Você está na página 1de 8

Revista FAMECOS: mídia, cultura e

tecnologia
ISSN: 1415-0549
revistadafamecos@pucrs.br
Pontifícia Universidade Católica do Rio
Grande do Sul
Brasil

Bulhões, Marcelo
João do Rio e os gêneros jornalísticos no início do século xx
Revista FAMECOS: mídia, cultura e tecnologia, núm. 32, abril, 2007, pp. 78-84
Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul
Porto Alegre, Brasil

Disponível em: http://www.redalyc.org/articulo.oa?id=495550188012

Como citar este artigo


Número completo
Sistema de Informação Científica
Mais artigos Rede de Revistas Científicas da América Latina, Caribe , Espanha e Portugal
Home da revista no Redalyc Projeto acadêmico sem fins lucrativos desenvolvido no âmbito da iniciativa Acesso Aberto
MEDIAÇÃO ENTRE JORNAL E OUTRAS MÍDIAS

João do Rio e os gêneros jornalísticos no início do


século xx
nome de João do Rio ficou décadas no esqueci-

O
RESUMO
A obra de João do Rio constitui um objeto indispen- mento. Há algum tempo vem sendo “resgata-
sável para a reflexão acerca do desenvolvimento do” e revalorizado, com alguma euforia. Li-
dos gêneros jornalísticos no Brasil. Passadas déca- vros e artigos têm destacado sua importância para a
das no esquecimento, sua revalorização necessita, cultura brasileira, para a história de nossa imprensa
todavia, de alguns ajustes. Fundamentalmente: é ne- jornalística, situando-o como o “cronista da nossa
cessário situá-la com rigor em um contexto particu- Belle Époque”, iniciador do jornalismo investigativo
lar, o do início do século XX, momento em que o no país e até reconhecendo, tacitamente, que sua
jornalismo no país passava por uma significativa obra não deveria ficar de fora do cânone da própria
transformação, com o abandono de sua feição dou- literatura brasileira. Penso, todavia, que tal “reabili-
trinária e a incorporação de uma dinâmica comerci- tação” e o reconhecimento tardio de sua importân-
al e empresarial. O reconhecimento das peculiarida- cia merecem maior cuidado de apreciação e, às ve-
des desse contexto é chave imprescindível para se zes, alguns ajustes e retificações. É tentador afirmar
compreender como se configuram os gêneros jorna- – como se tem feito – que ele foi o inovador da
lísticos presentes em suas principais obras. Com isso, imprensa jornalística brasileira por misturar dois gê-
dimensiona-se o caráter plural na conformação de neros, reportagem e crônica, o que resultaria em um
gêneros provenientes do jornalismo europeu que se novo gênero, misto. Identifico aí um equívoco, não
manifesta, por exemplo, na simbiose entre reporta- relacionado ao fato dele ter sido um inovador de
gem e crônica. nossa imprensa, o que é incontestável, mas localiza-
do precisamente no modo como se dá a configura-
PALAVRAS-CHAVE ção dos gêneros em sua obra jornalística. Como se
• gêneros jornalísticos verá, não vejo pertinência na afirmação de que João
• reportagem do Rio renovou a imprensa porque misturou gêneros
• história da imprensa jornalísticos, rompendo paradigmas estabelecidos.
Pretendo aqui demonstrar – ou simplesmente su-
ABSTRACT gerir, dados os limites de um artigo – que o modo
João do Rio’s work is an indispensable object for the como João do Rio (ou Paulo Barreto, seu verdadeiro
reflection about the development of journalist genres in nome, nascido em 1881 e morto em 1921) desenvol-
Brazil. After decades of negligence the revalorization of veu sua relação com os gêneros só pode ser rigoro-
this work needs some adjustments, though. Basically, it is samente compreendido quando se leva em conta,
necessary to strictly locate Rio’s work in a very specific mesmo que rápida e subjacentemente, o contexto
context: the beginning of the 20th century – moment in peculiar da imprensa jornalística brasileira em que
which journalism in the country was suffering signifi- sua obra se desenvolveu. Ou seja: a configuração
cant changes, the interruption of its political engagement dos gêneros jornalísticos da época de João do Rio é
and the incorporation of a commercial and business-like sensivelmente distinta do jornalismo com o qual nos
dynamic. The recognition of the peculiarities of this con- habituamos, o qual traz as marcas das mudanças
text is the key for understanding how the journalist genres operadas somente a partir da segunda metade do
presented in Rio’s main work are formed. By this analysis século XX, isto é, aproximadamente 30 anos depois
the plural characteristic in the configuration of genres da morte de Paulo Barreto. Infelizmente, parece-me
originated from the European journalism, as the symbio- que é com essa perspectiva, a do padrão jornalístico
sis between news reporting and chronicle, can be measured. do nosso tempo, que parte o olhar “atualizado” e,
portanto, descontextualizado, em direção aos textos
KEY WORDS de João do Rio para enxergar neles uma mistura de
• journalistic genres gêneros. Acredito que muito da riqueza da obra de
• news reporting Paulo Barreto advém da convivência franca entre
• press history configurações textuais diversas, em uma verdadeira
simbiose, sem que houvesse a exigência da demar-
cação rigorosa entre os gêneros. Assim, João do Rio
foi repórter, cronista e contista, tudo de uma vez;
sem deixar de ser também romancista e colunista
social. Ressalto, pois, que um traço fundamental de
Marcelo Bulhões sua obra deve ser identificado exatamente nessa plu-
UNESP ralidade discursiva, pluralidade que é marca de uma

