredulidade massiva não é uma surpresa: ela deve ser esperada, e cai
sob a cobertura da soberania de Deus”.12
Mas o que Jesus quis dizer por “ovelha”? Será que ele tinha em mente
pessoas que foram eternamente e incondicionalmente reprovadas por
Deus? O contexto imediato não permite tal interpretação. Shank escla­
rece: “Que a descrença deles não provém de algum decreto eterno e ir­
revogável é evidente do fato de que aos mesmos homens Jesus apelou,
‘creiam nas [Minhas] obras, para que possam saber e entender que o
Pai está em Mim, e Eu no Pai’ (v. 3 8 )”.13 Que sentido teria Jesus insistir

10 O pastor arminiano Carlos Augusto Vailatti respondeu a essa pergunta leiia


pelo pastor calvinista Marcos Granconato no debate “Os salvos são eleitos
soberanamente, ou baseado na presciência de Deus? (1 Pe 1.1-2)”, exibido
no programa Vejam só! de 24 de fevereiro de 2015. O vídeo enconlni se
disponível em: <http://www.vejamso.com.br/videos.php?p=28> Acesso em
25 de agosto de 2015.
11 CALVINO, 2015, p. 451.
12 CARSON, op. cit., p. 394.
13 SHANK, op. cit., p. 186.
THIAGOTITILLO

para que os réprobos cressem nEle? Não estavam eles predestinados à


descrença e condenaçao? O teólogo calvinista Anthony Hoekema explica
o sentido real da passagem:

O lato de que esses judeus não criam em Jesus é citado aqui como
evidência de que não pertenciam ao rebanho de Cristo. Não signifi­
ca necessariamente que fosse impossível que alguns deles se tornas­
sem crentes. No momento, porém, eles não criam, revelando que
não pertenciam, pelo menos no presente, ao rebanho de Cristo.14

O comentário de Joseph Benson sobre os versículos 24 a 26 são


esclarecedores:

Rodearam-no, pois, os judeus, etc. - Aqui os judeus vieram e pediram


que ele lhes tirasse toda dúvida, dizendo abertamente se ele era ou
não o Messias. Sabendo Jesus que esta não era a informação que
eles estavam buscando, mas uma oportunidade de acusá-lo aos ro­
manos, como um sedicioso, que aspirava ser rei, orientou-os, como
anteriormente, a formar um julgamento dele a partir de suas ações.
Respondeu-lhes Jesus: Já vo-lo tenho dito, e não o credes - O que nosso
Senhor recentemente disse de si mesmo, (veja os versículos prece­
dentes,) como o bom pastor, era equivalente a uma declaração de
ser o Messias. Além disso, ele já tinha realizado aqueles milagres
que caracterizariam e distinguiriam o Messias, tais como limpar os
leprosos, dar vista aos cegos, etc., e se eles tivessem apenas segui­
do os ditames de seus próprios rabinos, ou de sua própria razão
imparcial, eles deveriam ter reconhecido que ele tinha suficiente­
mente estabelecido sua reivindicação ao título do Messias. Mas vós
não credes porque não sois das minhas ovelhas - Porque vocês não me
seguem e nem querem me seguir: porque vocês são orgulhosos, ím­
pios, amantes de louvor, do mundo, do prazer, mas não amantes de
Deus. A razão porque vocês não creem em mim não é que as provas

14 HOEKEMA, 2002, p. 64.

70
&RMIN1AN1SMQ
de minha missão são insuficientes, mas porque vocês não são de
uma disposição humilde e ensinável, livre de paixões mundanas e
não estão desejosos de receber a doutrina que vem de Deus. Pessoas
desta personalidade facilmente conhecem, pela natureza de minha
doutrina e milagres, quem eu sou, e por conseguinte prontamente
creem em mim e me seguem.15

A quarta passagem se encontra no disputado versículo de Atos


13.48: “Os gentios, ouvindo isto, regozijavam-se e glorificavam a palavra
do Senhor, e creram todos os que haviam sido destinados para a vida
eterna”. Arthur Pink afirma sobre este versículo:

Todas as artimanhas da engenhosidade humana têm sido emprega­


das para obscurecer o significado deste versículo e para explicar de
outro modo o sentido óbvio de suas palavras; mas todas as tentati­
vas têm sido em vão; [...]. Aprendemos aqui quatro coisas: Primei­
ra, que o ato de crer é a consequência e não a causa do decreto divi­
no. Segunda, que somente um número limitado foi destinado ‘para
a vida eterna’; porque se todos os homens, sem exceção, fossem
assim destinados por Deus, então as palavras ‘todos os que’ forma­
riam uma qualificação sem qualquer significado. Terceira, que esse
‘destino’ pronunciado por Deus não se refere a meros privilégios
externos* mas à ‘vida eterna’ não a algum serviço, mas à salvação.
Quarta, que ‘todos os que’ - e nenhum a menos - são destinados
por Deus para a vida eterna certamente crerão.16

A interpretação dessa passagem depende do significado atribuído à


palavra tetagmenoí, particípio passivo do verbo tassõ. O verbo tassõ tem
um campo semântico amplo. Em seu verbete, no Dicionário Teológico do
Novo Testamento, Delling diz: “Essa palavra significa ‘designar’, ‘ordenar’,

15 BENSON, Joseph. Jo 10.24-26 (The New Testament o f Our Lord and Saviour
Jesus Christ, pp. 599-600). Tradução: Paulo Cesar Antunes. Disponível em:
<www.arminianismo.com> Acesso em 25 de agosto de 2015.
16 PINK, 2002, pp. 53-54.

