Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
NEOCONSTITUCIONALISMO EUROPEU E
NOVO CONSTITUCIONALISMO LATINO- João Paulo Allain Teixeira 1
Raquel Sparemberger 2
-AMERICANO: UM DIÁLOGO POSSÍVEL?
RESUMO: A presente pesquisa pretende estabelecer ABSTRACT: This research intends to establish bases and
bases e fundamentos para a compreensão das práticas foundations for understanding the contemporary
constitucionais contemporâneas observadas no constitutional practices observed in Europe and Latin
continente europeu e no continente latino-americano. America. It aims to investigate the way in which the
Trata-se aqui de investigar a maneira pela qual o constitutional discourse has provided the protection of
discurso constitucional tem proporcionado a tutela da the human condition , whether in European post-war
condição humana, seja nas experiências europeias do experiences , whether in Latin American experiences
pós-guerra, seja nas experiências latino-americanas that arose at the end of the first decade of this century .
surgidas no final da primeira década do século XXI. A From these elements , the authors intend to verify the
partir destes elementos, pretende-se verificar a possibility of establishing a dialogue between the two
possibilidade de estabelecimento de diálogo entre as experiments, from a mutual learning process.
duas experiências, a partir de um processo de
aprendizado recíproco.
1
Doutor e Mestre em Direito pela Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) Professor da Universidade Católica de
Pernambuco (UNICAP), Professor do Programa de Pós-Graduação em Direito da Universidade Católica de Pernambuco
(PPGD-UNICAP) (Mestrado e Doutorado), Doutor e Mestre em Direito pela Universidade Federal de Pernambuco
(UFPE). Professor da Faculdade de Direito do Recife (CCJ/UFPE),Professor do Programa de Pós-Graduação em Direito
da Universidade Federal de Pernambuco (Mestrado e Doutorado). Líder do Grupo de Pesquisa REC – Recife Estudos
Constitucionais. (CNPq).Tem experiência na área de Direito, com ênfase em Filosofia do Direito e Teoria Geral do
Direito e do Estado. E-mail: jpallain@hotmail.com.
2
Pós-doutora em Direito pela Universidade Federal de Santa Catarina - UFSC. Doutora em Direito pela Universidade
Federal do Paraná - UFPR. Mestre em Direito pela UFPR. Possui Graduação em Direito pela Universidade Regional do
Noroeste do Estado do Rio Grande do Sul (1995). Professora adjunta da Universidade Federal do Rio Grande -FURG,
professora do Programa de Mestrado em Direito da Universidade Federal do Rio Grande -FURG. Professora dos cursos
de graduação e do Programa de Mestrado em Direito da Faculdade de Direito da Fundação Escola Superior do
Ministério Público-FMP. Tem experiência na área de Direito, com ênfase em Teoria Geral do Direito, Direito
Constitucional, Direito Ambiental e Direitos Humanos, América latina e questões decoloniais. Professora pesquisadora
do CNPq e FAPERGS. Professora participante do Grupo de Pesquisa em Antropologia Jurídica -GPAJU da UFSC e
Pesquisadora do Grupo de Pesquisa Hermenêutica e ciências criminais e Direito e justiça social da Universidade
Federal do Rio Grande. Responsável pelo Grupo de Estudos da FURG sobre o Constitucionalismo Latino-
Americano.Advogada. Advogada do escritório de Advocacia Luciane Dias Sociedade de Advogados-Pelotas-RS.
52
João Paulo Allain Teixeira e Raquel Fabiana Lopes Sparemberger
■■■
1 INTRODUÇÃO
Pesquisar bases para um diálogo entre o modelo europeu de realização
constitucional da dignidade humana e a proposta latino-americana de reconstrução do
constitucionalismo nos levou a investigar as possibilidades de entrecruzamento de
contribuições recíprocas para a emancipação política e social a partir de duas matrizes
contemporâneas do constitucionalismo contemporâneo. Parte-se do pressuposto de que
tanto a proposta de construção de um “novo constitucionalismo” no continente latino-
americano quanto a proposta do “neoconstitucionalismo” europeu possuem preocupações
comuns, e que, apesar das distintas e específicas pautas, podem contribuir reciprocamente
com a efetiva consolidação de uma pauta de proteção à condição humana. De um lado,
encontramos nos países do norte uma releitura da tradição constitucional a partir da
atribuição de um papel diferenciado para as Constituições e para a jurisdição
constitucional, enquanto instância reconhecida como legítima intérprete dos direitos
fundamentais. O neoconstitucionalismo europeu é fortemente impregnado pela
compreensão de que as Constituições representam, sobretudo, valores que conferem
estatura jurídico-normativa à condição humana.
