Você está na página 1de 15

1

ENCONTRO NACIONAL DOS ESTUDANTES DE RELAÇÕES INTERNACIONAIS

A evolução do conceito de segurança coletiva e as operações de paz das Nações


Unidas

Vinicius Tavares de Oliveira

Artigo apresentado para avaliação


do XV ENERI para ser
apresentado nos dias do evento.

Belo Horizonte
2010
2

SUMÁRIO

1. INTRODUÇÃO.........................................................................................................03

2. A PRIMEIRA GUERRA E O “FIM DO EQUILIBRIO DE


PODER”........................................................................................................................04

3. A SEGURANÇA COLETIVA E A LIGA DAS


NAÇÕES.......................................................................................................................04

4. A CRIAÇÃO DA ONU E A SEGURANÇA COLETIVA DURANTE A GUERRA


FRIA..............................................................................................................................06

5. O PÓS GUERRA FRIA E A AMPLIAÇÃO DO CONCEITO DE


SEGURANÇA…………………....................................................................................07

6. ALGUMAS OPERAÇÕES DE PAZ DA ONU………………………………………..09


6.1 A Guerra das Coréias e o Ataque das Nações Unidas………………...……..09
6.2 O Genocídio em Ruanda e a UNAMIR……………………………………….….10

7. MISSÕES DE PAZ DA ONU: O ARTIGO “SEIS E MEIO” E A CREDIBILIDADE


DO NOVO SISTEMA DE SEGURANÇA COLETIVA POSTO EM
CHEQUE………………………………………………………………………………………12

8. REFERÊNCIAS.......................................................................................................14
3

A evolução do conceito de segurança coletiva e as operações de paz das


Nações Unidas

Vinícius Tavares de Oliveira1

Resumo

A idéia de segurança coletiva vem sendo aplicada desde a criação da Liga das
Nações, no final da primeira guerra, até as atuais operações de paz da ONU. Sua
aplicabilidade ainda é seriamente questionada, assim como sua continuidade.
Entender a base deste conceito, assim como o mesmo aparece no pacto da Liga das
Nações e na carta da ONU é de vital importância para se avaliar a legitimidade das
operações de paz que a última instituição mantém e entender se as mesmas tem sido
eficazes na manutenção da paz mundial.

Palavras Chave: Segurança Coletiva, ONU, Liga das Nações, Operações de Paz.

1. INTRODUÇÃO
Este artigo tem como objetivo principal avaliar em que medida o conceito de
Segurança Coletiva ajuda na manutenção da paz e da ordem mundial, e de que forma
as operações de paz da ONU se encaixam no contexto deste conceito. O mesmo é
dividido em três partes, basicamente. Na primeira parte é apresentada a evolução do
conceito de Segurança Coletiva desde a sua criação na Liga das Nações (LDN), no
final da Primeira Guerra Mundial, até o pós-guerra fria, passando pela criação da
Organização das Nações Unidas e o período da guerra fria. A forma pela qual se
apresenta esta evolução se dá na avaliação dos artigos do pacto da LDN e na carta da
ONU para se chegar a um conceito geral.
Após isso, são apresentadas duas operações de paz que a ONU realizou. Aqui
foram escolhidas as seguintes operações: Coréia (1950) e Ruanda (1994). Tais
operações foram escolhidas uma vez que, uma delas, foi implementada durante o
regime da guerra fria, e a outra no pós guerra fria. A idéia aqui é mostrar como este
período influenciou na decisão da Organização, além de exemplificar e corroborar com
o objetivo central deste artigo.
A última parte do artigo se destina a considerações finais, além de uma
potencial conclusão acerca do tema que foi pesquisado.

