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RESUMO
A remição da pena pela leitura é um direito de natureza socioeducativa que garante à
pessoa presa o direito de subtração do tempo de cumprimento da pena. A presente
pesquisa buscou investigar o conceito de literatura e as estratégias de formação de
leitores que a Unidade Prisional de Tabatinga/AM utiliza no projeto denominado
“Projeto Remição pela Leitura da Comarca de Tabatinga”. Neste sentido, a pesquisa
parte da indagação acerca do cumprimento do dever legal e constitucional do Estado
para com os encarcerados, e da compreensão de literatura nas atividades práticas de
leitura daquele estabelecimento prisional. Para tanto, consideramos neste trabalho as
concepções de Foucault (1987), sobre como o sistema punitivo opera no ambiente e nos
corpos que ali estão; Cândido (2004), pensando a literatura como um direito básico do
ser humano; Magalhães (2008), pontuando a importância das leituras de livre escolha na
formação do leitor; Literatura para quê?, de Compagnon (2009), acreditando que a
literatura tem o poder de nos tornar sujeitos mais sensíveis. Leis e doutrinas que
regulamentam a leitura literária em estabelecimentos prisionais, assim como demais
pesquisas que discorrem sobre o letramento literário em prisões, também auxiliaram no
aporte teórico-metodológico utilizado na pesquisa. Utilizamos o método descritivo e
documental, além de visitas de campo observatórias, a fim de compreender as mudanças
que espaços e propostas de leitura podem ocasionar em um ambiente carcerário. Assim,
este estudo pretende contribuir para pensar práticas, espaços educativos, ressocialização
nas prisões, bem como dar visibilidade a esses corpos/leitores silenciados.
INTRODUÇÃO
1
Pessoa que, consciente ou não, realiza o transporte de substâncias ilícitas.
É dever legal e constitucional do Estado para com os encarcerados garantir
direitos mínimos e oferecer tratamento digno e humanizado durante o cumprimento da
pena. E a remição é uma garantia fundamentada nos artigos 1º, III, e 5º, XLVI, ambos
da Constituição Federal de 1988, que possibilita ao reeducando acessar os diferentes
níveis de cultura por meio da leitura literária livre, e, com isso, a ressocialização e o não
retorno às práticas criminosas.
Atualmente, no Brasil, as possibilidades de remição são três: remição pelo
trabalho, remição pelo estudo e remição por meio de atividades educacionais
complementares. A ampliação das possibilidades de remição se tornou possível em
virtude da Lei nº 12.433/2011, sancionada pela ex-presidente da república Dilma
Roussef, a qual alterou a Lei de Execução Penal (Lei nº 7.210/1984) passando a ampliar
esse direito que até então se restringia somente ao trabalho. E a concessão de habeas
corpus pelo Superior Tribunal Federal (STF) a uma pessoa presa no Estado de Santa
Catarina, a qual foi aprovada no Exame Nacional de Certificação de Competências de
Jovens e Adultos (Encceja), reforçou esse direito, incumbindo o Conselho Nacional de
Justiça (CNJ) de regulamentar a temática e propor aos Tribunais que instituam e
promovam projetos de remição pela leitura, por meio da Recomendação CNJ nº
44/2013.
Neste sentido, em agosto de 2021 foi instituído o projeto “Remição pela
Leitura da Comarca de Tabatinga”, o qual está em execução e visa possibilitar a remição
pela leitura no estabelecimento prisional do município. O Juízo de Execução Penal da
Comarca de Tabatinga/AM, a Defensoria Pública do Estado do Amazonas, o Ministério
Público do Estado do Amazonas, a Direção da Unidade Prisional de Tabatinga/AM e a
Secretaria Municipal de Educação de Tabatinga/AM são os entes envolvidos. Nele fica
estabelecido que a participação seja voluntária e aberta a todos os internos, esteja em
prisão cautelar, provisória, preventiva ou definitiva, sem prejuízo da cumulação com
outras atividades, conforme prevê o artigo 126, § 3º, da Lei de Execução Penal.