De outro lado, temos o chamado “novo constitucionalismo latino-americano”,
nascido a partir das experiências constitucionais de países da América Latina propondo a
refundação da teoria constitucional envolvendo o abandono das propostas totalizantes e
uniformizadoras típicas de uma modernidade que se estabelece no plano da racionalidade
e individualismo e a aproximação de modelos de compreensão da realidade
caracterizados pela multiplicidade e pelo pluralismo. As principais experiências nesse
sentido decorrem da adoção de constituições pluralistas pelo Equador e pela Bolívia
respectivamente nos anos de 2008 e 2009.
53
Revista Brasileira de Sociologia do Direito, v. 3, n. 1, jan./abr. 2016
54
João Paulo Allain Teixeira e Raquel Fabiana Lopes Sparemberger
55
Revista Brasileira de Sociologia do Direito, v. 3, n. 1, jan./abr. 2016
56
João Paulo Allain Teixeira e Raquel Fabiana Lopes Sparemberger
57
Revista Brasileira de Sociologia do Direito, v. 3, n. 1, jan./abr. 2016
II
Percebe-se, assim que o “novo” constitucionalismo latino americano emerge da
necessidade de um novo conceito de nação (e nisso difere do neoconstitucionalismo), em que
as questões de ordem pluriétnica, multicultural, intercultural e ambiental estejam
representadas. Para pensar a diferença na representatividade da nação, Homi Bhabha (1998)
propõe um novo olhar, o qual se volta mais para a temporalidade do que para a historicidade do
evento. Assim ele rompe com as associações historicamente lineares a respeito da ideia de
nação (adotadas pelo neoconstitucionalismo), realizadas através de um tempo de causa e
efeito. Para este autor, há diferentes formas de identificação cultural que a nacionalidade
comporta através de um tempo disjuntivo. Esse tempo nacional duplo e descontinuo
reconhecido por Bhabha (1998) revela as identificações culturais de um grupo através de uma
disputa de forças entre o presente e o passado.
O indiano Homi Bhabha (1998, p. 111) prefere caracterizar o discurso colonial e seus
objetivos: a construção do colonizado como população de tipo degenerado, possuindo como
base uma origem racial, de modo a justificar a conquista e estabelecer sistemas administrativos
e culturais. A América Latina, em especial Bolívia e Equador, com seus novos textos
constitucionais tem possibilitado o debate sobre os novos rumos e avanços numa tentativa
58
João Paulo Allain Teixeira e Raquel Fabiana Lopes Sparemberger
59
Revista Brasileira de Sociologia do Direito, v. 3, n. 1, jan./abr. 2016
60
João Paulo Allain Teixeira e Raquel Fabiana Lopes Sparemberger
61
Revista Brasileira de Sociologia do Direito, v. 3, n. 1, jan./abr. 2016
62
João Paulo Allain Teixeira e Raquel Fabiana Lopes Sparemberger
Declaração das Nações Unidas sobre o direito dos povos indígenas. Nesse ciclo há e houve
a demanda pela criação do Estado plurinacional e de um pluralismo jurídico igualitário.
Este processo, nítida e conscientemente vinculado a uma proposta descolonizadora
(para além das propostas do neoconstitucionalismo), representa uma mudança de
paradigmas na teoria constitucional moderna. São exemplos de práticas institucionais
reconhecidas pelas constituições do terceiro ciclo, a ampliação das possibilidades de
participação popular na formulação de pautas políticas vinculantes e o reconhecimento do
direito indígena para a criação de normas e procedimentos próprios para a organização e
solução de conflitos relativos aos povos originários. São exemplos de constituições do
terceiro ciclo, Equador (2008) e Bolívia (2009).