1
Graduando em Relações Internacionais pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais.
4

2. A PRIMEIRA GUERRA E O “FIM DO EQUILIBRIO DE PODER”


A Primeira Guerra Mundial causou uma enorme perturbação social e ondas de
choque de repulsa ante a mortandade absurda. A política do equilíbrio de poder foi
amplamente culpada pela guerra. Woodrow Wilson, o presidente americano durante a
Primeira Guerra Mundial, era um liberal clássico do século XIX que considerava
imorais as políticas de equilíbrio de poder porque elas violavam os princípios
democráticos e a autodeterminação nacional. (NYE, 2009)
Wilson não queria ver os estados soberanos abolidos, mas acreditava que
poderia regular seus comportamentos através de instituições internacionais, assim
como no nível interno. Assim, em seu décimo quarto ponto, o presidente americano
inaugura uma nova maneira de se pensar a guerra e a paz nas relações
internacionais. “Sem dúvida, Wilson queria mudar o sistema internacional de um tipo
baseado na política do equilíbrio de poder para outro baseado na segurança coletiva”.
(NYE, 2009)
Para que esse novo sistema fosse de fato materializado, seriam necessárias
três novas concepções: em primeiro lugar, a agressão deveria se tornar ilegal e
condenar a guerra ofensiva; em segundo lugar, em vias de coibir tal agressão, formar-
se-ia coalizões comprometidas com a não agressão e que ajudariam qualquer outro
estado que fosse atacado; por último, se a intimidação da coalizão não fosse
suficiente, seria utilizada a força militar contra esse estado agressor. Dessa forma, a
paz seria indivisível. (NYE, 2009)
Para se pensar em segurança coletiva, deve-se ter em mente dois conceitos
chave que estão intimamente relacionados com o primeiro: soberania e legislação
internacional. A soberania lida com a supremacia legal dentre de um território; ao
assinar um tratado em que o estado pode sofrer intervenções em seu território caso
incorra em agressão ofensiva a algum outro, o mesmo desiste, voluntariamente, de
parte desta soberania em favor da comunidade internacional em troca das garantias
de uma segurança coletiva e de uma legislação internacional. (NYE, 2009)
A legislação internacional transcende a legislação nacional e, também, a
soberania em algumas situações. Era lugar comum, desde Westfália, que os estados
são soberanos a não ser quando violam a legislação internacional. Assim, a segurança
coletiva seria a “polícia” da legislação internacional, no sentido de que teria por
objetivo evitar que tal legislação fosse descumprida.
3. A SEGURANÇA COLETIVA E A LIGA DAS NAÇÕES
A Liga das Nações (LDN) foi a primeira organização internacional universal,
pois seus criadores imaginaram uma entidade que poderia incluir todos os Estados
soberanos que escolhessem compor os seus quadros. Além disso, foi uma tentativa
5

clara de impor um tipo de paz aos vencidos pelos vencedores, uma vez que seu
escopo fora desenhado na conferência de paz em Paris, quando do tratado de
Versalhes. (HERZ & HOFFMANN, 2004)
É na Liga, também, que se observa a primeira tentativa de criar um sistema de
segurança coletiva. Baseada principalmente nos artigos 10, 11 e 16, tal conceito fora
concebido no sentido de que qualquer agressão, engajada por um estado, à
territorialidade de outro, membro da Liga ou não, enfrentaria retaliações econômicas,
comerciais, diplomáticas e até mesmo militares por parte dos Estados-Membros da
Liga ao agressor. A idéia aqui era evitar que tais agressões fossem iniciadas, uma vez
que todos os estados, munidos do calculo racional, não se engajariam em uma
disputa, seja ela armada ou não, uma vez que sofreriam retaliações de todos os outros
estados que teriam, muito provavelmente, uma força maior do que este agressor
sozinho no sistema internacional; nesse sentido, percebe-se a importância de não se
haver uma unipolaridade sistêmica, uma vez que o Estado unipolar teria forças
suficientes para derrotar qualquer coalizão de adversários.
O grande problema encontrado neste sistema seria o fato de que as decisões
da Liga deveriam ser tomadas por unanimidade, e não terem o caráter obrigatório,
além, é claro, da não participação dos Estados Unidos, o que tornaria uma sanção
econômica difícil de ser aplicada, uma vez que o referido país, à época, já era um
Estado em ascensão. A principal questão aqui, é que, esbarrando em interesses
estatais divergentes, a definição do que seria uma agressão não era clara, o que
dificultava a aprovação de uma resolução baseada no Artigo 16. Dessa forma, apesar
de o sistema criado prever uma ação mais rígida em relação a um agressor, uma
resolução deste porte, baseada no Artigo 16, nunca fora tomada.
Um sistema tão descentralizado como esse não poderia funcionar ou prover
qualquer tipo de segurança. Ao contrário, sua falha ao garantir a paz fez com que a
insegurança surgisse de forma que nenhum estado esperava ser defendido pelo
sistema de segurança coletiva da liga. Assim, vários conflitos eclodiram durante o
tempo de funcionamento da Liga e a mesma não foi capaz de evitá-los. Para citar
alguns destes conflitos temos: a Guerra do Chaco entre Bolívia e Paraguai (1932-
1935); a invasão da Manchúria pelo Japão em 1931; a absorção da Albânia pela Itália
em 1939; o começo da expansão alemã na Áustria e nos sudetos; além, é claro, das
agressões alemãs que anunciavam a segunda guerra mundial. (KOLB, 2007)
Desta forma, a Liga sucumbiu aos interesses estatais justamente por uma de
suas características mais valorizadas: o universalismo. Vale lembrar que a
necessidade de unanimidade para qualquer decisão se tornava um problema sério
uma vez que esbarrava nas políticas externas divergentes dos países e estes não
6

