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MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL

28º Concurso para provimento de cargo de Procurador da República

Direito Processual Civil - Examinador: Sandra Curreau

LFG CARREIRAS JURÍDICAS 2012 – Prof.: Fernando Gajardoni

Aula 15 – Procedimentos Especiais em Espécie – Ação de Anulação e


Substituição de Títulos ao Portador

1. Generalidades do Direito Material:

Título ao portador é um documento que expressa a obrigação assumida por


alguém, de pagar certa soma em dinheiro, a quem se lhe apresente como
detentor do título. A característica destes títulos é a inexistência de um
beneficiário expressamente mencionado.

A transferência dos títulos ao portador e do crédito neles consubstanciado


se faz por simples tradição manual, sendo considerado proprietário e, portanto,
sujeito ativo das obrigações dele decorrentes, quem com ele se apresentar
sem que caiba indagar do modo como o adquiriu e não importando os
detentores intercalados. Entretanto, a posse do título deve ser legítima, i.e.,
passível de ser comprovada e justificada a qualquer momento. 

Equiparam-se aos títulos ao portador os signos, i.e., bilhetes de ingresso a


espetáculos teatrais, cinematográficos, esportivos, shows etc., pois encerram
promessa de prestação de determinado serviço. Os signos ao portador têm
todas as características do título ao portador no que se refere ao aspecto
funcional, embora não possuam a mesma forma, que apresenta um maior grau
de simplificação. Devido ao pequeno valor e curto espaço de tempo decorrente
entre a emissão e apresentação, é improvável o emprego das ações referidas
neste capítulo

Por ser de fácil circulação e não ter um beneficiário determinado, graves


prejuízos podem causar ao legítimo detentor do título a sua perda, destruição
ou furto, pois o portador, mesmo que ilegítimo, será, formalmente, o titular do
crédito. Isto traz à tona o problema do enriquecimento ilícito, que os diversos

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sistemas jurídicos procuram resolver de maneiras as mais variadas. Por esta
razão o Código de Processo Civil e leis especiais prevêem o procedimento a
ser adotado pelo legítimo detentor nos casos acima previstos.

Trataremos, aqui, apenas da disciplina do CPC, que no art. 907 facultou


àquele que perdeu o título de crédito ou foi dele desapossado injustamente: a)
reivindicá-lo de quem o detiver ou b) requerer-lhe a anulação e substituição por
outro.

2. Ação de reivindicação:

Aquele que perde o título ou é vítima de furto, poderá reivindicá-lo do


detentor ilegítimo, pois não houve ato de circulação válido que legitimasse a
posse deste. Se, todavia, o portador ilegítimo faz circular a cártula, o terceiro
adquirente de boa-fé, estará protegido, pois a circulação torna a posse do
terceiro perfeita, juridicamente, se ele não tem conhecimento do vício da posse
daquele que lhe transferiu o título.

2.1 Cabimento da ação:

A ação reivindicatória tem lugar nos casos de perda e furto – incluído, aqui,
o roubo – e será processada no rito ordinário ou sumário de acordo com o valor
da causa, pois o art. 908, CPC exclui, neste caso, o rito especial.

2.2 Cabimento de cautelar preparatória de sequestro do título :

É recomendável, como medida cautelar preparatória, o seqüestro do título,


para evitar sua circulação e demonstrar a possibilidade de reivindicação (art.
822, I).

2.3 Procedência do pedido e ônus da sucumbência :

Julgado procedente o pedido de reivindicação, o detentor sofrerá os ônus


da sucumbência.

2.4 Contestação:

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O réu só poderá contestar a ação quando acompanhar sua contestação do
título reclamado (art. 910).  Oferecida a contestação, o rito se converte em
ordinário.

2.5 Obrigação de reembolso e possibilidade de denunciação da lide :

É perfeitamente possível que o detentor tenha comprado o título em Bolsa


de Valores ou leilão, caso em que há presunção de boa-fé e o autor, para
receber o título deverá primeiro reembolsar o adquirente do preço pago,
ressalvado o direito de reavê-lo do vendedor (art. 913).

Para reaver o valor do reembolso, o autor pode denunciar o vendedor à lide,


até mesmo na inicial, caso queira (art. 70, III). Se, todavia, o autor não sabe
que o título foi adquirido pelo réu em Bolsa ou leilão público, reembolsará o réu
quando ele comprovar a circunstância, mas não poderá denunciar o alienante à
lide, pois o momento oportuno já passou (art. 71, 1ª parte), restando-lhe, para
exercer regresso, promover ação de ressarcimento contra o alienante.