O “novo constitucionalismo”latino americano, apresenta novas possibilidades de
pensar a organização do Estado, definindo novas potencialidades para o direito. Um
exemplo destas potencialidades esta na Constituição boliviana de 2009. Na Bolívia, existem
36 etnias distintas, e a população boliviana de origem indígena compreende cerca de 2/3
do total de 10 milhões de habitantes. Em atenção a esta realidade, a nova constituição
dedica 80 dos seus cerca de 400 artigos para o tratamento da questão indígena. Como
resultado, a Bolivia reconhece a plurinacionalidade 3, estabelecendo todos os idiomas de
nações e povos indígenas como idiomas oficiais, além do castelhano 4. A Constituição
3
Artículo 1.
Bolivia se constituye en un Estado Unitario Social de Derecho Plurinacional Comunitario, libre, independiente,
soberano, democrático, intercultural, descentralizado y con autonomías. Bolivia se funda en la pluralidad y el
pluralismo político, económico, jurídico, cultural y lingüístico, dentro del proceso integrador del país.
4
Artículo 5.
I.Son idiomas oficiales del Estado el castellano y todos los idiomas de las naciones y pueblos indígena originario
campesinos, que son el aymara, araona, baure, bésiro, canichana, cavineño, cayubaba, chácobo, chimán, ese ejja,
guaraní, guarasu’we, guarayu, itonama, leco, machajuyai-kallawaya, machineri, maropa, mojeño-trinitario, mojeño-
ignaciano, moré, mosetén, movima, pacawara, puquina, quechua, sirionó, tacana, tapiete, toromona, uru-chipaya,
weenhayek, yaminawa, yuki, yuracaré y zamuco.
II.El Gobierno plurinacional y los gobiernos departamentales deben utilizar al menos dos idiomas oficiales. Uno de
ellos debe ser el castellano, y el otro se decidirá tomando en cuenta el uso, la conveniencia, las circunstancias, las
63
Revista Brasileira de Sociologia do Direito, v. 3, n. 1, jan./abr. 2016
necesidades y preferencias de la población en su totalidad o del territorio en cuestión. Los demás gobiernos
autónomos deben utilizar los idiomas propios de su territorio, y uno de ellos debe ser el castellano.
5
Artículo 190.
I.Las naciones y pueblos indígena originario campesinos ejercerán sus funciones jurisdiccionales y de competencia a
través de sus autoridades, y aplicarán sus principios, valores culturales, normas y procedimientos propios.
II.La jurisdicción indígena originaria campesina respeta el derecho a la vida, el derecho a la defensa y demás derechos
y garantías establecidos en la presente Constitución.
6
Artículo 147.
II.En la elección de asambleístas se garantizará la participación proporcional de las naciones y pueblos indígena
originario campesinos.
7
Artículo 269.
Bolivia se organiza territorialmente en departamentos, provincias, municipios y territorios indígena originario
campesinos
Artículo 271.
I.La Ley Marco de Autonomías y Descentralización regulará el procedimiento para la elaboración de Estatutos
autonómicos y Cartas Orgánicas, la transferencia y delegación competencial, el régimen económico financiero, y la
coordinación entre el nivel central y las entidades territoriales descentralizadas y autónomas.
Artículo 272.
La autonomía implica la elección directa de sus autoridades por las ciudadanas y los ciudadanos, la administración de
sus recursos económicos, y el ejercicio de las facultades legislativa, reglamentaria, fiscalizadora y ejecutiva, por sus
órganos del gobierno autónomo en el ámbito de su jurisdicción y competencias y atribuciones.
64
João Paulo Allain Teixeira e Raquel Fabiana Lopes Sparemberger
8
Novo paradigma no sentido.. Em suma, revolução científica chamamos ao abandono de um paradigma e á adoção de
um outro, não por um cientista individualmente, mas por toda uma comunidade científica, sendo a transição
65
Revista Brasileira de Sociologia do Direito, v. 3, n. 1, jan./abr. 2016
sucessiva de um paradigma para outro por meio de uma revolução, o modelo ideal de desenvolvimento de uma
ciência madura.(KHUN,1975).
