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UNIVERSIDADE DO ESTADO DE SANTA CATARINA - UDESC

CENTRO DE ARTES – CEART

TRABALHO DE HISTÓRIA DA ARTE

Nome: Karine Abatti Nunes


Curso: Artes Visuais
Fase: 2
Disciplina: História da Arte IV
Introdução:

Quero começar este trabalho fazendo uma reflexão sobre o que eu acho que a
arte deve fazer com o indivíduo Eu. Sempre digo que a arte está aqui para nos fazer
questionar sobre contextos sociais, culturais e políticos, assim como quebrar dogmas e
paradigmas ou aceitar pontos de perspectiva distantes.
Quem somos nós? Os auto-retratos da história talvez foram feitos para responder
essa pergunta. Eu nunca fiz um auto-retrato e até agora eu não sei quem eu sou. Sei que
vou transmutando, assim como as obras de arte foram com o decorrer do tempo.
O que deveria estar acontecendo nos tempos de hoje? Neste meu tempo, eu
tenho que fazer este trabalho, porém, com belas indagações do modo como minha
postura mental deve estar para realizá-lo, decidi pensar sobre essas questões.
Eu devo escolher 4 obras referentes às unidades I e II e logo pensei “ok, vou
pegar obras que me agradam esteticamente porque aí será mais fácil fazer”. Neste
momento, volto a refletir se estou encarando a arte do modo - que eu acho correto -
encarar. Será que realmente devo ir pelo mais fácil? Será que vou aprender algo sobre
mim mesma se eu fizer isso?
A partir dessas questões, decidi que vou abordar obras que me incomodam,
obras que eu de primeira vista não pararia para realmente observar e compreender
porque foge do meu sentido estético de belo. E assim espero que eu aprenda algo sobre
o meu Eu mesmo sem ter feito um auto-retrato.

“NÃO à precisão, anatomia, caráter, perspectiva, equilíbrio, pedagogia narrativa,


idealizações acadêmicas.
NÃO ao verdadeiro, o harmonioso, a totalidade, a felicidade, a certeza, o eterno.
SIM ao relance, o inacabado, o imperfeito, a vida simples e marginal, os sentidos, a
desconstrução.
MENOS os temas históricos, mitológicos, eurocêntricos
MAIS a inquietação, a rebeldia, o inconformismo, o incompleto, o imperfeito.”
Obra: Esperança
Dimensões: 111,8 x 142,2 cm
Técnica: Óleo sobre tela
Artista: George Frederic Watts
Ano: 1886
Local da obra: Tate Britain, London, UK

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Minha ideia ao começar esse trabalho é começar com algo que iniciasse o fim. O
fim de uma era pré-industrial e não tecnológica. Decidi começar com uma obra do
movimento Simbolista - um movimento literário da poesia e das outras artes que surgiu
na França, no final do século XIX, como oposição ao realismo, ao naturalismo e ao
positivismo da época.
O movimento recebeu o apelido de “decadentista” - alusão à decadência dos
valores estéticos então vigentes. Ao contrário do realismo, eles não visavam mais a
realidade, mas sim o inconsciente, o mundo dos sonhos e dos sentidos. Para interpretar a
realidade, os simbolistas se valem da intuição e não da razão ou da lógica. Preferem o
vago, o indefinido ou impreciso.
Num contexto sócio-cultural, o mundo estava sendo tomado pelas novas
tecnologias da revolução industrial e o início do capitalismo. Com isso, diversos
sentimentos pessimistas começaram a entrar em tona, por conta da divisão de classes,
trabalho árduo, imigrações recorrentes, etc. Desse modo, os temas mais explorados
pelos autores simbolistas são o misticismo, a morte, a espiritualidade e o ocultismo.
Nesta obra em específico, o título “Esperança” talvez até aludisse a um quadro
feliz e positivo, porém quando se olha para a obra vê-se que a última coisa que o autor
quis expressar era o sentimento de esperança. Ou será que ela está escondida em um
aspecto da obra? Afinal, estamos lidando com símbolos aqui.
De um ponto de vista estético, a técnica poderia até assemelhar-se com a do
realismo, contudo, no simbolismo o foco é o subjetivismo, é o símbolo por trás do
sentir; “como expressar a falta de esperança em uma tela?” eu imagino que tenha sido a
pergunta que George fez antes de começar a pintar.
A própria paleta de cores mostra essa característica de morte e desamparo: cheia
de cores neutras e escuras. Apesar da personagem retratada estar de olhos vendados,
sem as vendas, ela não iria conseguir enxergar muita coisa... Aliás, talvez fosse isso o
que George quis dizer: a falta de uma perspectiva de futuro. O próprio ato de tampar os
olhos já é de um simbolismo absurdo; afinal, não tem aquele ditado “se os olhos não
vêem, o coração não sente”? Na Bíblia (Hebreus, 6,19) diz-se que "a esperança é a
âncora da vida, segura, dentro de um véu."
Um novo aspecto sobre a pintura estava começando a ser formado: “o quadro é
um mundo” e nesse quadro específico, tem o mundo propriamente dito. A personagem
está sentada numa espécie de globo, que é uma representação da Terra. Uma visão bem
clara de que a falta de esperança não era apenas em seu país, porém no mundo todo.
Contudo, há esperança… Você consegue enxergá-la? Eu vejo uma espécie de
lira - ou o que sobrou dela - sobre a mulher, aquilo que está quase atado nela pode ser
que esteja a dando um pingo de esperança. A esperança é a última que morre? Essa lira
é a esperança. A música acalma e vibra dentro de nós. Quando o mundo inteiro for
engolido por notas musicais de amor e paz, pode ser que haja salvação.
Tendo em vista que os artistas decadentistas foram uma das forças que
motivaram posteriormente o surgimento das Vanguardas pela multiplicidade de estilos,
experimentação e ruptura radical com o passado. Quem sabe, as novas invenções não
tenham concebido o espaço para isso; a globalização pode ter levado essas notas
musicais para toda a população.
Ok, o capitalismo é uma merda, contudo, com o avanço dos veículos de
comunicação, podemos nos articular melhor e mais efetivamente com o mundo em prol
de lutar contra as mazelas e as injustiças que esse novo sistema nos traz. A música pode
circular no ouvido de todos ao mesmo tempo e encher cada coração de esperança por
um futuro melhor, mais livre e vivo.
Enfim, eu tenho esperança. Você tem?
Obra: Disjunção de Formas Obra: Metrópole
Técnica: Óleo sobre tela Técnica: Óleo sobre tela
Artista: Olga Rozanova Artista: Olga Rozanova
Ano: 1913 Ano: meados dos anos 90

