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Recensão crítica do excerto

Relações da China com o exterior,


de Élisée Reclus, In Geografia,
por Manuel Correia de Andrade e Florestan Fernandes
ISBN 85 08 00463 x, p. 130-142, 1985

Tomás Álvares Guedes Vaz


227898

Docente: Professor Associado Pedro Borges Graça


Curso: Relações Internacionais, 2º ano, Regime de Diurno
Unidade Curricular: Geografia Humana
Contacto: tomasgvaz@hotmail.com

Lisboa
2021
Élisée Reclus, francófono, geógrafo e militante anarquista, viveu durante o século
XIX e início do século XX, nunca separou a sua ação e opinião política do seu trabalho
científico. Contrariou o pensamento geográfico da sua época e, contrariamente a colocar-
se em serviço do Estado, Élisée Reclus mostrou que os interesses do entravam em conflito
com os interesses das classes dominantes que controlam o Estado. O que lhe interessava
era demonstrar a contribuição que a geografia poderia dar como solução aos problemas
sociais existentes e explicar a origem dos mesmos.

Organizada por Manuel Correia de Andrade e coordenada por Florestan


Fernandes, a obra Geografia (1985) é uma antologia, em que os textos selecionados são
da autoria de Élisée Reclus. Onde estão refletidos e é dada uma ideia do seu pensamento
e das suas posições. A análise aprofundada e a discussão da obra foram fundamentais ao
desenvolvimento da ciência geográfica, uma vez que não obstante as suas ideologias, as
suas proposições são universais e válidas para o conhecimento e estudo da dinâmica da
realidade geográfica.

O excerto em questão, retrata, como o título indica, as 9. Relações da China com


o exterior (p. 130-143), originalmente L’empire du milieu1, que se encontra segmentado
em três partes: I. Os estrangeiros na China: seu número crescente, II. O Pidgeon English,
III. Os chineses no exterior; a emigração chinesa.

Uma vez que é um excerto e consiste num retrato de um fenómeno social e de uma
relação, o seu contexto histórico é fulcral, e exponencial visto que tem lugar numa época
com dois séculos de distância da atual e em que tudo no mundo estava disposto duma
forma muito pouco semelhante à dos dias de hoje. É muito pertinente então, a lente com
que interpretamos o retratado e saber compreender de acordo com o enquadramento.

Este excerto está inserido na parte III de V da coletânea, O Problema Colonial.


Anteriormente à abordagem do “Reino Florido” estuda-se 7. A Grã-Bretanha e as
colônias de povoamento e 8. Colônias de exploração: governo e administração da Índia.
Conduzindo-nos a uma abordagem das migrações que tiveram lugar no século XIX2 entre
a grande potência britânica e as suas colónias e posteriormente então entre a China
também. A partir de “1879”, primeira data mencionada pelo autor no excerto, já se vivia

1 Reproduzido de RECLUS, É. Relations de la Chine avec l’exterieur. In: - e RECLUS, Onésime. L’empire du milieu.
Paris, Hachette, 1902. Cap VI, p 553-69. Trad. por Maria Cecília França.
2 Espaço temporal estudado pelo autor.
a Segunda Revolução Industrial, ou seja, aumento de postos de trabalho e a sua procura,
melhoramento nas condições de vida e a busca pelas mesmas, e aumento e diversificação
das relações comerciais. Sendo estes então fatores importantes a ter em conta aquando da
análise das migrações pois de facto demonstram a sua relevância.

A hegemonia da Inglaterra ao longo do século XIX, explica logicamente o


Pidgeon English uma vez que não se sabia falar bem logo surgiam derivações e crioulos,
mas que comunicando através da língua tinha-se mais alcance e acessibilidade ao
comércio, “(…) língua inglesa (…) já falada em todas as lojas, de Rangum a Iocoama,
já ensinada nas instituições militares e navais da China, nas escolas do Sião e do Japão
(…).”3, tal como aconteceu nas diversas colónias anglo-saxónicas. Pidgeon English ou
pidgin que resulta numa língua simplificada composta por elementos de duas ou mais
outras línguas, utilizada como forma de comunicação entre comunidades linguísticas
diferentes4, neste caso a língua inglesa e as línguas das colónias ou também de algumas
localidades costeiras da China e do Japão. Formaram-se cerca de vinte cinco ou mais
pidgin inglês contando com Ásia e África. “(…) língua inglesa (…) utilizada entre os
próprios habitantes das diversas províncias do Império Amarelo, ela tem por destino
infalível o de se tornar a língua do Extremo Oriente (…).”.

Nesta terceira subparte das relações da China com o exterior, é analisada Os


chineses no exterior; a emigração chinesa. Neste segmento foi realçado o “êxodo
moderno” e que de facto já “(…) não se consideraram os retornos para a China (…)” e
que o “(…) entusiasmo fez computar no presente o que (…) vá ver o futuro, imaginando-
se que enchiam já o mundo (…)”5.