78 Revista FAMECOS • Porto Alegre • nº 32 • abril de 2007 • quadrimestral


João do Rio e os gêneros jornalísticos no início do séc. xx • 78–84

incorporação eufórica de gêneros jornalísticos euro- tará cada vez mais destinada a incitar a curiosidade
peus pela imprensa brasileira em um momento de do público e ao mesmo tempo aplacá-la, trazendo
afirmação de sua feição industrial e comercial. Co- “satisfação” a seus clientes, os leitores do jornal diá-
meço por aí. rio. Disputará a atenção do leitor com outros gêne-
ros jornalísticos: a entrevista, a crônica, a coluna de
Produtos de um novo tempo variedades etc. Tais são os produtos de um novo
O jornalismo brasileiro como atividade empresarial tempo jornalístico. No lugar de doutrinação, entre-
e profissional é acontecimento tardio. Se lembrar- tenimento e informação.
mos que nos Estados Unidos o jornalismo como ne- Diante de tal panorama é, pois, perfeitamente com-
gócio existe desde a década de 1830, salta à vista o preensível que o componente noticioso, o registro
contraste da constatação de que somente por volta do acontecimento, se amplifique e se enriqueça. As-
de 1890 surgem no Brasil casas de imprensa que sim, o gênero noticioso em sentido estrito, o breve
imprimem feição comercial e empresarial à ativida- registro factual, o relato quase telegráfico, o mero
de de produzir folhas noticiosas. E esse caráter de anúncio do acontecido, parece ceder algum espaço
negócio associado ao jornalismo brasileiro deveu-se para uma forma mais atraente de notícia, pois dina-
– ou esteve integrado – às transformações ocorridas mizada em atributos discursivos bastante convidati-
na capital da República, o Rio de Janeiro, no bojo de vos: a reportagem.
um projeto de captação de capital estrangeiro, cujo
aspecto mais aparente foi o processo de súbita urba- Tensões e ambigüidades: o escritor e o jornalista
nização da cidade do Rio, iniciada no governo de Sendo uma modalidade noticiosa, a reportagem en-
Rodrigues Alves, bem no nascedouro do século XX. contrará no trabalho de João do Rio, pseudônimo
Chamamos de folhas noticiosas aos jornais que se que Paulo Barreto passa a utilizar a partir de 1903,
modernizam nessa fase da imprensa brasileira, a de quando já atuava na Gazeta de Notícias, a maior ex-
início de sua atividade eminentemente comercial, pressão desse jornalismo novo. Vista em perspecti-
com a transformação de jornais que já existiam des- va, a imagem de João do Rio é a de quem compreen-
de o início do século XIX, tais como A Gazeta de deu e assimilou os novos tempos da imprensa jorna-
Notícias e O Jornal do Comércio, porque se nota aí uma lística no Brasil, deslocando a imagem do escritor
decisiva alteração no modo do fazer jornalístico locali- para as demandas que se apresentavam naquele con-
zado exatamente na configuração de seus gêneros. texto. Com ele, o escritor veste o figurino do jorna-
Assistia-se ao sepultamento das esclerosadas fo- lista e, mais particularmente, do repórter.
lhas do velho jornalismo do tempo da Monarquia, Embora consideremos a pluralidade de marcas
as quais, segundo o delicioso testemunho de Luiz dos gêneros, destaco agora a reportagem. É de fato
Edmundo (1938), possuíam paginação sem movi- com João do Rio que se desenvolve, no Brasil, a
mento ou graça, um alinhamento monótono de co- reportagem em sentido pleno, ou seja, a que faz da
lunas, desconheciam manchetes e outros procedi- atuação do repórter em seu ofício de ir à cata da
mentos jornalísticos, isso quando não traziam um informação a condição fundamental sem a qual não
soneto na primeira página dedicado ao próprio di- se elabora a informação jornalística. Pode-se dizer
retor do jornal. Tratava-se também da prevalência que com ele enfatiza-se o próprio jornalista, ou seja,
de um jornalismo de doutrinação política, em que o o profissional a partir de cuja ação se desenvolve o
velho artigo de fundo comparecia, com ares de aus- acontecimento noticioso. E os textos de João do Rio
teridade e imponência. são reportagens em que a própria ação de reportar é
No lugar disso, o advento de um jornalismo de evidenciada. Se pode sempre haver dúvida de que
caráter comercial significará dinamismo e captação teria sido ele o primeiro repórter brasileiro, não se
do interesse das massas urbanas. No momento em pode negar que seus textos são os primeiros a de-
que o Rio de Janeiro está decalcando Paris, com a monstrar a consciência sobre o ofício do jornalista,
grande remodelação urbana operada pelo prefeito na revelação do comportamento do repórter.
Pereira Passos no início do século XX – o que permi- No entanto, é necessário equacionar um problema
tirá, por exemplo, que as moças desfilem suas toilet- que parece ter sempre acompanhado a recepção crí-
tes por grandes avenidas, sob o calor de um trópico tica da obra de João do Rio em momentos distintos.
nada parisiense – o jornalismo passa a tornar-se tam- É possível identificar uma tensão entre tendências
bém um item de consumo para um público urbano opostas que pode ser estabelecida em pares de dico-
que busca ajustar-se ao figurino civilizatório da mo- tomias: se por um lado ele é visto como aquele que
dernidade. Fundamentalmente, a noção de ser a no- consagrou a imagem do jornalista como um profissi-
tícia o valor maior da atividade jornalística está no onal, por outro lado paira sobre ele a imagem de um
bojo dessas transformações. Que não se perca o que dândi e, nesse sentido, do anti-profissional, o eterno
sugere a palavra valor. A notícia de fato passará a diletante; se por um lado sua produção em jornais é
adquirir, aos poucos, a noção de produto comercial, vista como reportagem, por outro se atribui a ela a
em meio a tantos outros, na dinâmica da circulação classificação de crônica, o que a associa à realização
de bens de consumo urbanos. E, como produto, es- literária: se por um lado dá-se credibilidade e acre-

