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TeaTRO VIVO

Nini Gê

PEQUENOS BURGUESES

Editor
VICTOR CIVITA
A
MÁXIMO GÓRKI

dA
(1868 - 1936)

nai o “Ele pertence àquela longa e tão diversa


egoria de espíritos generosos que foram persuadidos de que
Copyright desta edição, 1976, a Terra é bela e a humanidade é boa."
Abril S.A. Cultural e Industrial, São Paulo.
(Dumesnil de Gramont)

ss.
q

LIBRARY
|

PHOTO
s CA
Moscou, 1902. Diante do Teatro Artístico de Moscou,
uma pequena multidão se comprimia sob o olhar vigilante dos
guardas do czar, fortemente armados. Ninguém sabia, ao certo,
se Pequenos Burgueses chegaria a estrear. O texto da peça, edi-
tado alguns meses antes, fora recebido com entusiasmo. Vende
ram-se 60 000 exemplares, um sucesso extraordinário para a
época. Mas a censura havia feito inúmeros cortes na obra, o que
provocara desagrado entre seus milhares de leitores.
Um ano antes. em 1901, Máximo Górki fora detido pela ter-
ceira vez 'e só, conseguira sair da prisão graças à interferência
de Tolstói. Eleito membro honorário da Academia de Ciências,
tivera sua posse impedida pelo czar, o que resultara na demissão
de dois membros da Academia, Tchekhov e Korolenko, em sinal
de protesto. Assim, a presença em massa dos espectadores era
não só motivada pelo interesse cultural como também pelo desejo
de promover um desagravo ao autor.
Na platéia, a tensão aumentava à medida que se aproximava
o momento de se iniciar o espetáculo. O elenco pediu ao público
que se mantivesse calmo, para que o autor não fosse prejudicado
e operários marginalizados pela e pudesse continuar escrevendo. Em resposta, alguns espectado-
Defendendo a imensa multidão de camponeses res mais exaltados gritaram: “ Abaixo o grão-duque”.
Revolução Industrial, Máxim o Górki fez da literatura uma tribuna
política. (Detalhe do quadro Trabalhadores Despertai 1. do russo V. Serov.)

Iv
O CONFLITO DE GERAÇÕES

1959,
A representação de Pequenos Burgueses foi um enorme su

| OEUVRE
cesso é com ela teve início a linha político-social do teatro russo.
Logo no primeiro ato. Górki aborda de maneira vigorosa o con-
Nito de gerações, a oposição entre os poderosos, representantes

DE
de um modo de vida tradicional. e os grupos sociais emergentes

IIHEATRE
que a eles se opunham.
O velho Bessemenov. sua mulher Akoulina. os filhos Pietr

PIC
e Tatiana são personagens contraditórias, ricas, bastante diferen-

PHOTO
ciadas em termos psicológicos. embora oriundas do mesmo grupo
social — os meschane, .
Os meschane eram individuos que não pertenciam nem
a nobreza. nem ao campesinat o, nem ao clero, Eram os habitan-
tes da cidade (do bur o e só nesse sentido poderiam ser denômi-
nados “burgueses”. já que, nos tempos modernos, à palavra ga-

OCCPCCACRCCCECCCCTCE
nhou outro sençidos. Os burgueses ricos eram designados por
outros nomes. de acordo com a ocupação profissional. No sen-
tido moral, meschanin (no singular) é o homem extremamente

1954)
O velho Bessemenov, conservador inflexível,& um inconformado: não consegue
ver concretizadas algumas de suas expectarvas em relação aos filhos.

L DEUVHE,
mesquinho, incapaz de apreciar tudo quanto seja grande e belo.
A critica aos meschane esiá presente em toda a obra de

DE
Máximo Górki. Em Vassa Geloznova (1910). diz uma persona

LIHEATRE
gem:“... conheço muito bem a sua classe social. Aqui na Rus
sia, como“no estrangeiro. é uma classe doente; vocês vivem ma-
quinalmente, vocês se submetem à força das coisas que vocês
PIC
PHOTO criaram. Vocês se detestam uns aos outros: e nunca se perguntam
por que vivem e quem tem necessidade de voces. Mesmo os me
lhores, os mais inteligentes entre vocês, não vivem a não ser por
medo da morte...”
Ássim como havia utilizado a prosa para evidenciar os con
trastes e os antagonismos sociais. Górki usa o teatro como outra
forma de luta. Mesmo asfixiada. a literatura russa era grande tri-
duna política durante a repressão czarista. Górki tornara-se o
defensor dos bessiaki, aquela gente nômade que ele conhecera tão
bem, marginalizada pela Revolução Industrial; aquela multidão
4s personagens de Pequenos Burgueses vivem num mundo sufocante e que abandonava o campo. à procura de empregos nas indústrias
mesquinho, e a impotência é o elemento comum a rodas elas. das
a
cidades: a massa de desempregados, o excesso de mão-de-

VI VII
obra que fugia dos cortiços, das condições subumanas, e errava

1972]
pelo país à procura de um lugar.
A metafísica da dor — que na obra de Dostoiévski

PARIS
(1821-1881) atingira suas últimas consequências — e à caridade
do agnóstico-cristão-socialista Léon Tolstói (1828-1910). Górki

ODEON
opôs a alegria de viver, substituindo a exaltação do sofrimento
por uma raiva instintiva e uma justificada violência.

PICITEATRO
Górki sente-se irmanado com essa multidão de “ex-ho-
mens”, como os chamaria em Ralé (1902), e com os operários.
Sua-visão do proletariado era, porém, romântica, apaixonada, e

PHOTO
muitas vezes ele se deixava arrebatar, prejudicando a fluência da
narração para vociferar contra os burgueses, vencidos e acaba-
dos, submersos na hipocrisia de uma vida mediocre e mesquinha.
Essa tendência ao manifesto panfletário tornou-se mais evidente
em sua obra teatral, e Górki se esforçou por atingir maior auto-
domínio, passando a considerar detestaveis algumas de suas pe-
ças, como Os Filhos do Sol (1905) e Os Veranistas (1905). nas
quais o discurso interfere no fluir espontâneo da ação.

UM GRITO DE INDIGNAÇÃO

Aleksiéi Maksimovitch Pieshkóv (era este seu verdadeiro


nome) nasceu em Nijni-Nóvgorod, cidade que Stálin (1879-1953)
batizaria mais tarde como Górki. Referindo-se ao nascimento, es-
creveu ele em suas memórias: “No ano de 1868, a 14 do mês
de março, as duas horas da madrugada, em consegiiência da pre-
dileção que tem pelas partidas de mau gosto, é ainda para com-
pletar a soma de absurdos que tem cometido em diversas épocas,
a Natureza fez-me nascer com uma pincelada objetiva. A des-
peito da importância desse fato, não conservo dele nenhuma re-
cordação pessoal; mas minha avó disse-me que logo que me foi
conferido espírito humano soltei um grito. Quero crer que foi um
grito de indignação e protesto”.
Filho de artesãos, nascido num meio social muito pobre,
Aleksiéi, órfão de pai, foi criado pelo avô materno, um tintureiro. Ralé truta de “criaturas
Com a morte da mãe, em 1878, o menino teve de deixar que uma vez já foram
homens ”. A pesar de sua
a casa do avô, para ganhar a vida. Inicia assim uma peregrinação
visão amarga, Máximo
pelas mais diversas ocupações: sapateiro, desenhista, lavador de Górki deu-lhe
pratos num navio que percorre o Volga. Nesta última atividade, uma verdadeira
Aleksiéi dá seu primeiro passo em direção à consciência política carga de otimismo.

VII IX
OCCDCRRCCRCLLCALARCCCARARLAÇCAR
PRESS
e à literatura. O cozinheiro do navio empresta-lhe alguns livros
e desperta nele o interesse pelos problemas políticos. Aleksiei co-

ABRIL
meça a sentir que seus horizontes se alargam e, a partir de então.
nunca mais se separa dos livros.
Por volta de 1884, apaixonado pela cultura, muda-se para
Kazan, onde imagina poder cursar gratuitamente a Universidade.
Mas isso é um privilégio de poucos. dos que têm dinheiro para
pagar. E Aleksiéi não pertence a esse círculo de eleitos. Acossado
pelas dificuldades econômicas. emprega-se como vigia num tea-
tro. Desiludido com sua vida de privações. torna-se pescador no
mar Cáspio e vendedor de frutas em Astrakan. Vai para Odessa
com uma turma de marginais nômades que erra de cidade em
cidade, à procura de emprego. Trabalha como estivador, auxiliar
de escritório. jardineiro, cantor de coro, padeiro. Percorre o Cáu-
caso, a Criméia, a Ucrânia. Sofre a miséria, o frio. a fome. a
revolta: este é seu curso universitário, batizado mais tarde por
ele como Minhas Universidades.

MÁXIMO, O AMARGO
Pequenos Burgueses /Ol apresentada pela primeira vez no Brasil em 1963
Encenada em São Paulo pelo Teairo Oficina e dirigida por Juse
Aos 19 anos está em Kazan, onde tenta o suicídio. Sobrevive Currea,
Celso Martinez
e. 3
aa peça. conseguiu
, a
grundeo sucesso,
cs7+ Ee
permanecendo um aro em cartaz,
à bala que lhe penetra um dos pulmões, mías contrai uma tubercu-
lose que o acompanhará para sempre. À propósito desse gesto, gando pelas estepes, participando do êxodo para o sul: caminha
escreve: “A culpa de minha morte deve ser atribuída ao poeta milhares de quilômetros com a massa de indigentes, vítimas da
alemão Heinrich Heine: inventou o coração que tem dor de den
fome de 1891-92. Ainda em 1892, publica seu primeiro conto
tes. Junto a este bilhete meus documentos de identidade. que tirei Makar Tchudra, na revista Kavkas, usando pela primeira vez o
expressamente para essa ocasião. Quanto aos meus restos mor- pseudônimo de Máximo Górki (Máximo, o Amargo). É saudado
tais. peço que os submetam a autópsia, a fim de descobrirem de
com entusiasmo por Romain Rolland (1866-1944), que vê nele
que diabo estava eu possesso nestes últimos tempos”. Dessa expe-
O homem que, como Dante. voltou do Inferno, mas não sozinho,
riência, resulta o material utilizado em Um Incidente na Vida de trazendo consigo seus companheiros de tormento e seus camara-
Makar (1892) e Como Aprendi a Escrever (1912). das de salvação”.
De volta à vida, Aleksiéi decide engajar-se na luta política. Makar Tchudra despertou a atenção dos inteleeruais russos
Na Geórgia, entra em contato com algumas organizações, lê Por seu estilo vigoroso. Vladimir Korolenko (1853- 1921 )kque ha-
Marx e segue os passos de Lênin (1870-1924). Em 1890 € preso via acabado de cumprir uma pena na Sibéria, interessou-se ime-
em sua cidade natal, sob a suspeita de exercer atividades subversi- diatar lente pelo jovem autor. Arranjou-lhe um emprego
vas. O relatório policial descreve-o como “um homem extrema- num jor-
nal Ce Samara, o Samarskaia Gazieta, no qual Górki se projeta
mente suspeito; leu muito, maneja bem a pena; atravessou quase Fapicamente como jornalista e escritor. Em 1898. aparecem suas
toda a Rússia (na maior parte do tempo a pé): esteve mais de
pr meiras coletâneas, os pequenos temas de Ensaios e Nurrativas,
um ano em Tíflis, sem ocupação certa. e saiu de lã sem saber que obtêm grande êxito e o colocam entre os melhores escritores
para onde ir”. Posto em liberdade, Aleksiéi passa dois anos va

X XI
ae
gia
da época. Um ano depois, Górki publica dois romances: Romá

1969)
Gordiéiev e Os Três. O primeiro é a história de um indivíduo
exuberante, cuja vitalidade é tolhida pelo ambiente mesquinho de

IOATEATRO NACIONAL POPULARM


uma cidade provinciana; o segundo consiste na reelaboração de
Crime e Castigo, de Dostoiévski.

A DESCOBERTA DO TEATRO

Em 1901, depois de se livrar da prisão, à qual havia sido


recolhido por participar de um movimento estudantil em Kazan,
Górki começa a escrever para o teatro. Numa carta a Anton
Tchekhov (1860-1904), diz ele: “Escreverei um ciclo de dramas,
esteja certo. Um sobre os “inteligentes". Um grupo de pessoas sem
ideais (...) Um outro com um operário proletário citadino se
mi-'inteligente”. Absolutamente aceitável pela censura (...) Um
terceiro sobre o campo (...) Um outro ainda: os sem teto, um
tártaro, um judeu, um ator, a dona de um albergue noturno, um
policial, prostitutas (. . .) Será terrivel” escuto as vozes. as falas.
Os motivos são claros, tudo é claro (...)”.
Apesar do sucesso de Pequenos Burgueses, a censura proibe A' rendência de Górki para o manifesto panfletário tornou-se mais evidente em
que a peça seja montada em teatros populares ou traduzida para peças como Os Filhos do Sol. (Na foto, cenário projetado por J. Marquet.)
línguas de outros povos do Império. Mas o autor não se deixa
intimidar e escreve outra peça. A 19 de julho desse mesmo ano,
As demais personagens não são menos importantes: Sátin,
Górki recebe uma carta de Tchekhov: “Li sua peça Rafé. E nova
o ator decadente; Klesh, o desempregado, e sua mulher; o Barão,
e. sem dúvida, excelente. O segundo ato é muito bom: é o melhor
a prostituta Nastia. a verdureira Kvasnia, o sapateiro Aliosha.
e mais forte. e, quando eu lia, especialmente o final, quase dancei
Á esse grupo de esquecidos, junta-se Luka, um apóstolo leigo que
de alegria. O tema é escuro e opressivo; talvez a platéia, não acos- flosofa sobre a condição humana dos que vivem nos bas-fonds,
tumada com essas coisas, saia do teatro e você tenha que dar e que consegue manter-se integro, embora massacrado, porque,
adeus à sua reputação de otimista”.
embora a visão apesar de tudo. tem uma grande esperança na humanidade. “Os
A platéia não abandonou o teatro. porque
seres humanos”, diz ele, “encontrarão o que buscam além.” Essas
de Górki seja amarga, está carregada também de otimismo,
palavras, em contraste com a realidade da miséria em que vivem
mesmo quando trata de “criaturas que uma vez já foram ho-
as personagens de Ralé, sô poderiam encontrar ressonância na-
mens”, como em Ralé. Górki havia cumprido a promessa feita queles que, como Górki. desejavam uma transformação radical
a Tchekhov de escrever uma peça sobre os “sem teto”. da sociedade.
Ralé (que no original recebeu o título de No Fundo) tem ,
Górki participou ativamente da encenação de Ralé, levada
várias tramas que se entrelaçam. A mais evidente é a do romance
a cabo pelo grupo do Teatro Artístico de Moscou, sob a direção
entre Vassili e Vaska, a mulher do encarregado do albergue. Vas de Stanislavski (1863-1938). Por sugestão do autor, os atores visi
sili decide abandonar a amante para fugir com a irmã desta, Na- taram o mercado de Khitrov, para conhecer mais intimamente
tasha. Vaska desencadeia sua fúria contra a irmã, e Vassili, para
as personagens que iriam encarnar. Górki sugeriu que se contra-
defender Natasha. mata acidentalmente o marido de Vaska. tasse uma prostituta para auxiliar Olga Knipper, mulher de
XI
XI
a
Tchekhov, a compor a personagem de Nastia. O papel do ator

RÁDIO TIME s HULTONM PICTURE LIBRAHY


Satin foi interpretado pelo próprio Stanislavski.
Em 1905, Górki é detido por subversão e encarcerado na
prisão de São Pedro e São Paulo, em São Petersburgo. de onde
sai pouco tempo depois, graças à interferência de outros intelec-
tuais. Organiza o jornal Nóvaia Jizni (Vida Nova), mas é obri
gado a abandonar a Rússia logo após o malogro da rebelião ope-
rária de dezembro.
Vai para os Estados Unidos, onde sua permanência é dificul-
tada pelo embaixador russo. Górki tenta levantar fundos para a
revolução soviética, mas Randolph Hearst, dono de uma grande
cadeia de jornais, dificulta-lhe os passos, acusando-o de imorali
dade pública. pelo fato de Górki ter se casado pela terceira vez.
O escritor refugia-se com sua mulher, Maria Budberg, em Staten
Island, onde escreve o romance 4 Mae (1907), e uma peça de
teatro. Os Inimigos (1906).
Pouco tempo antes, em Filhos do Sol, ele denunciara a fac-
ção da intelectualidade russa que não se alinhava na luta revolu-
cionária. Em Os Inimigos, Górki aborda o problema da relação
entre patrões e empregados.
O romance 4 Mae, considerado um de seus trabalhos mais
importantes, é tido como a primeira obra do realismo socialista.
Está impregnado de humanismo, como toda a obra de Górki.
Para Górki, o homem que vincula sua sorte à sorte de seu
povo está vivo; aquele que, mesquinhamente. só pensa em sua
própria tranquilidade, mesmo que isso implique estagnação; está
morto. Górki não sente a menor compaixão pelo mundo dos pe-
quenos burgueses, que vê como uma multidão cinza e entediada.
“Alguns deles”, considera o escritor, “tecem vagos sonhos sobre
a beleza da vida há duzentos anos atrás, mas ninguém se coloca
a simples pergunta: o que a tornará bela se nos limitarmos apenas
a sonhar?”
Em fins de 1906. Górki fixa residência em Capri, onde
funda uma escola para imigrantes revolucionários, que funciona
até 1914. Durante o exílio, escreve Os Bárbaros (1906). Os Últi-
mos (1908), Gente Esquisita (1910). Vassa Aheleznova (1911).
Os Kvkov (1912) e a trilogia autobiográfica: Infância, Ganhando E=
Meu Pão e Minhas Universidades (1912-13).
Os Ultimos, uma das peças escritas durante o exílio, retrata
o conflito entre pais e filhos. e a ruína de uma família burguesa O homem é a única muravilha sobre a terra, todas as outras
são o produio
nos últimos anos do czarismo. Ivan Kolomnitzev, o chefe da de sua imaginação, de sua inteligência, de sua vontade
criadora ' “(Górki)

MIV
XV
MONDADOR!
um
família, é um policial corrupto que não hesita em prender
jovem suspeito de cometer um atentado contra a vida do czar,
inocência. No conflito, seus filhos Pietr
apesar de sua evidente
apoiado
e Vera tomam o partido da justiça contra O pai, que é

aANOLDO
dre. O alvo de Górki, nessa
pelos outros filhos, Nadia e Alexan
ade que estimu la a corrup ção e a
peça, é aquele tipo de socied
s venais, como Kolomn itzev. No final do úl-
existência de pessoa
resta à mãe — a impote nte Sofia — pedir perdão
timo ato, só
aos filhos por tê-los colocado no mundo.
retorna
Com o início da Grande Guerra, em 1914, Górki
(Crôni ca), e se alinha
à Rússia. Dirige um jornal mensal, Liétopis
do a prepar ar a revolu ção.
com Lênin e os bolcheviques, ajudan
Górki é consid erado herói. Res-
Quando esta triunfa, em 1917,
e escreve um ensaio sobre Tolstói
suscita o diário Nóvaia Jizni
e vai para a
(1919). Em 1921 adoece gravemente dos pulmões
Ali es-
Itália, permanecendo em Sorrento durante vários anos.
onov (1925) e
creve Recordações sobre Lênin (1924), Os Artam
Samgin (1927- 36).
começa uma grande epopéia, 4 Vida de Klim
ca,
Em 1933, Górki decidiu estabelecer-se na União Soviéti
apesar de sua saúde precária. Escreve então Yegor de Bolychov, re-
média por meio da históri a um comer-
tratando o fim da classe
estava escrevendo
ciante. Em 1935 concluiu Dostvgavev e ainda
pneumonia, em 18
A Vida de Klim Samgin, quando morreu de
as honras oficiais
de junho de 1936. Foi sepultado com todas
v.
e seu féretro acompanhado por Stálin e Moloto
A caridade ugnóstico-crista de seu contemporâneo Tolsiói (na foto), Gorki
opôs a ategria de viver, a raiva instintiva e uma justificada violência
CENAS EM CASA DOS BESSEMENOV

e Górki traba: diada”, bem mais rica e profunda que suas observações sobre o
Pequenos Burgueses foi concebida em 1900 proletariado. Sda visão do proletário é ideal, linear e didática:
sse uma forma satis-
lhou algum tempo na peça, até que ela atingi
em Casa dos Besseme um ser sem contradições, que sabe o que quer e marcha decidido
fatória. No início, tinha o título de Cenas
Na verdade, a peça não para a vitória final.
nov, Esboço Dramático em Quatro Atos. As personagens de Pequenos Burgueses vivem num meio
um mosaico de situa
segue uma linha de ação única, mas é antes mesquinho, revelando-se quase sempre impotentes para vencer as
russa da época.
ções e personagens representativas da vida barreiras desse meio. A impotência, em varios níveis, &0 único
diz que as personagens
Numa carta a Stanislavski, Górki elemento comum a todas elas. O velho Bessemenov já não tem
há uma evide nte predominância
principais são Nil e Pólia, mas As refle- autoridade para se impor junto à família; a dedicação da velha
ão da peque na burgu esia.
da situação; a lenta deterioraç Akoulina é insuficiente para impedir os choques entre os vários
, em todos os seus
xões de Górki sobre o mundo pequeno-burguês membros da familia; Tatiana e Pietr, cada um por seus motivos
adições. etc. —,
aspectos — vida, expectativas, psicologia, contr não conseguem romper o asfixiante círculo familiar. o
idão cinza e ente-
denotam grande acuidade em relação à “mult
XVII

E
XVI
Na referida carta a Stanislavski, Górki assinala esse pro-

1958)
blema na família Bessemenov: “Akoulina estã toda no amor aos
filhos e ao marido, no desejo de ver os que a rodeiam amarem-se

DE L DEUVRE,
uns aos outros. . .” Ela faz qualquer coisa para evitar as discus-
sões familiares. Adotando a política dos “panos quentes”. colo-
ca-se entre os demais para receber todos os golpes. Mas, no seu
amor à família, é profundamente egoísta. Marginaliza os “de

PHOTO PIC [THEATRE


fora” e não hesita em se comportar de maneira vil e injusta
quando se trata de defender os seus. Contudo, apesar de sua von
tade de impedir rupturas, não consegue qualquer união no seio
da família. Afinal, todos estão sozinhos, isolados por um muro
de falsos deveres e obrigações.
O velho Bessemenov “estã numa situação absurda, desola-
dora. Viveu o diabo sabe quanto, trabalhou sem descanso, trapa-
csou para reforçar o resultado do trabalho e, de repente, vê que Nil ama Pólia e acredita
tudo foi em vão!” Ele não compreende seu tempo, nem as novas que com ela será feliz:
gerações com seus hábitos e comportamento. Encara tudo como “Nós vamos viver muito
desacato, imoralidade, sinal de apocalipse. E o mais distante de hem; você vai ver. Você
todos. por ser o mais conservador e inflexível, o patriarca frus- é umu boa companheira”.
trado, o chefe de família falido, que não consegue, apesar de todo
“sacrifício” pelo bem-estar da família. ver concretizadas algumas rário, com o qual Tatiana alimenta uma certa esperança de se
de suas expectativas em relação aos filhos: Pietr está suspenso casar. “Nil”, escreveu Górki. “é um homem trangúilamente con-
da Universidade, por suas atividades políticas, e se apaixonou por victo de sua força e do seu direito de reconstruir a existência de
Elena, a quem o velho atribui uma conduta imoral; Tatiana, com acordo com sua própria compreensão das coisas (...) Irritan-
28 anos, é uma solteirona que ele desejaria ver casada, pelo me do-se, fala firme e distintamente, como quem dá machadadas. A
nos para evitar as insinuações dos amigos. K indignação, a ira, tudo nele é firme. sadio...”
Bessemenov incomoda-se com a opinião alheia sobre seu - Nil ama Pólia, que é uma igual, com quem ele acredita ser
fracasso como pai. Mas não consegue obter de Pietr senão vagas feliz. Nil lhe diz: “Nós vamos viver muito bem; você vai ver
promessas de que um dia fará qualquer coisa; e. afinal. Pietr Você é uma boa companheira. Você não tem medo da pobreza”.
acaba por ferilo profundamente quando opta pela vida com Górki descreve Pólia como uma pessoa “simples, modesta
Elena. deixando-o estupefato com esse gesto atrevido. De Ta- é capaz de qualquer heroismo, sem nenhuma ostentação. Se ama
tiana. ele recebe apenas a presença. Ela permanece com os velhos é para a vida toda: se acredita em algo, também”. Teteriev é o
por algum sentimento de devoção familiar, do qual é incapaz de filósofo vagabundo. Em seu niilismo, é incapaz de fazer algo por
fugir, apesar de lhe amargar a vida. Si mesmo, Prefere o papel de espectador. “Eu sou um homem
Bessemenov e Akoulina, condenados à vida e à solidão, afer- um pouco estranho”, diz a Tatiana; “não participo muito dos
ram-se aos antigos valores e culpam o mundo inteiro pela dissolu- acontecimentos terrenos. .. Vivo por pura curiosidade...”
ção de sua familia. Negam-se a admitir que são mortos-vivos, Teteriev admira Nil, inveja-lhe a vitalidade, a alegria de vi-
enclausurados em sua morbidez e incompreensão, na mesquinhez E esta certo de que o mundo lhe pertence. Ama Pólia. aprecia
de suas vidas e de seu caráter, prontos a responsabilizar todos
quantos se oponham as suas idéias. Elisio ago suge
a Tiinaa
co ur ae emma
O bode expiatório mais próximo é Nil, o filho adotivo. ope- testa os velhos e não tem quaisquer
is iluso
ilusões em e RE
relação a Pietr.

XVII
XIX
MÁXIMO GÓRKI

1922)
PARIS
JEON,
PEQUENOS BURGUESES
que filosofa sobre a condição
Lula, personagem de Ralê, é um apistolo leigo
e manter- se Íntegro, apesar de massacrado pela vida.
humana e que consegu
Peça em quatro atos
desespérado com
No fim da peça. ele diz ao velho Bessemenov,
Pietr voltará: “E
o filho que está indo embora com Elena, que
tão seguro de si '
será. com o tempo, tão avarento quanto você.
mesmo como você . . . Tão mau como você. . E
“Teteriev”. diz Górki. “quis ser herói mas a vida o alque
e ele a odeia por isso. Considerando-se muito
brou. amassou-o
(...) Odeia profun-
dotado. trata as pessoas de cima para baixo ra-
burgueses. considerando-os. com toda
damente os pequenos - Tradução de
m livremente,
são. como inimigos dos homens que pensam e sente Fernando Peixoto
como destruidores da vida.” á
e livre, “ela
Elena é o sal da existência naquela casa. vos. Viúva José Cilco Murtiher Conez
a tos
a mer-iia, tem muito
O rima alegri
a com clara s pes
gestos gostaa « de que
vivos.cost
sorri
lhe façam a corte e de que a vida. em volta dela, ferva de alegria
Pietr por compaixão, ou melhor. nem o ama,
e de risos. Ama
porém quer contaminá-lo com a felicidade da existencia, quer que
ele ria”.
, Nil e Polia fazem
Elena. Pertchikin. Chichkin. Tzvetaleva
m e pensa m livremente, dos
parte daquela multidão dos que sente
que é velho e falido.
que se opõem aos pequenos burgueses, aquilo
te

Terra.
Para Máximo Górki. eles serão os herdeiros da
o oia
ms cp

XX
E dA

ã
Ã
Aa
Título do original:
Meschane

anna
PEQUENOS BURGUESES
[.º edição — dezembro de 1976

e Copyright desta edição, 1976.


al — São Paulo.
Abril S. A. Cultural é Industri
da
Obra publicada sob autorização .
Autor da URSS) — Moscou
VAAP (Agência de Direitos d o
nça da
Tradução publicada com à lice
São Paulo.
Editora Brasiliense 5. À. —
esentada
Esta peça, na pres ente tradução, só poderá ser repr
e, seja por Q ue processo for,
ou utilizada, no todo ou em part
da SBAT —
mediante autorização expressa
DE AUTORES TEATRAIS
SOCIEDADE BRASILEIRA
97. 3.º andar, Rio de Janeiro.
— Avenida Almirante Barroso,
violação da
Todo abuso será considerado
dos Cód igos Civil e Penal.
propried ade intelectual, nos termos
regucursos tn

d
PERSONAGENS

VASSÍLI VASSILIEV BESSEMENOYV, pequeno-bur-


guês, chefe de uma empresa de pintura de edifícios.
58 anos

AKOULINA IVANOVNA, sua mulher, 52 anos

PIOTR, ex-estudante, filho de Bessemenov, 26 anos

TATIANA, professora, filha de Bessemenov, 28 anos

NIL, afilhado de Bessemenov, mecânico. 27 anos

PERTCHIKIN, parente afastado de Bessemenov, ven-


dedor de passarinhos

PÓLIA, sua filha, costureira, trabalha por diária em


casas particulares, 21 anos

ELENA NIKOLAIEVNA, viúva de um chefe de guarda


de prisão, locatária dos Bessemenov, 24 anos
TETERIEVY, cantor, pensionista de Bessemenov

C HICHKIN, estudante. pensionista de Bessemenov

TZVETÁIEVA, professora, amiga de Tatiana, 25 anos


CENÁRIO
STEPÂNIDA, professora

O MÉDICO Uma sala numa casa burguesa abas-


tada. À direita, a sala está dividida por
UMA VENDEDORA dois biombos que formam um ângulo
reto, anulando um segundo plano e deli-
UMA VELHA
mitando em primeiro plano, uma sali-
O POVO nha separada de grande sacada de ma-
deira.
UM VELHINHO Passa através 'da sacada um arame,
donde cai uma cortina colorida. Na pa-
UM PINTOR rede do fundo da sala grande, uma porta
A ação se passa numa cidade de provincia da dando para o hall de entrada é para ou-
Rússia, em 1902. tra parte da casa, onde se encontram a
cozinha e os quartos dos pensionistas.
À esquerda da porta, um imenso e
enorme bufê onde é guardada a louça;
num canto, um baú. À direita, um reló-
gio antigo; seu pêndulo tem forma de
lua, que vai e vem lentamente, através
do vidro; quando o silêncio cai, ouve-se
o seu tique-taque indiferente. Na parede
da esquerda: duas portas, uma levando
ao quarto dos velhos, outra ao de Piotr.
Entre as portas, uma lareira. Perto da
lareira, um velho divã, forrado de
oleado; ao lado dele, uma mesa grande,
onde se servem o chá e as refeições. Ca-
deiras vienenses baratas estão encosta-
das à paredes com entediante regulari-
dade. Mais à esquerda, no extremo
limite da cena, uma cristaleira, que con-
rém caixinhas variadas e coloridas, ovos
de páscoa, um par de candelabros de
bronze, cobheres de chá de sobremesa, ATO I
e alguns copinhos de prata. No quarti-
nho, atrás da arcada, contra a parede
diante do espectador, um piano. Num
canto, um vaso com um filodendro. Ã
direita, janelas (duas) através das quais
se vêem algumas flores. Perto das jane-
las, uma espreguiçadeira; perto da es-
preguiçadeira, uma mesinha.