Há quem diga que, embora o art. 907, I não faça referência à propriedade,
só pode fazer uso da ação ali tratada o dono do título, interpretação que
resultaria deste dispositivo com o art. 913, visto que este se refere ao "dono
que pretender restituição". Tal argumento entretanto, não tem validade no
plano processual, pois o art. 913 se restringe apenas à reivindicação de  títulos
adquiridos em bolsa ou leilão e, portanto, não repercute no art. 907, I.

3. Ação de anulação e substituição:

A ação de anulação e substituição é procedimento especial de jurisdição


contenciosa e segue o rito previsto pelo CPC, que é infungível (art. 908 e s.) e
tem por finalidade "anular o título primitivo, para ser substituído por outro, de
forma a possibilitar ao credor o exercício de seu direito de crédito".

3.1 Cabimento:

3.1.1 Destruição total da cártula:

Esta ação será utilizada em caso de destruição total da cártula, pois


primeiro se fará cessar a eficácia do título para que ele seja substituído por

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outro. Todavia, há aqui uma imprecisão, pois como se pode falar em anulação
de uma coisa que não existe mais, não havendo, portanto, que se questionar
sobre sua eficácia ou validade?

Isto posto, a ação de que se deve fazer uso é a de substituição pura e


simples, não precedida de anulação. Tal ação, contudo, ter-se-ia de submeter
ao rito ordinário ou sumaríssimo (se de pequeno valor), pois as regras do CPC
não alcançam a hipótese de destruição total. 

3.1.2 Perda por extravio ou desapossamento injusto :

Em caso de perda por extravio ou desapossamento injusto, é possível a


ação de substituição precedida da anulação do título, pois ele está com pessoa
indeterminada e não se pode correr o risco de haver circulação paralela de
duas cártulas incorporando a mesma obrigação. Todavia, o Código dá ao
desapossado a possibilidade de optar pela ação de reivindicação ou de
anulação e substituição. 

3.2 Requisitos da Petição Inicial:

O autor deverá expor na inicial, além dos requisitos do art. 282, a


quantidade, espécie, valor nominal do título e atributos que o individualizem, a
época e o lugar em que o adquiriu, as circunstâncias em que o perdeu e
quando recebeu os últimos juros e dividendos (art. 908, caput) [10]. Requererá,
ainda, na inicial (art. 908, incs. I a III):

I) a citação do detentor e, por edital, de terceiros interessados:

O detentor deverá ser citado pessoalmente. Se desconhecido o detentor,


sua citação será abrangida pelo edital que cita os terceiros interessados,
devendo estes serem, obrigatoriamente, citados, sob pena de ineficácia da
sentença, inclusive para os que foram citados. O litisconsórcio é necessário e
unitário, pois a caducidade do título deverá ser reconhecida erga omnes.

O edital tem por fim dar ao público o conhecimento de que existe demanda
para dificultar a circulação da cártula e citar possíveis interessados incertos.

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II) a intimação do devedor para depositar em juízo o capital (valor do título),
juros ou dividendos vencidos ou vincendos;

O devedor deve ser entendido como o subscritor ou emissor do título e sua


intimação tem duas finalidades: 1ª) citá-lo, para que possa se defender
negando a existência do título ou alegando qualquer causa extintiva de sua
obrigação; 2ª) dar ciência de que o título é objeto de demanda para não ser
pago a outrem, que acaso o apresente, o valor que dele consta.

III) a intimação da Bolsa de Valores para conhecimento de seus membros, a


fim de que estes não negociem os títulos.

Observe-se que a Bolsa de Valores é intimada quando há alguma ação


tramitando acerca de determinado título para que seus membros tomem
conhecimento e não negociem tais títulos. Se, apesar da intimação, os
membros da Bolsa negociarem estes títulos, serão responsáveis perante os
adquirentes, pois negociaram com o que não podiam negociar. 

Pressuposto para o desenvolvimento válido do processo, é a justificação


satisfatória, por parte do autor, do alegado na inicial, o que se fará por
documentos ou testemunhas.

Em suma, o processo começa pela justificação do pedido, que tem por fim o
não se deferirem a citação e as intimações, perturbando a circulação do título,
sem que se tenha base, ao menos superficial da situação (desapossamento
injusto, perda ou destruição do título ao portador). 