Revista FAMECOS • Porto Alegre • nº 32 • abril de 2007 • quadrimestral 79


Marcelo Bulhões • 78–84

dita-se na veracidade de suas reportagens, afirman- 1908, Cinematógrafo, de 1909, Vida Vertiginosa, de
do-se serem elas fruto de apuração rigorosa de jor- 1911, Os Dias Passam, de 1912. Curiosamente, se
nalismo moderno, por outro já se considerou que nessas obras – algumas das mais representativas e
possuem muito de ficção, produtos da fantasia e da que enfeixam suas grandes crônicas-reportagens –
imaginação; se por um lado ele é o jornalista, por há o comparecimento de atributos de ficção literá-
outro é o escritor ficcionista. Veja-se, por exemplo, ria, naquelas em que salta à vista a dedicação à
como Agripino Grieco, na Evolução da Prosa Brasilei- literatura propriamente dita, como Dentro da Noite,
ra, de 1933, aponta para o lado ficcional em João do de 1910, ou Correspondência de uma Estação de Cura,
Rio presente na série de reportagens de As Religiões de 1918, recursos de jornalismo são também convo-
do Rio: cados. Aliás, a importância estritamente literária de
João do Rio nem sempre foi reconhecida. Parece ter
“O autor, para se tornar interessante, teve de havido sempre um desconforto em acondicioná-lo
inventar muita coisa, e certos diabololismos, cer- em um manual de história da literatura brasileira.
tas missas negras do in-folio, denunciam o lei- Alguns críticos enfatizaram em sua produção a pre-
tor do mago Papus e do Huysmans do Là-bas”. sença de uma dicção de frivolidade e de um repertó-
(GRIECO, 1933, p. 176). rio de clichês típicos da Belle Époque, ajustados à
imagem de dândi que envolvia a vida do jornalista-
Já para um biógrafo de João do Rio, João Carlos escritor. Outros pouco disfarçaram um juízo desfa-
Rodrigues, veracidade não falta à série de re- vorável, como é o caso de Lúcia Miguel Pereira
portagens: “Suas informações são verídicas, e (1988). De um modo geral, permanece de fora dos
mesmo os cânticos em ioruba (nagô) sobrevivem manuais de literatura mais recentes e é praticamen-
até os dias de hoje”. (RODRIGUES, 1996, p. 50) te desprezado pelos estudos literários de nossos cur-
sos de letras. Já os pesquisadores da “nova história”
Um estado de tensão parece configura-se no con- têm nele um manancial extraordinário para explo-
fronto entre a imagem de jornalista e a do escritor rar aspectos fascinantes de nossa “vida privada”.
literário, o repórter em conflito com o ficcionista.
Diante disso, acredito que se deve marcar aqui a O registro do efêmero
ênfase em uma operação: o que se anunciou como Se há um aspecto essencial na obra de João do Rio
dicotomia deve, na verdade, transformar-se em am- que a vincula fundamentalmente à vivência jorna-
bigüidade. Ou seja: no lugar de se evidenciarem lística é a marca da transitoriedade do tempo. Muito
embates e oposições, creio que é necessário valori- da valorização dessa obra deveu-se ao fato de ser
zar a noção de uma convivência simultânea e inse- ela um registro das transformações do início do sé-
parável de aspectos. A idéia de ambigüidade em culo XX operadas na vida urbana do Rio de Janeiro.
João do Rio parece-me válida e preciosa exatamente “O Rio Civiliza-se”, frase daquele momento, funcio-
porque reconhece uma escrita em que os termos do na como emblema que sintetiza a arrojada transfor-
factual e do ficcional não se separam ou se excluem; mação urbana operada pelas grandes obras do pre-
em que o jornalístico, assumindo já o padrão moder- feito Pereira Passos. Tratava-se de transformar a
no que se baseia no trabalho de apuração dos acon- feição acanhada de uma cidade colonial, com seus
tecimentos, ao mesmo tempo convive com procedi- casebres e cortiços, em metrópole moderna, uma
mentos próprios da representação literário-ficcional. espécie de Paris dos trópicos, cosmópolis da Belle
Acredito que tal ambigüidade – ou ambivalên- Époque brasileira. Tendo sido João do Rio uma espé-
cia – em nada desfigura a importância de João do cie de documentarista das transformações do plano
Rio para o desenvolvimento do jornalismo e da re- aparente da cidade, será ele também arguto obser-
portagem no Brasil. Ao contrário, revela ter sido ele vador das modificações que se estariam processan-
homem de seu tempo. Um tempo de trânsito de do no âmbito dos costumes, do comportamento, dos
gêneros e de ajustes, um momento em que o texto hábitos das criaturas daquela cosmópolis.
jornalístico iniciava sua aventura de seduzir o leitor Assim, vai ele acompanhar os novos “vícios” que
– em que ainda se estava muito distante da padroni- se incorporavam, as chegadas extravagâncias mun-
zação estilística que expulsaria a literatura dos atri- danas de Paris, o chic dos novos modos de viver, de
butos da reportagem, o que no Brasil ocorreria a se vestir, de flertar, de figurar nas altas rodas soci-
partir da década de 1950 – uma fase, pois, em que é ais, enquanto documenta a decadência das velhas
perfeitamente natural que recursos de representa- profissões e seus tipos sociais, que tombavam como
ção ficcional sejam evocados, eis o vislumbre do os antigos casarões coloniais, com a abertura de um
contexto peculiar em que se situou João do Rio, eis o boulevard ou de um cinematógrafo. Veja-se um exem-
vislumbre das condições peculiares em que sua obra plo em Vida Vertiginosa:
se desenvolveu.
Tal caráter de ambigüidade e ambivalência im- Antigamente tremeríamos de horror. Hoje, es-
pregna as principais obras de João do Rio: As Religi- tas duas pequenas são quase nada de grave.
ões do Rio, de 1904, A Alma Encantadora das Ruas, de Semivirgens? Contaminadas de flirt? Sei lá. É