71
THIAGOTITILLO

com nuanças tais como ‘organizar’, ‘determinar’, ‘pôr no lugar’, ‘estabele­


cer’ e, na voz média, 'lixar por si mesmo”’.17
Se o verbo temo lor considerado voz média, deve ser entendido
como “fixar por si mesmo”, “dispor-se”, “ordenar-se”, como Rotherham
traduz: “E aqueles das nações, ao ouvir isso, começaram a se regozijar
e a glorificar a Deus, e eles creram - tantos quantos se haviam tornado
dispostos para a vida duradoura”.1819A expressão “se haviam tornado dis­
postos” exclui uma interferência externa sobre a vontade humana. O fato
da palavra ser absoluta, sem indicar quaisquer agentes em particular,
favorece essa tradução.
Ferreira e Myatt tentam descartar essa possibilidade: “O argumen­
to de alguns arminianos de que em TexaYpévoi ( tetagmenoi) o particípio
passivo do verbo tóooíü (tassõ [designar]) deve ser voz média (“os que se
designaram”) não é coerente com o contexto e também seria redundan­
te”.ig Mas muitos outros discordam dessa afirmação. “Citando exemplos,
Bloomfield afirma (assim como outros) que a voz passiva de tasso fre­
quentemente transmite o sentido médio [...]”.20

“Crisóstomo vai além ao dizer que a expressão tetagmenoi é empre­


gada para indicar que o assunto não é uma questão de necessidade,
nem daquilo que é compulsório. E, assim, longe de favorecer o
sistema de um decreto absoluto, as palavras levariam à conclusão
oposta, de que o Criador, embora ‘prendendo a natureza ao destino,
deixou livre a vontade humana”’.21

Já vimos que o testemunho de Crisóstomo não pode ser ignorado.


Os pais gregos não viram nessa passagem qualquer sugestão de um de­
creto absoluto daqueles que deveriam ser salvos. Henry Alford menciona

17 K1TTEL; FR1EDR1CH, 2013b, p. 548.


18 ROTHERHAM apud SEiANK, op. cít., p. 194.
19 FERREIRA; MYATT, op. cit., p. 750, nota de rodapé 152.
20 SHANK, op. cit., p. 194.
21 BLOOMFIELD apud SHANK, ibid., p. 195.
Á pw illi
o questionamento que Wordsworth faz da relação entre a Vulgata e a
disseminação do pensamento determinista no cristianismo ocidental, e
salienta que os pais orientais, versados na língua do Novo Testamento,
rejeitavam a interpretação predestinista do texto proposta pelos pais da
igreja ocidental:

Wordsworth também observa que seria interessante inquirir qual


influência tais construções como esta de praeordinati na versão Vul­
gata tiveram sobre as mentes de homens como Santo Agostinho e
seus seguidores na Igreja Ocidental, ao tratar das grandes questões
do livre-arbítrio, da eleição, da reprovação, e da perseverança final:
e alguns escritores das igrejas reformadas que, embora rejeitando
a autoridade daquela versão, ainda assim foram influenciados por
ela, afastando-se do sentido original aqui e no capítulo 2.47. A ten­
dência dos Pais orientais, que liam o original grego, foi, ele destaca, para
uma direção diferente daquela da escola ocidental.22 (Ênfase minha)

Shank observa que a Vulgata insere o prefixo pre à palavra ordinati,


quando no texto grego tetagmenoi não vem acompanhado do prefixo pro\
tassõ, e não protassõ. Ele observa ainda que a agência humana declarada
no versículo 46 contraria a ideia de que Lucas tivesse em mente a agência
divina no verso 4 8 .23
John William JVIcGarvey diz em seu New Commentary onActs ofApostles:

Na passagem diante de nós o contexto não apresenta nenhuma alu


são a algo feito por Deus para uma parte da audiência, e nao leito
para a outra, ou a algum propósito firmado a respeito de uma e nao
de outra, mas fala de dois estados de mente contrastadas entre o
povo, e dois consequentes cursos de conduta. Dos |tuleus presentes
é dito, em primeiro lugar, que eles estavam cheios ele inveja; em se­
gundo lugar, que eles estavam contradizendo o que Paulo falava, e

22 ALFORD apud SHANK, ibid., p. 102.


23 SHANK, Ibid, pp. 192-193.

73
THIAGOTITILLO

blasfemavam; em lereeim lugar, que eles julgaram a si mesmos indig­


nos da vida eterna, Hm contraste com estes, os gentios, em primeiro
lugar, estavam alegres; em segundo lugar, eles glorificavam a palavra
de Deus; cm terceiro lugar, eles estavam TEtaYgevoi para a vida eterna.
Agora, qual dos significados específicos da palavra grega iremos aqui
inserir? Ela se encontra contrastada com o ato mental dos judeus ao
julgarem-se indignos da vida eterna, e a lei da antítese exige que a
entendemos de algum ato mental de natureza oposta. A versão, esta­
vam determinados, ou estavam dispostos para a vida eterna, é a única
admitida pelo caso. O verbo está na voz passiva e no tempo passado,
e, portanto, descreve um estado mental produzido antes do momen­
to do qual o escritor está falando. Em outras palavras, a afirmação
que “creram todos quantos estavam ordenados para a vida eterna”
implica que eles foram levados a esta determinação antes que cre­
ram. Em algum momento anterior em sua história, estes gentios, que
nasceram e foram educados no paganismo, ficaram sabendo da vida
eterna como ela era ensinada pelos judeus. Sob o ensino dos judeus
ou sob o ensino de Paulo desde sua chegada em Antioquia, ou sob
ambos, eles foram levados de um estado de confusão mental sobre
este assunto transcendentalmente importante a uma determinação
para obter a vida eterna se possível.24

A leitura atenta do capítulo 13 derrama bastante luz sobre o uso do


verbo em questão. Paulo e Barnabé chegaram a Antioquia da Psídia num
sábado, dirigindo-se à sinagoga local (v. 14). Ali, Paulo dirigiu seu teste­
munho aos “varões israelitas” e a “vós outros que também temeis a Deus”
(v. 16; cf. v. 26), que são os gentios. O texto bíblico diz que, após uma
breve apresentação do evangelho, não apenas “rogaram-lhes que, no sá­
bado seguinte, lhes falassem estas mesmas palavras” (v. 42), mas “muitos
dos judeus e dos prosélitos piedosos seguiram Paulo e Barnabé” (v. 43).