O século XIX ou o Século de Humilhação por Kaufman, na atual China, então


reino sob a dinastia Qing de regime monárquico absolutista, foi muito duro para a sua
população, o que levou à pobreza, não da nação, mas da população, sendo o fator que
mais teve peso de acordo com Reclus e o que poderá então levado às emigrações no fim
do século XIX.

3
Curzon, G. (1896). Problems of the Far East. Reclus, E (s.d.) In Geografia (1985) por Andrade, M. (organizador) e
Fernandes, F. (coordenador). São Paulo: Ática, p. 133.
4 Infopédia – definição de pidign – Dicionários Porto Editora.
5 Reclus, E (s.d.) In Geografia (1985) por Andrade, M. (organizador) e Fernandes, F. (coordenador). São Paulo:

Ática, p. 134
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Começando pelas importantíssimas Guerras do Ópio, na Primeira (1839-1842)
derrotada pelos britânicos uma vez que não conseguiu dar resposta à nação avantajada
pelo crescente industrialismo, mercantilismo e força militar. Não obstante, esta não
derrubou a dinastia de trezentos anos, mas abalou-a com certeza, dando impulso e poder
às forças ocidentais. A última dinastia imperial foi então enfraquecendo com os Tratados
Desiguais e cedência de Hong Kong. Com a Rebelião de Taiping (1850-1864), ainda que
vencedora a dinastia Qing enfraqueceu bastante, e simultaneamente, com a derrota da
Segunda Guerra do Ópio (1856–1860) para a Grã-Bretanha e França, seguida de mais
uma ronda de Tratados Desiguais, indemnizações, abertura de onze portos ao comércio e
a cedência da Manchúria. Após estas guerras seguiram-se as guerras sino-francesa contra
a França (1884-1885) estabelecendo a Indochina Francesa e a guerra sino-japonesa contra
o Japão (1894-1895) que originou o tratado de Shimonoseki, a cedência de Taiwan, e
tornando a Coreia um protetorado japonês. Posteriormente em 1898, aconteceu a tentativa
da Reforma dos Cem Dias pelo imperador Kwang-su.

Por fim a Guerra dos Boxers (1900-1901) levada a cabo pelos violentos e
nacionalistas pugilistas descontentes com a falta de ação perante a presença estrangeira
na China, ao que esta levou à invasão da Aliança das Oito-Nações 6 e por último a
expedição britânica ao Tibete (1903-1904).

Todos estes acontecimentos tiveram grande peso na influência na população, nas


suas vidas e nas suas condições, mas ainda assim verificou-se um aumento imenso na
população desde 1650 com cento e cinquenta milhões para trezentos milhões no início de
1800 alcançando os quatrocentos e cinquenta milhões de pessoas. Levando à diáspora,
subordinação e menosprezo7 da população chinesa, sendo também o que proporcionou
uma ainda maior propagação. Estes faziam qualquer trabalho aceitando menos que
qualquer outro povo “(…) os trabalhadores chineses são preteridos (…), são proscritos
porque se teme a sua concorrência, (…) que lhes permite trabalhar a um preço com o
qual os europeus não se podem contentar (…)” tanto que levou a “(…) obstáculos à
chegada de chineses (…)” e inclusive o governo de Pequim assinou um tratado com os

6 Império Britânico, Estados Unidos da América, Austrália Colonial, Índia Britânica, Alemanha, França, Império
Austro-Húngaro, Império Russo, o Reino de Itália e o Império do Japão.
7 “(…) cule, (…) ralé, (…) nunca gostaram deles (…)” Reclus, E (s.d.) In Geografia (1985) por Andrade, M.

(organizador) e Fernandes, F. (coordenador). São Paulo: Ática.


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EUA para limitar os “amarelos”8. Estavam sujeitos a serem transportados como no tráfico
humano e a morrer de péssimas condições tanto na viagem como nos locais onde eram
explorados 9 . E uma vez que os homens eram mais hábeis para trabalhar pois ainda
estavam no séc. XIX, e a população a crescer, a tendência do infanticídio das raparigas
perdurou até há pouco tempo sob a forma da política de um filho e posteriormente já no
século XXI a introdução da política de dois filhos.

8 “(…) o governo de Pequim acabou por assinar, com os Estados Unidos, um tratado que limita o direito de
estabelecimento de seus súditos sobre o solo da “América Livre”.” Reclus, E (s.d.) In Geografia (1985) por Andrade,
M. (organizador) e Fernandes, F. (coordenador). São Paulo: Ática, p. 139.
9 “(…) as taxas de capitação impingidas (…), as medidas humilhantes de toda a espécie e, (…) as perseguições

diretas e os massacres (…)” Reclus, E (s.d.) In Geografia (1985) por Andrade, M. (organizador) e Fernandes, F.
(coordenador). São Paulo: Ática, p. 139.
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Referências Bibliográficas

Obra:

Reclus, E (s.d.) In Geografia (1985) por Andrade, M. (organizador) e Fernandes, F.


(coordenador). São Paulo: Ática, p. 130-142. Disponível em
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