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Estava pesquisando obras do estilo Cubo Futurista - estilo que até então não
conhecia muito - e me deparei com essas duas obras. A primeira que eu vi foi a
Disjunção de Formas; e a priori, me senti incomodada com as cores e os riscos de preto.
Não vou mentir, me transmitiu uma sensação de dor e tristeza. Em seguida, reparei que
a obra foi feita em 1913 - época em que estava acontecendo a Primeira Guerra
Mundial… Fui dar uma pesquisada sobre a dona da obra e li que ela foi uma artista
vanguardista russa inteiramente ligada ao suprematismo, então tudo se encaixou…
A segunda obra apareceu do lado e vendo a semelhança entre as duas, percebi
que se tratavam do mesmo tema: a destruição causada pela guerra.
Não à toa as duas tem uma paleta de cores fortes com cores primárias e esses
contornos em preto. A sensação é que Olga não estava bem psicologicamente para
pensar em misturar cores, e sinceramente, creio que qualquer um que estava vivendo
nessa época estava em um mundo cinza, acobertado pela fumaça de bombas, impedidos
de enxergar cores.
Em uma perspectiva estética, eu diria até que Olga estava remetendo aos
desenhos das cavernas, aludindo a esse primitivismo que estava aparecendo em meio a
guerras. Afinal, por que o ser humano ainda havia de lutar por terras? Sendo que
estávamos já em um nível muito mais avançado intelectualmente. Por que ainda
necessitamos agir como primatas? Nos matar como meros selvagens? Eu sinceramente
não sei como ela não usou sangue de animal invés de tinta vermelha na obra.
Ainda em Disfunção de Formas consegue-se notar um cidadão no meio com os
braços esticados para os lados, talvez querendo desviar dos objetos pontiagudos e
assustadores representados com essas linhas pretas - ou encontrar um modo de se
equilibrar no meio de todo esse devaneio. Além disso, no canto superior direito, tem
uma espécie de túmulo que eu acredito que seja em homenagem a todas as mortes que
estava acontecendo.
Em paralelo, a segunda obra - Metrópole - está questionando o mundo que Olga
estava vivendo. Este mundo que claramente estava um caos e foi muito bem aludido
pela pintora na tela. A perspectiva posta mostra a cidade caindo, se desintegrando e se
afogando em meio ao mar de sangue. Assim como na primeira obra, nesta, Olga
também posiciona um personagem no meio do caos; imagino que aquele ser era uma
representação de cada indivíduo que estava vivendo naquela época: perdido, sem saber
o que fazer, aterrorizado com o mundo em chamas.
Hoje, depois de mais de meio século que aconteceu a última Grande Guerra
Mundial, o ser humano parece que esqueceu que a morte existe. Agora estamos numa
guerra extensa e silenciosa com a nossa própria natureza.
Sem a noção de morte, consumimos desenfreadamente, extraímos daquilo que é
finito e vivemos com pressa para fazer as coisas. Não valorizamos mais a vida, e ainda
pior, não valorizamos aquilo que nos dá a vida: a natureza. O sistema capitalista é um
sistema de separação, estamos cada vez mais isolados, individualizados; sem o senso
coletivo entramos numa guerra interna onde ansiedades e depressão perduram no
cotidiano de todos.
Teríamos que nos resgatar e curar essas feridas que ardem nossa essência, nossa
terra e nossos espíritos. Não digo que temos que pensar na morte, mas lembrar que
estamos em vida, que estamos aqui nesse planeta e que devemos agradecer e cuidar
dele. Nos reerguer e reerguer as florestas que estão caindo, pois se elas caírem, caímos
juntos. Para mim, na obra “Metrópole” se fosse feita nos dias atuais, com certeza, invés
da cidade em chamas, estariam as matas. E aquele indivíduo no meio não seria apenas
um cidadão; seria o indígena, o preto, o favelado. Os elementos são diferentes, mas a
luta continua a mesma: a luta contra esse sistema opressor que queima tudo o que não é
condizente com ele e o lucro que ele quer fazer.
Obra: Personagem Atirando uma Pedra num Pássaro.
Dimensões: 73x92cm
Técnica: Tinta guache sobre tela
Artista: Joan Miró
Ano: 1926
Local da obra: The Museum of Modern Art, Nova Iorque