CRE oi Tea
se

Mais ou menos cinco horas da tarde.


Pelas janelas penetra um crepúsculo de
outono. A sala grande se encontra
quase na escuridão; Tatiana, recostada
num divã, lê um livro. Pólia costura,
sentada à mesa.

É
TATIANA (lendo)

“E a Lua surgiu. E era estranho que ela, assim, tão


pequena, tão triste, pudesse derramar sobre a Terra
tanto de sua doce luz prateada.” (Pousa o livro sobre
os joelhos.) Está escuro.

PÓLIA
Quer que eu acenda a lâmpada?

TATIANA
Não, não vale a pena, estou cansada de ler.

PÓLIA
Como é bem escrito ! Tão simples e... tão triste e

:
- toma conta da alma da gente... (Pausa:) Estou
louca pra saber como termina. Com quem será que ela
fica?

TATIANA
Não se trata bem disso.
PÓLIA TATIANA
Eu não seria capaz de gostar de um homem assim. Como você é ingênua... e ridícula, Pólia! Para
mim, essa história toda me irrita. Nunca existiu uma
TATIANA mulher assim. Nem essa fazenda, esse rio, essa lua. .
Por quê? Tudo isso é invenção. Nos livros se descreve a vida
de um modo muito diferente da realidade. .. Na ni
PÓLIA vida, por exemplo...
Ele é enjoado. Não faz outra coisa a não ser se la-
mentar. .. não tem vontade. Um homem tem que sa- PÓLIA
ber o que quer na vida. Eles escrevem sobre o que interessa. E nossa vida
que interesse tem?
TATIANA
E Nil, sabe?
TATIANA (sem escutar, bastante irritada)
PÓLIA (com segurança) Eu tenho sempre a impressão de que os que escre-
Sabe. vem livros não gostam de mim. É como se eles disses-
sem: “Isso é muito melhor do que você pensa; aquilo
TATIANA que você achou bom é péssimo”.
E o que é que ele sabe?

PÓLIA PÓLIA
Eu não seria capaz de dizer assim... assim da Eu não. Pra mim os escritores são sempre bons.
forma simples como ele diz... Só as pessoas más po- Morro de vontade de conhecer esse autor.
dem se queixar dele. Ele não gosta de gente assim.
TATIA NA (como se falasse sozinha)
TATIANA As coisas ruins eles não apresentam como eu vejo
Quem é mau e quem é bom? mas de uma maneira muito especial... em tóm bed
gico. As coisas boas, eles inventam. Ninguém faz de-
PÓLIA 4
se cala sem olhar Pólia. Pólia clarações de amor como eles escrevem, a vida não tem
Ele sabe. (Tatiana
sorri e apanha o livro dos joelhos de Tatiana.) É tão Ee de trágico . «. vai passando lenta, monótona,
se ã
bem escrito! Ela é tão simpática, sincera! Quando
O um rio lamacento. E quando se vê o rio correr
ã
encontra uma mulher assim a gente se sente melhor. / Os olhos vão se cansando... um tédio vai contando

12 13

qe pi ssa
ease eg pege O
E é 2 CIPA Apa A PD ANG da
LPCCNCANARANAAACAÇAAAA:
PIOTR (ainda sonolento, vindo do seu quarto)
se
conta de tudo, a cabeça vai ficando pesada e nem Que escuridão! Quem está aí? Por que é que vocês
.
tem mais vontade de saber por que é que ele corre. não acendem a luz?

PÓLIA (pensativa, olhando para 0 horizonte) PÓLIA


Eu ia gostar de conhecer o autor. Enquanto você lia, Nós estamos vendo o entardecer.
eu ficava pensando. .. Como será ele... moço? Ve-
lho? Moreno? PIOTR
No meu quarto está um cheiro de óleo... Vem do
TATIANA quarto dos velhos. .. Acho que foi por isso que sonhei
Quem? que estava remando num rio de água espessa. Eu não
conseguia seguir a corrente, ela me levava... Eu não
PÓLIA |
via a margem... Encontro uns destroços, mal toco ne-
O escritor. . les, eles viram pó... Tudo apodrecido, cheio de ver-
mes... Bobagem! (Caminha pela sala, assobiando.)
TATIANA Está na hora do chá?
Morreu.
PÓLIA
PÓLIA Eu vou preparar. (Acende a lâmpada e sai.)
Que pena... Faz muito tempo? Morreu moço?
PIOTR
TATIANA Em casa quando vai anoitecendo tudo fica apertado
Nem moço nem velho. Bebia muita vodca. meio lúgúbres Tenho a impressão de que todas águas
coisas pré-históricas vão crescendo, ficando com mais
PÓLIA volume, mais peso... Vão absorvendo o ar... (Gol-

OCA
mais
Coitado! (Pausa.) Por que será que as pessoas Deia com as mãos o armário.) Olhe aí esse armário
exem-
inteligentes bebem sempre? O pensionista, por Faz dezoito anos que está plantado no mesmo fi
Pois bem,
plo, o cantor... Ele é inteligente, não é? gar... Dezoito anos! E ficam dizendo que a vida ca-
ele bebe. Por quê? minha depressa. .. Mas ela não fez esse armário cami-
pe um centímetro. Quando eu era menino vivia
TATIANA Ê atendo a cabeça nessa fortaleza. E ainda agora, não
A vida cansa. a
nt»

I5
ads

14
E
que... ele ainda me atrapalha. Que objeto
sei por PIOTR
mais besta! Não é nem um armário... é um sim- Fiz, fiz sim.
bolo... que vá parao diabo!
BESSEMENOV
TATIANA Até que enfim você encontrou um a fol gui;nha. Cus .
Como você est à esquisito, Piotr
! Não lhe faz bem vi- tou, hein? (Sai.)
ver assim.
TATIANA
PIOTR Que petição é essa?
Assim como?
PIOTR
TATIANA E uma ação contra o comerciante Sízov, que lhe
. Só lá em cima,
Você não sai para lugar nenhum... deve dezessete rublos e cinquenta copeques pela pin-
. . E isso deixa os velhos
na casa de Elena, toda noite. tura do forro de um galpão...
preocupados.
AKOULINA (entrando com uma lâmpada nas mãos)
-
(Piotr, sem responder, caminha e asso Começou a chover de novo lã fora! (Aproxima-se
bia.) do armário, tira a louça e arruma a mesa para o chá.)
Não sei por que anda fazendo frio na nossa casa. To-
TATIANA das as lareiras estão acesas e ainda faz frio. A casa
começando a me sentir muito can- estã velha, o vento entra por tudo quanto é fresta
Sabe, eu estou
a. Aqui em casa
sada... Na escola o barulho me cans Paizinho está de novo de mau humor. Diz NUE estã
da bem que a che-
é todo esse silêncio, essa ordem. Ain Era no cos o Tam oém estã velho, coitado! Só
de alegria. É. eu ando
gada de Elena trouxe um pouco ci s esordem, gastos, preocupa-
estão longe... no-
muito cansad a. E as férias ainda
vembro, dezembro. . . (O reló
gio bate seis horas.)
TATIANA (ao irmão)
cabeça através da porta
BESSEMENOV (mostrando a Você foi ao apartamento de Elena ontem?
do seu quarto) pEN

minha petição, vai


Vai assobiando, vai... Mas à PIOTR

e
a vez!...
ver que você esqueceu de fazer outr
Y
a
e Fui.

16 17
TATIANA TATIANA
Estava animado? E Elena?... Você se sente bem ao lado dela?

PIOTR PIOTR
Como sempre. Tomamos chá, cantamos, depois dis- E... Ela é simpática, alegre.
cutimos...

AKOULINA
E uma desavergonhada! Leva uma vida!
Quem com quem? Todo
santo dia, chás, visitas, danças, cantos. açúcar...
Tem
dinheiro pra tudo, menos para comprar uma tina,
PIOTR Toma banho numa bacia, esparrama toda água
Eu com Nile Chichkin. no as-
soalho. (Aponiando o forro.) Enquanto isso nosso teto
vai apodrecendo.
TATIANA
Como sempre.
TATIANA
Ontem estive no clube, no serão familiar, e “
PIOTR o verea-
dor Sómov, aquele que é inspetor da minha e
É. Nil descobriu agora o “progresso vital” e me dei- “ escola. me
xou entediado com os seus sermões sobre “a força do
cumprimentou de longe. Quando a amante
do Juiz Ro- “
manoff entrou na sala. ele se Jogou em e
caráter”, o “amor pela vida”. É ridículo. Quem-ouve cima dela, se
inclinou como se ela fosse a mulher do gover
pensa que a vida. que aliás ninguém conhece, é assim nador, e e
h

beijou a mão dela...


como um tio americano. De repente aparece e nos
deixa toda a fortuna do mundo. Chichkin pregava a
AKOULINA
necessidade do leite e o mal do uso do tabaco. E me
Ee tem vergonha na cara, mesmo. Em vez de
acusava, a mim, de uma atitude de pequeno -burguês. é | o. dar
Traço à uma moça direit a, preparada, e levá-la a pas-
TATIANA
sear pela sala, com todo respeito, diante das pes-
soas...

setan
Sempre a mesma coisa.

PIOTR TATIANA
É. sempre a mesma coisa. Você vê? Aos olhos dessa gente, uma profes
sora me-
I8 19
te

1
mais...” (Stepânida entra trazendo o samovar, que
que uma mulher à-toa,
rece menos consideração do coloca no chão quase sufocada.)
com a cara toda borrada...
STEPÂNIDA (à pairoa)
Bom, a senhora faz como a senhora achar melhor
PIOTR
mas eu ja disse mais de mil vezes que não tenho forçã
Vamos deixar de mesquinharias! Há coisas mais im-
pra carregar esse demônio... Minhas pernas ficam
portantes para se falar. É preciso saber se colocar
bambas...
acima de tudo isso. Só que ela pode ser à-toa, mas não
anda com a cara toda borrada, como você diz. AKOULINA
E daí? Você não vai querer que eu contrate um ho-
AKOULINA ei, eopetalnente pra carregar o samovar pra você
as bo-
Como é que você sabe? Já andou lambendo não é?
ria irmã e
chechas dela, por acaso? Ofendem a próp STEPÂNIDA
ainda tomam o partido de quem ofendeu!
Faz como a senhora achar melhor, mas o cantor não
az nada, bem que ele podia me ajudar. Piotr Vassilie-
PIOTR vitch, poe o samovar em cima da mesa pra mim...
Mamãe, chega! juro, não tenho mais força!

PIOTR
TATIANA Está bem.
e conver-
Desisto, é completamente impossível a gent
sar perto da mamãe. . STEPÂNIDA
Obrigada. (Sai.)
(Quvem-se passos muito pesados atrás
da porta.) AKOULINA
E boa idéia, Pétia;' por que é que você não fala para
AKOULINA o cantor carregar sempre o samovar? É, boa idéia...
unhas...
Ora, ora... Vocês já estão mostrando as
com seus
Você, Piotr, em vez de ficar medindo a casa TATIANA
a a carregar
passos, bem que podia ajudar a Stepânid Meu Deus!
do de-
o samovar. Stepânida vive se queixando: “É pesa
21
20

eme versmpes RS SE= pres,


ARNANNANCACCACNAANANAAAAANAÇNAAAA
PIOTR
Mamãe, a senhora não quer também que eu vá pedir TATIANA (levanta-se de um salto)
a ele pra carregar água, lavar o chão, limpar as chami- Piotr, pare você pelo menos, pare. A paciência tem
nés, lavar a roupa suja? ... limite...

AKOULINA (com gesto de desgosto) PIOTR (aproximando-se dela)


Por que você fala tanto para não dizer nada? Tudo Estã bem, mas não precisa se irritar. Sem perceber,
isso se faz sem precisar dele, mas o samovar... a gente se atola nessas discussões mesquinhas .

PIOTR AKOULINA
Todas as tardes, mamãe, você levanta esse problema Já começam a resmungar. E a mãe não pode dizer
fatal: quem é que vai trazer o samovar? Só que a se- uma palavra...
nhora pode estar certa de que ele não vai ser resolvido
enquanto a senhora não tomar a decisão de contratar PIOTR
um empregado. Todo dia a mesma coisa... Essas discussões vão
deixando na alma da gente uma ferrugem...
AKOULINA
Mas pra que diabo nós precisamos arranjar um em- AKOULINA (gritando em direção da porta do seu
pregado? Seu pai mesmo faz a limpeza da casa... quarto)
Paizinho, o chá está pronto!
PIOTR
tem um nome: avareza... E ser avarento
Isso PIOTR |
quando se tem no banco... Quando terminar o prazo da minha suspensão da
ie vou pra Moscou. Como já fui antes!
AKOULINA volto aqui por tres ou quatro dias, nada mais...
Psiu... Se seu paio ouve, ele lhe mostra o banco. . E
eus tres anos de vida me desabituaram dessa mesqui-
a
haria, dessa agitação pequeno-burguesa...
Foi você que pôs o dinheiro no banco, foi? Como é
bom viver só!...
PIOTR
Escute aqui...
- - eu não tenho mais nenhum lugar prair...

CCC
22
2a
PIOTR TATIANA
Deixe, papai. Deixe,
Já cansei de falar pra você fazer um curso superior. papai, que importância tem
Isa o! E
TATIANA
Pra que um curso... É viver que eu quero... viver, BESSEMENOYV
Não é com você que estou falando, mas sim com
não estudar, você compreende?
sua mãe... Pra você eu sei que isso não tem importân-
AKOULINA (vai tirar a chaleira da parte superior do cia nenhuma...
samovar e, sem querer, queima a mão)
Ai! diabo! me queimei! AKOULINA
Eu só comprei uma libra em tablete, pai... Havia
TATIANA (ao irmão) uma barra de açúcar inteira... só que eu não tive
Eu não sei, não
o
entendo: que quer dizer
a
“viver
[a =",
* tempo de quebrar em pedacinhos...
Como é que eu poderia viver?
BESSEMENOV
PIOTR (pensativo) Eu não estou zangado, mas eu digo que açúcar em
Sim, é preciso saber viver... é preciso saber vi- tablete é pesado, e pouco doce; quer dizer, dá pre-
Ver. +. juízo... De maneira que eu não vejo vantagem em
comprar em tablete. Você sempre tem que comprar
BESSEMENOY (saindo do quarto. lança um olhar aos
açúcar em barras, e quebrar em pedaços, aqui em casa
filhos, se senta à mesa)
mesmo... Você vai dizer que vai sobrar uma porção
Chamaram os pensionistas?
de farelos impessíveis de serem usados no chá. Mas
os farelos podem ser aproveitados na comida. E o açú-
AKOULINA car em barra é mais leve, mais doce. .. (Para a filha)
Ande, Pétia, vã chamar! E você, por que não pára de suspirar e fazer caretas?

(Sai Piotr; Tatiana se aproxima da


TATIANA
mesa.)
Não é nada, papai.
BESSEMENOV
açúcar em tabletes! Quantas BESSEMENOV
Outra vez compraram
vezes eu já falei... Se não é nada não precisa suspirar. É assim tão de-
ni

| 25
24
o nosso Paizinho, tem uns pasteizinhos doces que sobraram
sagradável ouvir seu pai falar? Não é para
do almoço, quer?
bem, mas para o de vocês, Os jovens. Nós já tivemos
Os
o nosso tempo, e vocês agora é que têm que viver.
nós BESSEMENOV (volta-se para ela inicialmente com
nossos princípios de vida não lhes agradam? Isso

a
cólera, depois com um sorriso)
sabemos, nós sentimos, mas vocês... Que princípio
Está bem, traga os pasteizinhos, pode trazer ! (Akou-
de vida inventaram vocês? Aí é que está o problema!
lina vai para o armário enquanto Bessemenov continua
TATIANA falando com sua filha.) Está vendo, a sua mãe defende
Papai, pensa um pouco: quantas vezes O senhor vocês de mim como uma gansa defende seus filhotes
disse essas mesmas coisas? contra um cachorro. Vive tremendo, com medo que eu
machuque vocês com uma palavra... Ah, olha quem
BESSEMENOV esta ai, O passarinheiro ! Não morreu, apareceu!
E vou continuar falando até o túmulo. Porque vivo
Fiz
preocupado. Preocupado por causa de vocês... PERTCHIKIN (da porta da casa, seguido de Pólia
mal. Eu devia ter pensado mais antes de mandar vocês silenciosa)
estudarem. E agora aí está: Piotr suspenso da universi- Paz para esta casa! para seu dono de cabelos bran
dade, e você se tornando uma solteirona. . cos. e para sua formosa dama! para seus educados re-
bentos, por todos os séculos. séculos e séculos .
TATIANA
Eu trabalho. . . Eu dou aulas...
AKOULINA
BESSEMENOYV Amém!...
Já ouvi isso. E onde está o proveito de seu trabalho?
Ninguém precisa de seus 25 rublos mensais, nem você BESSEMENOV

mesma. Case, viva dentro da ordem estabelecida! Você se deixou embebedar de novo?
pago para você cinquenta rublos por
eu mesmo
mês. PERTCHIKIN
Foi o desgosto que me deixou.
AKOULINA (durante a conversa do pai com a filha,

nn
dá voltas em torno da mesa, muito in- BESSEMENOYV
quieta; tenta várias vezes dizer alguma Que desgosto?
coisa; por fim, pergunta carinhosamente)

26
PERTCHIKIN (conta, saudando as pessoas) BESSEMENOVY (com um sorriso)
Eu vendi hoje meu tentilhão. Criei esse pássaro por Estou vendo que você não é completamente imbe-
três anos... cantava dando um trinado tirolês... e Et. .
eu vendi ele! Fiquei me sentindo uma pessoa à-toa por
causa disso... fiquei sentido. . . tenho pena daquele
PERTCHIKIN
passarinho... eu tinha me acostumado com ele. .. ti-
(Pólia sorri, sacode a cabeça Ah, então foi a inteligência que me fez fazer isso?
nha amor por ele!...
Qual nada, foi a parte ruim da minha natureza. . (En-
pera seu pai.)
tram Piotr e Teteriev.)

BESSEMENOV TATIANA
Então por que você vendeu? E Nil, onde está?

PERTCHIKIN (caminhando ao redor da mesa, se


PIOTR
apoiando nas cadeiras)
No ensaio, com Chichkin.
Porque me deram um bom preço...

AKOULINA BESSEMENOV
Pra que você precisa de dinheiro? Você vai jogar Onde é que eles vão representar dessa vez?
tudo fora mesmo.
PIOTR
PERTCHIKIN (sentando-se) Num circo. É um espetáculo para os soldados.
É verdade, mãezinha. O dinheiro me queima as
mãos. é verdade. . PERTCHIKIN (a Teteriev)
Meus respeitos, trombeta de Deus! Vamos caçar
BESSEMENOYV melharucos, tiozinho!
Mais uma vez, você não tinha motivo nenhum para
vender o pássaro... TETERIEV
Vamos! Quando?
PERTCHIKIN
come- k
Eu tinha um motivo! O passarinho estava PERTCHIKIN
:
çando a ficar cego. . . ia morrer logo. . a Amanhã mesmo.

28
29
TETERIEV
você vai ganhar muito dinheiro
Eu não posso, eu tenho um defunto. este mês, quase todos
os dias há um defunto...
PERTCHIKIN |
E antes da missa? TETERIEV
E... eutenho tido sorte.

TETERIEV
| BESSEMENOV

e
|
Pode vir me apanhar. Akoulina Ivanov . f
na, não teria E tem havido muitos Casamento
s também.
sobrado alguma coisa do almoço? Um
pouco de
kasha? ou qualquer coisa parecida? TETERIEV
O casamento está mu
ito na moda ultima
mente.

na.
AKOULINA
Sobrou, sim. paizinho! Sobrou BESSEMENOV
um pouco de kasha.
Pólia, vá buscar! Então ajunte dinheiro. e case você
também...
TETERIEV

sanana
TETERIEV
Eu não ando na moda .
Gratíssimo! Como vocês sabem, eu hoje não comi

3 y
=
,

q
8

ERRO
É

RR
as
WWMmão;

Rs
Os dois começ

qa
+ ã

os
tm
por causa de um enterro e de um casame

Ss
8
| É nto...

o
S
Mar

1
e

3
a
a
| )

; PERTCHIKIN
AKOULINA
SEL sei Não casa, não precisa !

ASSAse
Pra fenômenos como
casamento não serve nós o
pra nada! Bem melh
nhar passarinhos. or é Ir apa-
(Piotr enche uma vasilha de ..
chá, vai
para a sala menor seguido pelo olha
r TETERIEV
crítico do pai e hostil de Teteriev. Du-
| De acordo.
rante alguns segundos todos come
m e
bebem em silêncio.)

OCCANA
PERTC HIKIN
Não há nada mais maravilh
BESSEMENOV oso do que apanhar pas.
Pelo que eu estou vendo, Terênti3 Sarinhos. Veja: a neve acaba de cair, a ter
Khrisanfovitch, ra parece
o toda vestida de noiva... principalmente
se é dia de
aca
ai

31
[o
sol... então, a alma da gente canta de alegria! De opinião, qualquer negócio fica santificado pelo
repente, no meio de tanta beleza, glu, glu, glu!... Do amo.r«.
céu baixa um bando de passarinhos vermelhos, tzu,
tzu, tzu!... e começam a aparecer, cada vez mais, BESSEMENOV
gordinhos como se fossem generais... eles andam... Qualquer?
arranham.... resmungam... Que beleza! Eu daria
tudo para me transformar num pisco, pra brincar na PERTCHIKIN
neve em companhia deles... Qualquer!

BESSEMENOV BESSEMENOV
O pisco é um passarinho estúpido. E se alguém ama se apoderar da propriedade
alheia!

PERTCHIKIN PERTCHIKIN
Eu também sou estúpido. Isso já não é um negócio, é um roubo!

TETERIEV BESSEMENOYV
Apoiado. Hum... Admitamos...

AKOULINA (para Pertchikin) AKOULINA (bocejando)


Ah! você não passa de um nenenzinho. I ar
óh!... oh!... Como a gente se abor-
rece.... todas as tardes. Se pelo menos o Sr. Terênti
PERTCHIKIN Khrisanfovitch quisesse pegar o violão e tocar
um
Eu gosto de apanhar passarinhos! Por acaso existe pouco pra nós...
no mundo coisa mais linda que um passarinho canta-
dor? TETERIEV (trangúilo)
No meu contrato de aluguel de quarto, respe
itável
BESSEMENOV Akoulina Ivanovna, não consta o compromisso
de can-
Apanhar passarinhos é um pecado. Você sabe disso. tar quando a senhora se aborrece...

PERTCHIKIN AKOULINA (sem ter entendido)


Sei. Mas, e se eu gosto”? Só sei fazer isso. E na minha Que foi que o senhor disse?

32
33
TETERIEV BESSEMENOY (ofendido)
O que a senhora ouviu ! Cuidado, mãe, cuidado! Mais precaução quando
quiser exprimir um pensamento ! Estamos entre gente
BESSEMENOV (espantado e entediado) instruída, que pode criticar tudo do ponto de vista da
Eu olho para você, Terênti Khrisanfovitch,
e fico es- ciência, com alta filosofia científica! Enquanto que
a expres-
pantado! Você é um homem... desculpe nós, nós somos gente velha, estúpida!
! Mas
são... completamente inútil... não vale nada
um orgulho, uma altivez de grande senhor. AKOULINA (pacificando)
você tem
De onde vem isso? Que é que vamos fazer? É claro, eles sabem coisas
que nós não sabemos...
e
TETERIEV (tranquilo)
É inato.
PERTCHIKIN
“a
Irmão, você disse uma verdade, brincando você «
disse uma verdade!
cu
BESSEMENOYV
Mas de que é que você tem tanto orgulho, me e
diga!... me explique, por favor...
BESSEMENOV
e
Eu não estava brincando.
e
AKOULINA e
e
PERTCHIKIN
Ele diz isso pra brincar com a gente... . de quê é
Escreva,
os velhos são uns estúpidos !
que ele pode se orgulhar ? e
BESSEMENOV e“
TATIANA Basta olhar para você ! e
Mamaãe ! e
PERTCHIKIN e
AKOULINA E eu não conto. Eu só digo que se não houvesse e
Ah... que é que tem? Que foi? (Tatiana
move à velhos, nao haveria estupidez no mundo... Velho e
cabeça em sinal de reprovação.) Eu disse
guma coisa de errado? Está bem. está
outra vez al-
bem, eu fico
pensa como pau verde queimando, mais fumaça do que
e
os!
quieta... E que Deus abençoe meus filh

34 35
TETERIEV lá dos cantos, covardemente, fica rindo de nós. Mas fa-
Aprovado. lar com a gente, não fala! Vá pensando nisso. Eu por
meu lado, vou pensar! Mas sozinho, já que sou ão es-
BESSEMENOYV túpido para a companhia de vocês! (Empurra sua ca-
Continue mentindo!
=

É, é assim mesmo... Vá! deira com grande barulho e, já na porta de seu quarto
(Piotr e Tatiana, parando de conversar, observam, sor- diz) Meus filhinhos cheios de ciência. .
rindo, a Pertchikin.)
(Sai. Pausa.)
PERTCHIKIN (cada vez mais animado)
Os velhos são antes de mais nada uns cabeças du- PERTCHIKIN (a Piotr e Tatiana)
ras... Peguem um velho, ele vê que está enganado, , da criançada, por que vocês maltratam tanto
o ve-
não entende nada. .. mas admitir? Ah, não admite... Da ss

Ah! o orgulho! Eu vivi, ele diz; só de calça, só de calça


eu já usei umas 40... e de repente eu não entendo PIOTR (sorrindo)
mais nada, como é isso? É absurdo! E lá recomeça: Mas foi você!
sou velho, estou certo, tenho razão. .. mas onde a ra-
zão? Seu espírito está cansado enquanto que os jovens PERTCHIKIN
estão vivos, têm miolo. Eu! Eu nunca maltrato ninguém.

BESSEMENOY (grosseiramente) AKOULINA


Eh, você passou dos limites ! Me diga uma coisa: se Ah, irmãozinhos! isso não fica bem aqui... por
nós somos assim, tão estúpidos, então precisam nos en- que maltrataram o velho? Anda todo descontente.
sinar a sermos mais inteligentes. . eele está velho, precisa tranquilidade, devia ser fruta
com respeito... E o pai de vocês... Eu vou atrás
PERTCHIKIN dele. Pólia, lava a louça, sim?
Pra quê? Atirar contra o rochedo é gastar flecha!
(Pólia lava a louça; Teteriev com os co-
into

BESSEMENOV tovelos na mesa fixa sobre ela um olhar


eds

Me escute, não me interrompa! Sou mais velho que pesado; Pertchikin se aproxima de Piotr
você. Me diga, por que essa gente de miolo, essa gente e toma lugar à mesa; Tatiana sai lenta-
viva, fica nos cantos, se escondendo de nós, velhos, é mente para seu quarto.)

36 37
BR
LANANAACLCLAAAAAAAANAAAAAÇAA!
TETERIEV
PÓLIA (a Teteriev) Como você tem olhos bonitos!
Por que o senhor me olha desse jeito?
PÓLIA
TETERIEV
O senhor já disse isso ontem.
Por olhar...

TETERIEV
PERTCHIKIN
E vou dizer de novo amanha.
No que você está pensando, Piotr?

PIOTR
PÓLIA
Pra quê?
No lugar onde eu poderia sumir mais depressa.

PERTCHIKIN TETERIEV
unta!
Há muito tempo eu estou pra lhe fazer uma perg Não sei. E Talvez você pense que eu estou apaixo-
Me explique, por favor, o que é uma canalização. nado por você...

PIOTR PÓLIA
Por que você quer saber? E explicar isso de maneira Deus me livre, não penso nada!
que você entenda demora muito... É muito com-
prido, muito cansativo. TETERIEV
Nada? Pensa, pode pensar.
PERTCHIKIN
E você mesmo ! Sabe o que é isso, pelo menos? PÓLIA
E... o quê?
PIOTR
Claro que sei! TETERIEV
:
ro

amos ver... por que eu vivo amolando


V -

) você?
PERTCHIKIN (olhando desconfiado para Piotr
(Done gas Press

ense um pouco e depois venha falar comigo.


Bum.
PÓLIA

NARA
Aa oe

PÓLIA Como o senhor é esquisito!


armegaoo tua!

Como Nil Vassilievitch está demorando !