24 McGARVEY, John William. At 13.48. Tradução: Cloves Rocha dos Santos.


Disponível em: <www.arminianismo.com> Acesso em 25 de agosto de
2015.

74
4p iE l
Não há qualquer afirmação de que essas pessoas se converteram e foram
salvas naquela ocasião, mas ao menos pareciam dispostas a ouvir mais
do evangelho de Cristo.25 Vendo a boa disposição deles, Paulo e Barnabé
“os persuadiram a perseverar na graça de Deus” (v. 43).
No sábado seguinte, os dois missionários retornaram à sinagoga para
pregar o evangelho, e uma multidão foi ouvi-los (v. 44). Isso gerou inveja
nos judeus, que passaram a contradizer Paulo com blasfêmias (v. 45).
Diante dessa rejeição, eles se dirigiram para o outro grupo, formado por
gentios tementes a Deus, que já os seguiam desde o sábado anterior (v.
46). A disposição de coração destes era radicalmente diferente daquela
apresentada pelos judeus. Eles receberam a mensagem com alegria e cre­
ram, porque seus corações já estavam dispostos desde primeira pregação
de Paulo naquela sinagoga. Assim, o uso de tetagmenoi quando interpre­
tado à luz do contexto, favorece a interpretação arminiana, ao contrário
do que sugerem Ferreira e Myatt.
Por fim, o teólogo calvinista J. O. Buswell nega que o versículo se
refira à predestinação para a salvação:

Na verdade, as palavras de Atos 13.48, 49 não são necessariamente


qualquer referência à doutrina do decreto eterno de Deus sobre a
eleição. O particípio passivo tetagmenoi pode simplesmente signifi­
car ‘pronto’, e podemos muito bem ler: ‘Todos os que foram prepa­
rados para a vida eterna, creram’.26

A passagem seguinte talvez seja a mais evocada pelos críticos da teo­


logia arminiana. Trata-se do controvertido texto de Romanos 9.14-24,
do qual se destacam os versículos 17-18 e 21-23:

Por que a Escritura diz a Faraó: Para isto mesmo te levantei, paia
mostrar em ti o meu poder e para que o meu nome seja anunciado

25 Cornélio era um “homem reto e temente a Deus” antes mesmo de oiivii a


mensagem evangélica de Pedro (10.22).
26 BUSWELL apud GEISLER, 2001, p. 46.

71
THIAGOTITILLO

por toda a terra. 1,ogo, tem ele misericórdia de quem quer e também
endurece a quem lhe apraz [...] Ou não tem o oleiro direito sobre a
massa, para do mesmo barro fazer um vaso para honra e outro, para
desonra? Que diremos, pois, se Deus, querendo mostrar a sua ira
c dar a conhecer o seu poder, suportou com muita longanimidade
os vasos de ira, preparados para a perdição, a fim de que também
desse a conhecer as riquezas da sua glória em vasos de misericórdia,
que para a glória preparou de antemão, [...]

No capítulo 3 - A eleição de Israel - tivemos ocasião de analisar


alguns versículos do capítulo 9 de Romanos dentro do contexto mais
amplo da escolha da nação de Israel (Rm 9 - 1 1 ) . Especificamente, no
versículo 17, o apóstolo cita Êxodo 9 .1 6 , no qual Deus fala a Faraó:
“mas, deveras, para isso te hei mantido, a fim de mostrar-te o meu poder,
e para que seja o meu nome anunciado em toda a terra”. Estas palavras
foram proferidas por Deus após a sexta praga. O que Deus diz a Faraó
é que, depois de tantas pragas, não faltou a Faraó oportunidade para
arrepender-se e libertar o povo de Israel. Mesmo assim, o rei do Egito de­
cidiu endurecer seu coração. Deus declara que já poderia tê-lo destruído,
juntamente com todos os egípcios, mas preferia poupá-lo. A expressão
“te hei mantido” significa “tenho poupado você”, “tenho mantido você
vivo”. Deus tinha um propósito específico: mostrar em Faraó o Seu po­
der (Rm 9.17). B. W. Johnson explica:

Não é dito que Deus levantou-o para destrui-lo. Seu poder poderia
ter sido mostrado por Faraó rendendo-se ao seu poder. A conduta
de Faraó tornou necessário humilhá-lo. Aqui, novamente, a eleição
não é de um indivíduo para destruição, mas de um homem para
ser um rei para um propósito particular. A destruição veio sobre ele
porque, nessa posição, ele resistiu a Deus.27

27 JOHNSON, B. W Romanos 9. Tradução: Paulo Cesar Antunes. Disponível


em: <www.arminianismo.com> Acesso em 27 de agosto de 2015.
lim
4
wm
Deus, em sua presciência, já sabia como o monarca reagiría: “Eu sei,
porém, que o rei do Egito não vos deixará ir se não for obrigado por mão
forte” (Êx 3.19). Convém relembrar que o capítulo 9 de Romanos está
tratando da eleição de Israel para o serviço. O propósito de Deus era
libertar Israel. Seu glorioso poder se manifestaria através de uma liberta­
ção pacífica, ou não.