Entretanto, a criação do projeto em si não é garantia de acesso ao direito à
leitura pelos internos dos estabelecimentos penais. Ademais, esta pesquisa compreende
que a literatura é um direito universal que deve estar disponível em todos os espaços
sociais, principalmente na prisão. A partir daí, buscamos refletir os dispositivos legais
que norteiam a leitura literária em prisões, investigar o acesso a tal direito, a
compreensão de literatura que o projeto aplica nas atividades, as estratégias de formação
de leitores, bem como discutir a literatura e sua importância para a humanização das
pessoas e do espaço prisional.
Neste trabalho, a primeira etapa consistiu numa visita de campo junto ao
espaço destinado à leitura na Unidade Prisional de Tabatinga/AM e conversa com os
internos e servidores públicos que coordenam o projeto, com o objetivo de conhecer o
Programa de Remição pela Leitura na Unidade Prisional de Tabatinga/AM e seu
funcionamento.
Ainda para o aporte teórico-metodológico, visitou-se leis e doutrinas que
regulamentam a leitura literária em presídios, assim como também pesquisas que
discorrem sobre o letramento literário em estabelecimentos penais. Desse modo,
caracteriza-se o presente estudo como descritivo, haja vista que foi desenvolvido através
de pesquisa bibliográfica e documental.
FUNDAMENTAÇÃO
Por muito tempo, o aparelho penal era o responsável tanto pelo julgamento,
que se dava de maneira sigilosa, quanto pelo poder de punição. Com o tempo surgem
perguntas que começam a questionar seu poder de sanção e controle. Diante disso, o
aparelho penal busca se fortalecer compartilhando sua responsabilidade com o que o
autor chama de elementos extrajurídicos, como a psicologia e a psiquiatria. Estes, por
sua vez, passam a desempenhar um papel jurídico que fortalece o aparelho penal e
divide o peso da responsabilidade da punição, tornando-se, desse modo, instrumentos
do aparelho penal importantes na operação contra os corpos.
Foucault inclina seu estudo à prisão, mas mostra que todos os sujeitos da
sociedade obedecem ao mesmo modelo disciplinar que existe na prisão, com regras que
operam por vezes sem que se perceba, como horário para praticar certas atividades,
horário para acordar, para receber visitas, o dever de produzir, de ser útil e entre outros.
O aparelho penal não é o único que faz uso da disciplina, as igrejas, as escolas,
os quartéis, o Estado também são instituições que produzem a disciplina com o objetivo
de docilizar o corpo do indivíduo numa relação de utilidade. E na prisão, o sujeito fica
no centro, ele é obrigado a obedecer a regras rigorosas e fica sujeito a limitações e
proibições de diversas naturezas.
O corpo foi e ainda é o objeto de investimento principal do poder e das
instituições disciplinares como a prisão, um poder que se dedica a operar e até mesmo
fabricar corpos dóceis como nos suplícios, por exemplo, a fim de que sejam úteis sob
uma perspectiva econômica, ou seja, é a mente que será controlada, mas é o corpo que
vai produzir.
A disciplina pode ser observada em muitos espaços sociais e na própria
sociedade. E muito embora a ordem seja usada para tentar justificar sua utilização, esse
método não esconde seu verdadeiro objetivo que é o de trabalhar os corpos, de controlá-
los, de observá-los, se explorar eles, de torná-los obedientes e, consequentemente, úteis.
A instituição-prisão aparece então como um excelente espaço onde seria possível
aplicar com precisão todas as técnicas de operações dos corpos. E diz o autor que ela
foi vista desta forma antes que a lei a definisse como pena por excelência.
Na medida em que não se pode viver sem ela, torna-se um direito universal,
cuja satisfação é um dever social, o que não exclui a pessoa presa da fruição de tal
direito. Mas para deixar mais claro o lugar de necessidade que a literatura ocupa,
Compagnon (2009), professor de literatura, escritor e crítico literário, sustenta que a
vida é mais cômoda, mais clara, mais ampla para aqueles que leem que para aqueles que
não leem. E que isso ocorre por uma razão, qual seja, de que a literatura confirma e
nega, propõe e denuncia, apoia e combate, fornecendo possibilidades de vivermos
dialeticamente os problemas, isto é, há um poder imensurável nela mesma e outro
ligado ao lugar que ela ocupa no meio social, o qual pode ser tanto para humanizar
como para dominar.