queriam se comprometer em relação a um parceiro comercial ou político. A lógica do


balanceamento de poder prevalecera. Contudo, apesar de o sistema ter entrado em
colapso, a Liga forneceu as bases para a criação de um novo sistema de segurança
coletiva; desta vez mais sofisticado e arrojado, quando da criação de uma nova
organização universal nos anos 40: a Organização das Nações Unidas.
4. A CRIAÇÃO DA ONU E A SEGURANÇA COLETIVA DURANTE A GUERRA
FRIA
Mesmo com o fracasso da Liga das Nações, os estadistas do pós-segunda
guerra acharam necessário a criação de uma outra organização internacional, que se
espelhasse nos acertos e corrigisse os erros de sua predecessora. Assim, é possível
observar o ressurgimento do conceito de segurança coletiva, desta vez menos utópico
e que, em tese, atendesse as realidades de sua época.
As Nações Unidas abandonam as idéias desarmamentistas ingênuas de sua
predecessora, passam a incluir no seu documento fundacional a temática econômica e
social e inovam, de maneira muito significativa, ao propor que seja o princípio da
segurança coletiva aquele em torno do qual se organizará a vida internacional.
(AZAMBUJA, 1995)
Desta vez, é criado o sistema de veto, onde as potências permanentes do
Conselho de Segurança (atualmente China, Estados Unidos, França, Reino Unido e
Rússia) poderiam barrar qualquer decisão que julgassem incorreta, ou malfadada.
Desta forma, “o poder de veto funcionaria como um fusível, congelando o processo
decisório quando há perigo de colapso do sistema”. Além disso, o caráter obrigatório
das decisões do Conselho daria uma espécie de confiança maior na legitimidade de
suas ações. Em suma, o sistema de segurança coletiva das Nações Unidas está
baseado nos artigos VI e VII, que lidam com “soluções pacíficas de controvérsias” e
“ações relativas a ameaças a paz, ruptura da paz e atos de agressão”,
respectivamente. (HERZ & HOFFMANN, 2004)
Como mencionado anteriormente, a projeção militar coordenada pela
Organização seria a grande diferença e, em tese, a grande evolução da ONU em
relação a LDN. Contudo, as tensões da guerra fria se sobrepuseram a esse interesse
e tal braço armado da ONU nunca fora criado, nem sequer debatido a fundo. Assim,
uma nova maneira de se conquistar e manter a paz era necessária, uma que
permitisse que a Organização pudesse agir em conformidade com as pressões
sistêmicas da época. Assim, é criada as Operações de Paz da ONU. Muito embora
tais operações não estivessem previstas no estatuto da Organização, elas se tornaram
peças chaves na tentativa de se conquistar a paz. (WEISS, 1994)
7

Uma vez que falta uma base constitucional que traga uma definição específica
acerca do que seria, de fato, as Operações de Paz da ONU, uma definição consensual
das mesmas se torna difícil, já que estas eram adaptadas às peculiaridades de cada
conflito. Apesar desta falta de consenso, o Sub-Secretário Geral Marrack Goulding
definiu tais operações como “operações das Nações Unidas em que existe a atuação
de pessoal internacional, civis e/ou militares, que são estabelecidas a partir do
consenso das partes envolvidas e sobre o comando das Nações Unidas para ajudar a
controlar e resolver atuais ou potenciais conflitos internacionais ou internos, onde
estes últimos se configuram como uma ameaça à paz mundial.” (WEISS, 1994)
Devido a prerrogativa do veto que as superpotências rivais detinham, a única
vez em que fora autorizada uma missão de restauração da paz foi no caso da guerra
da Coréia, na década de 50; ainda assim, devido a falta de atenção da delegação
soviética que se encontrava ausente2 quando da votação da resolução, não podendo,
assim, vetá-la.
Em suma, a segurança coletiva criada no sistema ONU durante a guerra fria se
limitava, assim como a Liga das Nações, contra ameaças aos limites territoriais de um
Estado, ou em guerras civis que fossem consideradas ameaçadoras para o sistema
internacional vigente. Além disso, a Organização levava em conta o mecanismo da
Liga das Nações, onde todos os países membros deveriam se comprometer com a
questão colocada, ainda que de forma não específica. Isto fica visível nos artigos 43,
48 e 49 do capitulo VII, quando, afirmam que todos os membros prestarão ajuda na
manutenção da paz, ou seja, do status quo.
5. PÓS GUERRA FRIA E A AMPLIAÇÃO DO CONCEITO DE SEGURANÇA
Embora o Conselho tenha ficado praticamente inativo durante quase cinco
décadas, ao final da chamada guerra fria, quando do colapso da União Soviética, o
sistema se via diante de um novo panorama, onde, para alguns, existia uma
unipolaridade, e, para outros, uma multipolaridade desequilibrada. Assim, a
Organização passa por algumas mudanças. Mudanças essa não no seu estatuto, mas
pela forma como este era visto e considerado pelos Estados-Membros. “Destarte, as
normas sobre as quais se basearam as novas operações de paz passavam por um
momento de crescente universalização e enraizamento.” (HERZ & HOFFMANN, 2004)