80 Revista FAMECOS • Porto Alegre • nº 32 • abril de 2007 • quadrimestral


João do Rio e os gêneros jornalísticos no início do séc. xx • 78–84

preciso conhecer o Rio atual para apanhar o se nos textos de João do Rio a presença dos aspectos
pavor imenso do que poderíamos denominar a da vida mundana: descrição dos elementos da di-
prostituição infantil. (RIO, 1911, p. 91) mensão material, apresentação dos modos concre-
tos da atividade social e econômica da cidade, expli-
É preciso, no entanto, perceber como reage o nar- citação dos hábitos, costumes e “vícios” de seus
rador que há nos textos de João do Rio diante desse habitantes, demonstração das maneiras do compor-
espaço que no tempo se transfigura. Há, notoria- tamento das massas urbanas. Assim, ler João do Rio
mente, uma posição ambígua: o narrador encanta- não deixa de ser uma experiência em que o leitor
se, entusiasma-se, diverte-se com as modificações e “prova” de um cardápio de elementos que com-
busca mesmo integrar-se aos novos costumes da ci- põem o cenário da época e o espaço de uma cidade:
dade, a seu novo cenário urbano, aos seus novos moda, gastronomia, religião, meios de transporte,
veículos de transporte, à nova feição das ruas; ao arquitetura, tecnologia, esporte, dança, lazer, vícios
lado disso e às vezes ao mesmo tempo, esse narra- e prazeres (cigarros, bebidas, ópio), decoração, pai-
dor assusta-se com as transformações, sofre com a sagismo, urbanismo etc.
transitoriedade, é saudosista. Assim é ele em “A Era O repórter-cronista nada quer deixar passar sem
do Automóvel”, também de Vida Vertiginosa. Há um seu registro. Em “Modern Girls”, de Vida Vertigino-
misto de pasmo e deslumbramento: “O automóvel sa, observa, por exemplo, o quesito da moda. Já em
ritmiza a vida vertiginosa, a ânsia das velocidades, “Presepes” de A Alma Encantadora das Ruas, apre-
o desvario de chegar ao fim, os nossos sentimentos senta um “quadro” em que são dispostos objetos
de moral, de estética, de prazer, de economia, de que compõem uma sala, ao mesmo tempo em que
amor.” (RIO, 1911, p. 4). são descritos movimentos de capoeiristas.
Mas a ironia vem condenar o espantoso veículo.
A era do automóvel trouxe para o cronista-repórter Dentro move-se, numa alegria carnavalesca, o
uma nova linguagem. Hoje, nós ouvimos diálogos bando de capoeiras perigosos da rua da Concei-
bizarros: ção, de S. Jorge e da Saúde. A sala tem cadeiras
em roda, ornamentadas de metim vermelho,
— Foste ao ACB? — Iéss. cortinas de renda com laçarotes estridentes. As
— Marca da fábrica? — FIAT 60 HP. matronas espapaçam-se nas cadeiras, suando,
— Tenho que escrever no ACOTUK. e, em movimentos nervosos, agitam-se à sua
(RIO, 1911, p. 5). vista mulatinhas de saiote vermelho, brutamon-
tes de sapatos de entrada baixa e calção de fan-
Assim, o narrador toma o automóvel como sím- tasia de velho e de rei dos diabos. Há um cheiro
bolo dos novos tempos, nos quais a velocidade atin- impertinente de suor e de éter floral. (RIO, 1908,
giria as próprias formas de expressão escrita: p. 126–127).