66
João Paulo Allain Teixeira e Raquel Fabiana Lopes Sparemberger
III
Mesmo diante das mudanças do constitucionalismo surgidas a partir do século 20, 9
em geral se deixou de lado as críticas relativas às relações coloniais e a universalidade
9
O constitucionalismo do Estado de direito o da sociedade liberal passou a partir do século XX, a abrir espaço para o
constitucionalismo político e social. Mantém-se o núcleo liberal de direitos individuais e ampliasse os direitos sociais
relativos ao trabalho, à saúde, à educação, à previdência, e os direitos econômicos. Marcos desta modificação foram a
Constituição do México de 1917 e da Alemanha de 1919.
67
Revista Brasileira de Sociologia do Direito, v. 3, n. 1, jan./abr. 2016
■■■
REFERÊNCIAS
BHABHA, Homi K. O local da cultura. Tradução de Myriam Ávila, Eliana L. de Lima Reis,
Gláucia R. Gonçalves. Belo Horizonte: EdUFMG, 1998.
BARROSO, Luis Roberto. Neoconstitucionalismo e Constitucionalização do Direito (O
Triunfo Tardio do Direito Constitucional no Brasil). Revista Quaestio Juris. Disponível em:
http://www.e-publicacoes.uerj.br/index.php/quaestioiuris/article/view/3916/2845.
Acesso em: 02 fev. 2013.
68
João Paulo Allain Teixeira e Raquel Fabiana Lopes Sparemberger
69
Revista Brasileira de Sociologia do Direito, v. 3, n. 1, jan./abr. 2016
en America Latina un mapa para el pensamiento jurídico del sigloXXI. Buenos Aires: XXXI
Siglo Veintiuno Editores, 2012.
WALSH, Catherine. Interculturalidad crítica y pluralismo jurídico. Seminário Pluralismo
Jurídico e Multiculturalismo, Brasília, 13-14 de abril 2010. Disponível em:
<http://ccr6.pgr.mpf.gov.br/institucional/eventos/docs_eventos/interculturalidad-critica-
y-pluralismo-juridico> Acesso em: 03 mai. 2011.
______. Interculturalidad, estado, sociedade: luchas (de)coloniales de nuestra época.
Quito-Equador: Universidade Andina Simón Bolívar/Ediciones Abya-Yala, 2009.
WOLKMER, Antonio Carlos. Pluralismo jurídico y constitucionalismo brasileño. Disponivel
em: http://www.ibcperu.org/doc/isis/12598.pdf.2013. Acesso em: 02 fev. 2013.
70
203
This work is licensed under a Creative Commons Attribution 4.0 International License
Resumo
Partindo de um conhecido caso de violência policial ocorrido no Rio de Janeiro em 2013
– a prisão, tortura, morte e “desaparecimento” do pedreiro Amarildo, o artigo questiona
a tese, comum entre os militantes de direitos humanos, de que as violações desses
direitos praticadas pela polícia brasileira seriam uma “herança maldita” do regime
militar. Sem negar que a ditadura tenha reforçado tais práticas, o artigo explora uma
questão: se de fato prisões ilegais, torturas, mortes e até “desaparecimentos” foram
uma invenção do regime, como explicar que, mais de trinta anos após a
redemocratização do país, tais práticas continuem acontecendo? A hipótese sustentada
é a de que tais práticas, em relação às classes populares, antecedem o regime, com ele
conviveram e sobreviveram ao seu fim.
Palavras-chaves: Amarildo; Tortura; Regime militar.
Abstract
Starting from a famous case of police violence occurred in Rio de Janeiro in 2013 (the
imprisonment, torture, death and “disappearance” of a mason called Amarildo), this
article questions the thesis, common among human rights activists, that the violations
perpetrated by the Brazilian police is a “cursed legacy” of the military regime. Albeit not
denying that the dictatorship strengthened such practices, this article explores the
following question: if indeed illegal imprisonment, torture, death and even
“disappearance” were invented by the military regime, how can we explain, more than
thirty years after democratization, the persistence of such practices? This article argues
that the use of such methods against the “underclasse” already existed before the
regime, and persisted despite its end.