A resistência de Faraó à vontade de Deus foi a ocasião de Deus para


(1) exibir o seu poder no acontecimento do Êxodo e (2) proclamar
o seu nome a toda a terra. O efeito desse evento sobre outras nações
é mencionado frequentemente no Velho Testamento (Êx. 15.14,15;
Jos. 11.10, 11; 1 Sam. 4.8).28

Paulo conclui: “Logo, tem ele misericórdia de quem quer e também


endurece a quem lhe apraz” (v. 18). Calvino comenta a conclusão pau-
lina:

O propósito de Paulo é levar-nos a aceitar o fato de que pareceu


bem a Deus iluminar alguns a fim de que viessem a ser salvos, e
cegou a outros a fim de que viessem a ser destruídos; para que em
nossas mentes fiquemos satisfeitos com a diferença que se evidencia
entre os eleitos e os réprobos, e não busquemos a causa em qual­
quer outtp parte, senão na vontade divina.29

William Hendriksen afirma categoricamente: “Não há razão para


dúvida de que foi final o endurecimento do qual Faraó foi alvo. Foi
um elo na corrente: reprovação - vida ímpia - endurecimento - castigo
eterno”.30
Mas o texto bíblico atribui o endurecimento (ou expressões seme­
lhantes) do coração de Faraó, algumas vezes a Deus (Êx 4.21; 7.3; 9.12;

28 MOODY, in: ALLEN, op. cit., p. 270.


29 CALVINO, 2001, p. 348.
30 HENDRIKSEN, 2001, p. 430.
THiAGOTITILLO

10.1; 11.10; 14.17), e outras ao próprio governante egípcio (Êx 7.13-14,


22; 8 .1 5 , 19, 32; 9 .7 , H -35). Antes, porém, Deus já pré-conhecia sua
dureza (Êx 3.19).
Geisler salienta que a palavra hebraica chazaq (“endurecer”) fre­
quentemente significa “fortalecer” (Jz 3 .1 2 ) ou “encorajar” (Dt 1.38;
3.2 8 ). “ Tomada nesse sentido, ela não teria qualquer conotação sinis­
tra, mas simplesmente afirmaria que Deus fez o faraó se fortalecer para
levar a cabo a própria vontade (a do faraó) contra Israel”.31 Mas como
Deus poderia fazer com que o Faraó fortalecesse o seu próprio coração
em sua rebelião? Neste ponto, nada tenho a acrescentar à interpretação
do calvinista Sproul: ao desistir de um pecador contumaz, retirando
suas restrições graciosas e entregando-o aos seus próprios desejos pe­
caminosos, Deus está endurecendo o seu coração passivamente.32
Esse foi o entendimento de John Wesley, grande pregador arminiano
do reavivamento do século XVIII. Ele escreveu em suas notas explicati­
vas de Romanos: “[Ele] endurece - Isto é, ele os abandona à dureza de seu
coração. A quem lhe apraz - A saber, os que não creem”.33
A palavra de Deus amolece aqueles que pela graça preveniente34
tornam-se dispostos, mas endurece os que decidem permanecer rebel­
des, dos quais Deus retira Sua graça como juízo por causa do pecado
obstinado. Tal interpretação se enquadra na explicação de Jesus sobre a
finalidade das parábolas, como já notamos.
Orígenes, referindo-se ao endurecimento de Faraó, explica, através
de uma ilustração que se tornou célebre, como as reações distintas das
pessoas não devem ser atribuídas a Deus, mas à própria responsabilidade
delas: “É como se o sol tomasse a palavra e dissesse: eu tomo líquido, e
eu seco - quando liquefazer e secar são estados contrários; contudo, ele

31 GEISLER, 2001, p. 101.


32 SPROUL, op. cit., pp. 105-107
33 WESLEY, 2000, p. 73.
34 Para um melhor compreensão do conceito de graça no pensamento
arminiano, em especial, a graça preveniente, recomendo a leitura do
capítulo 7 da obra: OLSON, op. cit., pp. 205-231. Recomendo ainda a
leitura do capítulo 9 de: RODRIGUES, op. cit., p. 137-144.

78
não mentiría por causa da base comum, pois o mesmo calor que torna
líquida a cera é o que seca a lama”.35 O problema certamente não está no
sol, mas nos objetos do seu calor.36
Importantes pais da Igreja, como Clemente de Roma e Irineu, já haviam
atribuído o endurecimento do coração de Faraó a ele próprio, e não a Deus.37
Ademais, o texto está tratando de como Deus agiu para libertar o seu
povo, e nada tem a ver com a salvação ou condenação eterna de indiví­
duos, conforme observou Cranfield:

A suposição segundo a qual Paulo pensa aqui no destino final da pes­


soa, da sua salvação final ou ruína final, não é justificado pelo texto. As
palavras ‘para a destruição’ são de fato usadas no versículo 22; porém,
não temos o direito de interpretá-las retrojetadas ao versículo 18.38

Os versículos 2 1 a 23, embora também sejam muito disputados, se


compreendidos à luz do contexto dos capítulos 9 a 11, não endossarão
as doutrinas calvinistas da eleição e reprovação incondicionais.
Hendriksen resume a interpretação calvinista do versículo 21:

Se até mesmo um oleiro tem direito, da mesma massa de barro, de


fazer um vaso para honra e outro para desonra, então com certeza
Deus, nosso Criador, tem o direito, da mesma massa de seres hu­
manos que por sua própria culpa precipitou-se no poço da miséria,
eleger alguns para a vida eterna e permitir que os demais permane­
ça no abismo da degradação.39

35 ORÍGENES, 2012, pp. 217-218.


36 É claro que todos os homens são pecadores e incapazes de, sem o auxílio da
graça, crer no Evangelho. Mas o grau de comprometimento com o pecado
certamente torna o indivíduo mais insensível à vontade de Deus. A Bíblia
ensina que existe um ponto do qual não há retorno (Mt 12.32; Mc 3.29; l.c
12.10; Hb 6.4-8; 1 Jo 5.16).
37 1 Clemente 51.5 in: FRANGIOTTI, op. cit., p. 60 e IRINEU, Contra as hne
sias IV29, 1-2, 1995, pp. 461-463
38 CRANFIELD, op. cit., p. 220.
39 HENDRIKSEN, op. cit., p. 432.
THIAGOTITILLO