Assim como encurta tempo e distância no espa- É preciso, entretanto, ampliar o conceito de mun-
ço, o automóvel encurta tempo e papel na escri- danismo. O que é ser um repórter mundano além de
ta. Encurta mesmo as palavras inúteis e a taga- possuir certa obsessão pelo prosaísmo da vida coti-
relice. O monossílabo na carreira é a opinião do diana? Muito já se disse a respeito de uma postura
homem novo. A literatura é ócio, o discurso é que João do Rio transmitiu para o jornalismo brasi-
impossível. (RIO, 1911, p. 6). leiro: a de quem não fica mais no espaço da redação
de um jornal à espera do fato (ou do “foca”), aguar-
A presença da transitoriedade, a marcação do efê- dando material para as reportagens, mas que sai às
mero nas crônicas-reportagens de João do Rio en- ruas, passeia por bairros pobres, freqüenta a alta
contra-se num caminho de dupla via. Por um lado o sociedade, adentra-se nas igrejas e nos terreiros de
olhar tenta fixar o passado e parece lamentar a per- macumba (como no caso de As Religiões do Rio).
da do tempo antigo, a velha cidade do Rio, daí o Todavia, o mundanismo implica algo mais: liberti-
empenho do repórter-cronista em registrar dados nagem, desregramento. O repórter mundano é aquele
da cidade antiga, marcas de sua velha fisionomia: “sujeito do mundo”, que está caminhando pelas ruas
tílburis, ruas estreitas, costumes, vícios. Por outro e becos, que é um autêntico flâneur, alguém com ares
lado, parece haver a necessidade de fixar exatamen- de desocupado, que freqüenta a society e também
te a retificação do passado e o despontar daquilo pode envolver-se em uma perigosa aventura des-
que o nega, historiando a transformação irremediá- cendo aos infernos do submundo. Em “Os Livres
vel da fisionomia dos tempos. Acampamentos da Miséria”, de Vida Vertiginosa, ele
se lança à perigosa aventura de subir o morro e
O espetáculo mundano nesse espaço – alto e baixo, simultaneamente – parti-
Aliando-se a essa preocupação com o registro do cipa de uma seresta, integra-se a um grupo de ma-
transitório, em uma atitude que traz as marcas do landros, envolve-se com o ambiente de libertina-
gênero crônica em seu sentido primordial, encontra- gem, de indolência. Ao chegar ao alto do morro, ele