A literatura humaniza porque possibilita a autonomia. E o ato de ler enquanto
habilidade útil para o viver reside na necessidade de leitura do dia-a-dia. Ela possibilita
ao leitor melhor gozar a vida ou ao menos suportá-la.
Vemos nela, então, não só um meio de nos tornarmos melhores, mas também
um instrumento de luta. Ela possibilita, de modo particular, a dar forma às experiências
humanas, ela auxilia, segundo Compagnon (2009), na nossa educação sentimental. A
literatura se apresenta como um meio de transmitir a experiência daqueles que estão
distantes de nós no tempo e espaço, e, dessa forma, nos torna sujeitos mais sensíveis.
As possibilidades que a literatura oferece vão muito além. Ela é capaz de bem
mais do que nos tornar sujeitos sensíveis. Magalhães (2008), professora e escritora
brasileira, sustenta que ela é capaz de refinar tal sensibilidade e que para acessar esse
benefício é necessário reconhecer que a literatura é arte e, como tal, demanda
competências e habilidades ligadas à subjetividade, à criatividade e à sensibilidade.
Sabendo disso, Annie Rouxel, escritora e professora emérita em Língua e
Literatura Francesa em seu estudo intitulado “Práticas de leitura: quais rumos para
favorecer a expressão do sujeito leitor?”, aponta que historicamente o ensino de
literatura exlcui a leitura e o sujeito leitor. E que as leituras análiticas, costuman deixar
pouco espaço à subjetividade do leitor, posto que exigem dele que seja capaz de
responder as injunções do texto unilateralmente.
No que diz respeito ao autor de uma obra literária, de acordo com Iser (1985),
citado pela autora, o leitor assume na leitura uma parte igual no jogo da imaginação,
isso significa que a leitura analítica é um espaço de avaliação de saberes e competências
que ignora o protagonismo do sujeito leitor, o que pode ensejar em uma leitura
frustrada.
RESULTADOS E DISCUSSÕES
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Neste artigo, buscamos investigar o Projeto de Remição pela Leitura pensando
o espaço prisional como um espaço de formação de leitores literários autônomos.
Atento às operações do sistema penal sobre as escolhas, as ações e mente dos corpos
que ali estão, conforme explicado por Foucault, tira-se das análises a importância e
urgência de pensar em ações que visem abrir na prisão espaço destinado à leitura e
formação de leitores, com estrutura, com profissionais qualificados, e não sem qualquer
preocupação, improvisado, como ocorre no estabelecimento prisional de Tabatinga/AM.
Apesar de ainda haver a necessidade de aprofundar estudos através de
entrevista com os atores envolvidos na criação do projeto, o que se pretende em
próximas etapas desta pesquisa, não resta dúvidas que as ações de formação de leitores
inexistem e que a leitura aparece como um favor do poder público, prestado de qualquer
forma à pessoa presa, e não um dever que é previsto em Lei.
Diante da falta de estrutura na condução do projeto no que concerne à ausência
de preocupação com a literatura, o Centro de Estudos Superiores de Tabatinga –
CESTB/UEA mostra-se uma instituição que muito pode contribuir para democratizar a
literatura e pensar formas de levá-la a espaços discriminados e esquecidos, como é o
caso da Unidade Prisional de Tabatinga.
Conclui-se que a literatura deve ser vista não como uma inimiga, mas uma via
para o processo de ressocialização e que, por esse motivo, deve ser acessada por toda
pessoa presa. A leitura não pode ser convertida num instrumento de adestramento e
disciplina dentro do espaço prisional. A leitura literária deve ir muito além da remição,
é preciso incluir nesse processo a compreensão de que a literatura é um bem que deve
ser democratizado e que para o ambiente prisional é um elemento formativo que
beneficia a pessoa presa, ao estabelecimento prisional e a sociedade.
REFERÊNCIAS:
CANDIDO, Antônio. Vários Escritos. São Paulo: Duas Cidades/ Ouro sobre azul,
2004.
COMPAGNON, Antoine. Literatura para quê? Tradução de Laura Taddei Brandini.
Belo Horizonte: Editora UFMG, 2009.