É claro que a palavra “permitir” nos lábios ou na pena de um cal-


vinista não passa de um eulemismo. A ideia aqui esposada é que Deus
soberana e eternamente, dentre a humanidade caída, escolheu alguns
para a salvaçao e rejeitou os demais.40 Essa rejeição não deixa de ser uma
escolha: uma terrível escolha para a condenação eterna! Mas a maioria
dos pensadores calvinistas não vê qualquer injustiça da parte de Deus
nesse ato. Se Deus fosse justo com todos, afirmam eles, todos os homens
seriam irremediavelmente condenados ao inferno. Sproul diz que “os
salvos recebem misericórdia e os não salvos recebem justiça. Ninguém
recebe injustiça”.41 A analogia de um casal que adota uma criança ex­
pressa bem a ideia. A não adoção das demais crianças órfãs torna o casal
injusto?
Embora a analogia acima seja flagrantemente falha,42 interessa saber
o que o texto bíblico quer dizer. Geisler recorre à passagem veterotes-
tamentária que Paulo tinha em mente ao usar a imagem do oleiro e do
barro, no versículo 21:

O retrato que essa expressão evoca na mente ocidental é frequente­


mente determinista, se não fatalista, pois nela uma pessoa não tem
escolha, mas é dominada por Deus.

Entretanto, a mente hebraica não pensa dessa forma, considerando


a parábola do oleiro em Jeremias 18. Nesse contexto, o bloco de
barro tanto pode ser moldado como desfeito por Deus, dependendo
da resposta moral de Israel a Deus, pois o profeta diz enfaticamente:

40 Hendriksen é infralapsariano, isto é, ele entende que o decreto divino de


eleger uns e salvar outros é logicamente posterior à queda.
41 SPROUL, op. cit., p. 27
42 Um casal humano não poderia acabar com a orfandade de todas as crianças.
Faltariam recursos em vários aspectos para criar todas elas. Isso, todavia,
não pode ser atribuído ao Deus todo-amoroso, conforme revelado nas
Escrituras. Não lhe falta poder nem amor para isso. Por isso, Ele permanece
disposto a adotar todos os homens em sua família, embora muitos rejeitem
sua oferta graciosa.
àmmâã
‘Se essa nação que eu adverti converter-se da sua perversidade, en­
tão eu me arrependerei e não trarei sobre ela a desgraça que tinha
planejado’ (Jr 18.8). Assim, o elemento do não-arrependimento de
Israel se torna o ‘vaso para uso desonroso’ e o grupo arrependido se
torna um ‘vaso para fins nobres’ [...].43

Joseph S. Wang, após citar Jeremias 18.6-10, conclui sobre o verso


21 de Romanos 9: “A soberania do oleiro sobre o barro significa que o
Senhor é completamente livre para impor as condições sob as quais ele
irá abençoar ou punir. Não é sua decisão arbitrária enviar alguns para a
salvação e outros para a perdição (w. 19-21).44
Em seguida, o apóstolo fala sobre “os vasos de ira, preparados para
a perdição” (v. 22) e os “vasos de misericórdia, que para glória preparou
de antemão” (v. 23). Aqui temos um dos textos mais explorados em favor
da doutrina fatalista da dupla predestinação.45
Calvino comenta o versículo: “Há vasos preparados para a destrui­
ção, ou seja: nomeados e destinados para a destruição. Há também vasos
de ira, ou seja: feitos e formados com o propósito de serem provas da
vingança e desprazer divinos”.46 Contudo, o texto bíblico não afirma que
os vasos preparados para a destruição foram preparados por Deus para
este fim.

43 GEISLER, 2001, p. 103.


44 WANG, Joseph S. Romanos 9.1-11.36: A Justiça de Deus e Israel
Disponível em: Tradução: Paulo Cesar Antunes. Disponível em: <www.
arminianismo.com> Acesso em 27 de agosto de 2 015.
45 Os teólogos calvinistas consideram injusta a associação feita entre a
dupla predestinação e o fatalismo. Eles enfatizam as diferenças, mas
ignoram as semelhanças. Mencionam que o fatalismo atribui o destino
humano a “subdeidades caprichosas” ou “forças impessoais” enquanto a
“predestinação está enraizada no caráter de um Deus pessoal e justo, um
Deus que é o Senhor soberano da História” (SPROUL, op. cit., p. 141).
Mas convenientemente, negligenciam a semelhança principal entre os dois
sistemas: todas as coisas que acontecem, acontecem inevitavelmente. É aí
que reside a semelhança entre eles.
46 CALVINO, 2001, p. 354.

81
THIAGOTITILLO

Uma comparacao cuidadosa entre o grego desta expressão e o grego


da oração relativa ‘que ele preparou de antemão para a glória’, no
verso 2 ib mostra que o pensamento da predeterminação divina,
embora receba ênfase extremamente forte na segunda, não está cla-
ramcnte expresso de modo absoluto na primeira.4748

Moody esclarece este ponto:

Ele não os fez para a perdição, como muitos supõem que Paulo
esteja falando. O particípio perfeito grego para preparados é kater-
tismena, indicando que, no caminho da perdição, um certo estágio
foi alcançado. Ele também é médio ou passivo, e uma tradução
literal da primeira palavra seria ‘tendo feito eles mesmos para a per­
dição’, e do segundo, ‘tendo sido feitos para a perdição’. O segundo
não exclui a ação de Deus; mas Paulo poderia ter usado prokata-
ritzo (preparar de antemão, cf. 2 Cor. 9.5), se quisesse dizer que
Deus os preparara de antemão para a perdição (ou destruição). Ele
queria dizer eu Deus pacientemente suportou os vasos de ira, que
se haviam preparado para a destruição.43

John Stott coloca da seguinte forma:

[...] embora Paulo se refira aos objetos ou vasos da misericórdia de


Deus como tendo sido preparados de antemão para a glória (23), ele
descreve os objetos ou vasos da ira de Deus, simplesmente como pre­
parados para destruição, prontos e maduros para isso, sem indicar,
contudo, o agente responsável por tal preparação. Deus certamente
nunca ‘preparou’ ninguém para destruição; não seria o caso que
estes, em sua própria opção por praticar o mal, tenham preparado
a si mesmos para tal?49