2
Tal ausência era um protesto à presença permanente de Taiwan, no lugar da China, no Conselho de
Segurança.
8

Tais mudanças se tornam claras quando se percebe a grande onda de


instalação de PKO’s pelo globo.3 Além disso, observa-se o papel cada vez mais
relevante das organizações regionais para a manutenção da estabilidade regional e,
por conseqüência, global. É a partir daí que o conceito de segurança coletiva como era
interpretado pelos Estados-Membros durante a guerra fria começou a sofrer
alterações. Se, anteriormente, as partes envolvidas em um conflito precisavam
consentir em serem mediadas pela Organização, agora tal requisito não era mais
necessário. Além disso, as operações tomaram um caráter preventivo, ou seja, não
era mais necessário a existência de um conflito de fato para que a ONU interviesse em
algum caso. Desta forma, há uma mudança gradual em relação a qual capítulo da
carta as operações eram baseadas. Enquanto as operações durante a guerra fria
eram baseadas, basicamente, no capítulo VI, que, de certa forma é mais flexível em
relação às medidas a serem tomadas em uma determinada operação, as operações
do pós-guerra fria estão sendo baseadas no capítulo VII, que lida com tais ameaças
de uma forma mais rígida. Em vez de controlar conflitos que entram em estado de
latência, a Organização começa uma árdua tarefa de resolvê-los de fato.
Outro ponto de extrema importância acerca do novo entendimento da
segurança coletiva é o próprio conceito em si. Se na Liga das Nações e durante a
guerra fria o conceito de segurança se limitava a ameaças territoriais, no pós-guerra
fria o entendimento é ampliado e passa a lidar com ameaças que partem de Estados
até indivíduos. O novo conceito incorpora desastres naturais, crises humanitárias, a
proliferação das armas de destruição em massa e até o terrorismo. A agressão não
mais partia apenas de um Estado.
“Uma das características do final da guerra fria é ausência de um projeto amplo
de reconstrução da ordem internacional, em contraposição a outros momentos
históricos em que as grandes potências buscaram redefinir os parâmetros e as
instituições do sistema internacional, como, por exemplo, na assinatura do tratado de
Vestifália em 1648, na assinatura do tratado de Utrecht 1713, no Congresso de Viena
em 1815, ou no tratado de Versalhes, ao final da primeira guerra mundial. Assim, a
articulação de um novo paradigma de segurança coletiva ocorre a partir de decisões
ad hoc que ocorreram como reação de um conjunto de crises descongeladas com o
final da guerra fria, ou como resultado da ascensão de temas à agenda de segurança
das grandes potências.” (HERZ & HOFFMANN, 2004)

3
A maioria destas PKO’s se deveram a conflitos que estavam em estado de latência durante a guerra-
fria e que eclodiram com o colapso da União Soviética. Conflitos estes que são, basicamente,
nacionalistas-separatistas.
9

6. ALGUMAS OPERAÇÕES DE PAZ DA ONU


Esta segunda parte do artigo será destinada à descrição de duas operações de
paz da ONU sendo duas durante o período da guerra fria e duas no seu final. Aqui
será considerado este número para que, na próxima sessão, cada operação possa ser
analisada com mais detalhe. Serão elas: operação na guerra da Coréia em 1950 e
Ruanda em 1994.

