Você está na página 1de 4

UNIVERSIDADE FEDERAL DO CEARÁ – UFC

CURSO DE LICENCIATURA EM HISTÓRIA – 3º SEMESTRE


CADEIRA DE TEORIA E METODOLOGIA DA HISTÓRIA II
PROFESSOR: FREDERICO DE CASTRO NEVES
ALUNO: ANDERSON DOS DOS SANTOS PAIVA

RESENHA DO TEXTO “MEMÓRIA, ESQUECIMENTO, SILÊNCIO”


DE MICHAEL POLLAK

FORTALEZA, 11 DE FEVEREIRO DE 2022


Com enfoque nos elementos compositores dos lugares de memória, essenciais
em âmbito coletivo, e à luz dos estudos de Pierre Nora, verifica-se, sob os estudos de
Durkheim, a atribuição de uma objetificação a tais locais de memória (arquiteturas,
regras de interação, música, culinária etc.). São esses elementos que definem,
hierarquizam e classificam a face dos diferentes grupos sociais.
Maurice Halbwachs ressalta a positividade da memória comum em relação aos
corpos sociais coletivos, pois a partir delas é tomada uma coesão mútua não induzida
pela coerção, e sim pela aderência dos coletivos, o que os transforma em uma espécie
de “comunidade afetiva”, sendo expressa em sua forma mais nítida na composição de
nação. E esta memória coletiva não expressasse individualmente, em suma, pois
necessita, para compor-se e firma-se de seus elementos construtores, de um diálogo
entre o âmbito individual e o âmbito plural, público, grupal, pois é interessante
estabelecer respaldo para as lembranças individuais e coletivas numa tentativa de
encontrar uma base de formação para os dois lugares de memória.
De extrema importância, a identificação do que são, onde estão e por quem se
dão as memórias concretas e imutáveis, ou a memória nacional, é um trabalho
inerente aos estudos da memória coletiva, uma vez que es pesquisas modernas tem
enfoque em como as memórias se tornam objetos, e não em atribuir às mesmas um
perfil de objeto. Isto se relaciona intimamente com a história dos excluídos e
marginalizados sociais, visto que a sua posição sócio-histórica e geográfica está
atrelada aos tratamentos dados à memória por aqueles que sempre mantiveram esta
hierarquia excludente; felizmente, em tempos de crise ou instabilidade dos lugares de
memória, sobressalta a diferença entre as diferentes formações memoriais que, num
ato natural, buscam se encaixar umas nas outras, ou reivindicar seu espaço na
sociedade a partir de sua própria construção de memória.
A partir de algumas análises de períodos históricos, é possível identificar
aspectos comuns e diversos do processo de construção e reinvindicação da memória
pelos grupos subterrâneos em contrapartida com os grupos hegemônicos comuns.
Vale citar o processo de destalinização, onde após a denúncia dos crimes cometidos
pelo Partido Comunista de Stalin, iniciou-se um processo de reafirmação de um lugar
longinquamente clandestinizado, reprimido e suprimido pelo órgão estatal e comum
social. A análise das ações contra os projetos estatais expositores de uma ordem
hegemônica arbitrária, quando percebidos e refutados praticamente pelas minorias
subterrâneas, é de interessante percepção em relação às etapas de tomada de suas
memórias trancafiadas numa cadeia de imposição. Para além da derrubada de
símbolos do antigo estado, o fato de que era diluída socialmente um modo de se viver
reprimido, nas entrelinhas da sociedade, demonstra que não se trata apenas de uma
disputa por memórias, mas sim de reinvindicação plena de uma identidade
sociocultural que não pôde ser exposta como deveria, por muito tempo, como num
sopro de liberdade fulcral.
Também é sabido entender que o processo de rememoração pelos
socialmente excluídos não passa somente por esse campo do grito de liberdade.
Usando como exemplo o caso da população judia em retorno à Alemanha e à Áustria
no pós-Segunda Guerra Mundial, identifica-se um lugar de silêncio que não deve
necessariamente cumprir a agenda de exposição adotada no primeiro exemplo. Ao
retornarem ao território, a falta de um ente social ouvinte de suas dores e desejos não
se deu como esperado, pois um sentimento de culpa e de não pertencimento
alimentado por autoridades locais, suprimiu sua confiança em reviver publicamente as
memórias de um tempo anterior, mas que se tornou algo essencialmente