47 CRANFIELD, op. cit., p. 223.


48 MOODY, in: ALLEN, op. cit., p. 272.
49 STOTT, 2007, p. 329.

82
Essa interpretação conta com o apoio de Crisóstomo:

[...] vaso de ira era Faraó, homem que, por sua dureza, inflamou a
ira de Deus. Tendo experimentado a longa paciência divina, não se
tornou melhor, mas permaneceu incorrigível. Por isso, Paulo não
só o chamou de vasos de ira, mas ‘Prontos para a perdição’, a saber,
preparados por aquilo que são e por suas obras.50

A expressão “preparados por aquilo que são e por suas obras” de­
monstra que Crisóstomo não enxergava a passagem como uma referên­
cia a Deus predestinando indivíduos desde a eternidade para a destrui­
ção, mas os próprios pecadores se preparando para a condenação através
de suas ações.
O próprio contexto exige que os vasos de ira tenham preparado a
si mesmos para a destruição. Paulo diz que Deus “suportou com muita
longanimidade os vasos de ira” (v. 22). Não haveria qualquer sentido
em falar da grande paciência divina para com os pecadores se o próprio
Deus tivesse determinado que tais pecadores agissem contra a Sua von­
tade. Menos sentido ainda faria Deus puni-los. Em 10.21, Paulo fala da
paciência de Deus para com o rebelde Israel (étnico), tendo em vista o
propósito mais abrangente de salvar todo o Israel (espiritual; 10.26). A
conclusão de Paulo, é que o propósito de Deus é “usar de misericórdia
para com todos” (11.32).
Stott declara que um dos propósitos da paciência de Deus com os
vasos de ira é “manter aberta a porta da oportunidade por mais tem­
po”,51 e Cranfield diz que ‘“os vasos de ira’ e os ‘vasos de misericórdia’
não são quantidades imutáveis, e que a finalidade de Deus é que os
‘vasos de ira’ se tornem ‘vasos de misericórdia”’.52 O próprio apóstolo
confirma essa ideia:

50 CRISÓSTOMO, op. cit., p. 325.


51 STOTT, 2007, p. 329.
52 CRANFIELD, op. cit., p. 224.
TH1AG0TITILL0

Ora, numa grande casa não há somente utensílios de ouro e de pra­


ta; há também de madeira e de barro. Alguns para honra; outros,
porém, para desonra. Assim, pois, se alguém a si mesmo se purifi­
car destes erros, será utensílio para honra, santificado e útil ao seu
possuidor, estando preparado para toda boa obra (2 Tm 2.20-21).

A palavra “utensílios” (gr. skeue) é a mesma usada pelo apóstolo an­


teriormente, em Romanos 9 .2 1 -2 3 (vaso; vasos). No verso 21 ele usa o
singular skeuos, e nos versos 22 e 23, sua forma plural (skeue). Igualmen­
te, as palavras gregas time (honra) e atimia (desonra) aparecem nos dois
contextos. Naturalmente, Paulo tinha a mesma realidade em mente nas
duas passagens.
Escrevendo a Timóteo, Paulo observa que, mesmo na Igreja, exis­
tem vários tipos de pessoas. Em seu aspecto visível, Judas (Mt 27.3-5;
At 1.25), Himeneu, Alexandre, Fileto (1 Tm 1.19-20; 2 Tm 2.16-18),
Demas (2 Tm 4 .1 0 ), os falsos mestres e seus seguidores (2 Pe 2 .1-22; Jd
11-13) também fizeram parte da Igreja.
A orientação paulina para Timóteo é que se afaste das falsas doutri­
nas promovidas por falsos mestres, como Himeneu e Fileto, que perver­
tiam a fé dos crentes ao ensinar que a ressurreição já havia acontecido
(w. 17-18). Mas o mais interessante é que o verso 21 “aponta a respon­
sabilidade humana quanto ao tipo de vaso em que a pessoa se torna”.53
Assim, na comunidade, uma pessoa dominada pelo erro, e, portanto,
um vaso para desonra, “pode purificar-se por consagração do ‘senhor
da casa’ (2 Tim. 2 .2 1 )”,54 tomando-se desta forma um vaso para honra.
Por fim, a última passagem a ser analisada encontra-se em Efésios
1.11: “nele, digo, no qual fomos também feitos herança, predestinados
segundo o propósito daquele que faz todas as coisas conforme o conse­
lho da sua vontade”. Os versos 4 e 5, analisados no capítulo 4 - A eleição
da Igreja - , apontam não para a eleição de indivíduos, mas para a eleição
corporativa do povo de Deus em Cristo.

53 MOODY, in: ALLEN, 1987, p. 272.


54 Ibid.

84
ip w g ilò
0 versículo 11, porém, parece afirmar nos termos mais fortes a
predestinação absoluta de todas as coisas, o que naturalmente inclui
a eleição e a reprovação de indivíduos. A reunião das palavras proo-
risthentes 55 (predestinados), prothesin (propósito), boulen (conselho) e
thelematos (vontade) no mesmo versículo parece fortalecer essa con ­
clusão.
Mas será que é essa a verdade exposta na passagem em questão?
Primeiramente, deve-se admitir que a construção gramatical permi­
te duas interpretações: 1) Deus faz todas as coisas segundo o seu
propósito; 2) Todas as coisas que Deus faz, Ele as faz segundo o seu
propósito. Essa distinção faz muita diferença, visto que a segunda
maneira de compreender a sentença não exige que Deus suscite todas
as coisas que acontecem . A ambiguidade da afirmação paulina não
permite uma conclusão sem uma análise mais cuidadosa do contexto
mais amplo.
Cottrell esclarece:

Paulo não diz todas as coisas? Porém, aqueles que tomam isso
num sentido absoluto ignoram o contexto imediato e o tema
principal de Efésios como um todo. O termo “todas as coisas”
(panta ) não é necessariamente absoluto e deve ser entendido
dentro das limitações impostas pelo contexto. Isso é visto clara­
mente em ICoríntios 12.6, que diz que Deus é aquele que “ope­
ra tudo [panta] em todos.” A linguagem é exatamente paralela a
de Efésios 1.11; até o verbo é o mesmo [energeo], No entanto,
o contexto de ICoríntios 12 claramente limita “todas as coisas”
aos dons espirituais do Espírito Santo, e o versículo 11 diz bem
especificamente: “Mas um só e o mesmo Espírito opera todas
estas coisas, repartindo particularmente a cada um como quer.”
De maneira similar, o contexto de Efésios 1.11 não nos permite
pensar em “todas as coisas” num sentido absolutamente inclusi-5

55 Nominativo masculino plural, particípio aoristo passivo do verbo proorizõ


(predestinar).