Keywords: Amarildo; Torture; Military regime.
*
Este artigo começou a ser pensado quando, no início de 2014, recebi um convite de Túlio Barreto e Celma
Tavares, da Fundação Joaquim Nabuco, para escrever um texto sobre o caso Amarildo e o que ele podia nos
ensinar sobre o regime militar. O convite aflorou divergências geradoras de uma discussão fraterna e
produtiva. Mas terminei desistindo do artigo naquele momento. Posteriormente, convidado pelo professor
Bruno Galindo para participar de um debate na Faculdade de Direito do Recife sobre os 50 anos do golpe
militar, retomei as reflexões que tinha deixado de lado. Mas o artigo continuou sem ser escrito. Agora,
finalmente, retomei-o. Sou muito grato aos três pela oportunidade de pensar nessas coisas e, finalmente,
pôr o que penso desse tenebroso assunto no papel. Digo, na tela!
Isso é sensacionalismo: o que existe é como existe em qualquer parte
do mundo: a polícia precisa se defender em termos de não morrer
para que nós não morramos nas mãos dos marginais. [...] Então
quando [...] vai um grupo de policiais, quer da militar ou da civil, para
prender um homem perigoso como esse, é evidente que é um
tiroteio ferrado em cima [...] do criminoso. E daí aparecer com muitos
tiros. Então, aí inventam que fazem aquilo em termos de presunto,
essas coisas (idem, p. 126).
Naquele momento, já estávamos sob a vigência do Ato Institucional n.5 e o
delegado Fleury, que tinha um reconhecido know-how no assunto, foi “chamado pelos
órgãos de segurança para a luta contra o terrorismo”. E saiu-se bem: “chegou a ser
considerado, pelas Forças Armadas, como herói nacional, condecorado, dentre outros,
pelo Ministério da Marinha, com a medalha ‘Amigo da Marinha’” (idem, p. 51). Quando
morreu, em 1º de maio de 1979, num mal explicado acidente no mar do litoral norte de
São Paulo, seu desaparecimento foi diversamente recebido: de um lado, velório com
pompas oficiais; de outro, em São Bernardo do Campo, regozijo numa celebração pelo
dia do trabalho: “Estamos comemorando também a morte do maior torturador do país”,
vibrava o orador no palanque (Souza, 2000, p. 15). A trajetória de Sérgio Paranhos
Fleury – o mais notório e emblemático torturador da época do regime militar, mas
sempre oficiando na polícia civil de São Paulo – serve de ilustração para o argumento
que quero desenvolver nesse texto: a de que as brutais violações de direitos humanos
perpetradas ainda hoje pela polícia brasileira (torturas, execuções e mesmo
“desaparecimentos”) não são, como quer uma versão corrente no Brasil, uma “herança
maldita” daqueles tempos. A questão, que não é recente, retornou ao debate público
quando, em 2013, ocorreu o famoso “caso Amarildo”.
Foi num 14 de julho, uma data emblemática. Na França, ela é patrioticamente
comemorada e, no resto do mundo, lembrada por ter sido nesse dia que, no longínquo
ano de 1789, revoltosos parisienses promoveram o assalto a uma velha prisão
transformada em fortaleza, num episódio que ficou conhecido como a Queda da
Bastilha. Foi o início da Revolução Francesa, espécie de marco inaugural dos tempos
modernos. Logo depois, a Assembleia Nacional francesa iria produzir a Declaração dos
Direitos do Homem e do Cidadão, em cujo artigo 7º se lê: “Nenhum homem pode ser
indiciado, preso ou detido exceto em casos determinados pela lei e segundo as formas
que a lei prescreve”. O Brasil, desde a Carta Política do Império de 1824, repete
dispositivos desse jaez em todas as suas constituições. Mas exatos duzentos e vinte
quatro anos depois da tomada da Bastilha, a polícia do Rio de Janeiro, no dia 14 de julho
de 2013, prendeu, torturou, matou e fez desaparecer o corpo de Amarildo, um pobre
trabalhador brasileiro que tinha nome de bicampeão mundial de futebol. Os novos
tempos, anunciados pelo espetacular Vai Passar, sem tortura e sem
“desaparecimentos”, vieram. Mas não para todos.