6.1 A guerra da Coréia o ataque das Nações Unidas


A guerra das Coréias, na década de 50, assistiu a primeira operação de
manutenção da segurança onde a ONU utilizou de força militar para solucionar uma
ameaça à paz e à estabilidade mundial.
Quando as forças norte coreanas ultrapassaram o paralelo 38, invadindo a
Coréia do Sul, o Conselho de Segurança convocou uma reunião emergencial para
decidir acerca dos cursos de ação para negociar um cessar-fogo imediato. No dia 25
de junho de 1950, foi aprovada a resolução 82 onde a ONU declarava que a agressão
por parte da Coréia do Norte se configurava numa ameaça à paz, pedia que tal país
cessasse as hostilidades e retirasse todas suas tropas do território sul coreano e
conclamava todos os Estados-Membros a apoiarem as medidas do Conselho.
Contudo, nenhuma ação, por parte dos norte coreanos, foi tomada o que levou o
órgão a emitir outra resolução (83 de 27 de Junho de 1950) afirmando que “medidas
militares urgentes deveriam ser tomadas para que a paz internacional, assim como a
segurança regional, seja restabelecida”, além de recomendar aos membros da
instituição a fornecer toda e qualquer ajuda que fosse necessária.
Assim, alguns Estados-Membros cederam partes de seu exército e estes
receberam o aval de operar em território sul coreano com o intuito de forçar uma
recuada do exército norte coreano. Tais exércitos estariam autorizados, também, a
agir sobre a bandeira da ONU, mas sobre o comando dos Estados Unidos. Assim, o
então presidente Truman designou um comandante para a operação, o general
Douglas MacArthur, e este deveria administrar as questões estratégicas e táticas da
operação. Soldados americanos, britânicos, australianos, neozelandeses e outros se
engajaram na empreitada contra a Coréia do Norte.
Tudo caminhava para um final mais rápido do que o esperado, quando o
general MacArthur decidiu avançar sobre o território norte coreano aproximando-se
perigosamente da China. Enquanto as tropas avançavam, os chineses demonstravam
que estariam mais do que dispostos a defender seu território. Em Abril, após o
10

comando da operação na Coréia ter sido trocado4, a China lança um ataque,


utilizando-se de aviões do tipo MIG-15, pertencentes da União Soviética, contra as
tropas da ONU, forçando os soldados a recuarem e, posteriormente, estabilizarem-se
no paralelo 38. Após várias movimentações políticas, o armistício de Panmunjom foi
assinado em 27 de Julho de 1953, deixando os dois países onde estavam quando
iniciaram a guerra.
A operação na Coréia não pode ser classificada como seguindo o padrão da
época. Somente um Conselho desfalcado de uma superpotência pode considerar a
invasão Norte Coreana uma ameaça à paz, situação singular durante a guerra fria. O
Secretário Geral, Trygve Lie da Noruega, se posicionou fortemente contrário à invasão
o que, em última instancia, o levou a uma espécie de morte política, uma vez que, por
exemplo, a URSS simplesmente deixou de tratá-lo como Secretário Geral. Assim, o
mesmo renunciou e, a partir daí, seus sucessores tentaram aprender com este
ocorrido para que não tivessem o mesmo fim. (WIESS, 1994)
6.2 O genocídio em Ruanda e a UNAMIR
Entre a segunda semana de Abril e a terceira semana de Maio de 1994, cerca
de 800.000 pessoas foram brutalmente assassinadas em Ruanda; o morticínio diário
era cinco vezes maior do que nos campos de concentração judeus na segunda guerra
mundial. As vítimas foram predominantemente Tutsis, e os assassinos, com exceção
de poucos incidentes, Hutus. O evento foi descrito como um dos mais brutais
genocídios da história. (PRUNIER, 2002)
A luta entre as forças armadas do governo Hutu em Ruanda e a Frente
Patriótica Ruandense (RPF) tive início em 1990 na fronteira entre Ruanda e Uganda.
Vários acordos de cessar-fogo foram iniciados, levados à cabo pela Organização da
Unidade Africana (OUA). Hostilidades recomeçaram no norte do país no início de
fevereiro de 1993, interrompendo negociações globais entre o Governo do Ruanda e
do RPF. (site oficial da UNAMIR)
A participação ativa das Nações Unidas em Ruanda foi iniciada em 1993,
quando o governo de Ruanda e Uganda solicitaram o envio de observadores militares
ao longo de sua fronteira comum para evitar o uso militar do espaço pela RPF. O
Conselho de Segurança, em Junho de 1993, estabeleceu a Missão de Observação
das Nações Unidas para Uganda e Ruanda (UNOMUR) no lado ugandês da fronteira
para assegurar que nenhuma assistência militar chegasse a Ruanda. (site oficial da
UNAMIR)