85
THiAGOTITILLO

vo, mas nos mostra o foco específico do propósito de Deus que


está em vista aqui.'’1'

A vontade divina expressa nas palavras “sua vontade” (v. 11) é uma re­
ferência ao “mistério da sua vontade” (v. 9.) No capítulo 3, o apóstolo reto­
ma esse tema, tomando-o mais claro: “pois, segundo uma revelação, me foi
dado conhecer o mistério, conforme escrevi há pouco, resumidamente; [...]
a saber, que os gentios são coerdeiros, membros do mesmo corpo e coparti-
cipantes da promessa em Cristo Jesus por meio do evangelho” (3.3, 6).

Este é o mesmo mistério sobre o qual ele está escrevendo no pri­


meiro capítulo de Efésios. Sim, Deus faz todas as coisas segundo
o conselho da sua vontade, mas qual conselho ou plano específico
está em vista aqui? O plano para unir judeus e gentios em um
só corpo chamado a igreja (3.10) para louvor da sua glória. Este
propósito específico é visto nos versículos que imediatamente se­
guem 1.11: “... com o fim de sermos para louvor da sua glória,
nós os que primeiro esperamos em Cristo; em quem também vós
estais, depois que ouvistes a palavra da verdade, o evangelho da
vossa salvação; e, tendo nele também crido, fostes selados com o
Espírito Santo da promessa; o qual é o penhor da nossa herança,
para redenção da possessão adquirida, para louvor da sua glória”
(1.12 -1 4 ).5657

Os pronomes “nós” (v. 12) e “vós” (v. 13) referem-se, respecti­


vamente, aos judeus e gentios. No capítulo 2, o apóstolo já havia
m encionado a união de gentios e judeus pela cruz de Cristo em um
só corpo, a Igreja (w . 11 -2 2 ). No verso 14, Paulo diz: “Porque ele é
a nossa paz, o qual de ambos fez um; e, tendo derribado a parede de
separação que estava no meio, a inimizade”, isso demonstra que há

56 COTTRELL, Jack. Ef 1.1-11 apoia o calvinismo? Tradução: Cloves Rocha dos


Santos. Disponível em: <www.arminianismo.com> Acesso em 31 de agosto
de 2015.
57 Ibid.

86
4BMMANISM0
uma linha de pensamento adotada por Paulo nos capítulos 1, 2 e 3.
Portanto, a expressão “todas as coisas” não pode ser tomada isolada­
mente no versículo 11 do capítulo 1. Cottrell conclui:

Assim, vemos que ‘todas as coisas’ em Efésios 1.11 não têm uma re­
ferência universal; a vontade de propósito ou decretiva de Deus não
inclui todas as coisas que acontecem em todo o âmbito da natureza
e da história. Todavia, ela inclui o estabelecimento da igreja como
o corpo que une judeus e gentios sob uma cabeça, Jesus Cristo (cf.
1.10). Esta é provavelmente a principal referência na comissão de
Ananias a Saulo de Tarso, em Atos 22.14, ‘O Deus de nossos pais
de antemão te designou para que conheças a sua vontade’ (veja
também Colossenses 1.27), a saber, a sua vontade de unir judeus e
gentios em uma igreja.,8

O fato de Paulo ter nascido em Tarso, “cidade não insignificante da


Cilícia” (At 2 1.39), pode sugerir para alguns que ele tenha recebido certa
influência do fatalismo estoico. Atenodoro de Tarso, falecido em 7 d.C.,
é um exemplo de pensador influente da conhecida escola estoica local.
Mas convém observar que o próprio testemunho de Paulo aponta para
a influência da cosmovisão judaica, em especial, farisaica: “Bem que eu
poderia confiar também na carne. Se qualquer outro pensa que pode
confiar na carneveu ainda mais: circuncidado ao oitavo dia, da linhagem
de Israel, da tribo de Benjamin, hebreu de hebreus; quanto à lei, fariseu”
(Fp 3.4-5). Discípulo do mestre fariseu Gamaliel (At 22.3), concordava
com as principais crenças do grupo: a ressurreição do corpo, a existência
de anjos e a imortalidade da alma (At 22.6-10).
Notável é a crença dos fariseus acerca da providência divina e da
liberdade humana, conforme o testemunho de Josefo em (írirmi dos ju ­
deus contra os romanos, II, 12: “O principal artigo de sua crença é tudo
atribuir a Deus e ao destino; entretanto, na maior parte das coisas, de­
pende de nós fazer o bem ou o mal, embora o destino possa ajudar-nos58

58 Ibid.

87
THfAGOTITILLO

muito”.59 Em Antiguidades judaicas, XVIII, 2, ele diz: “De sorte que, sendo
tudo feito por ordem de Deus, depende, no entanto, da nossa vontade
entregarmo-nos à virtude ou ao vício”.6061
Embora não seja a intenção de Josefo esclarecer pormenores da rela­
ção entre a predestinação e o livre-arbítrio, ele demonstra que, diferen­
temente dos essênios - que atribuíam tudo à providência de Deus - , 51 os
fariseus criam na providência de Deus e no seu governo, sem, contudo,
esvaziar as ações livres dos agentes morais.
E mais provável que Paulo tenha seguido a maneira de pensar dos
fariseus, ao invés do pensamento estoico. Isso fortalece o conceito de
eleição apresentado neste opúsculo.