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Admito que a minha primeira reação ao ver essa obra foi: “que m&rd@ é essa?”
portanto pensei que seria ótimo colocá-la neste trabalho.
O título da obra já é um negócio que incomoda, não é? Por que alguém atiraria
algo em um pássaro? Então você olha para a imagem e vê uma espécie de pé gigante
completamente desfigurado com um objeto parecendo uma vara de pesca atravessando
o corpo e a primeira pergunta permanece: que m&rd@ é essa?
Para uma maior compreensão, irei citar um trecho do livro Get the Life You
Want de Richard Bandler:“Virginia Satir me disse algo que ressoou comigo por
quarenta anos. Ela perguntou, “Qual você acha que é o instinto humano mais forte?”.
Como um robô eu respondi, “sobrevivência.” Para mim, esse sempre tinha sido o
instinto mais forte. Ela disse, “Não, Richard. O instinto humano mais forte é a
necessidade de olhar para o familiar.” Pessoas são aterrorizadas pelo desconhecido. Na
verdade, às vezes as pessoas preferem se matar do que olhar para coisas novas”.
Nesse sentido, como Miró foi um pintor surrealista, ele gostava de brincar com
signos e símbolos no meio de espaços, por isso suas obras são bem incomodativas, pois
derivam de algo que a princípio é desconhecido pelo olhar de fora.
Em uma das aulas da professora, foi comentado que Miró em seu primitivismo,
fazia o esforço de desenhar até chegar ao desenho de criança. Isso me faz observar nessa
obra em particular se ele não queria representar um pouco dessa infância ali. Afinal,
sempre ouvimos falar em histórias de crianças que brincavam de jogar coisas em
animais que voam - especialmente pássaros. A própria representação do pássaro parece
um brinquedo de criança. Ademais, eu consigo enxergar um peão - outro brinquedo de
criança - na ponta desse arco que está cruzando o pé desfigurado.
É engraçado que o ambiente retratado parece uma praia e o objeto sendo usado
para atirar assemelha-se a uma vara de pescar. Me faz pensar se Miró não confundia
peixes com pássaros; ou pensava que peixes eram uma espécie de pássaros que nadam.
Depois de tanto tempo olhando a obra, ela começou a me intrigar: por que ele
representou o personagem dessa maneira? O que um pé gigante faria pescando um
pássaro nadador? Talvez a inspiração tenha vindo das diversas pegadas efêmeras que
são deixadas por todas as pessoas que andam pela areia. Afinal, tem pessoas que têm
um pé realmente muito grande. Às vezes, ele até se deparou com uma pegada tão grande
que pode ter pensado que foi o próprio Pé Grande quem fez.
Bom, se Miró estava realmente tentando buscar o seu primitivismo eu não sei,
mas eu, em particular, lembrei das diversas vezes que fui à praia e vi pegadas enormes
sendo engolidas pelas ondas do mar. E os peixes que passavam pelos meus pés e me
assustavam… Certamente, se eu fosse um pé gigante talvez eu também atiraria algo
neles.
Obra: O Impossível.
Dimensões: 178,6 x 167,5 x 90cm
Técnica: Bronze fundido patinado
Artista: Maria Martins
Ano: 1945

