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Formação da cultura religiosa no Tibet

fevereiro 20, 2009 por hugolapa

O nome dado ao Tibet por seus habitantes é P’o ou Bod, que significa “o país das neves”.
Localiza-se no centro da Ásia e faz fronteira com a Índia, Nepal, Butão, Burma e China. Tem
uma área de aproximadamente 1.255.000 quilômetros quadrados, onde vivem três milhões de
habitantes com uma grande gama de origens étnicas bastante diversificadas.

A língua corrente é o tibetano e o líder espiritual atual é o XIV Dalai Lama. Protegido pelas
eternas montanhas do Himalaia, o Tibet sempre restringiu a entrada de visitantes de várias
partes do mundo, como forma de proteger a cultura e a religiosidade do povo. Os visitantes de
hoje não podem deixar de se admirar pela beleza dos mosteiros, estátuas, santuários, palácios e
fortalezas. Para muitos, a palavra Tibet agrega significados como um local distante, primitivo e
onde se realizam práticas mágicas e toda uma gama de superstições. Porém, inegavelmente a
cultura do Tibet é um patrimônio vivo da humanidade.

Suas grandes montanhas, seu ar gelado, as paisagens naturais, o ar rarefeito são todos
ingredientes que propiciam o desenvolvimento da religiosidade na população e o silencio da
mente junto com práticas de meditação e interiorização. Muitos monges podem permanecer
parados num frio congelante durante muitas horas. Isso ocorre porque muitos monges
conseguem controlar a temperatura de seu corpo, e podem assim permanecer longos períodos
expostos ao frio e a neve sem nenhum efeito negativo. Conforme demonstraram as pesquisas de
Herbert Benson, os monges podem aumentar a temperatura de seu corpo em estado de
profunda meditação e resistir ao frio mais intenso.

O Tibet está situado no coração da Ásia, onde se encontram as mais altas montanhas. Ele
permaneceu durante muitos séculos em total isolamento do mundo, por isso sua economia e
costumes mantiveram-se numa estado primitivo até o século XX. A população adere a
agricultura nos vales e a criação de cabras do tipo Dzo, nascidas do cruzamento do Iaque com a
vaca. O transporte é realizado com cavalos de várias raças e um tipo de jumento muito
resistente chamado Kyang.

À época do primeiro rei tibetano, chamado de Nyatri Tsenpo, a religião predominante no país era
o Bön. Bom era uma religião muito primitiva baseada no sacrifícios oferecidos aos deuses que
vagamente lembram a representação de forças naturais. Durante a época do rei Lha Totori
Nyentsen, o Buddhismo começou a ser gradualmente assimilado pelo povo. Seu quinto sucessor
foi Trisong Detsen (tib. Khri srong lDe brtsan, 790-858), este ficou conhecido na história como
aquele que patrocinou a tradição de diversos textos buddhistas para o tibetano e, em 779,
fundou o primeiro monastério tibetano. Nesta mesma época, muitos mestres foram convidados a
difundir o Buddhismo no Tibete. Entre estes mestres está aquele que conhecemos como Padma
Shambava.

Somente com a chegada de Padma Shambava (que significa “nascido do lótus”), conhecido
como Guru Rimpoche, o Buddhismo pôde se estabelecer solidamente na cultura tibetana. A
vinda de Padma Shambava suscita forte resistência dos sacerdotes de Bön. A partir do
sincretismo entre Buddhismo e a religião de Bön, surge o que chamamos de Vajra-yana, ou
Vajrayana também conhecido como Lamaísmo.

