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O princípio da insignificância pode ser aplicado no caso de crimes de

descaminho e contrabando?

Por Marcio André Lopes Cavalcante

O princípio da insignificância pode ser aplicado no caso de crimes


tributários e no descaminho?
SIM. É plenamente possível que incida o princípio da insignificância tanto nos
crimes contra a ordem tributária previstos na Lei nº 8.137/90 como também no
caso do descaminho (art. 334 do CP).
O descaminho é também considerado um crime contra a ordem tributária, apesar
de estar previsto no art. 334 do Código Penal e não na Lei nº 8.137/90.

Existe algum limite máximo de valor para que possa ser aplicado o
princípio da insignificância nos crimes tributários?
SIM. A jurisprudência criou a tese de que nos crimes tributários, para decidir se
incide ou não o princípio da insignificância, será necessário analisar, no caso
concreto, o valor dos tributos que deixaram de ser pagos.

E qual é, então, o valor máximo considerado insignificante no caso de


crimes tributários?
Tradicionalmente, esse valor era de 10 mil reais.
Assim, se o montante do tributo que deixou de ser pago era igual ou inferior a
10 mil reais, não havia crime tributário, aplicando-se o princípio da
insignificância.

Qual era o parâmetro para se chegar a esse valor?


Esse valor foi fixado pela jurisprudência tendo como base o art. 20 da Lei
n.°10.522/2002, que determina o arquivamento das execuções fiscais cujo valor
consolidado for igual ou inferior a R$ 10.000,00. Em outros termos, a Lei
determina que, até o valor de 10 mil reais, os débitos inscritos como Dívida Ativa
da União não serão executados.
Segundo a jurisprudência, não há sentido lógico permitir que alguém seja
processado criminalmente pela falta de recolhimento de um tributo que nem
sequer será cobrado no âmbito administrativo-tributário.
Nesse caso, o direito penal deixaria de ser a ultima ratio.

Esse valor de 10 mil reais permanece ainda hoje?


NÃO. Recentemente, foi publicada a Portaria MF nº 75, de 29/03/2012, na qual
o Ministro da Fazenda determinou, em seu art. 1º, inciso II, “o não ajuizamento
de execuções fiscais de débitos com a Fazenda Nacional, cujo valor consolidado
seja igual ou inferior a R$ 20.000,00 (vinte mil reais).”
Desse modo, o Poder Executivo “atualizou” o valor previsto no art. 20 da Lei
n.° 10.522/2002 e passou a dizer que não mais deveriam ser executadas as
dívidas de até 20 mil reais.
Em outras palavras, a Portaria MF 75/2012 “aumentou” o valor considerado
insignificante para fins de execução fiscal. Agora, abaixo de 20 mil reais, não
interessa à Fazenda Nacional executar (antes esse valor era 10 mil reais).
Diante desse aumento produzido pela Portaria, começou a ser defendida a tese
de que o novo parâmetro para análise da insignificância penal nos crimes
tributários passou de 10 mil reais (de acordo com o art. 20 da Lei
n.°10.522/2002) para 20 mil reais (com base na Portaria MF 75).

A jurisprudência acolheu essa tese?

STF: SIM, de imediato.


Para o STF, o fato de as Portarias 75 e 130/2012 do Ministério da Fazenda terem
aumentado o patamar de 10 mil reais para 20 mil reais produz efeitos penais.
Logo, o novo valor máximo para fins de aplicação do princípio da insignificância
nos crimes tributários passou a ser de 20 mil reais.
Precedentes:
STF. 1ª Turma. HC 120617, Rel. Min. Rosa Weber, julgado em 04/02/2014.
STF. 2ª Turma. HC 120620/RS e HC 121322/PR, Rel. Min. Ricardo Lewandowski,
julgados em 18/2/2014.

STJ: relutou durante anos para aceitar a tese.


O STJ, durante anos, ficou decidindo que o valor de 20 mil reais, estabelecido
pela Portaria MF nº 75/12 como limite mínimo para a execução de débitos contra
a União, não poderia ser considerado para efeitos penais (não deveria ser
utilizado como novo patamar de insignificância).
O Tribunal apontava dois argumentos principais:
i) a opção da autoridade fazendária sobre o que deve ou não ser objeto de
execução fiscal não pode ter a força de subordinar o exercício da jurisdição penal;
ii) não é possível majorar o parâmetro previsto no art. 20 da Lei nº 10.522/2002
por meio de uma portaria do Ministro da Fazenda. A portaria emanada do Poder
Executivo não possui força normativa passível de revogar ou modificar lei em
sentido estrito.
Em suma, para o STJ, o valor máximo para aplicação do princípio da
insignificância no caso de crimes contra a ordem tributária (incluindo o
descaminho) continuava sendo de 10 mil reais.
Nesse sentido:
AgRg no AREsp 331.852/PR, j. em 11/02/2014
AgRg no AREsp 303.906/RS, j. em 06/02/2014

Qual é a novidade sobre o tema?


O STJ curvou-se ao entendimento do STF.
O STJ, vendo que as suas decisões estavam sendo reformadas pelo STF, decidiu
alinhar-se à posição do Supremo e passou a também entender que o limite para
a aplicação do princípio da insignificância nos crimes tributários e no descaminho
subiu realmente para R$ 20 mil.
O tema foi decidido sob a sistemática do recurso repetitivo e fixou-se a seguinte
tese:

Incide o princípio da insignificância aos crimes tributários federais e de


descaminho quando o débito tributário verificado não ultrapassar o
limite de R$ 20.000,00 (vinte mil reais), a teor do disposto no art. 20 da
Lei n. 10.522/2002, com as atualizações efetivadas pelas Portarias n. 75
e 130, ambas do Ministério da Fazenda.
STJ. 3ª Seção. REsp 1.709.029/MG, Rel. Min. Sebastião Reis Júnior, julgado em
28/02/2018 (recurso repetitivo).