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Maria Martins foi um nome que peguei em um slide de uma aula em que a
professora falou que é uma referência brasileira, e achei que seria interessante colocar
um pouco de representatividade do Brasil nesse trabalho - ainda mais quando é uma
mulher.
Maria Martins foi escultora, desenhista, gravadora e pintora. Seu trabalho é
marcado por uma referência ao imaginário brasileiro (por exemplo, lendas locais) e pelo
foco no corpo.
Essa é uma das versões de “O Impossível” em que a autora retrata duas criaturas
- quase que biomórficas - conectadas pelos seus corpos (as partes de baixo delas estão
grudadas) porém, na parte de cima, a sensação é de um desejo de separação. A forma
que ela representou esses dois seres - com uma espécie de dentes grandes - me lembrou
até quando tentamos tirar um chiclete de uma superfície, porém ele já estava ali há tanto
tempo que quase se fundiu com o objeto.
Contudo, será que o desejo de separação vai ser o suficiente para que as pobres
criaturas se livrem um das garras do outro? O impossível pode virar o possível?
Acredito que esta escultura seja uma representação de muitos relacionamentos: o
impossível para uns pode significar a impossibilidade de estar juntos - seja por
distância, outros afazeres, etc. Por outro lado, tem a impossibilidade de permanecer
juntos; casais que apenas não dão mais certo, que já esgotou o tempo de
relacionamento, mas mesmo assim persistem por conta de filhos, casa e outros tipos de
dependência. E assim ficam repelindo um ao outro, quase transformando a relação em
algo perigoso e agressivo - assim como esse casal da escultura que está se abocanhando
com os seus dentes pontudos.
De acordo com o professor Raul Antelo, no catálogo da mostra Maria Martins:
Metamorfoses, feita em 2013 no Museu de Arte Moderna de São Paulo (MAM/SP), diz
que, em O Impossível, "a artista partira, de certa forma, da noção de que o amor, seja ele
carnal, sentimental ou ascético, revela sempre uma saudade pela continuidade, pela
continuidade perdida, isto é, reiteradamente, a busca de um impossível”. Eu até diria
que foi uma sacada boa dela fazer essa relação de atração e repressão; aquilo que nos
conecta ao mesmo tempo nos desconecta, etc.
Vendo por um ângulo temporal, ela foi feita logo após Segunda Guerra Mundial,
e todo mundo após grandes acontecimentos mundiais – principalmente uma guerra -
tem a tendência de quebrar vários estigmas e paradigmas.
Nesse contexto, Maria quebrou completamente com a ideia de romantismo até
então descrita. Pode-se dizer até que havia uma romantização do romantismo. Assim,
quando dois seres são feitos repelindo um ao outro, invés de em um amor eterno, isso é
claramente uma mudança da perspectiva positiva sobre o amor. Afinal, ela estava
vivendo em um mundo completamente fora de qualquer tipo de perspectiva positiva.
De acordo com uma reportagem da revista Veja Brasil, "A alegoria de uma
relação insaciável, mas proibida, é associada ao romance com Marcel Duchamp
(1887-1968), com quem ela teve uma prolífica relação profissional de apoio e influência
mútua." Tendo em vista que Marcel Duchamp foi um artista dadaísta - movimento
artístico surgido durante a primeira guerra mundial visando questionar o que é arte, de
modo a protestar a produção vigente da época - não é de se esperar um relacionamento
completamente fora dos padrões de um relacionamento perfeito. Aliás, será que é
possível ter um relacionamento perfeito?

Relacionamentos eu não sei, mas sei que todas essas aulas de história da arte foram
perfeitas. Obrigada, professora Rô.
Referências:

https://www.culturagenial.com/principais-obras-joan-miro-para-entender-a-trajetoria-do
-pintor-surrealista/
https://www.wikiart.org/pt/olga-rosanova/disjunction-of-forms
https://www.wikiart.org/pt/olga-rosanova/cityhttps://www.wikiart.org/pt/olga-rosanova/
city
https://www.itaucultural.org.br/secoes/acervos/maria-martins-escultura-desejo-e-incomp
letude
https://veja.abril.com.br/cultura/a-deusa-e-seus-monstros-mostra-no-masp-resgata-obra-
de-maria-martins/
https://www.wikiart.org/pt/artists-by-art-movement/simbolismo#!#resultType:masonry

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