4
Agora, o general Ridgway comandava a operação. MacArthur fora retirado porque sua linha de
pensamento era divergente do que os Estados Unidos e da ONU.
11

Ainda em 1993, as negociações em Arusha levaram a um tratado de paz; tal


acordo pedia a criação de um governo democraticamente eleito e previa a criação de
uma ampla base de Governo de transição até as eleições, além do repatriamento dos
refugiados e a integração das forças armadas dos dois lados. Ambas as partes
pediram às Nações Unidas para ajudar na implementação do acordo. (site oficial da
UNAMIR)
Em outubro de 1993, o Conselho de Segurança, por sua resolução 872 (1993),
estabeleceu a Missão de Assistência das Nações Unidas para o Ruanda (UNAMIR),
para ajudar as partes a aplicar o acordo, acompanhar a sua execução e apoiar o
Governo de transição. A sede desmilitarizada da UNAMIR foi estabelecida após a
chegada do grupo avançado e tornou-se operacional no dia 1 de Novembro de 1993.
A implantação do batalhão da UNAMIR em Kigali, composta por contingentes da
Bélgica e de Bangladesh, foi concluída em Dezembro de 1993, e a área de segurança
em Kigali foi estabelecida em 24 de Dezembro. (site oficial da UNAMIR)
As Nações Unidas solicitaram contribuições de tropas, mas, inicialmente,
apenas a Bélgica com uma metade de um batalhão de 400 soldados, e Bangladesh
com um elemento logístico de 400 soldados, ofereceu pessoal. Mais de cinco meses
foram necessários para se chegar ao número autorizado de 2.548 soldados. Devido a
problemas não resolvidos entre as partes, a implementação do acordo foi adiada. Por
conseguinte, a inauguração do governo de transição nunca ocorreu. (site oficial da
UNAMIR)
Em abril de 1994, os presidentes do Ruanda e do Burundi morreram enquanto
retornavam de conversações de paz na Tanzânia, quando o avião caiu, em
circunstâncias que ainda não foram esclarecidas. Isso desencadeou uma onda de
assassinatos políticos e étnicos: o primeiro-ministro, ministros e forças de paz da
UNAMIR estavam entre as primeiras vítimas. (site oficial da UNAMIR)
Líderes da oposição política foram mortos e, quase imediatamente, começou o
assassinato em massa de tutsis e hutus moderados. Dentro de horas, recrutas foram
enviados a todo o país para executar a onda de crimes. Alguns tutsis conseguiram
escapar para campos de refugiados. Entre os primeiros organizadores do massacre
estavam militares, políticos e homens de negócios, mas em breve vários outros
aderiram à campanha. Encorajada pela guarda presidencial e por propaganda massiva
em estações de rádio, formou-se uma milícia não-oficial chamada Interahamwe (o
nome significa "aqueles que atacam juntos"). No auge da violência, o grupo reuniu 30
mil pessoas. (BBC, 2008)
A UNAMIR procurou organizar um cessar-fogo, mas não obteve sucesso.
Depois de alguns países retirarem, unilateralmente, seus contingentes, o Conselho de
12

Segurança, através da resolução 912 (1994), de 21 de Abril de 1994, reduziu a força


da UNAMIR de 2548 para 270 homens. Apesar de sua presença reduzida, as tropas
UNAMIR conseguiram proteger milhares de ruandeses que se refugiaram em locais
sob o controle da operação. O Conselho de Segurança, através da resolução 918
(1994), de 17 de Maio de 1994, impôs um embargo de armas contra Ruanda, apelou
para uma ação internacional urgente e um aumento do contingente da UNAMIR para
5.500 soldados. Contudo, levaram mais de seis meses para que os Estados-Membros
fornecessem tal ajuda. (site oficial da UNAMIR)
Para contribuir para a segurança de civis, o Conselho adotou a Resolução 929,
de 22 de Junho de 1994, autorizado, nos termos do Capítulo VII da Carta das Nações
Unidas, uma multi-operação humanitária. Forças multinacionais lideradas pela França
realizaram a "Operação Turquesa", que estabeleceu uma zona de proteção
humanitária no sul de Ruanda. A operação terminou em Agosto de 1994 e a UNAMIR
assumiu o controle na zona. Em Julho de 1994, as forças do RPF tomaram o controle
de Ruanda, dando fim à guerra civil e estabelecendo um governo de base ampla. O
novo governo declarou seu compromisso com o acordo de paz de 1993 e garantiu à
UNAMIR que iria cooperar para que o regresso dos refugiados transcorresse de forma
pacífica. (site oficial da UNAMIR)