Em suma, qual é o valor máximo considerado insignificante no caso de


crimes tributários e descaminho?
Tanto para o STF como o STJ: 20 mil reais (conforme as Portarias 75 e 132/2012
do MF).

Esse valor deve ser calculado quando? No momento da sentença, ele


deve ser atualizado com juros e correção monetária para saber se passa
do teto de R$ 20 mil?
NÃO. Para se verificar a insignificância da conduta, deve-se levar em
consideração o valor do crédito tributário apurado originalmente no procedimento
de lançamento.
Assim, os juros, a correção monetária e eventuais multas de ofício que incidem
sobre o crédito tributário quando ele é cobrado em execução fiscal não devem
ser considerados para fins de cálculo do princípio da insignificância.

STJ. 5ª Turma. RHC 74.756/PR, Rel. Min. Ribeiro Dantas, julgado em


13/12/2016.

Para o STF é possível aplicar o novo limite (de 20 mil reais) mesmo que
o fato tenha ocorrido antes da Portaria 75/2012?
SIM. Para o STF, o limite imposto por essa portaria (20 mil reais) pode ser
aplicado de forma retroativa para fatos anteriores à sua edição considerando que
se trata de norma mais benéfica (STF. 2ª Turma. HC 122213, Rel. Min. Ricardo
Lewandowski, Segunda Turma, julgado em 27/05/2014).

Esse valor é considerado insignificante tanto no caso de crimes


envolvendo tributos federais, como também estaduais e municipais?
NÃO. Esse parâmetro vale, a princípio, apenas para os crimes que se relacionam
a tributos federais, considerando que é baseado no art. 20 da Lei
n.° 10.522/2002, que trata dos tributos federais. Assim, esse é o valor que a
União considera insignificante.
Para fins de crimes de sonegação fiscal que envolvam tributos estaduais ou
municipais, deve ser analisado se há lei estadual ou municipal dispensando a
execução fiscal no caso de tributos abaixo de determinado valor. Esse será o
parâmetro para a insignificância. Veja como decidiu o STJ:
(...) 4. Para a aplicação do referido entendimento aos tributos que não sejam da
competência da União, seria necessária a existência de lei estadual no mesmo
sentido, até porque à arrecadação da Fazenda Nacional não se equipara a das
Fazendas estaduais. Precedentes e doutrina.
5. Inviável a aplicação do referido entendimento ao caso em análise, no qual o
paciente foi denunciado por, em tese, suprimir o valor de R$ 819,00 (oitocentos
e dezenove reais) de Imposto sobre a Circulação de Mercadorias e Serviços
(ICMS), de competência dos estados, de acordo com o art. 155, II, da
Constituição Federal.
6. Um dos requisitos indispensáveis à aplicação do princípio da insignificância é
a inexpressividade da lesão jurídica provocada, que pode se alterar de acordo
com o sujeito passivo, situação que reforça a impossibilidade de se aplicar
referido entendimento de forma indiscriminada à sonegação dos tributos de
competência dos diversos entes federativos da União. (...)
STJ. 6ª Turma. HC 165003/SP, Rel. Min. Sebastião Reis Júnior, julgado em
20/03/2014 (Info 540).

E o contrabando? Podemos aplicar esse entendimento acima explicado


para o contrabando?
NÃO. Não se aplica o princípio da insignificância ao crime de contrabando, uma
vez que o bem juridicamente tutelado vai além do mero valor pecuniário do
imposto elidido, alcançando também o interesse estatal de impedir a entrada e
a comercialização de produtos proibidos em território nacional. Trata-se, assi, de
um delito pluriofensivo.
Nesse sentido: STJ. 6ª Turma. AgRg no REsp 1472745/PR, Rel. Min. Sebastião
Reis Júnior, julgado em 01/09/2015.
O caso mais comum e que pode cair na sua prova é o de contrabando de cigarros.

Por que se aplica o princípio da insignificância para o descaminho, mas


não para o contrabando?
No delito de contrabando, o objeto material sobre o qual recai a conduta
criminosa é a mercadoria PROIBIDA (proibição absoluta ou relativa). Em outras
palavras, o objetivo precípuo dessa tipificação legal é evitar o fomento de
transporte e comercialização de produtos proibidos por lei.
No contrabando não se cuida, tão somente, de sopesar o caráter pecuniário do
imposto sonegado, mas principalmente, de tutelar, entre outros bens jurídicos,
a saúde pública.
Em suma, no contrabando, o desvalor da conduta é maior, razão pela qual se
deve afastar a aplicação do princípio da insignificância. Veja:
O princípio da insignificância não incide na hipótese de contrabando de cigarros,
tendo em vista que “não é o valor material que se considera na espécie, mas os
valores ético-jurídicos que o sistema normativo-penal resguarda.
STF. 2ª Turma. HC 118.359, Min. Cármen Lúcia, DJ 11/11/2013.

Em sede de contrabando, ou seja, importação ou exportação de mercadoria


proibida, em que, para além da sonegação tributária há lesão à moral, higiene,
segurança e saúde pública, não há como excluir a tipicidade material tão-
somente à vista do valor da evasão fiscal, ainda que eventualmente possível, em
tese, a exclusão do crime, mas em face da mínima lesão provocada ao bem
jurídico ali tutelado, gize-se, a moral, saúde, higiene e segurança pública.
STJ. 6ª Turma. AgRg no REsp 1418011/PR, Rel. Min. Maria Thereza de Assis
Moura, julgado em 03/12/2013.

Fonte: https://www.dizerodireito.com.br

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