Revista FAMECOS • Porto Alegre • nº 32 • abril de 2007 • quadrimestral 81


Marcelo Bulhões • 78–84

tem a cidade sob seus olhos e, contemplando-a, cons- ele se desloca no espaço da cidade, se freqüenta
tata a distância entre dois mundos e o sentido da tanto ambientes perigosos quanto os da society, esse
aventura que vivenciou: enfrentamento dos perigos e esse acesso a ambien-
tes sociais requintados fazem-se também em nome
E quando de novo cheguei ao alto do morro, da informação. Entretanto, é necessário enfatizar que
dando outra vez com os olhos na cidade, que a informação não se circunscreve à mera enunciação
embaixo dormia iluminada, imaginei chegar de de um acontecimento. Em vez disso, há um processo
uma longa viagem a um outro ponto da terra, narrativo que atualiza os acontecimentos, presentifi-
de uma corrida pelo arraial da sordidez alegre, cando-os, por assim dizer, fazendo com que o leitor
pelo horror inconsciente da miséria cantadeira, acompanhe o desenrolar da ação como se fosse uma
com a visão dos casinhotos e das caras daquele testemunha.
povo vigoroso, refestelado na indigência em vez Ótima demonstração do forte caráter informativo
de trabalhar, conseguindo bem no centro de na obra de João do Rio está em “A Fome Negra”, de
uma grande cidade a construção inédita de um A Alma Encantadora das Ruas, crônica-reportagem
acampamento de indolência, livre de todas as sobre trabalhadores na Ilha da Conceição, depósito
leis. (RIO, 1911, p. 152) de manganês e carvão. O texto chama a atenção pela
crueza da focalização, que se faz inicialmente pela
O repórter-cronista vai ao campo degradado dos apreensão do todo, observação do conjunto, a coleti-
acontecimentos e de lá retorna, restituindo-se para o vidade de trabalhadores anônimos. Como se pode
mundo “alto” da cidade. Ele sabe dos grandes peri- notar, o lirismo cede um pouco a vez para a busca
gos da aventura e precisa salvar-se. Para o leitor, a do efeito de objetividade jornalística:
narrativa de “Os Livres Acampamentos da Miséria”
passa a ser a de um personagem-jornalista com ati- Logo depois do café, os pobres seres saem do
tudes de flâneur que se arrisca em busca de assunto barraco e vão para a parte norte da ilha, onde a
para seu texto. No final, ele sai do inferno em que se pedreira refulge. Há grandes pilhas de bloco de
metera, deixa o morro, o escuro da noite, escapa manganês e montes de piquiri em pó, em lascas
liricamente para encontrar na cidade o amanhecer: finas. No solo, coberto de uma poeira negra
com reflexos de bronze, há rails para conduzir
De repente, lembrei-me de que a varíola cairia os vagonetes do minério até o lugar da descar-
ali ferozmente, que talvez eu tivesse passado ga. O manganês, que a Inglaterra cada vez mais
pela toca de variolosos. Então, apressei o passo compra do Brasil, vem de Minas até a Marítima
de todo. Vinham a empalidecer na pérola da em estrada de ferro; daí é conduzido em bate-
madrugada as estrelas palpitantes e canoramen- lões e saveiros até as Ilhas Bárbaras e da Con-
te galos cantavam por trás das ervas altas, nos ceição, onde fica em depósito. (RIO, 1908, p. 176).
quintais vizinhos. (RIO, 1911, p. 152).
Este trecho se assemelha à prosa de ficção realis-
Informação e ficção ta-naturalista – ou aparentada dela – cujas narrati-
Há uma ambigüidade bastante valiosa em João do vas têm início com a apreensão da atividade coleti-
Rio: a convivência do flâneur com o jornalista profis- va. Penso em alguns exemplos célebres: Germinal de
sional. De fato, ele condensa dois comportamentos, Émile Zola, Mãe de Máximo Gorki, O Cortiço de
aparentemente inconciliáveis. Há muito de postura Aluísio Azevedo. E este parentesco com a ficção
aristocrata no flâneur, o dândi despreocupado que literária não implica o afastamento de seu caráter
vagueia pelas ruas, aberto às contingências do aca- informativo: há toda uma preocupação com os da-
so, cujo melhor exemplo está em A Alma Encantadora dos concretos, verificáveis, apurados da realidade
das Ruas. Mas, ao mesmo tempo, ele é o jornalista, empírica. É que, nesse caso, se é possível aproximar
alguém investido de uma atitude profissional, que a crônica-reportagem de João do Rio de uma dicção
realiza entrevistas e apura os fatos. É, pois, válido naturalista é porque, como bem se sabe, o naturalis-
lançar uma curiosa designação para João do Rio: a mo tem como um dos seus pressupostos fundamen-
de repórter-flâneur. Sintomaticamente, tal postura tais a verificação dos dados da realidade sensível.
ambígua sinaliza o momento de transição vivido Com Zola, a literatura assumiu ma espécie de com-
pela imprensa brasileira no início do século XX, re- promisso de destituição do comportamento inventi-
presentada pela convivência de um amadorismo per- vo da prosa literária. O escritor deveria ser um ob-
sistente, presente na atitude do flâneur, com o arrojo servador rigoroso dos dados oferecidos pelo real. O
do profissionalismo exigido pelas demandas empre- que houvesse de material ficcional no plano do en-
sariais que se apresentavam, presente na postura do redo deveria estar apoiado nos poderes de observa-
repórter. ção. A referência a Zola é aqui imprudente, pois
Seja como for, se esse repórter-flâneur é alguém pode incitar uma discussão bastante ampla sobre as
que às vezes “desce aos infernos” e dele se salva, se relações entre a prosa jornalística e literária que ex-