39
38
TETERIEV outro dia eu li no jornal que construíram na Inglaterra
Eu sei... você já me disse. E eu vou dizer de novo um navio voador! O barco parece um barco mesmo,
pra você. Vá embora daqui! Vá embora! Faz mal pra mas, quando você está sentado nele, aperta um botão
você viver nesta casa! Vá embora! e zúuuum ! no mesmo instante se levanta como um pas-
sarinho, quase até às nuvens, e leva os homens não sei
PIOTR
pra onde. .. Dizem que muitos ingleses desapareceram
Vocês estão fazendo declaração de amor? Vocês
sem deixar um vestígio! É verdade. Pétia!
querem que eu saia?

PIOTR
TETERIEV
Besteiras.
Não, não precisa. Eu não considero você um ser do-
tado de vida!
PERTCHIKIN
PIOTR Mas saiu no jornal.
Muito espirituoso!
PIOTR
PÓLIA (para Teteriev) Escrevem muita bobagem nos jornais...
Como o senhor é implicante!
PERTCHIKIN
(Teteriev vai para um lado e fica pres- Muita mesmo?
tando atenção à conversa entre Pietr e
Pertchikin. Tatiana sai do seu quarto (Enquanto isto, Tatiana toca uma melo-
agasalhada com um xale; se senta junto dia triste.)
ao piano.)
PIOTR
TATIANA (enquanto mexe nas partituras) E, muita.
Nil ainda não veio?
PERTCHIKIN
PÓLIA
E por que é que vocês, jovens, olham a gente, ho-
Não...
mens ja um pouco gastos, de cima a baixo? Vocês não
PERTCHIKIN querem nem falar com a gente...
era

Isso não está bem,


A gente se aborrece por todo lado... Ah, Pétia! não..
gera
am em
Aeee

40
41
ca
O CACANLANARCLLCANAACACAnAAAAÇAAA:
PIOTR TETERIEV
E daí? Não, eu não estou disposto.

PERTCHIKIN PERTCHIKIN
E daí eu vou-me embora, estou aborrecendo voce. Está bem, eu vou sozinho. Está bem. Lá no bote-
Pólia. você vem logo pra casa? quim há alegria, a gente se sente à vontade, mas, aqui,
com vocês, a gente pode morrer de aborrecimento. Vo-
PÓLIA cês não fazem nada, não têm vontade de fazer nada.
Logo que eu terminar a arrumação... Ah, tive uma idéia! E se a gente jogasse uma partida
de baralho, vamos, a gente faz uma parceria! Estamos
(Ela sai, Teteriev segue-a com o olhar.) em quatro. (Teteriev olha Pertchikin e sorri) Vocês
não querem? Está bem, seja feita a vossa vontade: En-
PERTCHIKIN tão... até logo... (Aproxima-se de Teteriev.) Va
É. Pétia. você esqueceu do tempo em que a gente mos? É
ta caçar passarinhos. Você gostava de mim, naquele
TETERIEV
tempo... Não.

PIOTR (Perichikin sai, fazendo gesto de impo-


Agora também gosto... - tência com a mão. Alguns minutos de
silêncio. Ouvem-se claramente as notas
PERTCHIKIN suaves da música que Tatiana está to-
Sei, sei, mas não é como naquele tempo. cando. Piotr, recostado no sofá, presta
atenção e assobia a melodia. Teteriev
PIOTR | se levanta da cadeira e caminha pela
Naquele tempo eu adorava caramelo e rosquinha, sala. No vestíbulo, atrás da porta, cai
agora não posso nem com o cheiro. ao solo um objeto de ferro, um balde,
ou a chaleira do samovar. Imediata-
mente se ouve a voz de Stepânida.)
PERTCHIKIN
É. eu entendo, Terênti, amigo velho, e se a gente STEPÂNIDA
fosse tomar uma cerveja? Onde é que o diabo o está levando?

42 43

ke
TATIANA (sem interromper a música) impressao de que vocês já discutiram
antes sobre esse
Como Nil está demorando! mesmo tema!

PIOTR PIOTR
Não chega ninguém... Eu aprecio muito o seu estilo, Terênti K hris
anfo-
vitch, e gosto muito do seu papel de juiz de nós
todos.
TATIANA Mas eu gostaria de saber por que é que o senhor
está
- Está esperando Elena? desempenhando esse papel?... O senhor diz
sempre
a mesma coisa, sempre falando como se esti
vesse nos
PIOTR rezando uma ladainha para o repouso
de nossas al-
Qualquer pessoa. mas...

TETERIEY TETERIEV
Ninguém vem mais até a casa de vocês. Ninguém Não existem ladainhas assim. .
vem porque não há nada pra arrancar de vocês!
PIOTR
PIOTR Tanto faz! Quer dizer que o senhor não gosta
da
Assim falou Terênti, a palavra de Deus! gente?

TETERIEYV (com insistência) TETERIEV


Vocês viram esse insignificante bébedo, esse pe- Em grau superlativo. .
queno e velho caçador de passarinhos, ele está com “

o espírito vivo. Ao passo que vocês, que estão come- PIOTR


çando a viver agora. já estão quase mortos. Obrigado pela franqueza...

PIOTR (Entra Pólia.)


E você! Que opinião você tem de você mesmo?
TETERIEV
TATIANA (levanta-se da cadeira) Bom proveito! (4 Pólia) Venha participar da nossa
Sosseguem, cavalheiros. Isso já aconteceu, tenho festinha!

44
45
SORA CARANRNARAACCANANAAnANA,A21
PÓLIA PIOTR
Que é que você tem pra oferecer? Eles representam dramas sobre os sofrimentos do
amor, mas ninguém enxerga os dramas que explodem
TATIANA
na alma do homem que se encontra no conflito entre
Insolências...
“querer” e “dever”...

TETERIEV
(Teteriev, sorrindo, continua golpeando
Verdades...
as teclas mais graves do piano.)

PÓLIA
Eu queria ir ao teatro... Ninguém quer vir co- PÓLIA (sorrindo, toda confusa)
Eu não, eu gosto de ir ao teatro... Sou louca pelo
migo?
teatro! Há, por exemplo, Dom César Bazan, um nobre
espanhol!... Como trabalha bem! Um herói de ver-
TETERIEV
dade...
Eu vou.
TETERIEV

DO E
PIOTR Eu me pareço com ele?
Que é que estão levando hoje?
PÓLIA
PÓLIA O senhor? Nem de longe!
A Segunda Juventude. ..* Vamos, Tatiana Vassi-
hevna? TETERIEYV (rindo)
Quepena!...
TATIANA
TATIANA
Não... Não sei se nesta temporada eu vou ao tea-
. Quando um ator entra no palco e faz uma declara-
tro. não. Estou farta!... Me deixam enfurecida, irri-
mm

ção de amor, eu escuto e fico furiosa...


mes

tada, todos esses dramas com armas disparando, gri- Não é assim
dem

que isso acontece na vida real!


tos. soluços... (Teteriev golpeia o piano; pela sala
Centre

ressoa um som denso e triste.) Tudo isso é mentira... PÓLIA


sato

A vida quebra os homens, sem barulho, sem gritos, sem Bom, então eu vou... Terênti Khrisanfovitch. o se-
soluços, sem ninguém perceber... nhor vem comigo?

46
47
TETERIEYV (pára de golpear as teclas do piano) insignificância, das porcarias, do que das
Não... Não vou com você. Já que você não me acha coisas gran-
des e boas...
parecido com um nobre espanhol...
PIOTR (andando pela sala)
(Pólia sai, rindo.) Na Rússia, na nossa Rússia... como
soa isso
falso! Acaso a Rússia é nossa? É minha?
É sua? Que
PIOTR negócio é esse de “nós”? Quem somos
“nós”?
O que é que ela vê num nobre espanhol?
TETERIEV (cantarolando)
TETERIEV “Somos pássaros livres... “5
Um homem sadio...
TATIANA
TATIANA Terênti Khrisanfovitch. por favor,
deixe o piano em
Aparece bem vestido... paz; isso está ficando fúnebre demais
!

TETERIEV TETERIEV (continuando)


E é uma pessoa alegre. .. Uma pessoa alegre é sem- ; Estou acompanhando o humor rein
ante...
pre uma pessoa boa... Os canalhas poucas vezes são *
alegres... (Tatiana sai da sala para o ves
tíbulo.)
PIOTR PIOTR (pensativo)
Se se for ver as coisas assim, Terênti, você é o maior E... é isso mesmo, pare com isso
. -- Isso está me
canalha do mundo... dando nos nervos... Quando um
francês ou um in-
gles diz: França! Inglaterra!. .. Ele
TETERIEV (recomeça a golpear as teclas do piano, sente. nessas pa-
lavras, alguma coisa de real, palp
itante pra ele... Eu
tirando sons pastosos, não muito altos) digo: Rússia, e sinto que isso é um som
Eu sou um bebedo, nada mais. Vocês sabem por que completamente
Vazio pra mim. Eu não sou capa
na nossa Rússia há tantos bêbedos? Porque ser bêbedo z de colocar nessa pa-
lavra qualquer conteúdo. (Silêncio.
aqui é muito cômodo. Gostam dos bêbedos aqui. Um Teteriev continua
batendo no teclado.) A gente usa
inovador, um homem de idéias, corajoso, todos detes-
uma porção de pala-
vras simplesmente por costume, sem
tam; mas a um bébedo, não; um bêbedo é sempre que- pensar no que está
escondido atrás delas... A vid
rido. Porque sempre é muito mais cômodo gostar da a... minha vida...
essas palavras estão cheias de quê?... (Cala-se, e
48
|
49
LCACATANAANALOTCLNAAAATANAAAAAÇAAA
livre . «» Você quer parar com o diabo desse piano?
continua caminhando pela sala. Teteriev, golpeando as
Você quer me escutar?
teclas e enchendo a sala de sons queixosos, com um
sorriso como que petrificado em sua face, observa TETERIEV
Piotr.) Foi o diabo que me levou a tomar parte naque- Mas eu estou acompanhando você, pequeno-bur-
las estúpidas manifestações estudantis! Eu tinha en- guês... ex-cidadão de meia hora.
trado na universidade pra estudar, e estava estu-
dando... Você quer parar de tocar, por favor?... No (No vestíbulo, se ouve um ruído vindo
fundo, eu não sentia que nenhum regime ia me impedir de detrás da porta.)
de estudar direito romano... Não, não sentia! Estou
falando com toda sinceridade, não sentia! Fingi que PIOTR (irritado)
senti. mas foi por puro coleguismo!... Resultado,
Você quer parar com esse deboche?
dois anos da minha vida jogados no lixo! É, foi uma
violência, uma violência contra mim! Não é verdade?
(Teteriev, olhando Piotr, continua a
Eu pensava: termino meus estudos, vou ser advogado, provocação tocando o piano; entram
vou trabalhar... Vou ler, observar... vou viver! Nil, Elena, Chichkin, Tzvetáieva e,
atrás deles, Tatiana.)
TETERIEYV (ironicamente) ELENA
“Para o consolo dos pais e para o proveito da Igreja Que significam esses sons fúnebres? Salve. resmun-
e da Pátria”. ...º no papel submisso de servo da socie- as
gão: Salve. promotor! Que é: que vocêsE estavam fa-
dade... zendo aqui?

PIOTR PIOTR
Sociedade? Se há coisa que eu detesto é isso! É a Besteiras...
“sociedade” que fica constantemente impondo as suas
exigências aos indivíduos, mas impedindo que eles se TETERIEV
desenvolvam, sem obstáculos. .. O homem é antes de Rezava a oração dos agonizantes em intenção de ho-
tudo um cidadão, isso me gritava a “sociedade” pela mem prematuramente morto...
boca dos meus companheiros. Eu também sou um ci-
dadão! Que vão para o diabo! Eu não quero... eu NIL (a Teteriev)
não sou obrigado a me submeter às exigências da so- Escute, quero fazer-lhe um pedido.
ciedade. Eu sou um indivíduo !... E um indivíduo é
j

50 Ro
EM
(Sussurra algo no ouvido de Teteriev. ELENA
Este move a cabeça afirmativamente.) E eu estou muito alegre! Ah, meus amigos, me di-
gam: por que é que eu vivo sempre alegre?
TZVETÁIEVA
Ah, gente, como foi interessante o ensaio!
NIL
Bom, eu me recuso a responder, porque eu também
ELENA estou sempre alegre!
Ah, promotor, se você soubesse com que fúria o te-
nente Bikov estava me cortejando ! TZVETÁIEVA
E eu também.
CHICHKIN
O Bikov é um bezerrinho "” CHICHKIN
Bom, eu, nem sempre, mas...

i
PIOTR

rpat
Por que você pensa que eu me interesso em saber TATIANA

r
quem e como estava cortejando você?

e rem
parme
Constantemente...

ELENA
ELENA
Ih, você estã de mau humor?
Tanietchka, você fazendo gracinhas! Que bom!
Eh.
TZVETÁLEVA resmungão. Me responda: por que eu estou tão
alegre?
Piotr Vassilievitch está sempre de mau humor!
TETERIEYV .
CHICHKIN A leviandade encarnada...
grão iomama,
É estado habitual dele !...
ELENA
ELENA Como? Como é que você disse? Eu vou te lembrar
=

Tanietchka,* você também, como sempre, triste ISso quando você estiver se declarando...
como uma noite de setembro?
“TETERIEV
TATIANA Me perdoe, mas
- por acaso eu sou obrigado a me
E, como sempre. - declarar à senhora? .
52
53
| . (Teteriev ri, ambos conversam em voz
ELENA
sombrio... E baixa.)
É claro. homem atrevido, monstro
CLARO us
CHICHKIN (a Piotr)
TETERIEV Escute, você não pode me emprestar um rublo por
Obedeço. Isso não é difícil pra mim. Uma vez eu uns três dias? Sabe, o meu sapato está furado...
me apaixonei ao mesmo tempo por duas virgens e uma
mulher casada. PIOTR
Tome... ejá sdosete...
ELENA
E o que é que deu? CHICHKIN
Eu não esqueço, não. .

as anRARANRARALrAAAAAAR
TETERIEV
Nada! TZVETÁIEVA
Piotr Vassiliev, por que você não participa do nosso
NIL
Vou ter que espetáculo?
Eu gostaria de comer alguma coisa!...
fazer um serão...
PIOTR
TZVETÁIEVA Eu não sei representar...
A noite toda !. .. Coitadinho!...
CHICHKIN
NIL E por acaso nós sabemos”...
Vinte e quatro horas seguidas... O que não vai me
impedir de cumprimentar a Stepânida na cozinha. TZVETÁIEVA
Aparece pelo menos num ensaio. Os soldadinhos
TATIANA são muito interessantes. Há um deles, o Tchirkov, que
Eu vou falar com ela. é tão engraçado! Ingênuo, bom, ri tão carinhoso...
Fica todo confuso. .. Não entende nada...
(Sai com Nil)
PIOTR (vigiando Elena)
ELENA (a meia voz, apontando a Piotr)
Ah, vocês estão cansados de saber que eu me en-
Queé que há com ele?
25
54
tendo muito pouco com essa gente “interessante” que ELENA (em meia voz)
não entende nada... Por acaso você não sabe que é preciso pagar o mal
com o bem?
CHICHKIN
Mas a companhia não é só o Tchirkov! TETERIEV
Eu não tenho dinheiro grande, nem moedinhas. ..
PIOTR
Bom, eu imagino que deve haver um batalhão de ELENA
Tchirkovs.. Por favor, fala mais baixo...

TZVETÁIEVA PIOTR (prestando atenção na conversa entre


Como é que você pode dizer uma coisa dessas? Você Elena e Teteriev)

— amo mo cremes Wo
quer saber de uma coisa? Eu não o compreendo. O Eu não consigo entender em nome de que vocês es-
que é que você tem”... É aristocratismo, é?... tão brincando de ser simpáticos com gente simples. ..

TETERIEY (de repente falando em voz alta)


TZVETÁIEVA
Não estamos brincando. nós repartimos com eles
Não sei ter pena...
tudo o que possuimos...

ELENA CHICHKIN
PSSS
E não é só isso, não... Simplesmente. nós temos
prazer em estar ao lado deles... Eles não são artifi-
PIOTR ciais... Entre eles se respira alguma coisa de puro...
Como consta, eu sou um pequeno burguês... Saudável... E acho que não pode fazer mal aos pe-
dantes e eruditos, como nós, nos refrescarmos um
CHICHKIN pouco...
Muito mais imcompreensível a sua atitude com as
pessoas simples... PIOTR (insistente, mas com irritação simulada)
Simplesmente, vocês gostam de viver de ilusões...
TETERIEV Vocês procuram os soldados com intenções muito se-
Ninguém nunca teve pena de mim... Cretas, muito engraçadas... Isso é ridículo. .. Vocês
od

56
da rs dé

57
l
A PLLALANANANAALLeenAnAnAAAAAAAAAAf
me perdoem a franqueza, mas retrescar-se entre os sol-
TZVETÁIEVA
dados é, com o perdão da palavra...
Ora, para se fazer de interessante, claro. .. Todos
os homens gostam de se fazer de interessantes na pre-
TZVETÁLEVA sença das mulheres... Um faz papel de pessimista,
Não é só entre os soldados. não. Você não sabia que
outro de Mefistófelesº... E não passam de uns bo-
nós também organizamos espetáculos no depósito dos
Dos. ..
ferroviários?

PIOTR TETERIEV
Dá na mesma. Chamar esse vaivém de uma “causa Breve, claro e exato !...
viva”... Vocês estão convencidos que contribuem
para o desenvolvimento da consciência política... Ai TZVETÁIEVA
estã a ilusão! Amanhã vem um oficial, um chefe qual- E você, o que é que está imaginando? Preciso agra-
quer, dá um belo murraço na tal consciência e lá se decer por causa disso?... Eu conheço vocês muito
vai por água abaixo todo o trabalhinho de vocês... bem...
Se vocês aproveitassem esse tempo...
TETERIEV
TZVETÁIEVA Nesse caso, a senhora sabe mais do que eu. E,certa-
É irritante ficar escutando essas suas divagações! mente, a senhora terá resposta para a seguinte per-
gunta: deve-se pagar o bem com o mal? Ou, em outras
CHICHKIN (lúgubre)
palavras, chega ao cúmulo de imaginar que o bem e
É... Nãoéa primeira vez que eu ouço isso, e cada
o mal são equivalentes?
vez eu gosto menos. Qualquer dia desses nós vamos
ter uma conversa mais detalhada com você, para encer-
PIOTR
rar esse assunto uma vez por todas.
Ih, já estão chegando os paradoxos...
PIOTR (ria e preguiçosamente)
Temo e anseio por esse duelo !.... CHICHKIN
Espera, não atrapalha ! isso é muito interessante! A
ELENA (ardentemente, dando um grito) mim, senhores, me agrada escutar Teteriev. Seja como
Por que é que você toma esses ares? Por que, Piotr, for ele está sempre pronto a meter um espinho no cére-
você quer sempre passar por mau? bro de alguém... Porque. na verdade, em todos nós
ESA eps 7 Asis+

58
=.

39
age si
pe
as idéias são vulgares. gastas, como as antigas moedi- CHICHKIN
nhas de cobre... Vamos. dé início à sua ária filosófica!

PIOTR TETERIEV (colocando-se em posição)


É muita bondade de sua parte estender suas quali- Veneráveis bípedes! Quando dizeis que o mal
dades aos outros...
se
paga com o bem, vós vos enganais. O mal é uma
quali-
dade que vos é inata. E por isso de pouco valor. O
CHICHKIN bem. vós inventastes e pagastes terrivelmente
caro. E
Vamos, vamos... É preciso dizer a verdade. Inclu- em virtude disso o bem é uma coisa valiosíssima. rara.
sive nas coisas pequenas, é preciso sempre ser verda- Conclusão: colocar num mesmo plano o bem e o mal
deiro. Eu confesso: nunca pronunciei em toda a minha é inconveniente e inútil. E eu, em verdade. em verdade
vida uma única palavra original... vos digo: Pagai o bem com o bem somente! E nunca
além do recebido, que é para não estimular no homem
TETERIEV a tendência à usura. Porque o homem é ávido! Tendo
Você acaba de pronunciar uma! recebido uma vez além do que lhe é devido. da próxima
vai querer receber ainda mais. Mas não lhe pagueis
me-
CHICHKIN A nos do que lhe é devido. Porque. se o engan
ais uma
Verdade? Você não está mentindo? O quefoi? vez, O homem é rancoroso; ele dirá de vós: são
uns
falidos! E deixará de respeitar-vos. E da próxima
vez
TETERIEV não será mais o “bem” que ele vos fará. Ele se conte
n-
Você pronunciou uma, sim... tará, simplesmente. em vos dar uma esmola. Irmãos!
Não há nada mais triste sobre a terra. nem m ais repug
-
CHICHKIN nante, do que um homem dando uma esmola ao seu
Saiu sem querer... próximo. Pagai o bem estritamente com o bem.
Quanto
ao mal, pagai cem vezes mais. Sede pródigos ao retri-
TE TERIEV buir ao próximo pelo mal que ele vos ocasionou.
Se
Não se pode ser original de propósito... Já tentei quando pedirdes um pão vos derem uma pedra,
descar-
muitas vezes... Tegai sobre sua cabeça uma montanha! (Começa
em
tom de brincadeira, mas passa a um tom sério; term
ina
- Seu discurso vigorosamente, com convicção. Um mi-
Mas fale, ó carrasco, fale sobre o bem e o mal! E e “Nuto de silêncio geral. Todos estão
confusos, tendo per-
60
61
Vá embora, lecionar nas fazendas, viva lá... Ou en-
cebido, nas palavras de Teteriev, alguma coisa de
tão, vá pra Moscou, estudar...
grave, profundo, sincero.)
ELENA
ELENA
Isso, isso mesmo. Dê uma lição nela. E arrase com
Os homens devem ter feito você sofrer muito!
esse aqui também ! (Aponta Teteriev.)

TETERIEYV (mostrando os dentes)


NIL (olhando de lado)
Mas isso me proporcionou a alegre esperança de
Você também! Está treinando para ser um Herá-
que, com o correr do tempo, eu vou fazer a eles muito
clito,'º é?
mal ainda... Eelesamim...
TE TERIEV
(Nil entra com um pedaço de pão numa
Me chame de Swift,!' se não houver problema...
mão e um prato de sopa na outra.
Quando fala, cuida para não derramar NIL
a sopa. Tatiana o segue.)
E muita honra...

NIL PIOTR
Tudo isso é filosofia! Você tem o mau costume de E! Honra demais...
fazer filosofia com qualquer ninharia. Se está cho-
vendo, filosofia... dói o dedo, filosofia... cheira TETERIEV
queimado, filosofia. .. E quando eu ouço filosofar so- Para mim será agradável!
bre essas besteiras, começo a pensar, sem querer, que
a alfabetização não é assim tão útil a todos, não... TZVETÁIEVA
Que gúloso!
TATIANA
NIL (olhando para o prato de comida)
Como você é grosseiro, Nil...
Não se aborreça. .. Mediga... A Pólia onde é que
esta?.., Quer dizer. .. aonde é que ela foi?
NIL (senta a mesa, come)
Que grosseiro coisa nenhuma! Se você se aborrece TATIANA
com a vida, arranje um trabalho. Quem trabalha não y
Ao teatro. Por quê?
tem tempo de se aborrecer |! Acasalhe faz mal” Lhe pesa?

t
A
1
t 63
62 4
NIL
PIOTR
Não, nada... não... perguntei por perguntar... Eu gosto de ver como ele come...

TATIANA NIL
Ah, eu faço tudo muito bem. .
Voce está precisando dela?

ELENA
NIL
Vamos. Tatiana. fale!
Não, não preciso não... Quer dizer, não agora...
mas, quer dizer, bom, de uma maneira geral... é. TATIANA
— e a

preciso, sim... Ah! diabo, me atrapalhei todo... Não tenho vontade !


o Ta -

(Todos sorriem, menos Tatiana.) TZVETÁIEVA


igo nio dE

Ela nunca tem vontade de nada”!


TATIANA (insistente)
Por que? Pra que que você precisa dela? TATIANA
nint

Que é que você sabe? Pode ser que eu tenha


muita
qrês esposo q

(Nil continua comendo, sem responder.) vontade de morrer.

TZVETÁIEVA
ELENA (rapidamente, a Tatiana) Que horror. Tânia!
Por que é que ele estava lhe passando um sermão?
Venha, diga!
f

ELENA
Brrr! Eu não gosto de ouvir falar na morte!
A

TZVETÁIEVA
eo

NIL
PAD

Ê. é interessante isso...
O que é que uma pessoa pode dizer da morte,
E TD

antes
de estar moribunda?
TS

CHICHKIN
Aa NE

Eu também acho... eu gosto dos seus sermões, Nil "TETERIEV


Vassilievitch ! Aí está, é um verdadeiro filósofo!
E

64
65
RO
NTATANANAAANLLLLLTLLTTAAANANANNAAÇAA!
ELENA
ELENA
Vamos para minha casa, pessoal! Está na hora. O
Permito com todo prazer... seu braço...
samovar deve estar pronto há um tempão!
TZVETÁIEVA
CHICHKIN Dois a dois... Nil Vassilievitch, você vem co-
Uma xícara de chá! Acho que não vai fazer mal, migo...
pode ser até que acabe com esta chateação. Será que
a gente pode esperar esse milagre do chá? CHICHKIN (a Tatiana)
Isso quer dizer que você vem comigo...
ELENA
Lógico... TETERIEV
Dizem que no mundo existem mais mulheres do que
CHICHKIN (assinalando Nil) homens. Apesar disso já vivi em muitas cidades. e sem-
Eu olho para ele e fico com inveja... pre. em todas elas. me faltava uma dama...

NIL ELENA (rindo, dirige-se até a porta e canta)


Não fique com inveja não, já comi tudo! Eu também “Allons, enfants de la patrie. . "1
vou com vocês. Tenho mais uma hora de folga...
CHICHKIN (empurrando Piotr pelo ombro)
TATIANA Vamos, anda mais depressa, filho da pátria !. :.
Seria melhor você descansar um pouco antes do seu
(Vão-se ruidosamente, com cantos e ri-
serão.
sadas. À sala fica vazia por alguns se-
gundos. Logo, a porta do quarto dos ve-
NIL
aa

lhos se abre, e sai Akoulina


Não...
resmungando e bocejando. Ela apaga as
SAE

lâmpadas. Ouve-se a voz do velho lendo


ELENA
NEI

os salmos no seu quarto. No escuro,


Piotr Vassilievitch, você vem?
tropeçando nas cadeiras, a velha re-
mer
tm

torna a seu quarto.)


PIOTR
A
ESMP

Se você me permite. Fim do primeiro ato


é
e

E
air

66 k
F
4 67
na
ALO 11

q
as
A mesma sala. Meio-dia. Outono. Junto
à mesa, sentado, o velho Bessemenov.
Tatiana caminha a passos leves, indo e -
vindo pela sala. Piotr olha pela janela, É
parado junto ao biombo. º
r
BESSEMENOV
.
Já faz mais de uma hora que eu estou falando. meus
filhos queridos, mas, ao que parece; não encontro pala- '
vras que possam tocar o coração de vocês... Um me q
ouve dando as costas, e a outra não pára de andar, q
vai e vem como uma gralha na gaiola... q
e
TATIANA q
Está bem, papai. vou me sentar.
é
4
(Senta.)
e
PIOTR (voltando-se para o pai) q
Afinal, o senhor quer dizer o que quer de nós? e
q
BESSEMENOYV
q
Quero compreender que espécie de gente são vocês.
Quero saber que classe de homem
A
você é!
e
71 (
E
PIOTR (4koulina desaparece atrás da porta. Tatiana
olha o
Eu respondo... O senhor vai me compreender, o pai com reprovação; levanta-se-e caminha pela
sala.)
senhor vai ver. Deixe que eu termine meus estudos. Está vendo, sua mãe sempre com medo que eu ofend
a
vocês. Eu não quero ofender ninguém, eu mesmo é que
BESSEMENOV
fico ofendido por vocês! Amargamente ofendido. Na
E... é... estudos, Estuda, então! Mas você não minha própria casa. ando com as pontas dos pés.
estuda... você vive na vagabundagem. Você aprendeu como
se caminhasse sobre cacos de vidro. Até meus amigos
a desprezar tudo que é dotado de vida. Mas agir. que mais íntimos não me visitam mais. “Você tem filhos
é bom, isso .você não aprendeu. Suspenderam-no da instruídos, nós somos gente simples, eles vão rir de
universidade. Você pensa que foi uma injustiça? Erro nós”. E o pior é que eles têm razão. Vocês já fizer
seu. Um estudante é um aluno, não é a palmatória do am
isso, não foi uma vez: .. enquanto eu morria de vergo
mundo. Se cada frangote de vinte anos quisesse instalar -
nha. Todos os meus amigos me abandonam
um novo regime, então seria a confusão completa... como se
ter filhos instruídos fosse uma peste. Vocês não pres-
E um homem de negócios não teria lugar sobre a Terra.
tam à minima atenção a seu pai... nunca me falam
Primeiro estude, aprenda, seja mestre no seu ramo...
com carinho... nunca dizem em, que estão
Ai então você vai poder discutir... Mas, agora, qual- pen-
sando... nunca contam o que querem fazer na
quer um tem o direito de arrasar seus argumentos com
vida... Sou um estranho para vocês... mas, eu
um “cale a boca”. Não digo isso por mal. Afinal, você gosto
de vocês. Vocês compreendem o que quer dizer amor?
é meu filho, sangue do meu sangue, etc. A Nil eu não
Piotr... suspenderam você... isso me dói. me deixa
digo isso, apesar de ser o meu filho adotivo... Mas envergonhado diante das pessoas!... Tatiana
não é meu sangue. é sangue alheio. Eu sei que ele vai enca-
lhada aí. Que é que Tatiana tem de diferente das
acabar se tornando um patife. ou um ator... ou qual- que
se casam? E tem “muita coisa mais! Tenho
quer coisa parecida... pode ser até mesmo que acabe uma von.
tade louca de ver você, Piotr. como homem.
virando socialista !... Tanto melhor! Ele vai ter o que não como
eierno estudante. .. Veja só o filho do Filip
merece. e Nazarov:
acabou os estudos, casou, recebeu um bom
dote, ganha
AKOULINA (olhando para a sala, pela porta, com quase dois mil rublos por ano, vai ser vereador
na Ca-
voz lastimosa) mara...
Pai, não está na hora de almoçar. não?