Amarildo foi mais um “desaparecido” nas mãos da polícia brasileira.
Diferentemente daqueles sumidos durante os anos mais duros da ditadura militar, esses
outros são de todos os tempos e regimes, formam incontável legião e são obscuros.
Deles, geralmente nem o nome fica. Desse, ficou: Amarildo de Souza, 47 anos, mulato,
morador da Rocinha, ajudante de pedreiro. Um típico trabalhador brasileiro. Preso, foi
levado a uma Unidade de Polícia dita Pacificadora. Suspeito de esconder armas do
tráfico de drogas, foi interrogado com os métodos reservados para a classe social a que
pertencia: levou socos e pontapés, e passou por sessões de asfixia com saco plástico.1 O
“interrogatório” de Amarildo – como provavelmente aconteceu com o ex-deputado
Rubens Paiva em 1971, e o jornalista Vladimir Herzog em 1975 – desandou e o ajudante
de pedreiro morreu. Foi mais um “acidente de trabalho”. No contexto do caso Amarildo,
uma pergunta foi recorrentemente colocada: o que ele podia nos ensinar sobre os anos
de chumbo? Ou, de forma inversa: o que as brutais violações de direitos humanos
daqueles anos têm a ver com o caso Amarildo?
Uma resposta que tem sido dada é a de que têm tudo a ver. Marcelo Rubens
Paiva, filho do “desaparecido” Rubens Paiva, em entrevista ao jornal El País (03/04/14),
defrontou-se com a pergunta: “A morte, ou desaparecimento de pessoas comuns como
Amarildo é uma das heranças da ditadura?” Ele não titubeou na resposta: “É”. Noutro
registro, idêntica opinião pode ser encontrada nos meios acadêmicos, dos quais
destaco, a título de exemplo, uma publicação coletiva de alguns anos atrás sobre “o que
resta da ditadura” (Teles e Safatle, 2010). Uma hipótese perpassa toda a coletânea: a
ausência de uma autêntica “justiça de transição” entre nós – já que os torturadores que
1
A técnica tornou-se familiar do grande público brasileiro através do filme Tropa de Elite, de 2007. Para
além do enorme sucesso de bilheteria que foi, o filme tornou-se um fenômeno cultural com rebatimentos
políticos de grande significação no Brasil por causa da adesão entusiasmada do público aos métodos do
Capitão Nascimento, seu herói, que incluíam a tortura e o abate de marginais ou simples suspeitos com um
descaso absoluto por qualquer vestígio de um “estado democrático de direito” que supostamente somos.
fizeram o “trabalho sujo” na época do regime militar foram acobertados pela Lei de
Anistia – é responsável pela continuidade das práticas daquela época depois do
processo de redemocratização. Para os organizadores da coletânea, “a incapacidade de
reconhecer e julgar os crimes de Estado transforma-se em uma espécie de referência
inconsciente para ações criminosas perpetradas por nossa polícia, pelo aparato
judiciário, por setores do Estado” (pp. 10-11 – itálicos meus).
Este artigo investe numa hipótese divergente. Considero que é hora de assumir,
talvez com um grão de sal e outro de ousadia, a hipótese de que a versão da “herança
maldita” repousa mais na retórica do que na análise cuidadosa dos fatos; de que o caso
Amarildo praticamente nada nos ensina sobre o regime militar, e que este e sua
ferocidade, na via inversa, não servem para iluminar o evento na Rocinha. Minha
hipótese é a de que as torturas, as execuções e os desaparecimentos perpetrados pelo
regime dos generais não antecipam o que aconteceu no Rio de Janeiro em 14 de julho
do ano da graça de 2013, porque o que aí aconteceu acontecia antes e durante, e
continuou acontecendo depois que o general Figueiredo saiu pela porta dos fundos do
Palácio do Planalto em 1985. Como veremos, já havia ferocidade bastante na sociedade
brasileira dos dourados anos 50 e começo dos anos 60 para, com ou sem ditadura
militar, produzir máquinas mortíferas estatais como a ROTA de São Paulo e o BOPE do
Rio de Janeiro; semiestatais, como os esquadrões da morte; e civis como os
“justiceiros”. Se a ditadura reforçou essa ferocidade, trata-se, evidentemente, de uma
hipótese razoável. Mas se a ditadura acabou há mais de trinta anos, por que essa
ferocidade lhe sobreviveu? Em minha opinião, porque lhe antecedeu e, indiferente à
redemocratização dos anos 1980, lhe sobreviveu.