82 Revista FAMECOS • Porto Alegre • nº 32 • abril de 2007 • quadrimestral


João do Rio e os gêneros jornalísticos no início do séc. xx • 78–84

trapola os limites deste texto; sobre o modo como Acredito, pois, que é necessário enfatizar em João
teria havido uma reciprocidade de influência ou trân- do Rio a aproximação entre literatura e imprensa
sito de “poéticas”; fazendo pensar, por exemplo, no por meio da identificação de uma questão situada
modo como o jornalismo do século XX foi se tornan- precisamente no comportamento do narrador. Mais
do cada vez mais “realista-naturalista” ao incorpo- precisamente, a postura do narrador é a de um per-
rar um efeito de parcialidade e aparar as arestas da sonagem de ficção investido da ação própria do pro-
subjetividade exaltada dos periódicos do século XIX. fissional da imprensa, repórter ou cronista; e, espe-
De qualquer modo, as marcas inequívocas de pro- cialmente, de um ente que se movimenta no espaço
sa naturalista nos textos de João do Rio parecem urbano e vive “de dentro” a aventura da própria
denunciar a influência do movimento francês no reportagem ou crônica a ser escrita. O repórter-
período de iniciação de Paulo Barreto. Dito isso, cronista assume no texto o estatuto de personagem
volto à “fome negra” para destacar que no texto há de ficção. Mais: em muitos casos, as narrativas pro-
uma expressão que enfatiza a habitualidade, a repe- cessarão as aventuras de um personagem narrador-
tição das ações, do movimento geral que envolve o repórter na aventura de colher o material jorna-
vapor, o saveiro, os trabalhadores. Pouco a pouco, lístico. Com isso, não há um efeito discursivo de
no entanto, o texto vai abandonando a apreensão do separação entre o narrador-personagem e o fato
coletivo para encontrar um enfoque mais individua- narrado.
lizado por meio de personagens e de uma situação A herança de João do Rio faz-se sentir em alguns
determinada, reduzindo o campo de ação, indo ao escritores-cronistas praticamente esquecidos: Benja-
encontro de um esquema narrativo elementar, com min Costallat, Sylvio Floreal, João de Minas, Théo
desenvolvimento, clímax, desenlace. Ou seja, a re- Filho. Provocativamente, poderia também aproxi-
portagem – que também apresenta traços de crônica má-lo de um escritor – esse lembrado – situado em
– vai encontrando os contornos do conto: “O traba- contexto bastante distinto de Paulo Barreto, numa
lho recomeçou. O Corrêa, cozido ao sol, bamboleava espécie de “aproximação invertida”: João Antônio.
a perna, feliz. Como a vida é banal. Esse Corrêa é Ambos, repórteres-ficcionistas, flagram o cotidiano
um tipo que existe desde que na sociedade organi- das ruas; ambos configuram narrativas de trânsito
zada há o intermediário entre o patrão e o servo”. com a vida prosaica. Em ambos, de certo modo a
(RIO, 1908, p. 180) narrativa configura o ato de percorrer e (re) conhe-
Torna-se compatível, no fim das contas, o caráter cer a cidade. E a narração é a enunciação do ato de
informativo com o traço ficcional. Com efeito, o fic- transitar. Há, é claro, algo que os separa drastica-
cional em João do Rio está no limite dos componen- mente: João do Rio é o cronista-repórter afeito ao
tes da chamada referencialidade jornalística, consti- requinte mundano, ao esnobismo da Belle Époque. João
tuindo uma região de fronteira, um espaço cujos Antônio, bem ao contrário, é o contemplador das mi-
domínios são indefinidos. Acredito que é irrelevan- sérias da urbs caótica, da metrópole degradada.
te investigar – se fosse possível fazê-lo – o quanto há De modo geral, fica um dos elementos definidores
de invenção ou de registro factual nas crônicas e da reportagem de João do Rio: há o ficcionista; no
reportagens de João do Rio. Sua prosa não é mero repórter, um personagem. O autor dinamizou a ati-
registro de fatos e de contingências mundanas rigo- vidade jornalística, renovou-a; lançou o repórter na
rosamente observadas. Há um efeito de intervenção rua, lançou-o à vida vertiginosa e encantadora da
subjetiva, há uma expressão inequivocamente lírica cidade. Desapegado dos limites da sala de redação,
e, ainda, um modo de narrar que incorpora e revela vivenciou uma experiência textual também sem limi-
traços marcantes de fabulação. tes, assumindo o contexto de dinamismo dos novos
Afonso Lopes de Almeida, citado por Cremilda tempos, com a convivência ambígua entre gêneros e
Medina (1978, p. 58), destaca que uma das princi- fazendo também do jornalismo expressão literária.
pais inovações de João do Rio foi transformar a crô-
nica em reportagem na ação de tirar o jornalista do Conclusão: o que não é jornal velho
espaço da redação e levá-lo ao locus dos aconteci- Procurei chamar a atenção para o perigo de se lan-
mentos. Penso, no entanto, que a importância da çar um olhar dirigido ao tempo de João do Rio a
menção deve ser valorizada com a observação de partir da perspectiva do nosso. Tal ressalva foi fun-
que se trata de uma marca fundamental no interior damental para que eu pudesse reconhecer alguns
da configuração narrativa. Ou seja, esse cronista (e aspectos importantes da configuração de textos jor-
repórter) que vai ao palco dos acontecimentos como nalísticos de João do Rio, enfatizando a convivência
um flâneur é, na verdade, uma entidade da narrati- entre gêneros, reportagem, crônica, conto, convivên-
va. Trata-se de uma personagem, se quisermos usar cia bastante natural no contexto de nossa Belle Épo-
o termo sem atribuir-lhe a necessidade de contornos que. De fato, o tempo de Paulo Barreto não foi mar-
psicológicos e físicos definidos. Sendo narrador, ele cado por uma delimitação rigorosa entre os gêneros
se comporta, ao mesmo tempo, como representação jornalísticos, algo que se vai desenvolver no Brasil a
ficcional. partir da década de 1950, embora se reconheça o