BESSEMENOV (com severidade) PIOTR


Suma daqui! Não se meta onde não é chamada! Não se incomode, pai. Eu também vou me casar.
Ta 73
veu e norteou sua vida não têm mais nada a ver co-
BESSEMENOYV
nosco.
Sim, você seria capaz, sim! Amanhã mesmo. Mas
com quem? Com essa desavergonhada. Uma viúva,
BESSEMENOV
ainda por cima.
Sim, vocês, vocês. Claro, vocês são gente instruída
e eu sou um imbecil, um... mas vocês não...
PIOTR
O senhor não tem direito nenhum de trata-la assim.
TATIANA
BESSEMENOYV Não é isso, papai, não é assim...
Assim como? De viúva ou de desavergonhada?
BESSEMENOYV
TATIANA Não, é isso mesmo! Vocês fazem o que bem enten-
Papai, por favor... deixa isso de lado... Piotr, vá dem. O dia inteiro fazem barulho, o dia inteiro recebem
embora... ou fique quieto! Você não está vendo? Eu visitas! À noite, é impossível dormir. E você. diante
estou quieta... Escutem: eu não entendo nada. Pai, de meus olhos, fica com coisas aí com a inquilina de
quando o senhor fala, eu sei, sinto que você fala a ver- cima....E você sempre aborrecida: E eu e sua mãe
dade! Sinto mesmo! Mas o caso é que sua verdade nos enfiamos num canto...
nada tem a ver conosco... Nem comigo, nem com
ele... Entendeu? Nós temos a nossa verdade. Não fi- AKOULINA (irrompendo no aposento, grita lamurio-
que chocado. Existem duas verdades, papai!
samente)
Queridinhos, pois eu... minha filhinha! por acaso
BESSEMENOY (levantando-se de um salto) me queixo de alguma coisa? Eu, eu fico no meu canto.
Mentira! Existe somente uma verdade, a minha ver- SO que não briguem mais. Não atormentem um ao ou-
dade! Qual é a verdade de vocês? Onde está? Me mos- tro. meus queridos!
trem!
BESSEMENOY (puxando-a com a mão e repelindo-a
PIOTR
com a outra)
Não grite, pai. É, você tem razão. Mas a sua razão,
Fora daqui, velha... Eles não precisam de você.
a sua verdade, é estreita demais para nós. Nós cresce-
Eles não precisam de nós dois. Eles são inteligentes!
mos e ela ficou como uma roupa apertada, nos sufoca.
E nós somos estranhos para eles.
Nós nos sentimos mal. Os princípios em que você vi-

74 75

abade
TATIANA (gemendo) para vocês... temos até mesmo pecado para vo-
Que suplício, que suplício! cês... Tudo para vocês!

PIOTR (pálido, completamente desesperado) PIOTR (grita)


Pai. compreenda... isso é tão idiota. tão irracional. E por acaso eu pedi para que o senhor... fizesse
tão bobo. De repente, sem o menor motivo... tudo isso?

BESSEMENOV AKOULINA
De repente? Mentira. Não foi de repente. Ha anos Piotr, pelo amor de Deus!...
que isso está supurando meu coração como um abs-
TATIANA
CESSO. ...
Pétia, vã embora daqui!... Não agúento mais...
(Completamente extenuada, deixa-se cair numa ca-
AKOULINA deira.)
Pétia, concorde com seu pai, não discuta. Tânia, te-
nha piedade do seu pai. BESSEMENOV
Ah!... Estão fugindo da verdade, como o diabo
BESSEMENOV foge da cruz... É que vocês não têm a consciência
Chega. Idiota é você! É horrível! e não idiota. De tranquila...
repente... os pais vivem com os filhos e de repente,
duas verdades. Vocês são umas feras. NIL (abrindo de par em par as portas que dão para
o vestíbulo, detém-se no umbral. Vem do traba-
TATIANA lho, tem. o rosto e as mãos pretas, por causa
Piotr, vá embora! Acalme-se, pai... Vamos, eu da fuligem. Usa jaqueta curta, brilhante de
PESO. graxa, cinto de correia, botas grandes, sujas,
que lhe chegam até os joelhos. Estende o braço
e fala)
BESSEMENOV Rápido, me dê uma moeda de vinte copeques para
Gente sem coração! Nós estamos incomodando vo- pagar o cocheiro. (Sua aparição repentina e sua voz
cês... De que é que vocês se orgulham?... O que tranquila interrompe, de repente, o ruído da sala, de
é que vocês fizeram? Mas nós, sim, nós temos vi- modo que todos ficam em silêncio, olhando-o, imóveis.
vido... Temos trabalhado. .. construímos casas... Ele notou a impressão produzida e percebendo de que
16
os

PR
Mada qem
se trata, diz, num sorriso de compaixão e dor) A bata- AKOULINA (procurando imitar o tom do marido)
lha recomeçou? E isso mesmo; Tânia, vá pra cozinha. Diga a Stepá-
nida que nós queremos jantar...
BESSEMENOVY (grita grosseiramente)
Eh! Você. anticristo! Onde é que você pensa que (Tatiana sai.)
esta?
BESSEMENOV (sorrindo sobriamente)
NIL E Piotr. pra onde é que você vai mandar Piotr? Ah,
O que? Onde é que estou? você velha bruxa... como vocé é burra... Com-
preende, eu não sou nenhuma fera. eu temo por eles...
BESSEMENOVY
grito de dor, não de cólera... E por que é que você
Esse gorro! Tire esse gorro!
afasta os meus filhos de mim?

AKOULINA AKOULINA
O que é que você pensa? Voce vai entrando assim, Eu sei, pai. Meus queridinhos... Eu sei tudo, mas
sem mais nem menos. todo sujo... Você não tem ver- tenho pena deles. Nós dois. eu e você. somos velhos.
sonha? pra nós tudo está acabado. Mas eles têm a vida inteira
diante deles! Eles já vão ter que sofrer tanto dos ou-
NIL tros.
Estou esperando os vinte copeques.
PIOTR
PIOTR (dé o dinheiro e diz em voz baixa)
E, pai, O senhor se aborrece à toa. está imaginando
Tomao dinheiro... e volta logo...
coisas! Cs
NIL (com um sorriso)
Pra socorrer, é?... E dificil!... Mas espere, eu já BESSEMENOYV
venho... Eu tenho medo... Nossa época é terrível. Está tudo
se quebrando, estalando, tudo em desordem, tudo se
BESSEMENOV mudando. Essa vida deixa a gente fora de si. Temo por
Vocês estão vendo? Esse aí também... Sempre aos vocês. E se acontece alguma coisa com você? Quem
trambolhões. Andou por aí ouvindo coisas... E não vai nos sustentar na velhice? Você é o nosso único
respeita mais nada no mundo. apoio. Olhe o Nil. Veja como ele é! E esse outro pau-

78 79
d'água, o Teteriev, também. Largue essa gente. Eles não NIL (entra já sem roupa exterior, com uma blusa azul,
gostam de nós. Cuidado ! mas ainda sem se ter lavado)
Vamos jantar logo, hein? (Piotr, ao vé-lo, sai para
PIOTR o vestíbulo.)
Ora, vamos, não vai acontecer nada, papai. Daqui
a pouco eu faço a petição.
BESSEMENOV
Você podia lavar a cara antes de pedir comida.
AKOULINA
Isso, Pétia, faça a petição. Mas faça logo, para acal-
mar seu pai. NIL
Minha cara é pequena e não me custa lavar,
mas
BESSEMENOV estou com uma fome de lobo... Chuva, vento, um frio
Quando você fala assim, fica mais razoável, mais dos diabos, uma locomotiva valia: - Esta noite eu me
sério: aí eu tenho fé em você, Pétia. Eu fico acreditando esgotei. Não tinha mais força. feria bom obrigar
o
que você não vai viver pior que eu. Mas, às vezes... chefe a fazer uma viagenzinha como essa, com
um
tempo desses, numa locomotiva daquelas!
PIOTR
Bem. vamos deixar isso de lado, sim? BESSEMENOV :
Conversa. sempre conversa. Pelo que vejo, já co-
AKOULINA meça com insolência sobre o chefe. Cuidado, que isso
Meus filhinhos ! pode acabar mal.

BESSEMENOV
NIL
E Tatiana então. Ah, por que ela não larga essa
Os chefes não vão acabar mal.
escola? O que ganha com isso? Só cansaço, mais nada.

PIOTR AKOULINA
É. ela devia descansar. Não é deles que o pai está falando. Mas de você!

AKOULINA NIL
Ah! Se devia. Ah, de mim...

80
81
BESSEMENOV
BESSEMENOYV
É. de você.
Agora.

NIL
NIL
AM ax
É melhor depois do jantar. Eu estou com muita
fome, estou cansado. senti muito frio. .. O senhor me
BESSEMENOV
faz esse favor. depois do jantar está bem? E, além disso,
Você esta ficando muito presunçoso.
o que que o senhor quer falar comigo? Eu sei que o
senhor vai me insultar... Para mim, isso é muito
NIL
aborrecido... Seria melhor... que o senhor dissesse
Há muito tempo?
diretamente... que-não pode me agientar... e que
êu..
BESSEMENOYV
E não se atreva a falar comigo nesta lingua.
Ô BESSEMENOV
Vá para o diabo!
NIL
Mas eu só tenho essa. (Mostrando a língua) E é com
(Sai batendo a porta com violência.)
ela que eu falo a todos.
NIL
AKOULINA (juntando as mãos com assombro) Vou, sim! O diabo é melhor companhia que o se-
Ah, sem-vergonha... Para quem é que você está nhor...
mostrando a lingua?
(Começa a andar pela sala, cantaro-
BESSEMENOV
lando.)
Espera. mãe, espera. .. (Akoulina sai, meneando a
TATIANA
cabeça.) Eh, você. seu inteligente! Quero falar com
você! Vocês estavam se insultando de novo, é? Você não
pode imaginar...

NIL NIL
Depois do jantar?
Eu imagino perfeitamente. .. Estávamos represen-
(5
(82 N 83)
tando uma cena dramática da comédia intitulada Cho- NIL
ve-não-molha. . Não. Quando um homem não se sente bem deitado
de um lado, se vira pro outro! Mas quando ele não
TATIANA se sente bem na vida, sô se lamenta? Vamos. faça um
-

E muito cômodo falar desse jeito... Voces fica de esforço pra virar de lado !
POLG a o
TATIANA
NIL Sabe, uma vez um filósofo disse que só os imbecis
Eu sei me afastar dessas confusões. E logo vou me
acham a vida simples!
afastar definitivamente. .. Vou pedir minha transfe-
rência para a secção de montagem... para o depósito
NIL
de locomotivas... Estou farto de viajar de noite em
Os filósofos entendem muito de bobagens... Mas
trem de carga. Se pelo menos fosse um trem de passa-
eu também não me considero dotado de nenhuma luz
geiros, um expresso... Fiuuu!... Cortando o ar,
especial! Só acho que viver entre vocês é profunda-
voando a todo vapor... Eu gosto é de estar no meio
das pessoas...
mente cansativo. Acho que é porque vocês gostam de
se lamentar de tudo e de todos. Se lamentar pra quê?
Quem é que vai ajudar vocês? Ninguém... Ninguém
TATIANA
vai estender uma mão de auxílio pra vocês. E também
Mas você foge das pessoas!
não sei se vale a pena!
NIL
TATIANA,
É, é verdade. Me desculpe a franqueza, cu tenho ra-
zões pra fugir. Eu gosto de barulho, de trabalho, de De onde voce tirou tanta secura, Nil?
gente simples, alegre. Mas vocês, vocês vivem, por
acaso? Vocês ficam rastejando, não sei por que mo- NIL
tivo. Estão sempre prontos a chorar, a gemer, a se quei- Ah! você chama isso de secura”
xar... De quem? por quê? pra quê? É completamente
incompreensível! TATIANA
É maldade mesmo. Eu acho que você está conta-
TATIANA giado pelo Teteriev que, não sei por que, odeia todo
Você não compreende? mundo.

84 85
NIL (sorrindo) forma, ardente, mã!... Golpear com o martelo é um
Vamos, nem todos... gozo. Ela cospe fogo, como se quisesse queimar meus
olhos... me cegar, me expulsar. Ela é viva, elás-
TATIANA tica... Mas com a força dos braços você faz dela o
E... é agradável falar com você, você é um homem que quer! K É
tão aberto . . só que você não tem consideração.
TATIANA
NIL Para isso é preciso ser forte... Escute, Nil, você
Com quem? não sente piedade nunca?

TATIANA NIL
Com as pessoas, comigo, por exemplo... De quem?

NIL
Hum... pode ser. mas não com todo o mundo. ELENA (entrando)
Vocês já almoçaram? Não? Então vamos pra minha
TATIANA casa, por favor. Eu fiz um pastel. Onde é que está o
=

E, comigo... promotor? Fiz um pastel glorioso !...

NIL NIL (aproxima-se de Elena)


Com você. (Ficam ambos calados, Nil olha as suas Eu vou! Acho que vou comer inteiro esse pastel glo-
botas. Tatiana o encara como se esperasse algo) rioso. Estoy morrendo de fome. E aqui eles me matam
Olhe... sabe, você... quer dizer, eu e você... (Ta- de fome mesmo! Devem ter-se aborrecido comigo por
tiana faz um gesto em sua direção sem que ele note.) algum motivo...
Eu a respeito muito, eu gosto de você... só que não
gosto que você seja professora. .. pra quê? Você não ELENA
gosta disso, isso a cansa, a irrita. .. Mas é uma pro-
Certamente pela sua língua. .. Vamos, Tânia.
fissão de uma importância enorme. É preciso dar valor
às crianças. Qualquer coisa na vida, é preciso amar
para se fazer bem... Sabe, eu gosto de trabalhar na TATIANA
forja. Diante da gente há uma massa vermelha, sem Vou avisar mamae. . . (Sai.)
(2)
86
NIL NIL
Como é que você soube que eu mostrei a língua pro E a primeira vez que eu ouço medir as qualidades
velho? de uma pessoa em metros...

ELENA ELENA
Quê? Eu não sei nada... de que se trata? Ele não tinha outras qualidades...

NIL NIL
Bem, eu também não vou contar nada... Me fale Ah, isso é triste !. .. Me fale do seu pastel...
do seu pastel glorioso!
ELENA
ELENA O presidiário era cozinheiro... tinha matado a mu-
Ah!... Foi um preso, condenado por assassinato, lher... Mas eu gostava muito dele. Ele tinha matado
que me ensinou a fazer. Meu marido deixava-o ajudar assim, não sei...
na cozinha. Era tão miserável. .
NIL
Ah! assim, sem mais nem menos. .. Entendo!...
NIL
Seu marido?
ELENA
Va embora! não quero mais falar com você! (Ta-
ELENA
tiana aparece na porta, está olhando-os. Da outra porta
Meu caro senhor. meu marido tinha um metro e cin-
sai Piotr.) Promotor, pra minha casa, já. Vamos comer
quenta de altura! um pastel...

NIL PIOTR
Era tão baixo assim?... Com todo prazer !

NIL
ELENA
O paizinho hoje lhe pregou um sermão...
Pss!... E tinha uns bigodes assim! (Indica com os
dedos o tamanho dos bigodes.) Cada um de um metro PIOTR
e meio! Vamos, deixe...

88 89
nCAALANANANANRCCCLLCLOCTANANANÇAÇÇAA
NIL do coitado do Pétia. Já estou pressentindo. .. Era bom
E eu estou admirado: como é que você vai pra casa você falar com ele: “Irmãozinho. afaste-se dela. Ela
dela sem pedir permissão”... não é pra você”. Você devia falar com ele! E o di-
nheiro! Somando tudo. a pensão do marido. ela não
PIOTR (olhando para a porta do quario dos velhos) tem mais de três mil rublos!
Bem. se se tem que ir, então vamos!
TATIANA
TATIANA Mamãe! Deixe disso! Elena não tem o mínimo inte-
Não, eu vou em seguida... resse por ele, nem sabe que ele existe...

(Nil, Piotr e Elena saem. Tatiana vai AKOULINA


para seu quarto. Nesse momento ou- Ela finge que não liga! De propósito! De propó-
ve-se, do quarto dos velhos, a voz de sito!... Não liga... Nao liga como? Ela está de olho
Akoulina Ivanovna.) nele. como gato no rato...

AKOULINA TATIANA
Tânial... E eu com isso? Que me importa? Vá falar com ele
a senhora mesmo. Me deixe em paz! Tente compreen-
TATIANA (pára, encolhe os ombros com impaciên- der. eu estou cansada!
cie)
O que é que hã? AKOULINA
Mas eu não lhe pedi parafalar com ele agora. Vá dei-
AKOULINA (da porta) tar e descanse!
Venha cá! (Quase sussurrando) O Pétia foi outra vez
para o apartamento daquela... TATIANA (quase gritando)
Serã que eu não tenho sossego? Não tenho lugar pra
TATIANA descansar ! Estou cansada pra sempre! Pra sempre!
Foi... eeu também vou... Você compreende? Pra toda a vida!... Cansada de
vocês, de tudo!
AKOULINA
Ah, que desgraça! Ela vai acabar virando a cabeça (Vai rapidamente para o vestíbulo.

90 $1
Akoulina faz um movimento em sua di- suspira e fala) Afinal de contas, foi bem inútil criar
reção, como a desejar retê-la. Mas, jun- uma barreira de instrução entre nós e eles...
tando ruidosamente as mãos, fica no
mesmo lugar, perplexa, com a boca AKOULINA
aberta.) Deixe, pai. Hoje em dia os que não têm instrução
também não são grande coisa...
BESSEMENOYV (aparecendo na porta)
Briga de novo? BESSEMENOV
Nunca se deve dar aos filhos mais do que se te-
AKOULINA ve... E o mais triste é que eu não vejo neles nenhum
Não... nada... Nãofoinada... caráter. nada de sólido. Todo homem deve possuir al-
guma coisa de sólido, alguma coisa bem dele. Mas eles
BESSEMENOV são como se não tivessem cara!... Veja Nil! É um
Como não foi nada? Ela fez malcriação pra você? atrevido, um bandido. Mas é um homem... Tem uma
cara... É perigoso! Mas a gente pode compreen-
AKOULINA dê-lo... Ah!... quando eu era moço gostava de can-
Não, nada... Eu falei: “está na hora do almoço”, tar na igreja e gostava de colher cogumelos. E Piotr,
e ela me disse: “não quero almoçar”. Então eu falei: de que é que ele gosta?
“como é que você não quer almoçar?”... eela...
AKOULINA (timidamente, com um suspiro)
BESSEMENOV Ele foi para o apartamento da inquilina...
Você está mentindo, mãe...
BESSEMENOV
AKOULINA Aí está... Mas eu vou dar um jeito nela !... Po-
Palavra de honra! nho-a daqui pra fora! (Entra Teteriev, sonolento e
mais sombrio do que nunca. Traz uma garrafa de
BESSEMENOV vodca e um copo.) Terênti Krisanfovitch, você andou
Por que é que você mente por causa deles? Olhe bem bebendo... Por que razão?
nos meu olhos; ah, você não consegue ! (Akoulina está
diante do marido, cabisbaixa e quieta; ele também TETERIEY
guarda silêncio, acariciando a barba, pensativo. Logo, Sem razão... Vamos almoçar?...

92 33
AKOULINA “gar tranquilamente. Eu gostaria de ser olhado por to-
Vou arrumar a mesa. (Começa os preparativos.) dos com inquietude...

BESSEMENOV
BESSEMENOV
Terênti Krisanfovitch! Você é um homem inteli-
Você é mau...
gente... Mas a vodca o está destruindo.
TETERIEV
TETERIEV
Os animais do meu tamanho geralmente não são
Respeitável burguês, você está mentindo! O que está maus. Você não entende nada de zoologia. A nature
za
acabando comigo sou eu mesmo... É a minha
é sábia. Porque, se além de forte eu fosse mau, como
força!... O meu excesso de força, é isso que estã me é que você ia fugir de mim?
destruindo .
BESSEMENOV
BESSEMENOYV Não sei por que razão eu iria fugir. Eu estou na mi-
Ora, a força nunca existe em excesso... nha casa.

TETERIEV AKOULINA
Você está mentindo de novo! Atualmente, a força
f

Devia parar de falar um pouco, paizinho...


não é necessária. É preciso ser ágil, flexível, astu-
cioso. .. (Mostra o punho.) Olhe, se eu dou um soco
TE LERIEV
na mesa. posso partir a mesa em pedaços. Mas com É verdade. Você está em sua casa. Toda a sua vida
braços como esse não há nada a fazer na vida. Posso é essa casa, éssas paredes, e é precisamente por isso
rachar lenha. mas vai ser difícil, e até mesmo ridículo. senhor pequeno-bur-
que aqui não é lugar para mim,
por exemplo, escrever. .. Não tenho onde empregar
guês.
a minha força. É verdade que eu podia encontrar um
emprego de acordo com a minha capacidade, mas
BESSEMENOV
tenda de feira, rompendo correntes de ferro, le- Mas
numa Você vive sem rumo, não se sabe pra quê...
vantando pesos, etc. Mas eu estudei... aprendi!... se você quisesse...
Estudei tão bem que fui expulso do seminário. Estudei .
e não quero viver com ostentação; não quero chegar
a esta tenda de feira, onde você iria me olhar e me go-
TETERIEV
Acho mais moral,
e
Não quero querer, me dá nojo!

94 95
A
no meu caso, me embebedar e apodrecer, do que viver muito bem a mesquinharia consumada, esta força que
e trabalhar para você. Será que você, pequeno-burguês,
derrota até os heróis... e que vive e triunfa. Bem, va-
pode me imaginar sóbrio, todo engomado, e falando
mos beber antes da sopa. respeitável toupeira?
consigo com a submissão de um dos seus empregados?
Não, você não pode imaginar isso! (Pólia entra; ao ver BESSEMENOV
Teteriev, tem um movimento de recuo; este, ao notá-la, Vamos, quando trouxerem a sopa! Mas. pra que xin-
sorri largamente, cumprimenta com a cabeça, estende- gar? Não é preciso ferir as pessoas sem motivo. É pre-
lhe a mão, dizendo) Bom dia, não tenha medo! Eu não ciso raciocinar e discutir direito. com calma, para que
digo mais nada para você, já sei de tudo! a gente tenha prazer em ouvir você...

NIL (entrando)
PÓLIA (confusa) pólia ja chegou?
O quê? O senhor não sabe de nada!

AKOULINA
AKOULINA
E o que é que você quer com ela?
Ah, você veio? Vá dizer a Stepanida pra servir a
sopa, vamos...
NIL (sem responder a Akoulina, dirigindo-se a Tete-
riev)
BESSEMENOY (a Teteriev)
Você está alto outra vez?
Eu gosto de ouvi-lo raciocinar, sobretudo quado
se trata da sua própria pessoa. Isso lhe fica bem. TETERIEV
Quando a gente olha pra você, você mete medo. Mas
É melhor beber vodca do que sangue humano...
quando você começa a exprimir os seus pensamentos, Além do mais. o sangue humano anda muito diluído
a gente sente onde você é fraco... (Ele ri docemente, e insipido. Sobrou muito pouco do sangue jovem, foi
satisfeito.) tudo chupado.

TETERIEV (Entram Pólia e Stepânida, com a so-


Você também me agrada, porque você é inteligente peira. Pólia traz uma travessa cheia de
dentro de medidas. estúpido dentro de medidas. bom carne.)
dentro de medidas, mau dentro de medidas, honesto e
canalha dentro de medidas, covarde e corajoso... NIL (aproxima-se dela)
Você é um pequeno-burguês exemplar. Você encarna E a resposta?
96 97
PÓLIA (baixo) BESSEMENOV
Mas não agora... Não na frente de todo o Se é segredo, não fale diante dos outros. Vocês zom-
mundo... bam do mundo inteiro. Sinais... reticências... cons-
pirações. .. e a gente fica como idiota, de boca aberta,
NIL sem entender nada. Eu lhe pergunto. .. quem sou eu
Que é que tem? Do que é que você tem medo? para você?

NIL (tranguilamente)
BESSEMENOV
O senhor é o meu pai adotivo... Mas não precisa
Quem tem medo de quem? Do que é que estão fa-
ficar zangado, criar problemas. . . não aconteceu nada
lando?
de mais.
NIL PÓLIA (levantando-se da cadeira em que acabara de
Eu... eela... sentar-se)

cares
Nil Vassilievitch. . me disse: .. ontem à noite...
AKOULINA
me perguntou...

O O a
O quê? O que é que está acontecendo?
BESSEMENOV

O
BESSEMENOYV Perguntou o quê?

A
Eu não estou entendendo nada.

E Ene
NIL (tranquilo)
TETERIEYV (sorrindo)
Pólia, você não tem por que se assustar ! Eu pergun-

Atila
Pois eu entendo muito bem! (Serve-se de vodca e
tei se ela queria se casar comigo. .. (Bessemenov olha
bebe.)
er
surpreendido para ele e Pólia, com a colher no ar.
Akoulina também fica petrificada no seu lugar. Tete-
BESSEMENOYV
riev pestaneja pesadamente; sua mão, que está sobre
De que se trata? O que é que você tem, Pelagéia?
"3
O joelho, treme. Pólia baixa a cabeça. Nil continua.)
PÓLIA (confusa, em voz baixa) E ela ficou de dar a resposta hoje, foi só isso.
Nada.
TETERIEV (fazendo um gesto de desespero com a
NIL (tomando assento junto à mesa) mão)
É um segredo. É muito simples, nada mais...

98 99
BESSEMENOYV escondi isso de ninguém. Sempre vivi. sem segredos e
Muito bem! Realmente! É muito simples, muito mo- vou continuar vivendo assim. Não tenho nada de que
derno! Ultima moda! me arrepender nem o senhor o que me censurar.

aa a
AKOULINA BESSEMENOY (contendo-se)
Você... Você é um anticristo! Anticristo, mal- Pois não! Muito bem... Bem... Case-se... Não
criado, cabeça dura! Você devia ter pedido consenti- somos nós que vamos impedir. Mas com que capital
mento. vocês vão viver? Se não é segredo, eu gostaria de saber.

NIL NIL
Pra que que eu fui falar... Vamos trabalhar. Eu vou passar para o depósito de
locomotivas, e ela, ela também terá trabalho. E eu con-
BESSEMENOYV tinuarei a pagar os trinta rublos mensais para o senhor.
Deixa, mãezinha, não é de nossa conta. Coma e fi-
que quieta. Eu também não digo mais nada. BESSEMENOV
Veremos. . . Promessas não custam nada...
TETERIEV Gá meio bêbedo)
Mas eu vou falar. .. Não,é melhor ficar quieto. NIL
Se o senhor quiser, eu assino uma letra.
BESSEMENOYV
Sim, é melhor que todos fiquem quietos... Mas TETERIEV
você, Nil, você retribui muito mal a comida que eu Vá, pequeno-burguês, não perca a oportunidade,
lhe dou! aceite a letra.

NIL
BESSEMENOV
Sua comida? A sua comida eu paguei com o meu Ninguém pediu pára o senhor se meter nesse negó-
trabalho. E vou continuar pagando, mas não vou me
cio.
submeter à sua vontade. O senhor quis me casar com
aquela boba, com a Sédova, pela simples razão de que
ela tinha dez mil rublos de dote. Pra que que eu ia que- AKOULINA
rer ela? Eu amo a Pólia. .. Faz muito tempo; e nunca Paizinho, acho melhor falar com o advogado.

100 101
TETERIEV NIL (levantando-se com ela)
Não. você não pode perder a oportunidade. Aceite O senhor não pode nada. Chega de barulho. Nessa
a letra, o que é que o impede? A consciência? Nil, casa também sou o dono, trabalhei aqui dez anos, en-
dê um documento por escrito: “Eu, fulano de tal, me treguei todo o meu salário. Aqui, aqui!... (Dá um
comprometo mensalmente...” forte golpe no chão com o pé e mostra em torno de
si) Aqui há muita coisa minha. O dono é quem traba-
BESSEMENOV lha! (Durante o discurso de Nil, Pólia se levanta e se
Eu, se quiser, tenho todo o direito de pedir um docu- retira; na porta encontra Piotr e Tânia. Aquele, depois
mento. Desde dez anos dei de comer, de beber, de vestir de lançar um olhar ao interior da sala, desaparece. Ta-
e decalçar... tiana fica na porta.)

NIL BESSEMENOV (atônito, abre desmesuradamente os


Não seria melhor ajustar as contas mais tarde? olhos, olhando Nil)
Como... você, o dono? Você?

É
BESSEMENOY (calmo) AKOULINA
Também se pode fazer isso depois! (Enfurecendo-se Vamos embora, paizinho! Vamos!... Por piedade!
repentinamente) Mas, tome nota... de agora em (Ameaçando Nil com o punho) Ah! Nil. você vai
diante você e eu somos inimigos! Nunca mais perdôo VEL. «o
essa ofensa! Não posso, tome nota!
NIL (insistentemente)
NIL E isso mesmo, o dono é quem trabalha! Meta isso
Mas qual é a ofensa? Não vai me dizer que esperava na cabeça! .
que eu me casasse com o senhor!

|
AKOULINA (arrastando o marido atrás de si)
Vamos, meu velho, vamos. Que Deus os perdoe,
BESSEMENOY (grita sem escutar) não fale nada, não grite. não... quem vai ouvir a
Tome nota! Você, zombando de quem lhe deu de co- gsente?...
mer, de beber! Sem pedir conselho! Escondido! E
você, humildezinha? Santinha! Que é que está de ca- BESSEMENOY (cedendo aos esforços da mulher)
beça baixa? Não diz mais nada? Saiba que eu Pois bem, fique aqui... dono! Vamos ver quem é
posso. .. o dono. Vamos ver!
cesn

102 103
quudo
tudo
ca
Sp
(Retira-se para seu quarto £ Nil anda
" nalhas. Destes existem milhões e milhões! Irmão, eles

em mm
pela sala muito agitado. Na rua, ouve-se
vivem com a inteligência animal e só acreditam na ver-
um realejo.)