Trata-se de uma hipótese, é verdade, a exigir validação um tanto difícil de ser
obtida – para falar no jargão positivista. Mas a tese contrária, a da “herança maldita”,
também não é fácil de ser validada. Ela beneficia-se, a meu ver, de uma adesão quase
espontânea, facilitada por nossa aversão ao regime dos generais. Ela é, além disso,
reconfortante. Afinal, se a violência policial brasileira deita raízes no regime de 1964, a
democracia brasileira, por que tanto lutamos, não é responsável por ela. Mas se desde o
inesquecível ano de 1984 – o das “Diretas, Já!” e da eleição de Tancredo Neves para a
presidência da república – vivemos, sem solução de continuidade, mais de trinta anos de
democracia, já não seria tempo, se a tese da “herança maldita” fosse correta, de termos
dela nos livrado? Minha tese, sem dúvida, minimiza a possível influência que a
maioria dos seus concidadãos (como ocorre ainda hoje) preferia não se colocar questões
sobre o modus operandi que pôs fim à carreira de Mineirinho. E a polícia carioca,
resolvida a limpar a cidade sem prestar contas a ninguém, terminou protagonizando um
dos episódios mais chocantes daqueles idos, o famoso “caso do Rio da Guarda”. Carlos
Lacerda era o governador da Guanabara, e o caso está relatado por ele mesmo em suas
memórias:
Certa vez leio na Última Hora que tinha aparecido boiando no Rio da
Guarda [...] o corpo de um sujeito amarrado com perfurações de
balas na nuca e não sei mais o quê, e que um outro tinha sobrevivido
e ido à delegacia [...] e contado que a polícia o tinha levado para lá e
atirado no rio (Lacerda, 1978, p. 226).
Chamado para dar explicações, seu Secretário de Segurança esclareceu tudo.
Como o Rio atraía muitos mendigos de outras cidades, de vez em quando “eles [a
polícia] dão uma limpeza assim na cidade e devolvem os mendigos para as terras de
origem. [...] Pagam a passagem de ônibus e o ‘cara’ vai embora, mas depois volta. E fica
nesse eterno negócio” (idem, p. 227). Esclarecida a história, Lacerda diz ter tomado a
decisão de “abrir um inquérito sério”. Aparentemente, foi, pois é o próprio ex-
governador que conta:
E fomos bater no negócio, numa coisa trágica! Havia um serviço
chamado Serviço de Recuperação de Mendigos, dirigido por um
rapaz que tinha sido um modesto membro do gabinete [...] do
Juscelino, que também, evidentemente, não tinha culpa nenhuma
nesse caso [...]. E ele começou participando daquela história de
mendigo pra cá, mendigo pra lá. Depois começou a fazer um
pequeno “esquadrão da morte”, e com outros auxiliares agarravam o
mendigo, iam para o Rio da Guarda; chegando lá, amarravam o
sujeito, davam um tiro nele, jogavam o corpo dentro d´água e
vinham embora (idem, p. 227).