traumatizante. A rememoração, neste caso, não atenderia a uma demanda de
reestruturação pacífica e confortante, como deveria ser para além da luta pela
retomada, mas sim assumiu um lugar de gatilho para algo que marcou esse grupo
negativamente. Assim, o silêncio assumido e imposto para estas pessoas seria um
âmbito mais viável de reconstrução de uma identidade perdida em meio à dor e
sofrimento coletivos, bem como, em âmbito individual, não repassar essa malícia para
as gerações futuras, numa tentativa de reconstruir à elas uma realidade distante,
quase à parte, daquela vivida pelos seus adultos.
Pode-se dizer, como último exemplo, o caso da memória sobreposta à algo que
seria uma identidade negativa de um grupo. Salientando o caso dos soldados
alsacianos incorporados ao exército alemão à força. Após a tomada da região da
Alsácia pela Alemanha, o recrutamento obrigatório fora imposto e muitos soldados do
antigo exército local foram obrigados a integrar-se ao exército alemão, o que gerou
revoltas, atos de resistência e deserção. Após o período de guerra, num campo
nacional e continental de grau de contribuição destes para com o partido nazista,
adotou-se uma postura de negação a um passado de vergonha, sendo adotada a
postura posterior de militância e luta pelo reconhecimento de um perfil não
participativo, contribuinte, mas corseado e obrigado a integrar uma memória da qual
não faziam parte, e tampouco gostariam de o fazer. Pelos mesmos e suas famílias,
reivindicou-se um reconhecimento de seu sofrimento e falta de opções em meio ao
caos, em detrimento com os seus atos e participações no lado inimigo. Fala-se, então,
de uma tentativa de reconstrução de memória que não parte de um lugar de silêncio
ou retomada prática, mas sim de uma desassociação a uma memória grupal tida como
coletiva (pelo partido Nazista) que não se funde com a memória grupal das tropas
alsacianas.
Dos três exemplos, identifica-se os perfis do proibido, do indizível e do
vergonhoso, respectivamente, aos diferentes processos de retomada da memória
coletiva e individual. É de extrema importância salientar que para todos os casos, os
lugares de silêncio, dos não-ditos, entre a memória grupal, dos marginalizados, e do
coletivo nacional são lugares problemáticos, mas entendíveis a partir de uma
perspectiva de traumatismo e manutenção da vida, bem como do diálogo entre o
vivido e o vívido. Demonstra, pois, os lugares atribuídos pelos Estados às memórias
minoritárias, e como ele se põe a preservar essa polarização nítida de lugares de
memória, num processo de apagamento e modificação de lembranças que, por muitas
vezes, gera ou aliterações, ou vícios de relato. Porém, são neles que os indivíduos dos
mais variados grupos conseguiram preservar sua identidade coletiva positiva, aquela
que não tange ao sofrido, mas ao presente em contraponto com o que era e como se
modificou até a atualidade.
O passado, então, assume esse lugar peculiar e denso de revivência e
esquecimento, de retomada e retirada, de acordo com o seu respaldo para cada grupo
ou indivíduo, numa relação sempre íntima do presente. Não ocorre, na maioria dos
casos, uma dissociação da realidade vivenciada atual, uma vez que o modo como é
lidado o processo de rememoração interfere no modo como os coletivos e seus
integrantes regem seu modus operandis social. Ao mesmo tempo que há uma
aderência ao processo de relembrança, de conto de uma realidade de dor, resistência
e sobrevivência, há uma supressão, falta de palavras, para a crueldade passada, e a
negação de seu repasse para um presente minimamente confortável, e um futuro em
que se almeja o total desvinculo com o tempo sofrido. Claro, há crítica estes processos
de esquecimento ou silenciamento, visto se entender importante o conhecimento do
que se houve e dos sentimentos causados e resguardados pelo tempo, para o
entendimento da própria realidade e afastamento de repetições, mas se entende, de
toda forma, o nível de confidencialidade, numa ordem de preservação e construção de
uma face positiva para a identidade individual e grupal sociais.

Você também pode gostar