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KUPER Adam - Cultura - A Visão Dos Atropólogos
KUPER Adam - Cultura - A Visão Dos Atropólogos
teóricas que privilegiam a função cog- usual que as entende sob a ótica bipo-
nitiva, mental e representacional da lar do conflito entre familismo e ordem
cultura. Kuper, em particular, parece pública, como remanescente arcaico do
mais preocupado com a banalização e poder privado em face da suposta fra-
vulgarização do conceito, e culpa em gilidade do poder do Estado, Marques
grande medida os estudos culturais e o expõe ao leitor um complexo painel
multiculturalismo por tal efeito perver- formado por fluxos de relações de dife-
so. A cultura por estar em toda parte te- rentes ordens — familiar, política, jurí-
ria perdido seu potencial analítico e ex- dica, moral — que se sobrepõem, cola-
plicativo. Ao mesmo tempo, o próprio boram, opõem. Seguindo com segu-
potencial liberal que se pensa existir no rança o tema épico sertanejo — e obje-
conceito de cultura, em especial se to clássico do nosso pensamento social
comparado ao conceito de raça, não é — das lutas de família, o livro oferece
mais garantido, podendo o conceito, in- uma compreensão abrangente dos
clusive, servir para oprimir e subjugar. meios de produção e reprodução de um
A cultura tal qual a raça, por mecanis- universo social localizado que, no en-
mos distintos, fixa a diferença. Kuper, tanto, se articula com a sociedade na-
na verdade, é fiel à tradição britânica, cional e a operacionalização de suas
privilegiando as relações sociais, o jogo modernas instituições.
de interesses econômicos e políticos. O A pesquisa realizada no sertão de
forte sociologismo de Adam Kuper o Pernambuco resultou em uma etnogra-
faz “jogar fora a criança (cultura) junto fia minuciosa, traçada através da intri-
com a água do banho”. Ao final da lei- cada trama de diferentes episódios, das
tura não temos uma simples genealo- sutis mas significativas variações de in-
gia do conceito, com suas aventuras terpretação dos atos e motivações ex-
acadêmicas e transformações, mas um postas nas narrativas, das ambigüida-
ataque consciente ao movimento pós- des expressas em intervenções inusita-
moderno em favor de uma antropolo- das de agentes estatais e no modo de
gia sociológica, comparativa. apropriação do conflito pelos poderes
do Estado — resultante do recurso que
os próprios intervenientes locais fazem
MARQUES, Ana Cláudia. 2002. Intri- do seu aparato jurídico-administrativo.
gas e questões: vingança de família e Assim, a autora faz uma opção inequí-
tramas sociais no sertão de Pernam- voca pelo deslindamento do fenômeno
buco. Rio de Janeiro: Relume-Dumará. das “brigas de família” por meio da ló-
352 pp. gica dos atores, o que lhe permite reve-
lar a dinâmica de funcionamento dos
conflitos e, resultado apenas aparente-
Christine de Alencar Chaves mente paradoxal, iluminar as interco-
UFPR nexões com a sociedade abrangente
permanentemente em jogo na consti-
Originalmente uma tese de doutorado tuição de comunidades locais.
defendida no PPGAS/MN/UFRJ, o li- O texto expõe as complexidades do
vro de Ana Cláudia Marques apresen- tema e a labilidade das categorias por
ta um tratamento inovador do fenôme- via de uma sucessão de casos paradig-
no das “brigas de família” no sertão máticos que, no intrincamento concreto
nordestino. Contrariando a perspectiva dos atos e significados, vão paulatina-