7. MISSÕES DE PAZ DA ONU: O ARTIGO “SEIS E MEIO” E A


CREDIBILIDADE DO NOVO SISTEMA DE SEGURANÇA COLETIVA POSTO
EM CHEQUE
A Segurança Coletiva é, atualmente, um dos conceitos mais controversos e
ambíguos deste novo sistema ONU. As experiências vividas pelas antigas missões de
paz, bem como as atuais, nos levam a crer que este sistema tem mais falhado do que
conquistado sucesso. Muito embora os entusiastas alardeiem que, em última
instancia, a paz e a estabilidade foram alcançadas, a grande questão que se coloca
diz respeito à suposta coletividade deste sistema. A partir daqui, serão levados em
consideração os pontos levantados por Weiss (1994) para se concluir este artigo.
Em primeiro lugar, deve-se lembrar que vários estados recusam-se a aderir a
operações ou sanções que possam afetar seus aliados previamente estabelecidos.
Seguindo a lógica da segurança coletiva, não seria necessário formar alianças
defensivas ou ofensivas, uma vez que, se este aparato internacional funcionasse, a
paz e a estabilidade seriam garantidas previamente e nenhum estado deveria temer
qualquer tipo de ameaça. Contudo, não é isso que se observa, não somente no atual
sistema ONU, mas também na fracassada Liga das Nações. Seria ingênuo pensar que
os Estados Unidos se posicionariam em favor a qualquer tipo de sanção que
13

prejudicasse seus aliados da OTAN, por exemplo; da mesma forma que seria
igualmente ingênuo acreditar que a antiga União Soviética se posicionaria contrária a
seus aliados do Pacto de Varsóvia. Novamente recorrendo à lógica da segurança
coletiva, o tratamento de qualquer ameaça, seja ela advinda de qualquer país, deveria
ser o mesmo, o que não ocorre quando se avalia a história.
O segundo ponto levantado lida com o poder propriamente dito. Qualquer
tentativa de se aplicar a segurança coletiva em estados com alto grau de militarização
tornar-se-ia difícil quando se fala em algum tipo de resistência por parte do estado em
que se esta “combatendo”. Uma vez que os mesmos teriam um poder retaliatório
grande, qualquer engajamento teria o potencial de escalar para conflitos desastrosos e
devastadores. Além disso, não são somente as grandes potências que são difíceis de
lidar. O exemplo claro é o da própria Coréia contemporânea; como é percebido
atualmente, uma Coréia do Norte nuclear poderia, em caso de uma operação de paz,
ou sanção econômica, responder com um ataque retaliatório que poderia levar o
sistema internacional a beira de um colapso nuclear, devido, também, ao sistema de
alianças que se desenvolve paralelamente ao do sistema ONU.
Em terceiro lugar, fala-se dos danos econômicos não somente para os estados
agressores, mas também aos que tem algum tipo de acordo comercial com os
primeiros. Um exemplo claro é a Suíça que se recusou a aplicar sanções econômicas
à Itália de Mussolini porque tinha, com esta, vários acordos comerciais. Embora a
Bulgária tenha se posicionado em favor das sanções contra a África do Sul, devido à
política do apartheid, a mesma vendia armas, por debaixo dos panos. “Uma coisa era
os estados concordarem que a política do apartheid era uma clara ameaça à paz,
outra coisa era engajarem-se coletivamente contra esta política em detrimento de seus
interesses nacionais”. (WEISS, 1994)
Em quarto lugar, a lógica do sistema de segurança coletiva pressupõe que
todos os estados devem ter igual importância para o sistema internacional. Assim, o
Oriente Médio, local em que existem reservas abissais de petróleo, deveria ser
equiparado com a Somália, onde não existem reservas naturais, ou potenciais
econômicos, iguais aos do Oriente Médio; além disso, uma Coréia do Sul e do Norte
durante a guerra fria deveriam ter tratamentos iguais aos de Ruanda. Assim, percebe-
se que a localização geopolítica influencia sobremaneira em questões relacionadas à
aplicação da segurança coletiva.
Apontados estes quatros motivos, percebe-se que a lógica que a ONU propõe,
não somente não é seguida, mas também que a solução encontrada para esta falta de
aplicabilidade não tem, de fato, seguido a universalidade que a Organização preza.
Uma vez que a ONU não conseguiu nem sequer começar os diálogos acerca da
14