A figura de Padma Shambava é geralmente encontrada em pinturas e esculturas da arte


tibetana. Padma Shambava é geralmente representado com as pernas cruzadas em posição de
lótus, sentado num trono em forma de lótus. Ele proferiu muitos ensinamentos para às multidões,
realizou iniciações tântricas e substituiu os antigos sacrifícios por sacrifícios simbólicos. Ele
também fundou a antiga escola Tantrica, ou Tantrismo. Além da escola de Shingon, o Tantrismo
se constitui num conjunto de conhecimentos que fazem parte do Buddhismo esotérico tibetano.
São práticas reservadas a poucos monges, e seu conhecimento pode conferir uma iluminação
rápida e poderes ocultos incomuns.
Depois de Padma Shambava, o Buddhismo não decaiu no Tibet. Após ele, vieram outros
mestres que deram sustentação ao pensamento Buddhista. Um deles foi o famoso Milarepa, cuja
vida e obra chegou até nós graças ao professor Ewans Wents. Milarepa, em tibetano Mi la ras pa
(1040-1123), o principal discípulo de Marpa (1012-1097).
Ele nasceu numa família rica no ano de 1039. Com a morte de seu pai, sua fortuna ficou nas
mãos de seu tio, que cuidou para que Milarepa não tivesse acesso a qualquer parte da herança.
Sua mãe e irmã que ficaram como escravas, enviam Milarepa a uma escola de magia negra,
para que se vinguem do tio. Depois de estudar anos nessa escola, Milarepa desenvolve grandes
poderes, como promover grandes tempestades e paralisar pessoas à distância. Para se vingar,
ele desencadeou um temporal de granizo sobre a casa de seu tio, resultando na morte de
dezenas de pessoas. Depois desse uso dos poderes, Milarepa então começou a refletir sobre o
que fez, e se arrependeu profundamente. Ele compreendeu que seus atos lhe trariam um karma
muito negativo e resolveu fazer algo para se redimir. A partir daí, Milarepa conheceu outros
mestres até chegar à Marpa. Só de ouvir o nome Marpa, foi suficiente para desencadear uma fé
extraordinária e sentir ardente desejo de seguir os passos de seu mestre. Este o iniciou nas
práticas do Buddhismo esotérico e fez com que Milarepa se tornasse um grande Mestre do
Buddhismo Tibetano. Milarepa criou, ao longo de sua vida, muitos poemas místicos, que são
hoje reconhecidos como de grande valor literário. Vejamos um deles:

“A pintura dourada se desbota com o tempo,


as lindas flores do campo logo fenecem,
os pálidos raios da lua logo se devanecem,
o rio caudaloso dilui-se no mar,
o arroz que cresce no vale logo é colhido,
o filho querido cresce e logo se vai para sempre.

Isto mostra a transitoriedade de todas as coisas.


Isto prova a impermanência de todas as coisas.
Pense e você tomará consciência.

Estas são as comparações que canto,


espero que você se recorde sempre.
Preocupações e sofrimento sempre existirão,
então deixe-os de lado,
e viva segundo esta grande consciência.”

Seu poema mais famoso foi as Cem Mil Canções:

“Eu canto a essência das coisas


O trovão, os raios, as nuvens, esses três,
Ao emergirem, emergem do próprio céu.
Ao dissolverem-se, dissolvem-se no próprio céu.
O arco-iris, a neblina, o nevoeiro, esses três,
Ao surgirem e surgem do próprio espaço
Ao desaparecerem, desa parecem no próprio espaço.
A água, a colheita, o fruto, ao emergirem, emergem da própria terra.

Florestas, flores, verdura, essas três


Ao brotarem, brotam da própria montanha
ao desaparecerem, desaparecem na própria montanha.
Os rios, as correntes, as ondas, esses três,
Ao aparecerem, aparecem no próprio oceano
Ao desaparecerem, desaparecem no próprio oceano
O pensamento habitual, o amor, a possessividade, os três,
Ao surgirem, surgem na consciência de Alaya,
Ao desaparecerem, desaparecem na própria consciência de Alaya.

…O yogue vê a clara luz que nunca chega ou parte.


A aparência do mundo externo é uma ilusão.
Observando a natureza das manifestações
Ele compreende a identidade da manifestação e do vazio
E assim compreende que os dois não são diferentes.
A meditação e a não-meditação não são duas, e sim uma.
A causa de todos os erros é ver as duas coisas como se fossem diferentes.

Do ponto de vista final não há ponto de vista


Se comparares a natureza da mente
E a própria natureza dos céus
A própria natureza do teu ser será penetrada
E então verás que já percebeste a verdadeira significação
Do que está além do pensamento.”
(HUGO LAPA)

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