———
dade da força bruta... Não na minha, na que está
encerrada neste peito e neste braço, mas sim, na força
NIL

| ni
da astúcia... A astúcia é a inteligência da fera.
Que confusão !-Porque eu tinha que tocar nesse as-
sunto agora! Vamos. não estou em condições de ocul-
NIL (sem escutá-lo)
tar nada... Não consigo me controlar... Ah!
Agora nós vamos ter que antecipar e acelerar o casa-
você...
mento... E ela ainda não me deu resposta. Eu sei o
que ela vai dizer... minha menininha... Como eu
TETERIEV
odeio essa casa... Todos aqui são uns aleijados. ne-
Não foi nada. Foi até uma cena bem interessante.
nhum deles sente que a vida estã podre por causa deles
Eu estava escutando e contemplando com muito pra-
mesmos. Eles fazem da vida um exílio, uma catástrofe.
zer. Nada mal, nada mal... tá fique nervoso, irmão.
Como conseguem issc? Não compreendo. Mas eu de-
cê tem capacidade para d sempenhar o papel de he”>
testo gente que degrada a vida. (Tatiana dá um passo
Tói! ! Hoje, nós temos necessidade de heróis. Hoje, os
para a frente e se detém; vai na ponta dos pés até o
homens estão divididos em heróis, isto é, imbecis, e em
baú e se senta nele, parecendo mais pequena e mais
canalhas, isto é, pessoas inteligentes... )
digna de pena.) Mas com Pólia vou ter uma yida es-
plêndida! Nós, juntos, vamos ter coragem!
(Tatiana ainda na porta; os sons do red-
tejo cessaram.)
TETERIEV
NIL
São os imbecis que adoram a vida. Eles são poucos.
São eles que estão sempre buscando alguma coisa que
Por que que eu fui fazer Pólia passar por isso?...
não é necessário nem pra eles mesmos. Eles gostam
Ela se assustou. .. Pode ser que tenha se ofendido. .
de idealizar projetos de felicidade coletiva e outros dis-
parates do gênero. Querem encontrar o princípio e o
(Tatiana se detém na porta; ao ouvir o
nome de Pólia faz um movimento.) fim de tudo que existe. E, em geral, só fazem bestei-
ras...
TETERIEV
NIL (pensativo)
as

| É muito comodo dividir os homens em imbecis e ca-


E, besteira! Sou mestre nisso. .. Mas ela está mais
api siga

104
ai

105
ga
acordada que eu... Ela também ama a vida... com TETERIEV 4
um amor imenso, tranqúilo. .. Com a Pólia vou ter Estou rindo... o imbecil contempla o cadáver do”
uma vida esplêndida. Nós somos valentes... € ds amigo morto e pergunta: “Onde é que ele estã agora?”|
desejamos alguma coisa, nós conseguimos... Sim, | Ão passo q o canalha herda os bens do finado e)
nós dois vamos conseguir!,.. Ela parece... uma re- passa o resto da vida confortavelmente !j me
cém-nascida. .. (Rindo) Vamos ser felizes...
(Ri às gargalhadas.)
TE TERIEY
Um imbecil pode passar a vida pensando por que
Si3 NIL
o vidro é transparente, enquanto que o canalha pega SS Parece que você bebeu pra valer mesmo... Quer
o vidro e faz uma garrafa... que eu leve você para sua casa? '*

(Novamente ouve-se o realejo, já perto, TETERIEV


quase debaixo da janela.) Levar, pra onde?

NIL NIL
Você, sempre pensando em garrafa. . Vamos, não se faça de idiota, eu levo você, quer?
4
Ei

TETERIEV TETERIEV
Não, estou pensando nos imbecis! Alias, os dois são A mim, irmão, é que você não vai levar. Não tenho
imbecis. Mas um é imbecil de um modo heróico, en- parentesco de sangue com o acusado, nem com a
quanto que o outro é estupidamente limitado, miserá- vitima. Eu sou a prova palpável e evidente do crime.
vel! E os dois chegam, por caminhos diferentes, ao A vida está perdida. Está mal talhada. Não é para a
mesmo lugar: ao túmulo. Unicamente ao túmulo, meu estatura dos homens de força. Isso é o que eu digo.
amigo! Os pequenos burgueses encolheram, encurtar am, redu-
ziram tudo... e eu sou a prova material de que o ho-
(Ri as gargalhadas. Nil balança a ca- mem não tem onde, nem com que, nem pra que vi-
beça muito quieto.) VET «ms

NIL (a Teteriev) NIL


O que é que você tem? Bem, vai...

106 | 107
TETERIEV mesa onde havia deixado a ido Tatiana
Deixe-me, você pensa que eu vou cair? Já estou no
chão, cretino! Há muito tempo. Além disso, já tinha- : no canto da sala.) Quem é que está aí?

pensado em, levantar, mas você passou de lado e sem 3 TATIANA (baixo)
perceber me deu um empurrão. Eu não ms queixo, não. Sou eu... (Os sons do realejo param de repente.)
Vá, você é um homem sadio que pode ir pra onde qui-
ser. Mas eu não. Eu acompanho você do chão! Eu o TETERIEV
encorajo com o olhar! Vá, ande! Hum... você?... Imaginei que...

TATIANA
NIL
Não! soueu...
De que é que você está falando? Você disse algumas
coisas interessantes, .. mas nem tudo eu entendi... TETERIEV
Compreendo... Mas, por que você? O que é que
TETERIEV você faz aqui?
Não, não, nem tente entender, não é preciso... Há TATIANA (baixo, mas com clareza e precisão)
coisas que é melhor não compreender, porque são inú-
Porque eu não tenho nem onde, nem com que, nem
teis... Vã embora, ande!
pra que viver... (Teteriev se aproxima dela com pas-
sos tranquilos e em silêncio.) E eu não sei por que estou
NIL tão cansada, por que sinto tanta angústia... você
Pois bem, eu vou. compreende?. .. Uma angústia que quase chega ao
horror !... Tenho só vinte e oito anos e tenho vergo-
(Sui para o vestíbulo sem ter notado a hã... vergonha de me sentir tão fraca... tão inexis-
presença de Tatiana, que se havia es- tente. Dentro de mim, está tudo vazio. .. Tudo secou,
condido num canto.) ardeu, ardeu como fogo: eu sinto, eu sinto isso e isso
me dói. Foi acontecendo, pouco a pouco, sem eu perce-
TETERIEV (inclinando-se atrás dele, como que cum ber... foi crescendo... um vazio! Mas por que é que
eu estou lhe dizendo tudo isso?
5
primentando)
Desejo-lhe toda a felicidade possível, saqueador !Sem TETERIEV
saber, você me arrancou a última parcela de espe?
a
Não entendo... estou muito, muito bebsdo...
rança... E que o diabo o carregue com ela! (Vai à Não entendo nada, nada...

108
109
TATIANA gunto mais. Como você é engraçada! Ontem você me
Ninguém me fala como eu quero... como eu dese- disse: “eu respondo amanhã, preciso pensar...” Pra
jaria... Eu tinha esperança que ele começasse a fa- que pensar?... Você me ama!
lar... Esperava muito tempo, em silêncio. Mas essa
vida... essas brigas, essa mesquinharia... essa vul- PÓLIA
garidade. .. tudo me esmagou. Calmamente. Insensi- Ah, claro. claro... faz tanto tempo! (Tatiana, vol-
velmente. Me esmagou. E eu não tenho mais forças pra tando do quarto, se esconde atrás da cortina e escuia.)
viver. E, ainda por cima, meu desespero é impo-
tente... Estou começando a sentir o horror! De re- NIL
pente... neste momento... eussinto O horror... Nós vamos viver muito bem, você vai ver. Você é
uma boa companheira. Você não tem medo da po-
TETERIEYV (balançando a cabeça, afasta-se dela e di- breza...
rige-se para a porta, abrindo-a)
Que essa casa seja amaldiçoada para todo o sempre, PÓLIA
nada mais!... (Tatiana vai lentamente para seu Com você... de que é que eu vou ter medo? E de-
quarto. Um segundo de tranquilidade e silêncio na sala. pois, eu também não sou medrosa. .. Nem quando es-
Entra rapidamente Pólia, com passos que mal se ou- tou só... eusou é quieta...
vem. Em seguida vem Nil, sem dizer palavra; vão até
NIL
a janela, onde Nil, tomando Pólia nos braços, fala a
Não, é muito mais! Você é obstinada, forte”... Eu
meia voz.)
estou contente! Eu sabia que isso ia acabar assim. Mas
NIL eu estou contente !
Me desculpe, tudo aconteceu ao contrário do que eu
esperava, mas eu não sei ficar quieto, quando eu tenho PÓLIA.
Eu também já sabia isso...
que falar!

PÓLIA (quase sussurrando) NIL


Você também já sabia?... Ah, como é bom viver
Tanto faz... tanto faz... Que é que eles são pra
mim? Tanto faz... na Terra... Não é que é bom viver?

NIL PÓLIA
Eu sei que você me ama, eu vejo... já nem per- É, meu amigo querido!... meu homem bom!...

LO 111
NIL
Como você diz isso bem! ...

PÓLIA
Bem. Mas não fique me elogiando. Não precisa. Eu
preciso ir embora... eu preciso ir embora... se al-
guém chega...

NIL
Ora, que chegue...
ATO [TI
PÓLIA
Não vi tua mãe... eu preciso... me beija outra
vez. (Escapando dos braços de Nil, passa correndo em
frente de Tatiana, sem percebê-la. Nil, seguindo-a com
um largo sorriso no rosto, vê Tatiana e se detém na
sua frente. Surpreendido com a sua presença, e ao
mesmo tempo revoltado. Ela também fica em silêncio,
olhando-o com um sorriso turvo que lhe desfigura o
rosto.)

NIL (com desprezo)


Então você estava ouvindo escondida”... Você es-
tava espionando?... (Sai rapidamente. Tatiana fica
imóvel, como que petrificada. Ao sair, Nil deixou a
porta aberta. Chega à sala um grito do velho Besseme-
nov: “Stepânida, quem foi que esparramou o carvão?
Você por acaso não enxerga? Vamos, recolha!” ...)

112
Mesmo cenário. E de manha. Stepânida
espana os móveis.

AKOULINA (lavando as xícaras de chá)


Stepânida, a carne de hoje não está muito gorda.
Você faz o seguinte: deve ter sobrado gordura do as-
sado de ontem. Ponha na sopa, assim ela vai ficar pare-
cendo mais gorda. Está ouvindo?

STEPÂNIDA
Estou.

AKOULINA
E, quando você fizer o assado de vitela, não vá entu-
pir de manteiga. Quarta-feira comprei cinco libras, e
quando fui ver, ontem, não havia mais nada.

STEPÂNIDA
Isso quer dizer que a manteiga foi usada.

AKOULINA
Claro. .. olhe só quanta no seu cabelo.

115
STEPÂNIDA
Será que AKOULINA
pelo cheiro a senhora não percebe que é
óleo de lamparina? É, mas essa felicidade meus olhos não vão ver...
Tânia não quer casar...
AKOULINA
STEPÂNIDA
Bom... estã bem... (Silêncio.) Aonde foi que a Como, não quer? Na idade dela, não quer?
Tânia a mandou hoje de manhã?
AKOULINA
STEPÂNIDA Pois é... Quem foi que visitou a nossa inquilina
A farmácia, comprar amoniaco. “Vá”, me disse ela, ontem à noite?
“va lá e me compre vinte copeques de amoníaco”.
STEPÂNIDA
AKOULINA O professor, aquele de cabelo de fogo...
Eia deve estar com dor de cabeça. (Suspirando) Vira
e mexe. fica doente... AKOULINA
Ah, aquele que a mulher dele fugiu? . .
STEPÂNIDA
A senhora devia casá-la. Ficaria boa num ins- STEPÁ NIDA
tante... Garanto! É, ele mesmo. E estava também aquele fiscal, aquele
amarelento, magricela...
AKOULINA
Pensa que é fácil casar uma moça hoje em dia? AKOULINA
Ainda mais uma moça preparada... Ah, sei, aquele cuja mulher é sobrinha do co-
merciante Pimenov. Dizem que é tuberculoso...
STEPÂNIDA
Com um bom dote, sempre aparece alguém
STEPÂNIDA
que
aceite. Mesmo ela sendo preparada... A gente olha e já vê na cara.

(Piotr aparece na porta de seu quarto.) AKOULINA


E o nosso cantor, também estava lã?
116
11%
STEPÁNIDA não honra nem o pai nem a mãe com a sua palavra,
É, o cantor também estava lá. E Piotr Vassilievitch
então deixe-me ao menos trocar algumas palavras com
também. O cantor berrava. Cada música... Mugia a empregada...
que nem um boi.
PIOTR
AKOULINA
Mas a senhora não compreende que ela não é igual
A que horas que o Pétia voltou?
a nós... O que é que ela pode dizer de interes-
sante...
STEPÂNIDA
Quando abri a porta para ele, o dia estava cla- AKOULINA
reando! E você, o que diz de interessante? . . . Faz seis meses
que você voltou de Moscou e ainda não contou pra
AKOULINA sua mãe como é, como não é...
AL di, 61,
PIOTR
PIOTR (entrando) Mas, escute, mamãe. ..
Vamos, Stepânida, faça depressa o seu trabalho e vá
embora. AKOULINA
Quando fala comigo é só pra criticar: isso não se
STEPÂNIDA faz, aquilo está errado. .. Como se a mãe fosse uma
Já vou, já vou. Eu também estou com pressa! boba. repreendendo como se ela fosse uma me-
nina!... (Piotr faz gesto de indiferença e sai rapida-
PIOTR mente pela porta principal.) Olha só como conversou
Nesse caso, trabalhe comigo! (Enxuga os olhos com a ponta do avental.)
mais e fale menos. (Stepânida
sai.) Mamãe, quantas vezes eu já pedi para a senhora
PERTCHIKIN (entra com as roupas rasgadas e sujas,
não ficar de conversa com ela. A senhora compreende,
usa uma corda no lugar do cinto. Sa-
não fica bem essas conversas intimas com uma cozi-
patos de cortiça, arrebentados; traz
nheira. A senhora não vai aprender nada.
um gorro de peles na cabeça)
Que cara de poucos amigos! É por causa do Pétia.
AKOULINA Ele passou por mim voando, nem me cumprimen-
E com você, o que é que vamos aprender? Se você tou... A Pólia está aqui?
118 119

E"
AKOULINA (suspirando) PERTCHIKIN
Está na cozinha, picando couve. Então, está ótimo... Nessa terra, os homens tiram
o pão, uns da boca dos outros. Eu não, eu pego o pão
PERTCHIKIN diretamente do ar... Me alimento das aves que voam
Ai está! Os passarinhos têm uma excelente organi- no céu.
zação. Mal aparecem as penas, saem voando pelos
quairo cantos! Nem pai nem mãe seguram mais... AKOULINA
Não sobrou um chazinho pra mim? E esse tal do casamento, é pra logo?

AKOULINA PERTCHIKIN
Eh, você só fala em passarinho: até parece que é um Casamento de quem”?
deles!
AKOULINA
PERTCHIKIN Da sua filha, ora. Olhe só. ele se faz de inocente!
Isso mesmo... e vivo muito bem. Não tenho nada,
não incomodo ninguém, é como se eu vivesse não na PERTCHIKIN
terra mas no ar... Da minha filha? Pois, quando ela quiser, eu a
caso... quando houver com quem...
AKOULINA (superior)
Só que ninguém o respeita. Tome, beba! O chá está AKOULINA
um pouco frio, está meio aguado... Deixe de brincadeiras! Essa história já vem de
muito tempo?
PERTCHIKIN (pegando o copo de chá e exami-
nando) PERTCHIKIN
Hum... Está bem aguado... mas O copo Que história?
está
cheio. Se fosse mais forte a gente podia ficar atolado
nele, não é? E essa história de respeito, eu peço, por AKOULINA
favor: não me respeitem, que eu não respeito ninguém! Do casamento...

AKOULINA PERTCHIKIN
E quem é que precisa do seu respeito? Ninguém. Que casamento?

120 121

TETE dd
aca

|
Susa TER

RaAnRAnaAaADaAAO
AKOULINA que sempre pensei que Nil ia se casar com Tatiana.

aaa
Mas não tem vergonha, um velho como você se fa- b Palavra de honra. Parecia que ia ser com Tatiana.
zendo de idiota?
AKOULINA (ofendida)
PERTCHIKIN E quem é que ia querer casar Tatiana com ele? Deus
não fique zangada... me me livre! Um moço briguento. ..
Que é isso, mãezinha,
diga do que se trata...
PERTCHIKIN
Você está falando de Nil? Vamos. Se eu tivesse dez
AKOULINA
filhas dava todas as dez pra ele, de olhos fechados. ..
Não vale a pena falar com você...
Nil é capaz de sustentar cem pessoas ao mesmo
ternpo!.. . Nilt...ah,ah,ah...
PERTCHIKIN
Mas, assim mesmo, está falando... Falando o AKOULINA (irônica)
tempo todo... E todo o tempo sem razão... Estou vendo que belo sogro ele vai ter, muito agra-
dável...
AKOULINA (seca e invejosa)
Quando é que você vai casar Pelagéia com Nil? PERTCHIKIN
Sogro,eu? Um sogro que não vai montar no lombo

ia
PERTCHIKIN (levantando-se de um salto, completa- de ninguém... Ah, dá tempo até de dançar à Kama-
mente surpreendido) rinskaia."* Agora eu sou um homem livre... Agora
Com Nil? vou começar a viver... Ninguém vai me ver mais por
aqui Direto pro mato e acabou-se Pertchikin!... Ah,
Pólia! eu pensava: é minha filha, como é que ela vai
AKOULINA viver?... Eu tinha mesmo vergonha na frente dela. Eu
Então você não sabia de nada mesmo. Ah, essa ju- | dei a vida pra ela, mas que mais eu dei... E agora...
ventude de hoje. .. ao seu próprio pai... É
agora... Agora vou pra onde eu quero! vou até o fim
do mundo caçar o pássaro de fogo! E acabou-se Pert-
PERTCHIKIN (feliz) chikin!
Verdade”? Você não está brincando? Ah, peste! com
Nil!... É verdade?... Ah, diabo! Ah, essa Pólia! ARKOULINA
Verdade? Você não estã mentindo? Essa é boa! E eu Você não vai, não. Ninguém foge da felicidade. ..
i
122 | 123
PERTCHIKIN BESSEMENOV (tranquilo e mau)
Felicidade? Pra mim a felicidade é justamente ir... Ouça o que eu tenho a dizer, “meu amigo” ! Apesar
E Pólia será feliz sim, vai ser muito feliz... claro... de você ser um imbecil, devia saber que não é permi-
com Nil?... Que sorte que eu tenho! (Cantando e tido falar de uma moça com essas palavras. Isso em
dançando) “Minha Pólia, o Nil caçou... Vejam como primeiro lugar! (Levantando aos poucos a voz) Em se-
trabalhou !...” gundo lugar, não quero saber de sua filha, não quero
saber pra quem é que ela olha e nem quem olha pra
BESSEMENOY (entrando com o chapéu na mão) ela. Nem que espécie de moça ela é! Só uma coisa:
se ela se casar com Nil é bem feito. Porque os dois
Outra vez bébedo?
não valem nada. Apesar de me deverem muito, eu
cuspo na cara deles! Isto em segundo lugar. E agora,
PERTCHIKIN
terceiro: nós somos mais ou menos aparentados. Olhe
Sim, bêbedo de alegria! Você já sabe? Pelagéia, um pouco pra você: o que é que você é? Um vaga-
hein? (Ri gostoso.) Ela vai se casar com o Nil? Hein?
bundo, nada mais. E me diga uma coisa: quem é que
Hein?
lhe deu permissão pra vir aqui, uma casa decente, em
farrapos e de chinelos?
BESSEMENOY (fria e asperamente)
Não temos nada com isso. O que é nosso nós va- PERTCHIKIN
mos cobrar. O que foi que houve, Vassíli Vassilieviteh? Que é
que você tem, irmãozinho? Essa não é a primeira vez
PERTCHIKIN que eu venho aqui assim...
E que eu pensei sempre que o Nil ia se casar com
a Tatiana! BESSEMENOV
Eu não contei as vezes, nem quero contar. Só sei
BESSEMENOV que se você se apresenta aqui neste estado é porque
O que? você não tem o mínimo respeito pelo dono da casa.
Mais uma vez eu lhe pergunto, quem é você? Um menti.
PERTCHIKIN roso! Um maltrapilho! Agora, fora daqui.
Palavra de honra! Via-se bem... Ela não desgos-
tava dele, não... Olhava pra ele de um jeito... PERTCHIKIN (aturdido)
E,
você sabe... De repente... Mas por que, Vassíli Vassilievitch, por quê?

124 125
NA
mega dio
BESSEMENOV AKOULINA

Terme
Fora daqui! Não venha com conversa. Que é que estã dizendo, paizinho! E por quê?...
Mas quem sabe...
PERTCHIKIN
Pense um pouco. Que é? Que foi que eu fiz? BESSEMENOYV
Nem quem sabe,nem meio quem sabe... Fedka Do-
siekin, presidente do sindicato dos serralheiros, está
BESSEMENOV
sendo indicado para o cargo... bandido.
Fora daqui, senão...

AKOULINA
PERTCHIKIN Mas talvez não o elejam... Não fique preocu-
Ah, velho, se você soubesse que pena eu tenho de pado...
você! Adeus!
BESSEMENOV
Vai ser eleito. sim. . . Tudo indica isso. ... Ontem
(Bessemenov se recompõe e vai em dire- eu cheguei ao Conselho municipais, e lá estava Fedka
ção ao quarto de Tatiana com passo Dosiekin, fazendo demagogia. .. Dizendo que os ope-
firme e pesado. Está desconfiado, som- rários precisam se unir, que a vida é difícil, que é pre-
brio. Suas mãos tremem, ela murmura ciso fazer tudo em comum... Que é preciso formar
alguma coisa.) cooperativas... “Agora só existem fábricas”, dizia
ele, “os artesãos não podem ficar trabalhando cada um
no seu canto”... Então não consegui me conter e
BESSEMENOV
disser “Nada disso. São os judeus que têm culpa. É
Que é que você está resmungando? Bruxaria?
preciso deportar os judeus. São eles que atrapalham a
vida dos russos”. (Tatiana abre lentamente a porta e,
AKOULINA sem ruído, passa para seu quarto.) E sabe o que ele
Eu estou rezando. paizinho. .. rezando... me respondeu? “E onde vamos mandar os russos, que
são piores que os judeus?” E começou a fazer alusões
BESSEMENOV contra mim... Eu me fiz de desentendido, mas percebi
Sabe... Não vou mais ser prefeito! Estou vendo muito bem onde ele queria chegar... Escutei um
que não vou ser eleito. . . canalhas. pouco, e depois me afastei. .. “Espere um pouco, não

126
rqca
perde por esperar”, pensei... E aí, Mikhail Krioukov

irposeates
chegou perto de mim, e me falou que era bem possível AKOULINA
que esse Dosiekin fosse eleito prefeito... Pelo carvão, trinta e cinco copeques...

ELENA (entrando) BESSEMENOV


Bom dia. Vassili Vassilievitch! Bom dia. Akoulina Totalizando noventa e cinco copeques, ao todo. E
Ivanovna! quanto à pontualidade, minha prezada senhora, meus
parabéns!... O mundo inteiro se mantém graças à
BESSEMENOY (seco) pontualidade... O próprio Sol se levanta e se deita
Ah, é a senhora. Faça o favor de entrar... . que de- pontualmente, observando a ordem eterna, desde sécu-
seja? los... E se a ordem é respeitada no céu, com muito
mais razão deve ser respeitada sobre a Terra... A se-
ELENA nhora mesma, quando vence o aluguel, a senhora vem
Vim trazer o dinheiro do aluguel... trazer o dinheiro.

BESSEMENOVY (mais amável) ELENA


Isso é bom... Quanto é que é? Vinte e cinco ru- Eu não gosto de ter dívidas. .
blos... Consta mais do seu débito, quarenta copeques
pelos vidros quebrados no corredor. E também pelo BESSEMENOV
trinco da porta do forro, que a sua cozinheira que- É uma atitude louvável... assim todo mundo vai
brou. .. digamos: vinte copeques! lhe dar crédito...

ELENA (com sorriso forçado)


ELENA
Como o senhor é exato! Se é assim. está bem. Mas
Bem, até a vista! Preciso ir embora.
eu não tenho trocado comigo. .. tome três rublos. . ,

AKOULINA BESSEMENOV
Ah, a senhora também levou carvão emprestado... Nossos respeitos. (Olha-a sair e fala) A vagabunda
um saco inteirinho... é bonita! O que não impede que eu a ponha pra fora!
Ela ficando aqui, Piotr corre perigo.
ELENA
Quanto pelo carvão? AKOULINA
Paizinho!
128
129
ris
BESSEMENOV
BESSEMENOV Deve ter sido o gato...
Mas, na verdade. .. Enquanto ela está aqui, nós po-
demos vigiá-la! Se se muda, Pétia começara a ir à casa AKOULINA (indecisa)
dela, fora da nossa vista, e ela o agarrarã com mais Sabe, paizinho. .. Eu queria dizer uma coisa...
facilidade... E é preciso levar em consideração que
ela paga com pontualidade... E paga, sem protestar.
BESSEMENOV
por qualquer estrago... Mas para Piotr, é claro..., Pale...
é perigoso, muito perigoso...
AKOULINA
AKOULINA
Você não foi muito severo com o Pertchikin? Ele
Mas talvez ele nem sonhe em se casar com ela... é é inofensivo...
só assim. .
BESSEMENOV
BESSEMENOV Bem, se é inofensivo, não vai se ofender... e se
Ah, se fosse só assim, como você fala... então não se ofender... e se se ofender, ninguém vai chorar por
haveria motivo para ficar preocupado... Eu acho causa disso... Não é uma honra assim tão grande ele
mesmo que é muito melhor ele ter tudo aqui, à mão; frequentar a nossa casa... (O gemido se repete mais
melhor do que freqlentar as casas de tolerância... é
forte.) Quem será? O que é isso, mãezinha?...
até melhor.
(Do quarto de Tatiana vem um ge- AKOULINA (agitando-se inquieta)
mido rouco.) Não sei. O que será?

AKOULINA BESSEMENOV (precipitando-se ao quarto de Piotr)


Eh? Parece que vem daqui! Piotr !

BESSEMENOV AKOULINA (correndo atrás dele, nervosa)


O que foi isso? Petia! Pétia! Pétia!..

AKOULINA (olha para todos os lados, como se esti-


TATIANA (grita, voz rouca)
vesse escutando alguma coisa)
Me salvem!... Me salvem!... Mamãe!... (Bes-
Parece no vestíbulo...
131
130
semenov e Akoulina saem do quarto de Piotr e correm
PIOTR (soltando-se)
na direção dos gritos. Param um instante, como se não
Me larga! Me larga!...
se decidissem a entrar no quarto. Ouve-se Tatiana gri-
tar) Está me queimando... ailai!ai! Estou passando
TETERIEV
mal!... Água... Preciso de água... Me salvem... Um incêndio?
Me dêem de beber... Ai! como queima!...
BESSEMENOV
AKOULINA (saindo correndo do quarto, abre a
Um médico! Chamem um médico! Piotr, chame um
porta do vestíbulo)
' médico, por vinte e cinco rublos. ..
Deus misericordioso! Pétia! (Escuta-se do quarto de
Tatiana a voz surda de Bessemenov.)
PIOTR (saindo do quarto de Tatiana, para Teteriev)
Um médico, rápido, um médico... Diga que uma
BESSEMENOV moça se envenenou... uma moça... com amo-
Que é que você tem? Minha filha, o que é que você níaco... rápido, rápido...
tem? O que é que te aconteceu? Filhinha minha...
(Teteriev corre ao vestíbulo.)
TATIANA
Água... água... Eumorro... Está tudo me quei- STEPÂNIDA (entra correndo)
mando... Meu Deus!...
Paizinhos... paizinhos...
AKOULINA
Venham... venham aqui... TATIANA.
Pétia... estou ardendo... estou morrendo...
BESSEMENOV (do quarto) quero viver! Viver!... Água... me dêem de be-
Corram... Chamem o médico! Der, «o

PIOTR (correndo) PIOTR


Que é que estã acontecendo? Quanto você bebeu? Quanto foi? Fale !...