criação de seu braço armado, as operações de paz são uma espécie de “quebra-
galhos” no sentido de que não deixam a idéia de uma Organização que se empenha
para alcançar a estabilidade mundial morrer. Assim como o ex-Secretário Geral
Hammarskjold afirmou, as PKO’s estão previstas no famoso “artigo seis e meio”.
Embora as guerras, civis ou inter-estatais, sejam, atualmente, moralmente
discriminadas pela população de forma geral, as mesmas foram uma realidade no
passado e também o são no presente. Apesar de a Organização das Nações Unidas
tentarem, de forma quase que exaustiva, alcançar a paz e a estabilidade mundial,
percebemos que os interesses estatais ainda são os que prevalecem nas relações
internacionais. Prova disso é o próprio sistema de segurança coletiva proposto pela
ONU que ainda não existiu de fato, apesar dos mais de sessenta anos da
Organização. A idéia de se criar um sistema no qual todos os países prezariam pela
paz e agiriam em conformidade aos regulamentos, além de tomarem partido em toda e
qualquer ação que se constituísse em ameaça à paz, ainda é uma realidade distante
para o sistema internacional como um todo. Nas palavras de Weiss (1994): “se
acordos internacionais em questões de segurança fossem fáceis de se alcançar, nós,
provavelmente, viveríamos, ou alcançaríamos, uma governança global e não somente
a segurança coletiva.”

Abstract
The idea of collective security has been applied since the creation of the League of
Nations, at the end of the First World War, to the current peacekeeping operations of
UN. Its applicability is still seriously questioned, as well as it's continuity. Understanding
the basis of this concept, as it appears in the covenant of the League of Nations and in
the UN charter is of vital importance to assess the legitimacy of the peacekeeping
operations that the latter institution maintains and understand whether they have been
effective in maintaining world peace.

Keywords: Collective Security, UN, League of Nations, Peacekeeping Operations

8. REFERÊNCIAS

AZAMBUJA, Marcos Castrioto de. As Nações Unidas e o conceito de segurança


coletiva. Estud. av. São Paulo Disponível em
<http://www.scielo.br/scielo.php?pid=S0103-40141995000300011&script=sci_arttext>.
acesso 09 Fev. 2010
15

BBC. Rwanda: How the genocide happened. Reino Unido: BBC, 2008. Disponível
em: < http://news.bbc.co.uk/2/hi/1288230.stm > Acesso em: 5/02/2010.

BRANT, Leonardo Nemer Caldeira; DINIZ, Pedro Ivo Ribeiro (Coord.). Comentário à
carta das nações unidas. Belo Horizonte: CEDIN, 2008.

HERZ, Monica; HOFFMANN, Andrea. Organizações Internacionais: história e


práticas. Rio de Janeiro: Campus, 2004.

KOLB, Robert. The eternal problem of collective security: from the League of
Nations to the United Nations. In: Refugee Survey Quarterly 26: 220-225. Oxford
Journals, 2007.

LIGA DAS NAÇÕES, League of Nations Covenant. First World War: 2000.
Disponível em: < http://www.firstworldwar.com/source/leagueofnations.htm > Acesso
em 28 /01 /2009

NAÇÕES UNIDAS. Carta das Nações Unidas ; Estatuto da Corte Internacional de


Justiça. Rio de Janeiro: Centro de Informação das Nações Unidas, [20-]. 114 p.

NYE, Joseph Jr. Cooperação e Conflito nas Relações Internacionais. São Paulo:
Gente, 1994.

ONU, United Nations Assistance Mission for Rwanda (UNAMIR). Rwanda Crisis. New
York: ONU, 1994. Disponível em: <
http://www.un.org/en/peacekeeping/missions/past/unamirS.htm#UNAMIR > Acesso
em: 03/02/2010.

PRUNIER, Gérard. The Rwanda Crisis: history of a genocide. London: C. Hurst &
Co. : 2002.

WEISS, Thomas G.; FORSYTHE, David P.; COATE, Roger A. The United Nations
and changing world politics. 4th ed. Boulder: Westview, 1994.

Você também pode gostar