Revista FAMECOS • Porto Alegre • nº 32 • abril de 2007 • quadrimestral 83


Marcelo Bulhões • 78–84

pioneirismo do Diário Carioca na incorporação do jar uma discussão sobre o nosso modo contemporâ-
padrão jornalístico norte-americano, já em 1943. (SIL- neo de fazer jornalismo, promovendo, indiretamen-
VA, 1990) te, o questionamento da padronização da textu-
Penso que não se pode afirmar que a obra de João alidade jornalística e o cotidiano “burocrático” que
do Rio desobstruiu fronteiras rigorosas entre gêne- parece ter impregnado o ambiente de nossas salas
ros jornalísticos, pois elas não existiam. Não com as de redação. Ou seja, tudo o que a reportagem em
exigências prescritivas que vigorariam depois, esta- João do Rio não foi. Em um tempo de extrema meca-
belecidas, inclusive, em manuais de redação. Se ele nização do ofício jornalístico, em uma fase em que o
retificou um padrão jornalístico anterior, o fez no repórter parece ficar cada vez mais estático – aliás,
interior de um processo mais amplo, o de uma trans- uma época em que estão desaparecendo as funções
formação em curso encampada por jornais do Rio especializadas de repórter, editor, redator, com o
de Janeiro, os quais passavam a adotar uma feição movimento de enxugamento das empresas jornalís-
empresarial e comercial para a atividade jornalísti- ticas – e o jornalista parece estar cada vez mais
ca, em franca sintonia com as demandas da moder- amarrado à sala de redação, sem contato direto com o
nidade. Tratou-se de uma fase de incorporação de cotidiano a ser por ele reportado, o nome de João do
gêneros praticados na Europa – reportagem, crôni- Rio pode soar como um exemplo radical de contraste.
ca, colunismo, caricatura – e procedimentos como Passados mais de cem anos, os textos de João do
manchete e subtítulos. Tais recursos visavam a im- Rio permanecem como uma das maiores realizações
primir dinamismo, buscavam seduzir e interessar de textualidade jornalística de nosso país. Trata-se
um contingente populacional urbano que se esforça- de um material fascinante, rico em potencialidades
va para se ajustar ao figurino da modernidade. João expressivas que, exatamente por isso mesmo, se re-
do Rio entrou em perfeita sintonia com esse contex- nova a cada leitura. Mas, curiosamente, essa textua-
to, produzindo uma obra jornalística afeita às de- lidade jornalístico-literária, inapelavelmente impreg-
mandas comerciais que se anunciavam, fornecendo nada das marcas de sua época, deve ser convocada a
ao público apelos de curiosidade em reportagens de participar dos questionamentos, inquietações e per-
feição narrativa e com ingredientes típicos de ficção. plexidades próprias de nosso tempo, assumindo no-
É preciso desmontar a insatisfatória postura que vas e instigantes configurações.nFAMECOS
busca rotular a obra de João do Rio. Alguns críticos
o chamaram apenas de cronista, outros, repórter. REFERÊNCIAS
Outros nem mencionaram a palavra jornalista. Seja
como for, tais veredictos são sinais de uma postura EDMUNDO, Luiz. O Rio de Janeiro de meu tempo.
classificatória que segmenta os gêneros, perigosa e Rio de Janeiro: Companhia Editora
inócua no caso de Paulo Barreto. É necessário, ao Nacional, 1938.
contrário, aceitar o vasto território de ambigüidade
e pluralismo que a impregna. GRIECO, Agripino. Evolução da prosa brasileira. Rio
Chegado a esse ponto, lanço uma afirmação que de janeiro: Ariel, 1933.
aparentemente contradiz o que defendi até aqui: é
necessária uma aproximação com o tempo de João MEDINA, Cremilda. Notícia, um produto à venda:
do Rio. É preciso trazê-lo para o nosso tempo, em jornalismo na sociedade urbana e industrial. 2.
atitude reflexiva e questionadora. A contradição de ed. São Paulo: Summus, 1988.
fato é aparente, pois não proponho olhar para o
contexto jornalístico de Paulo Barreto segundo a pers- PEREIRA, Lúcia Miguel. História da literatura
pectiva do padrão jornalístico de nossa época. É brasileira: prosa de ficção: de 1870 a 1920. Belo
necessária, ao contrário, uma operação de ajuste de Horizonte: Itatiaia; São Paulo: USP, 1988.
foco, de observação rigorosa das condições de pro-
dução jornalísticas peculiares de seu tempo, para RIO, João do. A alma encantadora das ruas. Paris:
que, a partir daí, o legado de Paulo Barreto seja H. Garnier, 1908.
melhor assimilado. Para que, inclusive, não seja mero
legado, objeto fóssil, documento ou “memória”. ———. Vida vertiginosa. Rio de Janeiro: Garnier,
Cada vez mais se sabe que o nome de João do Rio 1911.
é indispensável para a compreensão da história de
nosso jornalismo. Mas, ao lado da compreensão his- RODRIGUES, João Carlos. João do Rio: uma biografia.
tórica , penso que sua obra é fundamental para a Rio de Janeiro: Topbooks, 1996.
reflexão sobre a natureza e a linguagem jornalística
e para um questionamento bastante atual e de certo SILVA, Carlos Eduardo Lins da. O adiantado da
modo permanente. Trata-se de uma atitude reflexi- hora: a influência americana sobre o jornalismo
va direcionada às formas de expressão do jornalis- brasileiro. São Paulo: Summus, 1990.
mo e à sua própria natureza. E as características
dessa obra, com seus traços peculiares, podem ense-

84 Revista FAMECOS • Porto Alegre • nº 32 • abril de 2007 • quadrimestral

Você também pode gostar