AKOULINA (agarrando seu braço) BESSEMENOV


Tania. .. está morrendo, está morrendo... Minha filhinha, Tânia... Tanietchka...
132
133
AKOULINA
Você se destrói, minha pombinha...
confundem os gritos de Tatiana com os do pai; e com
as palavras nervosas de Piotr. Barulho de vidros. Uma
cadeira que cai. A cama range. Stepanida, rapida-
PIOTR
mente, cabelos desarrumados, boca aberta, olhos enor-
Mamãe, vá embora daqui! Stepânida. leve mamãe
mes, sai correndo do quarto, pega guardanapos no ar-
daqui! Saiam todos, estou dizendo... (Elena passa
mário, copos, quebrando alguns, e desaparece. Caras
correndo em direção ao quarto de Tatiana.) Levem ma-
desconhecidas aparecem na porta. Mas ninguém chega
mãe daqui... (Entra uma mulher, se detém junto à
a entrar. Depois um pintorzinho de casas vai a porta
poria, olha para dentro, murmura qualquer coisa.)
do quarto de Tatiana, entra e volta depressa, falando
com voz baixa: “Ela estã morrendo!” Ouve-se o rea-
ELENA (trazendo Akoulina pelo braço)
lejo no pátio. Pára lógo. As pessoas começam desorde-
Não é nada grave, não há perigo nenhum...
nada conversa:*'Morreu?” “O pai. ..Foio pai!” “Cui-
dado!...” “Na cabeça, direto na cabeça...” “Não
AKOULINA
sabe com quê?...” “Ou que é que você está inven-
Minha filhinha! Minha pombinha!... Em que é
que eu a ofendi? Em que é que eu lhe desagradei?... tando? . ” “Por que, vocêsabe?. . “É mentira, ela se
enforcou com as próprias mãos 1”... Uma voz de mu-
lher pergunta: “Será que era casada?” Alguém res-
ELENA
Isso passa logo, o doutor já vem... vai curá-la ponde com compaixão.)
Ah, que desgraça !... A MULHER (sui do quarto dos velhos e, passando
perto da mesa, apanha um pão, escon-
A MULHER (segurando Akoulina pelo outro braço) dendo-o debaixo do avental. Aproximan-
Não chore, mãezinha. .. podia ser pior... Ah, coi- do-se da porta, fala)
tadinha... sabe, na casa do comerciante Sitanov, o Silêncio, está agonizando. ..
cavalo ficou louco e deu um coice nas costas do co-
cheiro... VOZ DE HOMEM
Como é que ela se chama?
A KOULINA A MULHER
Ah, minha queridinha... Que é que vou fazer Lisabetha...
agora?... Que vai ser de mim?... Minha única fi-
lha!... (Levam Akoulina. No quarto de Tatiana se VOZ DE MULHER
E por que foi que ela. .
134
A MULHER
A MULHER Eu, paizinho, eu ia até a casa de Semiaguin, minha
Foi porque, um pouco depois da festa da Assunção, comadre... caí...
o pai disse pra ela: “Lisabetha.. .” (Um movimento
da multidão. Entra o médico, junto com Teteriev. De TETERIEV
casaco, com o chapéu na cabeça, o médico entra no Está certo, mas que é que a senhora quer afinal?
quarto de Tatiana. Teteriev olha pela porta e se afasta,
sombrio. Do quarto ouvem-se vozes, entremeadas com A MULHER
gemidos. Do quarto dos velhos, chegam os gritos de Eu estava passando. .. aí eu ouvi um barulho...
Akoulina: “Deixem-me, eu quero ficar com ela... me ai, então, eu pensei que era incêndio...
larguem. ..”Do vestíbulo, ruído de vozes. Destacam-se
as exclamações: “É um homem importante...” “É o TETERIEV
cantor do coro. não é?...” “Verdade?” “Palavra!” Eentão...
“Ele cantou no dia de São Jorge !” “Não diga "" “Pala-
vera”. ..) A MULHER
E então eu entrei pra apreciar a desgraça...
TETERIEV (chegando à porta)
Que é que vocês estão fazendo aqui? Vão embora, TETERIEV
que é que vocês estão esperando? ... Vá-se embora! Todos vocês, fora daqui!...
A MULHER (chegando também a porta)
Vão embora, boa gente. .. São coisas que não inte- STEPÂNIDA (correndo, a Teteriev)
ressam a vocês... Traz uma bacia de água. .. depressa, depressa. (Um
velhinho de cabelo branco, com a testa enfaixada, apa-
TETERIEV
rece na porta de entrada e piscando o olho diz a Tete-
E a senhora, quem é? Que é que a senhora quer
riev: “Olha, ela roubou pão de cima da mesa...” Te-
aqui?
teriev se aproxima deles e os empurra para a porta.
A MULHER No vestíbulo, barulho de passos, um garoto grita:
Eu vendo legumes, paizinho, cebolas verdes, pepino, “Ai!” Alguém ri. Outro fala ofendido: “Devagar !”)
alface...
TETERIEV
TETERIEV
Vão todos pro diabo! Fora daqui!
Mas que é que a senhora quer?
137
136
AAAAAAAAAAAA,
PIOTR (aparecendo na porta do quarto de Tânia) TETERIEV
Mais silêncio. (Voltando para o quarto) Vá, pai, fi- Foi o doutor que disse?
car com a mamãe. Por favor, vá! (Grita para sala)
Não deixe ninguém entrar... (Bessemenov sai camba-
leando, senta numa cadeira perto da mesa, olha para
STEPÂNIDA
Foi. sim... Mandou não deixar entrar nem o pai
a frente, abobalhado. Depois se levanta e vai para seu
nem a mãe.
quarto, de onde se ouve a voz de Akoulina.)

TETERIEV
AKOULINA
Ela está melhor?
Então, eu não gostava bastante dela?... Então não
dei bastante carinho aos meus filhos?. ..
STEPANIDA
ELENA Quem sabe? Ela não está gemendo mais. Isso já pa-
Vamos, calma... Fique calma. rou. Está toda verde, com os olhos esbugalhados. .
deitada, nem se mexe. (Reprovando) Mas eu quantas
AKOULINA vezes não disse: casem essa menina... casem, nin-
Paizinho... meu amigo... (A porta se fecha, não guém me ouviu... e olhe o resultado. Me diga, com
se ouvem as últimas palavras. A sala fica vazia. O ba- sinceridade, se uma moça pode ficar sem marido na
rulho vem dos dois lados ao mesmo tempo: vozes do idade dela? E ainda por cima ela não acredita em

sanar
quarto dos velhos, murmúrio e gemidos do quarto de Deus... nenhuma oração... olhe o resultado...
Tatiana. Teteriev entra trazendo uma bacia de água.
Coloca a bacia junto à porta e bate com cautela. Stepã- TETERIEV:
nida abre a porta do quarto de Tatiana, pega a bacia, Chega de praguejar, corvo !
entra, sai novamente, limpando o suor do rosto).
ELENA (entrando)
TETERIEV Eentão?...
Então?
TETERIEV
STEPÂNIDA Não sei... parece que o doutor disse que não hã
Parece que não foi nada. perigo...

138 139
ELENA
Os velhos estão arrasados. . . dá até pena olhar pra (Pausa) Quando eu... Quando eu vejo uma coisa
eles... (Teteriev dá de ombros, sem responder.) dessas... eu sinto crescer em mim tamanho ódio da
desgraça...
STEPANIDA
Ah, meu Deus, estava me esquecendo da cozi- TETERIEYV (com um sorriso)
nha... É louvável...

ELENA ELENA
Mas por quê? O que está acontecendo. .. Pobre Tã- Ah, você me compreendeu. Você me com-
nia! Como deve estar sofrendo... Será que dói preende... Eu gostaria de agarrá-la e atirá-la aos
muito? Muito mesmo?... Que coisa horrível! meus pés, e esmagá-la!...

TETERIEV TETERIEV
Não sei. Amoníaco eu ainda não bebi... Quem?

ELENA ELENA
Como é que o senhor pode brincar? A desgraça, é claro!... Eu não tenho medo dela,
mas eu a detesto. .. Eu gosto de viver, de alegria de
TETERIEV gente... eu gostaria de ter sempre gente feliz perto de
Eu não estou brincando. mim...

ELENA (aproximando-se da porta do quarto de Piotr) TETERIEV


E Pétia... Piotr... Piotr Vassilievitch, não está no Mais louvável ainda. .
quarto dela?
ELENA
TETERIEV Sabe... eu vou confessar uma coisa... Sou muito
E provável,
já que não saiu de lá... dura, muito insensível. .. Eu não consigo gostar das
pessoas infelizes. .. O senhor entende, existem pessoas
ELENA (preocupada) que se sentem infelizes sempre: ponha sobre a cabeça
Posso imaginar como isso está repercutindo nele... dessas pessoas o Sol em vez do chapéu, enfim, a coisa
mais deslumbrante do mundo... e elas continuarão
140
141
NARANNANAAACLALLNAAANANTANHA:
a se queixar: “Ah, como eu sou desgraçado, como eu TETERIEY
vivo só, ninguém me dá atenção, a vida é triste, angus- Nem sempre. .. E quem sabe é preciso não ter pena
tiante, entedia, começa e recomeça...” Quando eu nunca... melhor é ajudar...
vejo esse tipo de gente, eu sinto uma vontade má de
fazê-las mais desgraçadas ainda !... ELENA
Não é possível ajudar a todos. E sem a gente sentir
TETERIEY pena, não pode ajudar...
Minha cara senhora, agora é minha vez de confes-
sar: não suporto ouvir mulher filosofando, mas quando TETERIEV
a senhora filosofa, eu sinto vontade de beijar suas Minha cara senhora, eu filosofo de outra maneira.
mãos... O que eu digo é que-os sofrimentos vêm dos desejos.
Nos homens existem desejos que merecem todo o res-
ELENA (maliciosa) peito. E existem outros que não merecem respeito ne-
Só quando eu filosofo?... (Percebendo) E eu brin- nhum. É preciso ajudar a satisfazer os desejos do
cando enquanto lá dentro está uma pessoa so- corpo, os que são imprescindíveis, para que o homem
frendo... seja sadio e forte.

TETERIEV (apontando com o dedo a porta dos ve- ELENA (sem escutá-lo)

seEs
lhos) Talvez... mas o que é que está acontecendo
Eles também estão sofrendo; em toda parte, em ali?... Será que ela conseguiu dormir?... Que silên-

pega
qualquer direção que você aponte, o homem está so- cio... Acho que estão sussurrando alguma coisa...

RS e
frendo... Issojá éum hábito... Os velhos também se foram, estão quietos no seu
canto... Como é estranho !... De repente, gemidos,
ELENA gritos, soluços, um vaivém... De repente, silêncio,
O que não o impede de sofrer menos... imobilidade...

TETERIEV TETERIEV
Certo!... Assim é a vida... Os homens gritam, se cansam
e se calam... descansam e recomeçam a gritar...
ELENA Mas aqui, nesta casa, tudo se interrompe muito de-

NA
E a gente precisa ter pena... pressa. Tanto os gritos de dor, como os gritos de ale-

142 143
gria... Todos os abalos aqui são como pauladas na
lama... eo último som será sempre o da mesq res berrantes e alegres... eu me vestia só para agradá-
uinha-
ria, triunfante e furiosa... Ela terá sempre los, da maneira mais vistosa possível. .. (Suspirando)
a última
palavra... Era bom estar com eles... Nem senti passar aqueles
três anos, e quando meu marido morreu. acho que cho-

meme
ELENA (pensativa) rei menos por ele do que pela cadeia. .. Meu coração

finas
Quando eu vivia na prisão era muito interes- ficava pesado só de pensar em abandoná-los... Os
sante... meu marido era um grande jogador de car- presos também viviam tristes... Mas aqui nesta ci-
tas... bebia muito e ia sempre caçar... A cida dade, não... não vivo bem, não... essa casa tem al-
dezi-
nha era muito provinciana... as pessoas guma coisa de mau... Não são as pessoas que são
tinham
sempre o ar de estar em disponibilidade... más... é outra coisa... estou me tornando muito
eu ecra li-
vre... não ia a lugar nenhum... não triste! (Pausa.) Veja, estamos sentados conversando e
recebia visi-
tas... Sabe o que fazia? Vivia com os prisionei- pode ser que ai do lado alguém esteja morrendo...
ros!... São mesmo gente muito boa, na
intimidade... gente tremendamente engraçada, sim- TETERIEYV (tranquilamente) Ê
ples, delicada... juro! Quando eu olhava pra eles. E a senhora não tem pena dela...
achava impossível que um fosse assassino,
outro la-

emma
drão, outro outra coisa qualquer... Às vezes
eu per- ELENA
guntava: “Você matou”” — “Sim, mãezinha Elena
Ni- O senhor não tem pena?
kolaievna, eu matei... que é que se vai fazer
)” Me
parecia que esse assassino tinha deixado cair
sobre si TETERIEV
a culpa de um outro... que ele era uma pedra
jogada E asenhora?...
por alguma força estranha... Eu comprava tudo
quanto era revista... livro... dei, pra cada um.
um
jogo de damas e um baralho... dava tabaco, vi-
ELENA
nho... mas só um pouco... Nos passeios, É, o senhor tem razão... isso não está certo. eu
eles joga-
vam bola, amarelinha. . . palavra de honra! sei... Mas eu não sinto que não esteja certo... Sabe.
Às ve-
zes “eu lia uns livros cômicos e eles riam eu tenho muito mais pena do Piorr do que dela...
como
crianças... Comprei passarinhos, e como Sempre tive pena dele. .. ele está mal aqui, não está?
me ama-
vam... ficavam muito contentes quando
eu punha
uma blusa vermelha, amarela. .. Eles adoravam TETERIEV
as co-
Todos estão mal aqui.
144
ALLALAÇLANAANAAÇHAL
ar
= poa ago
esse olhar? Sempre a mesma coisa? Por que? (Aproxi-
PÓLIA (entrando) mando-se dele, severa) O senhor me acha culpada

ae
Bom dia! disso?

ELENA (levantando-se e aproximando-se dela) TETERIEYV (com sorriso forçado)


Silêncio. Fale baixo. .. Sabe... Tatiana se envene- Você sente a consciência culpada?
nou...
PÓLIA
PÓLIA | Sinto cada vez mais... que não gosto do senhor.
O quê? Ela... ela vai morrer?... Me diga, comoé que aconteceu isso?

ELENA TETERIEV
Ninguém sabe nada. Ontem a noite lhe deram um pequeno empurrão e,
como ela é fraca. .. hoje caiu! É só isso!
PÓLIA
Mas por que? Ela disse por quê?. .. Ela disse. não? PÓLIA
Não é nada disso...

Não sei... Não... TETERIEV


O que?
PIOTR (aparecendo na porta)
Elena Nikolaievna, venha ajudar aqui um instante, PÓLIA
por favor. (Ela sai rapidamente.) Eu sei o que o senhor está pensando. Não é verdade!

AA
Nil...
PÓLIA (a Teteriev)
Por que é que o senhor está me olhando assim? TETERIEV
Nil? O que é que Nil tem a ver com isso?
TETER!EV
Quantas vezes você já me perguntou isso? PÓLIA
Nem ele nem eu... Nós não temos nada com isso.
PÓLIA O senhor... não, eu sei... o senhor está me acu
A culpa é minha se o senhor me olha assim? Sempre
147
146
ii ini aipim
sando. E dai? Eu amo Nii e ele me ama. E isso há MÉDICO
muito tempo! Obrigado... Ela ficará na cama por uns cito
dias... Há poucos dias tive urn caso interessante...
TETERIEY (seriamente) um pintor do sindicato, completamente embriagado,
Eu não estou acusando você de nada. É você mesma em vez de beber cerveja, tomou álcool puro...
que está se acusando e já está se justificando ao pri-
meiro que aparece. Por quê? Eu a respeito muito... (Entra Bessemenov; pára na poria do
Quem é que sempre a aconselha a deixar de vir a essa quarto, olha inrerrogativamente o mé-
casa, essa casa doente? . dico.)

PÓLIA PIOTR
pm me

E então?... Não se assuste. pai, não há perigo.


mi

TETERIEY MEDICO :
e

Então nada... Só que, se você tivesse deixado de Sim, não se assuste. Dentro de poucos Gias ela po-

vir aqui, não estaria passando por isso... derá se levantar...


eee

PÓLIA /
——

BESSEMENOYV
Sim... Mas como foi que ela... É grave? Com Verdade?
o que foi?
+

MÉDICO
TETERIEV Sim, sim, não se preocupe.
Não sei. (Aparecem Piotre o médico.) E então?
BESSEMENOYV
MÉDICO Bem, muitissimo obrigado! Se é mesmo verdade...
Não é nada. Agora é só nervoso. Ela bebeu muito que ela não corre perigo... muito obrigado!...
pouco... Só um pouco de amoníaco penetrou no estó- Piotr, um instante...
mago, muito pouco. mas ela vomitou logo.
(Piotr se aproxima do pai; Bessemenov
PIOTR faz com que ele passe em sua frente, os
O senhor estã cansado, doutor; sente-se um pouco, dois entram no quarto do velho; ou-
por favor. vem-se sons de moedas.)

148 149
02102A40A042090000
TETERIEV MÉDICO
E o pintor” Sim?

MÉDICO TETERIEV
Quem? Sim, lembro sim. Quando eu comecei a me sentir
melhor, pedi ao senhor que me aumentasse a alimenta-
TETERIEV ção diária. Mas o senhor fez uma cara feia e me disse:
Que aconteceu com o pintor? “Fique contente com o que tem. Temos muitos aqui
como você, bêbedos e vagabundos...”
MÉDICO
Ah, sim. o pintor... Não aconteceu nada. sarou. . MÉDICO (confuso)
Hum... Parece que eu conheço o senhor de algum Me desculpe, .. mas... o senhor me desculpe. .
o seu nome eu... sou o Dr. Nikolai Troierukov...
lugar. sera?

ee...
e.
TETERIEV
TETERIEYV (aproximando-se dele)
É possível...
E eu, eu sou o bébedo inveterado. Cavaleiro da
Grande Ordem da Serpente Verde,'º Terênti, Palavra

AnAaAAaA
MÉDICO de Deus. (O médico recua.) Não tenha medo, não vou
O senhor não estava na barraca dos doentes de tifo? bater.

TETERIEV
(Teteriev passa pelo médico que, con-
Sim. estive... realmente estive... * fuso, observa-o abanando-se com o cha-
péu; entra Piotr.)
MÉDICO (com alegria)
Ah. aí esta, é isso! Eu sabia que tinha visto seu rosto MÉDICO (olhando a porta do vestíbulo)
em algum lugar... Desculpe. mas isso não foi na pri- Bem, adeus, estão me esperando... Se ela se quei-
mavera? Acho que sou capaz de lembrar seu nome... xar de dores, dêem mais algumas gotas do remédio...
não serão dores muito fortes... Adeus!... Ah, por

nda
TETERIEV favor. esteve aqui... um senhor tão estranho... E
Eu também me lembro do senhor... parente dos senhores?...

150 151
PIOTR
BESSEMENOV
Não. um pensionista...
Nossa filha se envenenou, compreende? É sobre isso
que se vai falar na cidade! Nós lhe fizemos algum mal?
MÉDICO Eu suporto tudo por meus filhos. Mas... por que ra-
Ah. sim... muito agradecido... É um homem su- zão? Se nós soubéssemos... Os filhos... eles vivem
mamente estranho... Adeus!... Muito obri- calados. . . que se passa com eles? Ninguém sabe. Isso
gado! ,..
dói...

(Sai. Piotr acompanha-o. Bessemenov e


AKOULINA
Akoulina saem de seu quarto, cautelo-
Sim... pra mim também dói... Maseu sou a mãe.
samente, sem barulho. Aproximam-se não é? Compreendo. sim, mas que podemos fazer? O
do quarto da filna.)
essencial é que estejam sãos e salvos...

BESSEMENOY PÓLIA (saindo do quario de Tatiana)


Espere, não vá... Não se escuta nada... Ela deve Psiu! Ela esta dormindo...
estar dormindo. .. (Leva a velha para um canto, perto
do baú.) Estamos em maus lençóis, mãezinha. Os boa-
BESSEMENOY (levantando-se)
tos vão correr pela cidade.
Como é que ela está? Podemos entrar?
AKOULINA AKOULINA
Pai, o que tem? Que é que você está dizendo”? Deixe, Eu eniro sem fazer barulho... Opaieeu...
deixe todas as trombetas anunciarem o que quiserem.
Importante é que ela esteja viva!... Deixe que batam PÓLIA
todos os sinos...
O doutor não quer que ninguém entre.
BESSEMENOV
BESSEMENOVYV (descompondo)
Sei, sei... só que você não pode compreender. Isso O que é que você sabe?... Você não estava aqui
é uma desonra para nós dois...
quando o doutor chegou...

AKOULINA '
PÓLIA
Mas que desonra?
Elena é que me disse.
152
DCNCCLANALALALCLLFLPNAAANAAAAÇÇAL
BESSEMENOV
bundo... mas você lhe deve obediência. Você, por
Ela está lá dentro? Olhe só, os estranhos podem!
exemplo... é uma moça pobre... você devia ser mo-
Mas o pai e a mãe não deixam entrar! Formidável!
desta... afetuosa, humilde com todos... pois bem,
você se mete a raciocinar... a imitar as pessoas ins-
AKOULINA truídas... e... e... você vai se casar, enquanto
Vamos ter que almoçar na cozinha para não inco- .
aqui, uma pessoa que por pouco não morreu.
modar a Tânia. Minha filhinha querida. A gente não
pode nem dar uma olhadinha... (Fazendo gesto de
desespero com a mão, vai para o vestíbulo. Pólia está
PÓLIA
Não compreendo o que o senhor está querendo dizer
apoiada no armário com os olhos fixos no quarto de com tudo isso... . e por que...
Tatiana, tem o semblante enrugado, os lábios aperta-
dos, está toda tensa. Bessemenov está sentado à mesa BESSEMENOYV (aparentemente tendo perdido, ele
como se esperasse alguma coisa.) mesmo, a continuidade do seu pensa-
mento, se irrita)
PÓLIA (lentamente) Pense um pouco. Se eu estou falando para que você
Meu pa! esteve aqui hoje? compreenda! Quem é você?... E mesmo assim vai
se casar... E minha filha. .. Que é que você esta fa-
BESSEMENOV zendo plantada, aí, sem fazer nada... Vá pra cozi-
Não é seu pai que você está procurando! Que é que nha! Veja se faz alguma coisa! Eu fico de guarda aqui
lhe interessao seu pai? Eu sei o que lhe interessa. (Pólia na porta... (Pólia o encara perplexa e vai sair.) Es-
o encara assombrada.) Seu pai esteve aqui, sm... pere aí... agora mesmo andei dando uns gritos com
sujo... maltrapilho. sem um mínimo de decência... seu pal! cs
mas, mesmo assim, você tem que ter respeito por ele.
PÓLIA
PÓLIA Por quê?
Eu tenho respeito por ele... muito... Por que o
senhor está dizendo isso? BESSEMENOYV
Não é de sua conta! Vá, vá embora! Va! (Pólia
se retira espantada. Bessemenov se aproxima da porta
BESSEMENOYV
de Tânia, abre e lança um olhar para o quarto. Elena
Para que você compreenda... Seu pai é um vaga- vem saindo e o afasta dali.)

155
ELENA PIOTR (sentando-se do lado dela)
Não entre, não. Eu acho que ela está dormindo. O Eu também. . . tenho pena de mim.
senhor pode incomodar. ..
ELENA
BESSEMENOV Você precisa sair daqui.
E... mas a nós todo mundo pode incomodar, não
é? Isso não tem nenhuma importância, não é? PIOTR
Se preciso!
ELENA (estranhando)
Que é que o senhor está dizendo? Ela está ELENA
doente... Como é que você gostaria de viver? Me fale. Eu
sempre lhe pergunto e você nunca me responde,
BESSEMENOV
Eu sei... sei de tudo... (Bessemenov vai para o PIOTR
vestíbulo. Elena sacode os ombros. Vai até a janelc e Ê difícil falar com sinceridade. -
se senta no divã com as mãos junias atrás da cabeça,
reflete; esboça um sorriso, sonhadora, fecha os olhos; ELENA
Piotr entra, sombrio; sacode a cabeça como se quisesse Comigo?
se libertar de algo. Vê Elena e se detém.) |
PIOTR
ELENA (sem abrir os olhos) Com você também. Eu sei lá o que é que você ia
Quem é que está aí? pensar de mim. O que você ia pensar das coisas que
eu podia dizer. Às vezes tenho a impressão que
PIOTR VOCÊ...
De que é que você está rindo? É estranho ver uma
cara risonha depois do que aconteceu... ELENA
Que eu, o quê?... fale...
ELENA (abrindo os olhos)
Você está cansado? Pobrezinho... eu tenho uma PIOTR
pena de você... Que você está...
156
157
ELENA tem um sentido especial? Por que vivem me acusando
de covarde, de egoista?
Eu estou muito bem intencionada a seu respeito...
muito bem intencionada... Você é meu doce e triste ELENA (afagando a cabeça de Piotr)
menininho. Atormentaram voce”. . . deixaram-no cansado?...

PIOTR (com ardor) PIOTR


Eu não sou menininho coisa nenhuma. Tenho pen- Não, eu não estou cansado. eu estou com raiva,
sado muito... Escute... escute... mediga... você só... Tenho todo o dirsito de viver como eu quero,
gosta, você acha mesmo interessante todas essas idioti- não tenho? Então eu rão tenho esse direito? .
ces do Nil, Chichkin, Tzvetâieva. Você acha que a lei-
tura em comum dos livros “inteligentes”. os espetácu- ELENA (brincando com o cabelo de Piotr)
los para operários... Você acha que tudo isso seja Não sei... isso ainda é um problema muito compli-
realmente uma coisa importante?... pela qual valha cado para mim. Eu só sei responder uma coisa: eu vivo
a pena viver?... mediga!... como posso. fazendo o que quero. E se alguém vem
me convencer de ir para um convento, não vou. juro:
ELENA me atiro num rio, seilá. . |
Meu pombinho... eu não sou uma pessoa prepa-
rada! Não sei falar do que eu não entendo. Não sou PIOTR
uma pessoa séria. Gosto muito deles, do Nil. do Chich- Você passa mais tempo com eles que comigo... €
kin... Eles estão sempre alegres, sempre fazendo al- você gosta muito mais deles do que de mim... eu vejo
guma coisa... Eu gosto muito de gente assim, alegre. isso claramente. Mas eu quero dizer uma coisa...
Eu também sou assim, alegre... Por que é que você posso dizer isso. .. No fundo, eles são vazios...
me pergunta isso? ELENA
Ah! entendo agora: você quer dizer que eu também
PIOTR sou vazia.
A mim, tudo isso me irrita. Se eles acham ótimo vi-
ver assim, se acham nisso um prazer imenso, está PIOTR
bem... eles que continuem assim. Eu não me oponho. Não... você não... você é como uma fonte...
não quero atrapalhar a vida de ninguém. Mas não ve-
nham atrapalhar a minha. Me deixem viver como eu
ELENA
Ah! você acha então que eu sou fria?...
quero... Por que eles acham que tudo que eles fazem

158
a
PIOTR mudar nada, pra criar alguma coisa de novo... eu
Por favor, você continua rindo? Será que sou quero ir embora. ficar só...
assim
tão engraçado? Eu quero viver... eu quero viver...
Ah! como eu sei disso! Quero viver de acordo ELENA (tomando nas mãos o rosto dele)
com
a minha vontade! Repita comigo: “Eu o amo”...

ELENA PIOTR
Mas viva... quem é que o impede? “Eu a amo”... não, você quer brincar o tempo
todo.
PIOTR
Quem? Alguém. Há alguém... ELENA
quando penso que
tenho de viver só, independente... Parece que alguém Não, juro!... eu decidi. seriamente. há muito
diz: impossível! tempo já. Vou me casar com você! Eu acho isso um
pouco errado, não vai ficar muito bem... mas eu
ELENA q uero! Muito...
À voz da consciência?
PIOTR
Mas... como eu estou feliz... eu a amo tanto...
PIOTR
eu preciso tanto de você! (Ouve-se Tatiana gemendo.
Não tem nada a ver com a consciência. Por acaso
Piotr se levanta de um salto Olha em torno de si, per-
eu vou cometer um crime? Elena, eu quero... eu dido. Elena se levanta, trangiúilamente. Piotr diz em
quero só ser livre. .. você me compreende?
voz baixa) É Tânia... e nós aqui...
ELENA (atirando-se sobre ele)
ELENA (passando diante dele)
Não é assim que se diz... é preciso dizer com
mais Nós não estamos fazendo nada de mau...
simplicidade... Quero ajudar você, menino... (Voz de
Mas Tatiana no quarto: “Água... eu quero água... me
por que é que você complica as coisas mais simples? déem de beber... .”)
PIOTR ELENA
E, você tem razão... eu sou uma pessoa fraca. E Eu vou... (Sai, sorrindo a Piotr. Este fica com a
essa vida está acima das minhas forças. Eu sinto cabeça entre as mãos, olha perdido ao seu redor.
a vul-
garidade das coisas, mas eu não tenho força Abre-se a porta do vestíbulo, aparece Akoulina.)
s pra poder
160
161
LALACAAARARAAAA
eam mia
AKOULINA
Pétia, Pétia, onde é que você está?

PIOTR
Estou aqui!

AKOULINA
Venha jantar...
PIOTR
Não vou... estou sem vontade... ATO IV
ELENA (saindo)
Vou pra minha casa! Ele vem comigo! (Akoulina
examina Elena dos pés à cabeça; sai.)

PIOTR (atirando-se nos braços de Elena)


Como está tudo errado. . . ela lá, estirada na cama.
enós...
ELENA

ALAS.
Vamos... que é que há demaunisso? Até no teatro,
depois de um drama, vem uma peça alegre... Na
vida, então, isso é muito mais necessário... (Piotr
abraça Elena, que o leva pelo braço.)

TATIANA (gemendo)
Elena... Elena... Eu quero água... Elesa...
água... me dêem de beber... Elena...

(Pólia entra correndo.)

162
A mesma salta. Entardecer. A sala está
iluminada por uma lâmpada colocada
no centro da mesa. Pólia está prepa-
rando chá. Tatiana, ainda doente, recos-
tada no diva, num canto, em penumbra.
A seu lado, Tzveiáieva, sentada numa
cadeira.

TATIANA (reprovando, lentamente)


Então você acha que eu também não gostaria de
olhar a vida com o mesmo ânimo que você? Ah, se
gostaria. mas eu não posso... eu ja nasci sem fé...
aprendi a falar bem, a julgar as coisas...