Ernane Fidélis entende que, na justificação basta o exame superficial da


prova, restringindo-se o juiz a verificar a simples possibilidade de existência
dos fatos.  Entretanto, há opiniões, como a de Adroaldo Fabrício, no sentido de
que a prova tem de ser suficiente para tornar plausível o alegado, não devendo
o juiz satisfazer-se com a simples possibilidade das alegações serem
verdadeiras, pois "pedir apenas que a verdade do alegado seja teoricamente
possível eqüivale, na verdade, a dispensar qualquer elemento de convicção. A
isso bastaria que a exposição do autor não encerrasse uma impossibilidade
física ou um absurdo lógico: para esse fim não se exigiria justificação, pois é o
que se espera de qualquer petição inicial (grifo original)" .

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3.3 Citação do réu e intimações ou indeferimento liminar :

Justificados os fatos, o juiz determina a citação do réu e a intimação do


devedor e da Bolsa de Valores. Não justificados os fatos, o juiz indefere a
inicial liminarmente, extinguindo o processo sem julgamento do mérito (art. 267,
IV).

"A relação jurídica processual começa com o despacho do juiz, quer ele
haja tido como justificado o pedido com a simples petição (...)quer tenha
exigido algum complemento." 

3.4 Modalidades de contestação e procedimento :

A contestação que versar sobre legitimidade da posse do título fica


condicionada ao depósito deste nos autos (art. 910). Versando a contestação,
porém, sobre outra matéria, como v.g., negativa de posse, não há como exigir
o depósito.

Contestada a ação, o processo segue procedimento ordinário (art. 910,


parágrafo único). Se não há contestação, o juiz tem de proferir sentença.

3.5 Sentença:

Se o detentor ou terceiro ao contestar a ação depositou o título e a


sentença foi de procedência, não há necessidade de declarar o título
caduco (anulado, desconstituído), bastando desentranhá-lo dos autos e
entregá-lo ao autor. 

Não estando o título depositado e tendo sido julgado procedente o pedido


do autor, o juiz declara o título caduco e ordena ao devedor que lavre outro em
substituição ao primitivo no prazo que a sentença assinar, após o trânsito em
julgado (art. 911).

A sentença é constitutiva (negativa), pois cria uma nova situação jurídica


com a substituição do título, e, embora o devedor fique obrigado a emitir outro,
a decisão, por si só, o substitui, sem necessidade de nenhuma execução (art.
641). 

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Se a ação é julgada improcedente, o título não é entregue ao autor e nem
amortizado e substituído a seu favor, mas isto não afasta a possibilidade de
que outra pessoa proponha a mesma ação.

4. Título parcialmente destruído:

Estando o título parcialmente destruído – em razão de supressão do


documento (queimado, rasgado, molhado, v.g.) ou dano na grafia (v.g., letras
apagadas), o portador, exibindo o que restar dele, poderá requerer sua
substituição (art. 912). Entretanto, a recartulação só se justifica quando a
deterioração se deu de forma tal que prejudique a identificação dos direitos
corporificados no título, comprometendo a circulação.

4.1 Requisitos da petição inicial:

O Código não delineia os limites de destruição que comporta a recartulação


simplificada do art. 912, mas se restar da cártula apenas um fragmento que
não faça presumir seja um título ao portador, não será possível o pedido
fundado no artigo. Isto porque a apresentação de um fragmento inexpressivo
do título não elimina a possibilidade de o restante da cártula estar circulando ,
gerando o perigo de duplicação de relação jurídica única, principalmente
porque este procedimento não prevê justificação e nem citação de interessados
incertos.

4.2 Legitimidade:

A legitimidade para ser parte nesta ação é do portador do título


parcialmente destruído e do devedor.

4.3 Citação:

Nesta ação, a única exigência de citação é do devedor, pois é ele quem


deverá contestar a ação ou substituir o título parcialmente destruído no prazo
de dez dias.

4.4 Contestação e procedimento:

Na contestação pode ser alegado desde a negativa de existência do título


até a insuficiência de prova da sua destruição. Contestado o pedido, o

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processo segue o rito ordinário (art. 912, parágrafo único); não sendo
contestada a ação o juiz profere desde logo a sentença, o que não implica em
acolhimento do pedido.

4.5 Sentença:

A sentença de procedência condenará o demandado na emissão de novo


título, devendo o título novo ter as mesmas características do anterior, pois se
trata de uma reinstrumentação. O devedor só será condenado em custas e
honorários advocatícios se o autor provar que a destruição do título ocorreu por
culpa daquele.

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