59 JOSEFO, 2011, p. 1106.


60 Ibid., p. 826
61 “Os essênios, a terceira seita, atribuem e entregam todas as coisas, sem
exceção, à providência de Deus” (ibid., p. 827).

88
Í R M lM lii
CONCLUSÃO
Comumente se diz que a teologia arminiana rejeita a doutrina da
eleição em favor da liberdade humana. Essa afirmação não é verdadeira.
A eleição divina não exclui a responsabilidade humana, bem como a
responsabilidade humana não exclui a eleição divina. A Bíblia afirma as
duas verdades, e isso é o bastante para não minimizarmos a importância
de qualquer uma delas.
A doutrina da eleição, conforme a teologia arminiana, possui um
elevado conceito, tendo uma sólida fundamentação bíblica. As Escrituras
revelam uma relação harmoniosa entre as escolhas de Cristo, de Israel, da
Igreja e de indivíduos no propósito macro de Deus para a humanidade.
• O patriarca Jó confessou no passado: “Bem sei que tudo podes, e
nenhum dos teus planos pode ser frustrado” (Jó 42.2). Tal verdade é
indiscutível. O propósito de Deus para os homens é salvar aqueles que
creem em Seu Filho Jesus, e condenar os que não creem, manifestando,
respectivamente, Sua misericórdia e justiça (Jo 3.18).
Objetivando cumprir esse propósito, Deus escolheu Jesus Cristo
para resgatar a raça humana da maldição do pecado (Mt 12.17-21; cf. Is
42.17). Armínio enfatizou a primazia da escolha de Cristo em sua ordem
dos decretos de Deus, preservando assim o conceito cristocêntrico da
eleição, conforme ensinado nas Escrituras.
O segundo ato do drama da redenção foi a escolha de uma nação.
Quando Deus chamou a Abraão para, através dele, formar Israel, Seu
propósito não era menor do que alcançar o mundo inteiro (Gn 12.1-
-3). As promessas feitas ao patriarca encontram seu cumprimento íinal
em Jesus Cristo. Mas o drama só estará completo quando houver um
grupo de pecadores redimidos, pois o propósito de Deus é que tanto
judeus quanto gentios, pela fé em Cristo, formem o Novo Israel, a sa­
ber, a Igreja.
Vimos que há semelhanças e diferenças entre o Israel e o Novo Israel.
A semelhança é que a eleição divina de ambas as comunidades (Israel
e Igreja) é corporativa. A diferença é que a escolha da Igreja não tem o
THIAGOTITILLO

propósito de trazer o Messias ao mundo, mas visa a participação na obra


salvadora de Deus e sua proclamação (1 Pe 2.9).
É importante destacar que a escolha feita por Deus, em Cristo, de
um povo para si (Ef 1.4) - a Igreja - é incondicional, e só abrange o
indivíduo à medida que este se une livremente ao corpo eleito de Cristo
pela fé.
Assim, a doutrina bíblica da eleição também reserva espaço para a
eleição de indivíduos. Do ponto de vista bíblico, não há nenhuma razão
para Deus escolher uma pessoa, e não outra. A salvação, bem como a
eleição, se deve exclusivamente aos méritos de Cristo. Ele é o eleito, e os
crentes são eleitos nEle (Ef 1.4). Do contrário, a eleição não seria cristo-
cêntrica, assemelhando-se a uma escolha aleatória e arbitrária.
Em seu aspecto individual a eleição é condicional, pois exige que
o crente esteja unido a Cristo pela fé. Deus, em sua onisciência, pôde
escolher desde a eternidade aqueles que Ele anteviu em Cristo - como
pessoas que corresponderiam ao seu amor - para formar o seu povo pre­
destinado à glória (Rm 8.28-29). Esse ponto também foi destacado por
Armínio e seus seguidores.
Conclui-se que o propósito de Deus ao enviar Seu Filho ao mundo
foi prover salvação para toda a humanidade, e não apenas uma parcela
dela (Jo 3.16; 1 Jo 2.2). É Seu desejo verdadeiro que todos os homens se­
jam salvos (1 Tm 2.4). Contudo, Ele exige que o pecador se converta dos
seus maus caminhos (Ez 18.23, 32). Se muitos não se encontram entre
os eleitos de Deus, isso não é devido à má vontade divina. A verdadeira
causa se encontra nos próprios pecadores que “rejeitaram, quanto a si
mesmos, o desígnio de Deus” (Lc 7.30).
a RMINANISMO
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96
VELOZO
é pastor batista, especialista em
Teologia Bíblica e Sistemática-Pasto-
ral pela Faculdade Batista do Rio de
Janeiro, graduado em Teologia pelo
Seminário Teológico Betei e
licenciado em Letras pela Universi­
dade Estácio de Sá. Concluiu curso
de grego (livre) pela Faculdade de
São Bento do Rio de Janeiro. É
professor da rede estadual de ensino
(SEEDUC-RJ), da Faculdade de
Teologia Wittenberg e do Seminário
Teológico Evangélico Peniel. Casado
com Danielly e pai de Yasmim, é
membro da Primeira Igreja Batista em
Botafogo, onde serve como pastor
auxiliar.
m uma era marcada pelo ensino teológico diluído
e antropocêntrico, Thiago Titillo, um dos pioneiros
da nova geração de escritores de uma nascente
escola soteriológica arminiana brasileira, nos
presenteia com um livro profundamente bíblico e
historicamente embasado, reinserindo o termo eleição
- assim como também sua correta interpretação - no
seio arminiano. Uma obra clara, sucinta e profunda.
Leitura obrigatória para todas as pessoas interessadas
em teologia.
WELLINGTON
Autor de O que é teologia
arminiana?

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