TZVETÁIEVA
Mas. minha, querida, você fala bem demais... E
você há de concordar que não vale a pena ser inteli-
gente so para falar bem. Ser inteligente é bom, mas...
sabe. para viver sem aborrecimento, é preciso inventar
um pouco, tem que se saber olhar, é lógico que nem
sempre. mas tem que se saber olhar pro futuro... (Pó-
lia escuta atentamente, carinhosa, pensativa.)

TATIANA
Mas o que é que há, no futuro, pra se olhar?

165
MAnRARANRANAAALArArLALLARANAAAAAÇÇAAA
TZVETÁIEVA
O que você quiser ver... imaginando como vão viver os meus alunos!... Você
vê, Tânia, isso é pouco... mas se você soubessse
TATIANA como isso é bom !...
E... eutinha que inventar...
TATIANA
TZVETÁIEVA E você, você mesma, onde está nisso tudo? Seus alu-
Não... tinha que ter fé... nos vão viver, vai ver que muito bem... mas, € você
mesma... a essa altura já estará...
TATIANA
Em quê? TZVETÁIEVA
Já estarei morta?. .. Que nada! Não, tenho a firme
TZVETÁIEVA intenção de viver muito tempo ainda.
Em sua própria invenção. Sabe, Tânia?... Quando PÓLIA (carinhosa, quase suspirando)
eu olho pros meus alunos, eu penso. .. Olha só o No- Como você é boca e simpática...
vikov, vai acabar o curso, entrar pro ginásio, depois
para a universidade; vai ser médico. É um menino tran- TZVETÁIEVA (sorrindo a Pólia)
quilo, atento, bom... Tem uma testa grande. É muito Sabe, Tânia, eu não sou sentimental, mas quando eu
amoroso, vai trabalhar muito. Tem um futuro enorme penso no futuro, me vem uma tristeza boa. . . Como
pela frente... Todos vão gostar muito dele, vão res- se no meu coração brotasse um claro e alegre dia de
peitá-lo... Eu vejo isso. E pode ser que, quando se outono! Sabe” existem dias assim, no outono! No céu
lembrar de sua infância, vai se lembrar que, um dia, azul, um sol tranqúilo, o ar parado, tudo tão nítido,
a professora Tzvetáieva, brincando com ele no recreio, um pouço de frio, não muito...
caiu e quebrou o nariz... Pode ser que nem se lembre
de nada... pode ser, tanto faz!... Tem um outro TATIANA
aluno, distraído, relaxado, sempre imundo, o Klokov. Tudo-isso são invenções, lendas... Eu aliãs admito
E órfão, vive na casa do tio, que é guarda-noturno... que gente como você, Nil, Chichkin, seja mesmo ca-
é quase um mendigo. .. mas fala tanto, valente! Acho ilusões... mas eu não, não
paz de viver de
que vai ser jornalista... Ah! tenho uns alunos tão in- posso...
teressantes... E mesmo sem querer, penso sempre no
que vai acontecer com eles... É bom, entende, ficar TZVETÁIEVA
Não, espere. . . não é ilusão, só ilusão...
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167
TATIANA TZVETÁIEVA
Nada me parece que é verdade. . . somente que isso Bravo. Pólia...
sou eu, aqui é uma parede... Quando eu digo “sim”
ou “não”, eu não digo por convicção... eu respondo, TATIANA
simplesmente: “sim”, “não”... Às vezes uma pessoa Aí está uma dessas infelizes crentes. .. Pergunte a
diz “sim”, e logo em seguida pensa: será? Talvez seja ela por que ela diz “não”... por que a vida vai mu-
“não”... dar... Va, pergunte!...

TZVETÁIEVA PÓLIA (aproximando-se, trangúila, falando lento)


E porque você gosta disso... talvez você tenha sim. Veja uma coisa... nem todos os homens vivem
plesmente medo, medo de crer... A fé cria obriga- ainda... poucos, muito poucos aproveitam a
ções... vida! Para a maior parte, nem sequer há tempo para
viver... só trabalham, trabalham por migalhas...
TATIANA mas quando eles também...
Não sei, não. .. não sei... olhe, faça com que eu
acredite em alguma coisa... vocês obrigam todos a CHICHKIN (entrando rapidamente)
acreditar em vocês. (Ri) Eu tenho pena dos que acredi- Boas tardes! (A Pólia) Salve a filha do Rei Dun-
tam em vocês... Porque a vida foi sempre assim, can!'?
como é agora... confusa e estreita... e vai continuar
sendo sempre assim'!.,.. PÓLIA
Quê? De que rei?...
TZVETÁIEVA (sorrindo)
Será? Talvez seia “não”. CHICHKIN
Ah, peguei em flagrante, hein?... Estou vendo que
PÓLIA (como que falando consigo mesma) você não leu mesmo o Heine !!'8... E olha que o livro
Não... estã com você há mais de duas semanas! Salve, Ta-
tiana Vassilievna!...
TATIANA
Que é que você falou?
TATIANA (estendendo a mão)
Ela agora não tem mais cabeça para livros... vai
PÓLIA
se casar!
Que não será assim.

168 169
OCCEAANNANANLLLLCLLLLTLAAANAAÇÇAS
CHICHKIN TATIANA
Casar com quem”... Vocês brigaram, é?

TZVETÁIEVA CHICHKIN
Com o Nil! Não. não foi briga. não!. -. Eu, muito discreta-
mente, cheguei lã e...
CHICHKIN
Ah, então nesse caso merece os parabéns!... mas,
TZVETÁIEVA
de uma maneira geral, essa história de casar não é lá
Mas qual foi o motivo? Você mesmo vivia elogiando
uma coisa muito inteligente, não... O casamento, na esse Prokorov!
situação de nossos dias. .

TATIANA CHICHKIN
Ah, não! por favor; você já deu o seu parecer sobre É, vivia elogiando !. .. diabo!... olhe, pra falar a
esse assunto... verdade, ele é mesmo muito mais decente que muitos
outros. Não é burro, não. Só que ele é um pouco me-
C HICHKIN tido... e de uma maneira geral. é uma boa besta !...
Nesse caso, me calo. E, pra falar a verdade, não te-
nho tempo mesmo. (A Tzvetáieva) Você vem co- TATIANA
migo?... Ótimo!... Piotr, não está? Assim Piotr não vai mais querer saber de arranjar
aulas pra você...
PÓLIA
Está lá em cima... C HICHKIN
E, pode ser... ele vai se aborrecer com isso...
CHICHKIN
Bem, não vou lá, não. Eu vou pedir a você, Pólia,
e a você, Tatiana. um favor... Vocês digam a ele TZVETÁIEVA
que... bem, que eu... que as aulas... bem, que as Mas o que foi que aconteceu com o Prokorov?
aulas na casa do Prokorov. .. bem... acabaram...
CHICHKIN
TZVETÁIEVA Bem, vocês não vão acreditar ! Mas ele é um anti-se-
Outra vez !... Nossa, você tem pouca sorte... mita!...

170 171
TATIANA CHICHKIN
E que diferença faz isso pra você? Sim, é claro, é um velhote simpático. Mas ele é um
numismata! Passava o dia inteiro me mostrando as
CHICHKIN suas moedinhas de cobre. Me falava dos césares, de
Isso é indecente! Indigno de um intelectual! E além tudo quanto era faraó, com seus carros. Esse me ven-
disso, ele é um burguês sujo! Escute só, por exemplo. ceu, viu? Não tive forças para agientar... Eu falei
o que aconteceu outro dia: a empregada da casa dele pra ele: “Escuta, Vikenti Vassilievitch, na minha opi-
estava indo à escola aos domingos. Ótimo ! Ele mesmo nião tudo isso é bobagem, qualquer pedra é mais antiga
passava o dia inteiro me falando na importância da al- que esses seus cobres”. Ele ficou ofendido. E me res-
fabetização... e eu nunca tinha tocado nesse assunto pondeu: “Que é que você quer dizer com isso? Que
com ele... ele, inclusive, ficava se vangloriando. di- eu me enterrei sem razão durante quinze anos. me ocu-
zendo que tinha sido um dos iniciadores das tais au- pando com bobagens?” Eu respondi: “Ê...” E
las... Bom, vocês não vão acreditar: mas um do- quando fez a conta, ele me deu um ruble a menos, acho
mingo desses, ele chegou em casa e a empregada não que para completar a sua coleção numismática...
estava lá para abrir a porta... A cozinheira teve que Mas isso não é nada... Com Prokorov o negócio foi
parar de fazer a comida para abrir a porta... Vocês outro... (Abatido) Ih! Eu tenho um gênio péssimo!
sabem o que ele fez? Proibiu a empregada de ir à es- (Apressado) Escute, Maria Nikitchna.'? vamos. está
cola! Como ê que vocês qualificam uma atitude des- na hora!
SAS «
TZVETÁIEVA
TZVETÁIEVA Estou pronta. Até logo, Tânia. Amanhã, domingo,
Pura conversa fiada. . eu venho ver você bem cedo...

CHICHKIN
TATIANA
De uma maneira geral eu diria que o Piotr zomba
Obrigada. Eu pareço um parasita aos pés de vocês.
de mim... Fica me arrumando aulas particulares nas
Eu não tenho nem beleza, nem alegria, fico atrapa-
casas de uns velhos, que...
lhando todo o mundo...
TATIANA (seca)
Eu me lembro que você elogiava muito o tesoureiro CHICHKIN
oficial... Mas que pensamento mais negro, o que é isso?

172 173
TZVETÁIEVA PÓLIA
Isso até ofende, Tânia! Daqui a pouco a reza termina: quer que eu traga
o samovar?
TATIANA TATIANA
Não, espere... Sabe? Eu compreendi, eu com-
Pode ser que os velhos queiram chá... Por mim,
preendi a lógica da vida: quem não pode acreditar em
tanto faz... (Silêncio) Antes o silêncio me deixava
nada não pode viver. Tem que perecer!
agoniada, mas agora, acho bom...

|
TZVETÁIEVA (sorrindo) PÓLIA
Será? Talvez seja “não”... Não está na hora de você tomar o remédio?

TATIANA
TATIANA Ainda não! Ultimamente tem havido tanto ruído...
Você está brincando com as minhas palavras... tanto barulho em nossa casa... como é barulhento
Vale a pena? Rir de mim vale a pena? esse Chichkin.

PÓLIA (aproximando-se dela)


TZVETÁIEVA
Ele é bom...
Não. Não, Tânia querida... Tudo isso não é você.

É
não: é a doença, o teu cansaço. Bem, até a vista! E TATIANA
não fique pensando mal da gente... Bom... só queé tudo. .

TATIANA PÓLIA
Bem, podem ir, até a vista! É corajoso: É só perceber uma injustiça e já vai con-
tra... Viu, se interessou pela empregada. E quem é
que se interessa pelas empregadas? E pelas pessoas que
C HICHXKIN (a Pólia)
trabalham para os ricos? E, entre os que se interessam,
Eh, quando é que você vai ler o Heine? Ah! Você
quantos são os que se arriscam a defender?
vai se casar! Eu podia dizer alguma coisa contra
isso... Bem, até a vista! TATIANA (sem olhar)
Me diga uma coisa, Pólia. Você não tem medo de
(Sai com Tzvetáieva. Silêncio.) se casar com o Nil?

174 175
PÓLIA (tranquila)
TATIANA
E do que havia de ter medo? Não, não tenho medo
de nada.
Você já voltou da reza?

TETERIEV
TATIANA Não... hoje eu não fui... A cabeça está arreben-
De que.não sei... maseu... euteria medo... Eu tando de dor... E você está se sentindo melhor hoje?
falo porque eu gosto. gosto muito de você, Pólia...
Você não é como ele... você é simples... mas TATIANA
ele... leu muito, é instruído... Um homem ins- Bem, obrigada. Hoje já me perguntaram isso umas
truído... pode ser que se aborreça com você... Você vinte vezes... Eu me sentiria melhor se não houvesse
já pensou nisso, Pólia?... tanto barulho aqui em casa... Essa correria me ir-
rita... Todos correm, gritam... O pai está furioso
PÓLIA com o Nil... Mamãe passa o dia inteiro suspi-
Não, mas sei que ele me ama. rando... e eu, deitada, assistoa isso tudo... e não
vejo nenhum sentido nisso que vocês chamam de vida.
TATIANA
Como é que você pode saber? TETERIEY
Não... Mas é interessante isso. Eu sou um homem
(Teteriev traz o samovar.) um pouco estranho, não participo muito dos aconteci-
mentos terrenos. .. Vivo por pura curiosidade. .. Até
PÓLIA que acho tudo isso bem interessante...
Muito obrigada, vou buscar o leite. .
TATIANA
(Sai.) Você não é exigente, eu sei. Mas o que é que há de
interessante aqui?
TETERIEY (depois de uma bebedeira, está com a cara
inchada)
TETERIEV
Gente... gente se afinando para viver... No tea-
Eu estava passando pela cozinha, e Stepanida me
tro, eu gosto de ver os músicos afinando os instrumen-
veio com isso: “Paizinho, leve o samovar para a sala!
tos, os violinos, as trombetas... o ouvido vai cap-
Quando o senhor quiser, eu dou uma comidinha a
mais...” Bem, eu sou guloso e não resisti... tando uma série de notas isoladas... já bem
afinadas... E às vezes até uma frase melódica. E a
176
177
TETERIEV
gente fica com vontade de adivinhar o que vão tocar
os músicos... Qual deles é o solista? Que peça vai Eu nunca bebo na estrada. .. E se morro congelado,
ser executada? Aqui, também, todos estão afinando. . que é que tem? É melhor morrer congelado do que apo»,
drecer encravado no mesmo lugar!
TATIANA
TATIANA
No teatro, sim. Vem o regente, levanta a batuta, e
Está se referindo a mim?
os músicos começam a tocar. E tocam, sem o menor
sentimento, alguma com posição antiga. Mas aqui, será
TETERIEV
que alguém, aqui, é capaz de executar alguma coisa?
Não sei... Deus me livre e guarde! Que é que você diz? Eu
não sou nenhuma fera...
TETERIEV
Acho que sim... alguma coisa em “fortíssimo”... TATIANA (com um sorriso)
Não tenha medo, isso não me ofende. Já perdi toda
TATIANA a minha sensibilidade para a dor. (Com amargura) To-
Veremos. (Silêncio. Teteriev fuma o cachimbo.) Por dos eles sabem que ninguém mais me ofende: Nil, Pela-
que o senhor fuma cachimbo e não cigarros? géia, Elena, Tzvetáieva. .. Se comportam como os ri-
caços, que quando estão comendo nem pensam no que
TETERIEV os mendigos podem estar pensando, sentindo...
É mais cômodo. Eu sou um vagabundo e a maior
parte do ano eu vivo pelas estradas. Assim que chegar TETERIEV
O inverno vou embora outra vez... Para que essa humilhação? Todo mundo tem que ter
respeito por si. ER
TATIANA
Pra onde? TATIANA
Bem, deixemos isso de lado... (Silêncio.) Me diga
TETERIEV alguma coisa de você mesmo. .. Você nunca fala de
Não sei... pramim, tanto faz... você mesmo. Por quê?

TATIANA TETERIEV
Um dia você vai ficar bêbedo e vai acabar morrendo Ê um objeto muito grande, e muito pouco interes-
congelado por aí... sante...

178 179
pri
TATIANA PIOTR (irritado)
Não, fale alguma coisa! Por que você leva uma vida Ah, é? ... Em que situação ele me coloca com Pro-
tão estranha? Você parece tão inteligente... Que foi korov!...
que aconteceu na sua vida?
NIL
TETERIEV (mostrando os dentes) Espere, calma! Você tem que averiguar primeiro
O que aconteceu? Ah, é uma história longa, aborre- quem é o culpado.
cida...Eu
“Fui buscar o sol, a felicidade.
PIOTR
E fiquei nu antes da hora.
Estou cansado de saber !
A minha esperança e as minhas roupas
Se gastaram pelos caminhos”,
Mas essa explicação é poética demais, para mim. TATIANA
Mesmo sendo tão breve. É preciso acrescentar a isso Chichkin ficou furioso quando soube que ele era an-
que na Rússia é mais cômodo e mais trangúilo ser um ti-semita!
bébedo. um vagabundo, do que ser uma pessoa sen-
sata. (Entram Piotr e Nil.) Só os homens duros. inflexí- NIL
veis como espadas, abrem caminho... Ah, Nil!... Ah! galinho simpático !... (Ri)
De onde vem você?
PIOTR
NIL Você estã satisfeito! Você não tem o mínimo res-
Do depósito de locomotivas! De uma batalha com peito pela opinião dos outros. Gente selvagem !
o chefe, que me deu uma vitória brilhante!
NIL
PIOTR Espere, você acha muito civilizado respeitar um an-
Desse jeito, você vai ser despedido logo... ti-semita?

TATIANA PIOTR
Sabe, Piotr? Chichkin brigou com Prokorov, e como Em caso algum eu me consideraria com o direito
não teve coragem de lhe dizer pessoalmente... de agredir um homem.
180
181
NIL
NIL
Mas eu agrido.
Não, não quis dizer isso, não. Mas mesmo que seja,
mesmo ,que seja criancice, se é assim, isso é muito
TETERIEVY
DOM s
Agride.
PIOTR
PIOTR
É ridículo.
Mas quem foi que lhe deu esse direito?
NIL
NIL
Quando a gente rejeita a única migalha de pão, pela
O direito não se dá, Piotr. O direito se toma!
simples razão de que quem deu é canalha...

TATIANA
PIOTR
Mas, chega... chega dessas discussões... Como
É porque não está com tanta-fome assim. .. Eu sei
é que vocês não se cansam?...
que você vai discordar, você é como ele... também
é um pouco criança... A cada minuto você procura
PIOTR
mostrar ao meu pai que não tem por ele o mínimo res-
Desculpe, eu não vou continuar... Mas, de qual-
peito... Por quê?
quer forma, esse Chichkin me deixa numa situação...
NIL
TATIANA
E por que é que eu devia fingir?
É... é um idiota: pronto!

NIL
TETERIEV
A decência exige que os homens mintam...
É um excelente amigo! Não só não vai permitir que
lhe pisem nos pés, como é sempre o primeiro a pisar
PIOTR
nos pés dos outros! É bom ter tanta dignidade dentro Mas que sentido tem isso? Que sentido?
de si!
NIL
TATIANA
Nós não compreendemos, irmão! Por isso é inútil
Você quer dizer criancice, não é?
falar. Tudo o que diz e faz teu pai me repele.
182 183
PIOTR TETERIEYV (voz de baixo profundo)
A mim também, pode ser... mas eu Amém!...
me contenho.
E você?... Vive todo o tempo irritando
o velho, e eu
e minha irmã é que pagamos... PIOTR (encolhendo os ombros)
Fico espantado: será que os otimistas nascem
TATIANA mesmo cegos?
Mas parem. basta; vocês me aborre
cem com isso...
NIL
(Nil, depois de encará-la, vai para Eu não sei bem se sou otimista ou não, tanto faz.
a
mesa.) Mas sinto prazer em viver! (Levanta, caminha pela
sala.) É um prazer muito grande viver nessa terra!
PIOTR
À conversa o incomoda? TETERIEV
TATIANA Sim, é instrutivo!
Me cansa. Sempre as mesmas coisas, sempre a
mesma coisa... PIOTR
Vocês são muitos engraçados !
(Entra Pólia com a jarra de leite
na
mão. Ao ver que Nil está sorrindo, olha NIL
Os presentes, sonhadora.) E você, Piotr?... você o que é que é? Eu sei, e isso
não é segredo para ninguém: você está apaixonado e
PÓLIA também gostam de você. Pois bem: você não tem von-
Olhem, esse bem-aventurado ! tade de cantar e de dançar? Será possível que você não
fica alegre nem por isso? (Pólia está ouvindo, orgu-
TETERIEV lhosa, por trás do samovar. Tatiana se mexe, inquieta,
De que é que você está rindo? tentando ver o rosto de Nil. Teteriev sorri e sacode a
cinza do cachimbo.)
NIL
Eu? Estava me lembrando do jeito que PIOTR . no
tratei o chefe
do depósito. .. Que coisa interessante Você se esquece de uma porção de coisas. Primeiro:
é a vida!
184 I85
CCCCRCCCARACCAÇÇCC
Os estudantes não podem casar. Segundo: seria preciso
travar uma verdadeira NIL
batalha contra meus pais; ter-
ÉCiro. Eu vou obrigar a vida a me responder como eu
quero. Não adianta tentar me fazer ter medo. Eu estou
mais perto da vida que você! E sei, muito mais que
NIL
você, que a vida é dura, que às vezes é repugnante,
Bom, nesse caso. você não tem senão uma alterna- má. E que uma força desenfreada oprime o homem.
tiva: fugir... fugir pro deserto... (Pólia sorri.) Eu sei, e isso me deixa indignado. Mas essa ordem eu
não aceito! Eu sei que a vida é uma coisa séria. mas
PIOTR ainda não está bem organizada. Para ajudar a organi-
Você quer deixar de ser palhaço comigo, zá-la eu vou ter que dar toda a minha força, toda a
Nil?
minha juventude. Também sei que não sou nenhum he-
NIL rói, mas simplesmente um homem ! E digo mesmo: não
Não, Petrushka,2º não! Viver, mesmo me importa, nós é que vamos vencer! E com todas as
sem estar
apaixonado, já é uma excelente ocupaç minhas forças, eu vou me colocar na própria espessura
ão. Viajar nas
piores locomotivas, debaixo de chuv da vida. Tratar de moldá-la, atrapalhando uns e aju-
a e vento, em plena
tempestade de neve... tudo, na terra. dando outros... Isso é a alegria de viver!
está tapado com
as trevas, sepultado pela neve... é cans
ativo viajar
num tempo desses, é até mesmo
perigoso... mas. TETERIEV (rindo)
mesmo assim, isso tem um certo encanto. -. existe Aí está o sentido mais profundo da ciência! Aí está
esse encanto!... Só há uma coisa que
eu acho absolu- o sentido de toda a filosofia verdadeira! Quanto a to-
tamente desprovida de encanto: é que
nós devemos das as outras filosofias, nada. .
obedecer, eu e outras Pessoas. aos cana
lhas, aos imbe-
cis, aos ladrões. Mas a vida não pertence
inteiramente ELENA (da porta)
a eles! O futuro não é deles! Eles vão
desaparecer O que é que provoca aqui tantos gritos e gesticula-
como desaparece um abscesso num organi
smo sadio! ções?
Não existe nada na vida que não possa
alterar, mudar!

PIOTR NIL (aproximando-se dela)


Ja ouvi mais de uma
À patroa, sim, me compreende. Acabo de cantar a
vez esses discursos, vamos ver
agora que resposta a vida lhe prepara. glória da vida. Repete comigo: não é que viver é gos-
toso?

ecc
os

186
oq

187
PRM gemer
PÓLIA (lentamente)
Viveré bom... ELENA
Estão ouvindo? Vejam como estou sendo iniciada
ELENA em conhecimentos profundos! Aí está: vocês ignoram
E quem é que afirma o contrário? o que essa lei constitui, o que representa esta lei em
si. Ah, e o “em si” é o mais filosófico dos termos!...
NIL (a Pólia)
mais ou menos assim como um dente, essa misteriosa
Ah, minha menininha !...
lei... porque possui quatro raízes... não é isso?
ELENA
E proibido fazer galanteios na minha presença... TETERIEV
Esperem . «+ Vocês estão se preparando para tomar Não me atrevo a discordar...
cha? Mas eu vim buscar vocês para tomar chá na mi-
nha casa... Mas já que é assim, fico... Isso aqui
ELENA
hoje está muito alegre! (A Teteriev) S6 você, corvo sá- tente discordar; para ver o que acon-
Lógico!...
bio, estã batendo suas asas... por que santo? primeira raiz, que talvez não seja
tece... Bem, a
TETERIEV mesmo a primeira. é a lei da razão suficiente da exis-
Não, eu também estou alegre. Só que eu me divirto tência do ser. O ser é a matéria em suas formas. Por
em silêncio, e me aborreço em voz alta... exemplo: eu sou uma matéria que, com muita razão,
assumiu a forma de mulher, mas que, agora sem muita
ELENA razão, carece de ser, de existência... Ah, o ser é
Nunca vi você nem alegre nem triste, mas sempre eterno. mas a matéria, na sua forma, passa uma tem-
filosofando... Ah, vocês sabem? Sabe, Tatiana... porada naterra e fiuuu!... estã certo isso?
ele está me ensinando filosofia. Ontem me fez uma con-
ferência sobre certa lei chamada “lei do princípio da TETERIEV
razão suficiente”... Mas eu não me lembro de que Serve... continue...
Jeito se expressa essa misteriosa lei... as palavras
quais são... como é mesmo?
ELENA
TETERIEY (sorrindo) Eu sei também que existe a casualidade “a priori”
Não há nada sem fundamento. sem razão suficiente,
e “a posteriori”. Mas o que isso quer dizer, eu me es-
e porisso... queci. Ah! se toda essa sabedoria não me deixar ca-
reca, eu vou ficar muito inteligente. Mas o ponto mais
188
189
1 01
aeenase eenananae
curioso de toda essa filosofia é o seguinte: por que reza... (Entram os velhos.) Ah, eis os nossos devotos
você, Terênti Krisanfovitch. me fala em filosofia? que chegam! Salve!

TEJTERIEY BESSEMENOY (secamente)


Primeiramente, porque me é muito agradável olhar Nossos respeitos...
para a senhora...
AKOULINA
ELENA Bom dia, mãezinha. . . só que já nos vimos hoje, ..
Obrigada! O segundamente já não tem mais inte-
resse para mim... ELENA
Ah, sim, tinha-me esquecido... Fazia calor na
TETERIEV igreja?
Em segundo lugar, porque somente filosofando o ho-
mem não mente, pois nesta ocupação, tão gloriosa BESSEMENOV j
como benemérita. o homem não faz senão inven- Não fomos à igreja para apreciar o clima...
Lal ss
ELENA (um pouco confusa)
ELENA Ah, claro! Não quis perguntar isso; eu queria dizer,

Ea
Não entendi nada! Como é que você se sente, Tá- tinha muita gente na igreja?...
nia? (Sem esperar a resposta.) Piotr Vassilievitch, com
quem você está tão descontente? AKOULINA
Não contamos as pessoas, mãezinha.
PIOTR
Comigo mesmo. PÓLIA (a Bessemenov)
Querem tomar chá?
NIL

ta
E com todo o resto. BESSEMENOV
Primeiro, vamos cear ... Mãe, ande, prepare o que

ELENA tem que preparar. (Akoulina sai, fungando o nariz. Ta- €
Sabem? Eu estou com muita vontade de cantar !... tiana levanta e se dirige para a mesa, para ajudar
Pena que hoje é sábado, e ainda não terminou a Elena. Nil vai para o lugar dela. Piotr passeia pela sala.

190 191
Teteriev, sentado ao piano, vigia todos com um sorri
so ELENA (acompanhando Bessemenov com os olhos)
de espectador. Pólia está junto ao samovar. Besseme-
Na minha casa... beber chã é menos complicado.
nov, no canto, sentado no bai.) Hoje em dia,
ninguém
mais presta! Todo o mundo é ladrão ! Antes de
ir para NIL
a igreja com a mãe, coloquei uma tábua, perto do por- Você conversou com os velhos de uma maneira en-
tão, em cima da lama, para poder passar. Quando
nós graçadíssima..
voltamos, a tábua já tinha sumido.
a”

Um vigarista
E E ag

deve ter roubado. Hoje em dia a corrupção


tomou ELENA
conta de tudo. (Pausa.) Antigamente havia meno
s viga- Eu?... Ah, ele me deixa confundida...
Ea

não gosto
rice, roubava-se era à mão armada. tinham verg nada disso. O que é que eu fiz para ele não gostar de
onha
ENT

de manchar a consciência por pequenas bobagens mim?


.
E

(Na rua ouvem-se centos, sons de acordeão.) Olhe,


| es-
tão cantando! Hoje é sábado, mas eles cantam.
canto se aproxima.) Na certa são os operários...
(O PIOTR
vão No fundo. o velho não é mau... . tem muito amor-
passar o tempo de folga em algum cabaré, bebendo próprio!
todo o salário da semana... e agora estão berrando
como desgraçados... ( Contam embaixo da janela. Nil
olha a rua.) Vão NIL
viver assim por mais um, dois anos.
depois vão acabar ladrões e vigaristas. No fundo ele é um pouco avarento. e um pouço mau
mesmo.

NIL
PÓLIA
Acho que é Pertchikin .
Psiu!... não fica bem falar de um homem na sua
ausência. .. não fica bem. .
AKOULINA (da porta)
Pai. venha comer. NIL
É. mas ser avarento é mau.

BESSEMENOY (levantando-se) TATIANA fseca)


Pertchikin. Esse aí também, um homem de vida inú- Eu acho bom deixar esse assunto de lado. O pai
til! (Sai.) pode entrar de um momento para outro. Nos últimos
192
193
pão
AARANRALALAAAAAreArAnAAAnAnAAL
dias até que não insultou ninguém, está tentanto ser BESSEMENOYV (referindo-se a Elena, com um olhar
amável com todos. de soslaio)
E de que é que vocês estavam rindo?
PIOTR
E isso não custa pouco pra ele. não... PIOTR
De nada... bobagens... oNil...
TATIANA
É preciso levar em consideração que ele está velho.
BESSEMENOYV
Não tem culpa de haver nascido antes de nós. nem de
Nil!... Já sabia, tudo vem dele...
pensar de maneira diferente da nossa. (Irritando-se)
Mas como há maldade no mundo!... Como ninguém
TATIANA
tem piedade! SO grosseria, grosseria. .. Nos ensinam
Quer que eu sirva um pouco de chá para o senhor?
a amar uns aos outros...
BESSEMENOV
NIL (no mesmo tom) Pode servir...
E montam em cima da gente pro resto da vida. (Elena
ri as gargalhadas. Pólia e Teteriev sorriem. Piotr vai ELENA
dizer alguma coisa a Nil, e se aproxima deles. Tatiana Deixe, Tatiana... eu mesmasirvo...
balança a cabeça, em reprovação silenciosa.)
BESSEMENOV
BESSEMENOVY (entra, olha Elena da cabeça aos pés, Não, em absoluto... ! Por que a senhora vai se in-
com hostilidade) comodar? Minha filha mesmo serve.
Pelagéia... seu pai está na cozinha. Vá até lá e diga PIOTR
que ele só apareça quando não estiver bébedo. (Sai Pó-
Bem, eu acho que não tem importância nenhuma sa-
lia, Nil vai atrás dela.) E vocês, por que não dizem ber quem é que vai servir o chá. Tatiana não está ainda
nada? Estou observando isso hã dias. .. é só eu apare-
bem de saúde. .. Estã muito fraca...
cer na porta e todos fecham a boca...
BESSEMENOV
TATIANA Eu não perguntei o que você pensava a respeito
Na sua ausência nós também falamos muito desse assunto. Agora, se as pessoas de fora são mais
pouco... queridas por você que a própria familia...
194 195
tre =
PIOTR

a
BESSEMENOYV
Pai, o senhor não tem vergonha?... Está bem...

Ab a onde
TATIANA PERTCHIKIN
Já começa? Piotr, por favor, um pouco de bom Não está nada bem! Vassíli Vassilievitch, você é um
senso... homem inteligente. .. um homem rico. .. eu vim ape-
lar para sua consciência...
ELENA (com um sorriso forçado)
Vamos... não tem importância... (Abre-se a PIOTR (aproximando-se de Nil, com voz não muito
porta. Entra Pertchikin, bêbedo, mas não em excesso.) alta)
Por que que você deixou que ele viesse até aqui?.
PERTCHIKIN
Vassili Vassilievitch! Eu vim aqui... você foi em- NIL
bora de lã... e eu vim aqui... você foi embora de Deixe ! Isso não tem nada que ver com você!
lã... e eu vim aqui atrás de você...
PIOTR A
BESSEMENOY (sem encará-lo) Você sempre faz essas coisas. sei lã o quê...
Já que veio, sente-se, então, beba um pouco de
Cha. Ec. PERTCHIKIN
Velho. .. há muito que nós nos conhecemos.
PERTCHIKIN
Não, não preciso de chá... tome você sozinho e BESSEMENOY (irritado)
aproveite bastante... eu vim para conversar...
Afinal de contas, que é que você quer aqui...

PERTCHIKIN
BESSEMENOV Me diga uma coisa... por que você me expulsou de
Que conversa, nem meia conversa. .. bobagens! sua casa, outro dia? Pensei... repensei... não conse-
gui compreender... Me diga, irmão. eu vim até aqui
PERTCHIKIN sem o menor rancor, com amor no coração...
Bobagens!... Que fenômeno! (Ri. Entra Nil, en-
eq

cara furiosamente Bessemenov.) Eu fiquei me prepa- BESSEMENOV


rando quatro dias pra vir... agora... vim... Você veio com más intenções...
a

196 197
ARANALLANRAAAAAeFAAAAAAAAÇÇAÇ
TATIANA somente ele ouça) Você não tem vergonha? Tirem esse
Piotr... me ajude... vã chamar a Pólia... (Piolr homem daqui!
sai.)
BESSEMENOVY (contendo-se)
PERTCHIKIN Pertchikin, você cale a boca, fique sentado, quieto. Ou
Pólia, justamente... minha criança querida: .. então, vá pra sua casa! (Entram Piotr e Pólia.)
meu passarinho puro... foi por causa dela que você
me expulsou, não foi? Por que ela caçou o noivo de PIOTR (a Pólia)
Tatiana, não foi?... Por favor... fique calma...

TATIANA PÓLIA
Que estupidez ! Que vulgaridade! Vassíli Vassilievitch, por que o senhor expulsou o
meu pai daqui? (Bessemenov olha furiosamente para
BESSEMENOV (levantando-se lentamente de seu lu-
per cr

ela, depois para um dos presentes.)


gar)
ES TE eo

Olhe, Pertchikin, pela segunda vez eu... (ameaçando com o dedo)


PERTCHIKIN
NS

Psiu!... Minha filha, não fale... Você precisa


ANTRE FINDER]

ELENA (a Nil, em meia voz


a aeeepeça CIRCO

compreender... Tânia se envenenou por quê?... Ah,


Leve esse homem daqui, eles vão acabar bri- .
Vassili Vassilievitch, você está vendo? Eu, irmão, vou
gando... consciên-
julgar vocês todos, de acordo com a minha
NIL cia, que é muito simples...
Não. não vou levar, não.
PÓLIA
=

PERTCHIKIN Espere, pakinho...


ret

Pela segunda vez você não me põe pra fora. não.


Vassíli Vassilievitch. .. Não há razão... Pólia... eu NIL
gosto muito dela, ela é muito boa. .. E mesmo assim, É melhor você ficar calado. .
eu não aprovo, irmão. . . não, não aprovo. .. não...
por que conquistar a presa alheia? Isso não está certo! PIOTR
Por favor. Pólia...
TATIANA
Lena... eu vou pro meu quarto... (Elena ajuda BESSEMENOYV
Tatiana a caminhar; ao passar por Nil, fala para que Pelagéia!. . . olhe aqui, você é uma atrevida!

198 199
PERTCHIKIN NIL
Atrevida?... Ela é minha filha, minha filha que- Não. Mas eu quero saber o que significa isso tudo.
nda, adorada! Qual é a culpa do Pertchixin? Por que você botou ele
para fora daqui? E o que é que a Pólia tem a ver com
BESSEMENOYV in?
isso!
Silêncio ! Não compreendo mais nada! De quem é
essa casa? Quem é o dono? Quem tem o direito de BESSEMENOV
Julgar, aqui dentro? Você está me submetendo a um interrogatório?

PERTCHIKIN NIL
Eu, eu vou julgar vocês todos... um de cada É, sim... eu estou interrogando o senhor. E o que
vez... Primeiro: não se apodere do que não é seu: ê que tem isso demais? O senhor é um homem... e
segundo: se se apoderou, devolva... eu também...

PIOTR BESSEMENOV
Escute. deixe de falatório... Vamos pro meu Não. você não é um homem! Você é um veneno,
quarto... é uma besta feroz!

PERTCHIKIN
PERTCHIKIN
Psiu!... calma... tudo tem que ser dito com
Não... não gosto de você, Piotr. Você é um homem
calma, com consciência...
soberbo, um homem vazio. .. você não sabe nada...
o que é uma canalização, hein? Ah, pode deixar que
Ja me explicaram... (Piotr tenta segurá-lo pelo braço.) BESSEMENOY (a Pólia)
E não ponha a mão em mim... Vocêé uma víbora. . . uma mendiga...

NIL (a Piotr) NIL (com os dentes apertados)


Não ponha a mão nele... deixe, vamos... O senhor não grite!

BESSEMENOV
BESSEMENOY (a Nil)
O quê! Fora daqui! Filhote de uma cobra! E dizer
E você, o que faz aqui?... atiçando os cães?
que eu O criei com meu suor. com o meu sangue...
ent

200 201
ida
eto dp
puddh ca ai nstas Md nnitá MS Slam
TATIANA (de deniro de seu quarto) envenenou minha filha... Por sua causa minha fi-

PE Co.
Papai... papai... Ilha.

Sr est idadas Etr: CeEiTo


PÓLIA (a meia voz) PERTCHIKIN
O senhor não se atreva a gritar comigo. .. não sou Vassili Vassilievitch. ..calma...
sua escrava! O senhor não pode ofender os outros sem

a
mais nem menos... E o senhor responda: por que ex- TATIANA (grita)

is AU if“
pulsou meu pai? É mentira tudo isso: pai, isso não é verdade! Piotr,
Piotr! que é que você está esperando? (Aparece na

e ad ma
NIL (tranquilo)
porta, estendendo os braços, indefesa, vai ao centro da
Eu também exijo. .. isso não é uma casa de lou- sala.) Piotr... mas não é necessário tudo isso... oh,
cos... Cada um tem que responder pelos seus atos.
meu Deus! Terênti Krisanfovitch, diga a eles...

o edi adia Apa3


diga... Nil, Pólia, pelo amor de Deus, vão-se em-
BESSEMENOYV fcom mais tranglilidade, contendo- bora... por que tudo isso? por quê? (Todos se movi-
se)
mentam, se agitam. Teteriev, mostrando os dentes, se

sus
Vá embora, Nil, antes que seja tarde. Vá embora! levanta lentamente da cadeira. Bessemenov recua
Você foi alimentado por mim, educado por mim...
diante da filha. Piotr toma Tatiana nos braços, olha
em torno de si, completamente perdido.)
NIL

—O
pi
Não me jogue na cara um pedaço de pão... Já de- PÓLIA

o na 6
volvi com o meu trabalho tudo o que eu comi aqui! Vamos!

cetro qse
BESSEMENOYV NIL .
Foi minha alma que você comeu ! tio
pus, Está bem! (A Bessemenov) Bem, nós vamos... Eu
só sinto que isso tenha acontecido com tanto barulho!
40

PÓLIA (tomando Nil pelo braço)


o

Vamos embora daqui!


“mudas do ipi tn

BESSEMENOYV
Va, váembora... leve-a...
BESSEMENOYV
o

Vá... arraste-se para fora daqui... vibora...


sites

NIL
você é a culpada de tudo! Foi por causa de você! Você E não vou voltar mais...
tese rege

202 203
eses ion
ge e
pie

PÓLIA (forte, com voz trêmula)


Ur

PIOTR
Por acaso o senhor pode me culpar disso?... Eu Papai, chega!
não tenho a culpa... Tânia... por acaso sou eu a
TE
6

culpada? O senhor não tem vergonha. TATIANA


ai;E

Papai, querido, não grite...


BESSEMENOVY furioso)
TEST

Vão embora de uma vez! BESSEMENOV


Esperem... esperem...
NIL
Não fale assim com ela... PERTCHIKIN
Bem... aí está: se foram, já se foram. Está certo
PERTCHIKIN isso: que façam o que quiserem !
Não se exaltem. .. é preciso agir com calma...
BESSEMENOV
PÓLIA Eu ainda queria ter dito, a esses assassinos, antes
Adeus! Vamos, pai? deles terem ido embora, que eu dei de beber, de co-
mer... (A Pertchikin) E você, diabo velho! A culpa
ee

é sua. Você veio, falou, falou. .. que é que você quer?


pe me

PERTCHIKIN
Não, não quero ir com vocês. Não é o meu caminho. Por que você precisava fazer isso?
Eu vou em outra direção. Vou só...
PERTCHIKIN
Vassíli Vassilievitch, não grite... eu o respeito.
PIOTR (a Nil)
Voce é um sujeito fenomenal e eu sou um imbecil...
Mas, vão embora de uma vez, que diabo!
estã certo! Mas eu compreendo o caminho de cada
um!
NIL
Vou. Adeus!... Apesar de tudo...
BESSEMENOY (senta-se no diva)
Perdi o fio dos meus pensamentos. Não entendo o
BESSEMENOV (saem os dois. Bessemenov grita) que aconteceu... De repente, não posso acreditar...
Vocês ainda voltam! Vão se ajoelhar diante de ele disse que não volta mais... Veja como é simples!
mim! Vão pedir desculpas! i Mas não consigo acreditar !...

204 205
tera
Mp
LACANAACAAAAAAAAAAAAA
DEEP IRES

TETERIEV (a Pertchikin) BESSEMENOV


Mas pra que tudo isso? Pra quê? Eles já foram embora?

PERTCHIKIN AKOULINA
Pra respeitar a ordem... Eu, irmão, eu falo de uma Não... estão chamando Pertchikin. Pelagéia disse:
maneira muito simples. .. Dois e dois são quatro! Ela “Diga a meu pai...” e os lábios dela tremiam... €
Hi
Em
é minha filha? Muito bem. Isso quer dizer que ela tem o Nil, então, está rugindo feito um cachorro... o que
na
kg
[” que... (Cala-se.) Eu sou um mau pai, e ela não me aconteceu?
deve nada... Que ela viva como quiser! De Tânia eu
EE

tenho muita pena... Tânia, eu tenho muita pena de BESSEMENOY (levantando-se)


você... Irmãozinhos, tenho pena de vocês todos... Ah! Vocês vão ver! Eu vou lá!...
Ah ! Se nós quisermos agir de acordo com a consciên-
eg

cia, vocês todos são uns idiotas... PIOTR


Pai, não há necessidade, não vá!
Ri

BESSEMENOV
eax

Cale à boca... TATIANA


E

Papai, por piedade! Não va, não há necessidade ne-


ip

PIOTR nhuma...
ue

Tânia, onde é que está Elena?


E

BESSEMENOYV
ELENA (de dentro do quarto de Tânia) Não há necessidade de quê?
Estou aqui, preparando o remédio. .
AKOULINA
e

BESSEMENOV Mas o que é que aconteceu?


aTa

Me confundiram todo, me embrulharam o pensa-


SS E

mento. .. não entendo nada! Será possível que Nil te- BESSEMENOY

ARAL
nha ido embora assim, sem mais nem menos” Entende? Nil foi embora... pra sempre...
LA
E

AKOULINA (entra) PIOTR


ROTA PS

Que aconteceu? Nil e Pelagéia estão na cozinha... E o que tem isso? Ele se foi, pronto. Pra que é que

206 207
E
o senhor precisava dele? Ele quer ter sua própria famí- AKOULINA
E Eh, paizinho. .. eles são uns estranhos pra nós...
Por que ter pena deles? Por que se lamentar? Foram
BESSEMENOY embora? Muito bem...
Ah, sim?... E eu,o que sou, um estranho para ele?
ELENA (a Piotr, em voz baixa)
AKOULINA Vamos até a minha casa...
Por que você se preocupa tanto, paizinho! Eles que
vão com Deus... Que é que tem... nós não temos TATIANA (a Elena)
nossos filhos?... (A Pertchikin) E você? o que é que Eu também quero ir. .. me levem com vocês...
estã fazendo ai? Vá embora, vá com eles... ELENA
Venha, vamos...
PERTCHIKIN
Eu não sigo o mesmo caminho deles... BESSEMENOV
Onde”
BESSEMENOV ELENA
Não... isto não estã certo. .. quer ir, vá então... Pra minha casa...
mas como? como ele se foi... e que olhar me lan-
çou... (Elena vem do quarto de Tatiana.) BESSEMENOV
Quem é que você está convidando? Piotr?
TETERIEV (toma Pertchikin pelo braço e leva-o até
a porta) ELENA -
Vamos tomar um gole... É... eTânia vaitambém...

PERTCHIKIN
BESSEMENOY
Trombeta de Deus, você é um sábio ! (Saem os dois.) Tânia não perdeu nada lá. E Piotr não tem também
nada queir âsua casa...
BESSEMENOV PIOTR
Eu tinha certeza de que um dia ele ia embora, mas Desculpe. pai. Mas eu não sou mais criança. Acho
não desse jeito... E ela gritou comigo! Uma menina! que se eu vou ou se eu não vou é assunto que me com-
Uma empregadinha! Eles ainda têm o que ouvir... pete!
208 209
ROCANALAAACAANAALACFAAAAAAAÇÇAAA
Sad Es
E

dente, Teteriev. Detêm-se junto à porta e trocam olha-


BESSEMENOYVY
E

res inteligentes. Pertchikin bate nas costas de Besseme-


O IS

Não vai...
nov e faz gestos com as mãos.) Todos estão se afas-
tando, não se sabe pra onde, sem explicação, sem mo-
A SAD

AKOULINA
tivo... Isso é uma ofensa... Onde você pode ir,
Pétia. .. concorde com o teu pai, sim? Concorda,
Boa

Piotr? Quem é você? Como é que você quer viver? O


não é?
So PAS,

que é que você sabe fazer? (Akoulina soluça. Piotr,


Elena, Tatiana, estão juntos, formando um grupo com»
ELENA (indignada)
pacto frente a Bessemenov. Quando esse pronuncia as
E
Ea PT

Com licença, Vassíli Vassilievitch?


palavras “Aonde você pode ir, Piotr?” Tatiana se se-
ETE

para do grupo e fica perto da mesa, ao lado da mãe.


BESSEMENOV
Pertchikin faz alguns sinais a Teteriev: este sacode as
a =

Licença peço eu... ainda que vocês sejam gente


mãos, afugentando pássaros.) Tenho direito de pergun-
ace cm

instruída, ainda que tenham perdido todo o sentido de


tar... Você ainda é uma criança... Um bobo...
moral, ainda que não respeitem a mais ninguém...
Durante 58 anos trabalhei para meus filhos. .. Como
ço =.

um burro de carga...
TATIANA (grita histericamente)
DES BP

Papai... pare! PIOTR


Pai, o senhor está se atormentando à toa. . . Por que
pe E

BESSEMENOY ê que o senhor precisa de mim... Que é que o senhor


Cale a boca! Se você não é dona da sua sorte, cale quer...
a boca... Espere. E vocês onde vão? (Elena se dirige
Spa

para a porta.) ELENA (a Piptr)


DEVE

Bem, chega... eu não posso mais... eu vou em-


bora!
mig

PIOTR (se precipita até ela, tomando-a nos braços)


CS

Com licença, é preciso ser agora, neste minuto.


er dra ET st Ip,

(Com um golpe) E preciso agora me explicar ! PIOTR


Espere. pelo amor de Deus, um instante só, tudo vai
ficar claro agora!
BESSEMENOY
Edo

É preciso agora me escutar. Conceda-me esta genti-


ELENA
leza: escute-me. Explique, o que é que se passa? (Entra
Mas isso é um manicômio !
dd
FEET

Pertchikin radiante e alegre; atrás dele, também sorri-


A PERO 2 TT) À

211
210
TATIANA AKOULINA
Piotr, vá embora... Assim isso acaba de uma vez, Você está perdido! (Chorando) Ela por acaso serve
vá embora. para você?

PIOTR (quase gritando) PERTCHIKIN


Pai, olhe, olhe bem. .. Mãe... ela é minha noiva! Ela?... Eele, o que é que ele vale?
(Pausa. Todos olham para Piotr. Depois Akoulina
junta as mãos assombrada e olha para seu marido. Bes- BESSEMENOY (lentamente, para Elena)
semenov, como se tivesse recebido um empurrão, retro- Muito obrigado à senhora também, madame. Agora
cede com o corpo e baixa a cabeça. Tatiana, com um a senhora pode começar a fazer o caixão para ele!...
suspiro difícil e pesado, os braços abandonados ao ele ia estudar... Eu bem que pressentia. .. (Com
longo do corpo, vai em direção ao piano.) maldade) Eu felicito a senhora por ter feito uma boa
caça. A senhora... pescou muito bem... Me roubou
TETERIEV o filho, sua cadela imunda!
Você escolheu o momento com muita habilidade !
ELENA
PERTCHIKIN (dando um passo adiante) Não se atreva a...
Todos... todos levantam vôo... Vamos, crian-
çada! Fora da gaiola, como os passarinhos no dia da PIOTR
aleluia. .. É Pai... o senhor está louco...

ELENA (libertando-se das mãos de Piotr) ELENA


Me deixe . .. eu não posso mais. É verdade. Fui eu, eu mesma... fui eu mesma que
propus a ele que se casasse comigo. O senhor fique sa-
PIOTR (murmurando) bendo... Eu arranquei Piotr de vocês, sim, porque te-
Agora tudo está esclarecido... de uma vez por to- nho pena dele. .. Vocês o atormentam dia e noite. Vo-
das. cês não são seres humanos, são ferrugem! Isso que
vocês chamam de amor é a morte. Vocês estão certos,
BESSEMENOV (inclinando-se profundamente para o muito certos... eu fiz tudo pra que ele ficasse co-
filho) migo. . Pensem o que quiserem, não faz diferença...
Bem, obrigado, meu filho, pela alegre notícia... Como eu detesto vocês todos!
212 213
RARAS
E SR” SEea

PIOTR
TATIANA (aproximando-se do pai)
Elena, vamos embora !
Escute, papai...
E

dõi.i..
ET ay UR

ELENA
Sabe... talvez eu nem queira casar comele... Vo- BESSEMENOYV
cês estão contentes? É, isso é possível, não fiquem as- Ah! você ficou?... Você, por que é que não vai

RARARARARrRAAaA
sustados antes do tempo. Vou viver: com ele, sim, as- embora? Ah, não tem com quem? Nem pra onde ir?
sim, viver com ele, nada mais... Sem casamento. (Tatiana afasta-se para o piano. Akoulina se precipita
pao

Gostou? Mas a vocês eu não deixo o Piotr, não. Não para ela, se lastimando.) Perdeu a chance?
e

deixo. Não! Ele não volta mais pro lado de vocês, não!
Nunca, nunca mais! PERTCHIKIN
Vassili Vassilievitch. .. deixe... pense um pouco.
TETERIEV Piotr não precisa estudar agora... pra quê? (Besseme-
Bravo, bravo mulher valente ! nov olha estupidamente para Pertchikin e move afirma-
tivamente a cabeça.) Tem com que viver. Você juntou
AKOULINA bastante dinheiro. Ele está com uma mulher for-
Ai, paizinho. .. Paizinho, que é isso... Ai, paizi- mosa!... E você gritando, se preocupando... você
nho... (Piotr empurra Elena para a porta. Ela sai e é um fenômeno ! (Teteriev ri às gargalhadas.)
leva Piotr.)

RR
AKOULINA
BESSEMENOVY (impotente, olha ao seu redor) Foram todos embora, todos nos abandonaram...
Então é assim?... (De repente grita em voz alta) todos...
Polícia!. .. Chamem a polícia!!! (Batendo os pés)
Fora da casa! Amanhã vocês vão todos embora!
BESSEMENOV (rondando em torno dela)
Você, a senhora...
Cale a boca, mãe. Eles voltam... eles não se atre-
vem a tanto; e depois, pra onde eles vão? (A Teteriev)
TATIANA
Papai, que é que o senhor tem?...
E você, por que é que estã mostrando os dentes!...
Pústula! Fora de minha casa... Amanhã mesmo você
vai embora... vocêe toda sua corja...
PERTCHIKIN
Vassili Vassilievitch, meu paizinho ... por que está
PERTCHIKIN
gritando? ... Você devia ficar alegre !.

ici.
Vassili Vassilievitch!...
214 215
a rs um

BESSEMENOV PERTCHIKIN
"TON To

Fora, você também, infeliz, vagabundo ! Vassili Vassilievitch... ele também? Por quê?
Eh... você perdeu a razão, velho?
AKOULINA
E

Você é uma doente, uma desgraçada... TETERIEYV (tranquilamente)


Não grite, velho. .. Você não pode mandar embora
BESSEMENOV todos os que o atacam. Não se preocupe, seu filho
Você, filha, sabia de tudo. . . Sabia de tudo e ficava volta!
calada... Uma revolta contra o pai... (De repente
assustado) Que é que você acha? Não é sério, não é? BESSEMENOY (rapidamente)
Ele vai abandonar essa mulherzinha. . . Você acha que Como é que você sabe?
ele vai tomar essa prostituta como esposa? Meu filho?
Ah! vocês todos, malditos... uns miseráveis... de- TETERIEV :
pravados. .. desgraçados! Não vai longe, não. Ele subiu ao andar de cima por-
que foi arrastado até lá... temporariamente... mas
ele volta. Quando você estiver morto, vai reformar al-
TATIANA
Me deixe em paz, não me obrigue a odiar o senhor, guma coisa deste estábulo. .. vai mudar os móveis de
ainda mais...
lugar... e vai viver como você vive agora... tran-
quilo, razoável, acomodado. .
AKOULINA
PERTCHIKIN
Minha filhinha, minha filhinha desafortunada. ..
Veja, fenômeno! O homem lhe quer bem... diz pa-
Maltrataram você? Todos maltratam a gente? Por lavras boas, pra você ficar sossegado. .. tranquilo...
que?.. e você está praguejando! Terênti é um homem sábio,
enxerga longe...
BESSEMENOV
Quem é culpado? Nil Vassilievitch. . . Bandido, ca- TETERIEV
nalha. .. envenenou nosso filho... e minha filha so- Vai mudar os móveis de lugar, e vai viver com a
fre! (Olhando Teteriev que está junto ao armário) E consciência tranquila de que cumpriu plenamente o seu
você, maltrapilho? O que você está fazendo na minha dever perante a vida e os homens. .. É completamente
casa... Fora!... Fora deminhacasa!... idêntico a você!

216 217
RANANAAAAAAnALeRAAAANATAANAAAÇ
semp
PERTCHIKIN que você fez de bom? E seu filho, como você agora...
Como duas gotas d'água! não vai responder nada. .

TETERIEV BESSEMENOV
Completamente idêntico, covarde e bobo! Falar, você fala. .. Você tem jeito para falar. .. Eu
não acredito em você... Fora!... fora de minha
BESSEMENOV casa... vocês todos... (Teteriev se levanta.) Você en-
Ah! Fale. mas não precisa xingar! Quem lhe deu cheu a cabeça deles contra mim...
licença?
TETERIEV
TETERIEV Ah! Se fosse eu ! Mas não, não fui eu... (Sai)
E será, com o tempo, tão avarento como você. Tão
seguro de si mesmo, como você... tão mau, como BESSEMENOV (sacudindo a cabeça)
você... (Pertchikin, estranhando, olha a cara de Tete- Havemos de ter paciência... tivemos paciência a
riev. Também na cara de Bessemenov se reflete perple- vida inteira... vamos ter paciência agora... espe-
xidade. Mas o que Teteriev diz lhe interessa viva- rar... (Vai para seu quarto.)
mente) E um dia... será até infeliz como você é
agora!... A vida avança, velho, e quem não avança AKOULINA (atrás do marido)
ao lado dela, fica só! Como você... Paizinho. querido... Somos uns desgraçados...
Por que nossos filhos... Por que eles maltratam a
PERTCHIKIN gente?... (Pertchikin fica no meio da sala completa-
Está vendo? Tudo estã certo e você... ! mente perplexo. Tatiana olha em seu redor com olhos
desorientados, sentada na cadeira junto ao piano. Do
BESSEMENOV quarto dos velhos ouve-se uma conversa surda.)
Espere! Saia daí!
PERTCHIKIN
TETERIEV Tânia... Tânia... (Tânia nao encara e nem res-
E ninguém vai ter pena do seu desafortunado filho. ponde.) Tânia, por que será que eles? . .. Uns fugiram,
E dirão a verdade na cara dele, assim como eu estou outros choram... (Olha Tatiana e suspira.) Vocês são
dizendo para você agora: Pra que você viveu? Que é uns fenômenos!... (Olha a porta que dá para o quarto

SA
218 219
eae
dos velhos, caminha em direção da porta da saída, me-
xendo a cabeça.) Eu vou atrás de Terênti. .. Ah, Fenô-

Er
menos!... (Tatiana se curva lentamente, depois se
apóia nas teclas. Pela sala ressoa um acorde dissonante
e forte, que se extingue pouco a pouco.)
NOTAS DO EDITOR
CAI OPANO
1. Pétia, forma diminutiva e afetiva de Piotr.

2. Kasha, alimento em forma de papa, feito à base de arroz. trigo


ou aveia.

3. Terênti, o verdadeiro nome de Teteriev.

4. A Segunda Juventude, peça de P. M. Nevejine. que fez muito


sucesso no fim do século passado. .

$. Trecho do poema O Prisioneiro do Cáucaso, de A. S. Puchkin.

6. Palavras finais da oração que se rezava nas escolas da Rússia


tzarista, antes das aulas diárias. (N. do T.)

7. Trocadilho intraduzível: bik em russo significa boi. (N. do T.)

8. Tanietchka, forma diminutiva e afetiva de Tânia que, por sua


vez, é uma forma diminutiva de Tatiana.
TSE

9. Mefistófeles. personagem da demonologia medieval que apa-


rece na lenda do Doutor Fausto como figura satânica que procura
dominar e perder as almas.

IO. Heráclito, filósofo grego (544-480 a.C.) que atribuía ao fogo


a qualidade de elemento criador e eterno, concluindo pela perpé-
tua e constante transformação e movimento na natureza, onde
nada reconhecia estável ou definitivo.

220 221
ASCLARLRANLLALLLAALARARLAANANANARO
11. Swift (Jonathan), escritor irlandes, crítico da sociedade, ferino
e pessimista.
e — a ra o EV
das

12. Em francês no original: as três primeiras palavras de 4 Mar


selhesa, hino nacional francês: “Vamos, filhos da pátria !”
EN

13. Pelagéia, o nome de Pólia. ÍNDICE


a a SS O

14. Jogo de palavras intraduzíveis: em russo uma mesma expres-


são significa “levar alguém para casa” e “recusar ir a um depoi-
mentor. (Ndo T) Introdução cisne V
a a

Personagens .....cccciccererisarcscaccscaro 5
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15. Kamarinskaia, nome de uma dança popular russa. Condria «esses ses seram naaunáca sans senado 7
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l6. Crença popular na Rússia: os bébedos inveterados veem uma RR nao ic a 113
enorme serpente verde em seus delírios. (N. do T.) ; RR a aa ae Ra Cá 163
ERR ENCANTO coca pa Ga “ 221
17. Duncan, rei da Escócia, morto por Macbeth.

18. Heine (Heinrich), poeta e prosador alemão (1797-1856) mar-


cado pelo liberalismo e por sua simpatia para com Karl Marx.
o que serviu de inspiração política e revolucionária para alguns
de seus poemas. .

19. Maria Nikitchna, outro nome de Maria Tzvetáleva.

20. Petruchka, outra forma diminutiva e afetiva de Piotr.

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