Como se vê, já havia iniquidade bastante na sociedade brasileira daqueles anos
contra nossos desvalidos – bandidos ou não – antes que os militares empalmassem o
poder e começassem a usar os mesmos métodos contra os inimigos do regime. Pode-se
especular se tais abjeções teriam sido suprimidas se não tivesse havido o golpe militar e
o país, levando adiante as “reformas de base” do presidente Goulart, tivesse se tornado
mais justo. Pode-se igualmente especular – retomando a hipótese da brutalidade policial
do presente como uma “herança maldita” da ditadura – se uma verdadeira “justiça de
transição” que tivesse punido os torturadores do regime não teria levado à abolição de
tais práticas. Dando asas à imaginação, pode-se até mesmo especular sobre o que teria
acontecido se a esquerda revolucionária que pegou em armas contra o regime de 1964
tivesse vencido e implantado o socialismo no país... Pode-se especular à vontade. Mas,
infelizmente, não se pode fazer análise histórica com base no que não aconteceu – “a
vida inteira que podia ter sido e que não foi”, como diria o poeta Manuel Bandeira.
E na vida que foi, naquele começo dos maravilhosos anos 60, a questão da
violência policial comum não fazia parte das preocupações da sociedade de um modo
geral, muito menos da agenda de suas expressões políticas, aí incluída a esquerda. Sobre
isso, encontra-se no livro de memórias do ex-guerrilheiro Fernando Gabeira uma
passagem bastante instrutiva a respeito do choque que sentiu quando, preso e
torturado em 1969, descobriu o inferno das prisões brasileiras. E se pergunta:
Até que ponto não fomos cúmplices disto, nós da esquerda? Até que
ponto não somos simetricamente injustos para aqueles que não
pertencem ao mercado de trabalho, que não são trabalhadores reais
ou em potencial? Nunca nos comovemos de fato com o Esquadrão da
Morte – as misérias e torturas que se passavam nos porões da polícia
comum eram apenas injustiças que iam desaparecer com o
socialismo. Marginal não dá voto, marginal não faz greve. A violência
a que era submetido o preso comum não foi discutida em detalhe,
não foi analisada minuciosamente (Gabeira, 1982, p. 245).
Noutras palavras, o aparato de repressão ensaiado em 1964 e consolidado a
partir de dezembro de 1968, com seu cortejo de prisões arbitrárias e clandestinas, de
torturados e desaparecidos, não foi uma invenção ex nihilo do regime militar. Antes dele
tudo isso já existia, como continuou existindo depois dele. O “pau-de-arara”, um
método de tortura tão característico dos “anos de chumbo” a ponto de ter se tornado
símbolo do movimento Tortura Nunca Mais, vem de muito longe. De forma rudimentar,
ele já era utilizado pelos senhores de escravos para imobilizá-los, como se pode ver
numa gravura de Debret, que andou por aqui na primeira metade do século XIX. O
escravo era colocado numa posição semelhante à de um remador inclinado para frente,
e tinha os pulsos amarrados aos tornozelos. Em seguida, passava-se um pau através da
concavidade formada pelo arqueamento dos cotovelos e joelhos: o escravo não podia
mais se mexer. Então, como mostra a célebre gravura, era chicoteado.
Mas, aí, poder-se-ia dizer – retomando a frase famosa com que Manuel Antonio
de Almeida abre o seu delicioso Memórias de um Sargento de Milícias –, “era no tempo
do rei”. Sim, era aquele tempo. Com a vinda da Corte para o Brasil, o Rio de Janeiro, sua
capital, deveria tornar-se uma cidade à altura do seu novo status. E criou-se uma
“guarda real” com poder de polícia para disciplinar uma cidade onde se misturavam,
com seus costumes pouco apresentáveis a uma corte européia, escravos e negros livres.
A Guarda tinha seus “agentes implacáveis”, entre eles Miguel Nunes Vidigal – o famoso
Major Vidigal, personagem que aparece no livro de Manuel Antonio de Almeida. Como
escreve um historiador, “Vidigal tornou-se o terror dos vadios e ociosos, que podiam
encontrá-lo ao virar uma esquina à noite ou vê-lo aparecer de repente nos batuques que
aconteciam com frequência nos arredores da cidade”. E continua:
Dessas reuniões, participavam pessoas comuns, na maioria escravos,
que confraternizavam, bebiam cachaça e dançavam ao som de
músicas afro-brasileiras até tarde da noite. Sem ligar a mínima aos
procedimentos legais [...], Vidigal e seus soldados, escolhidos a dedo
em função do tamanho da truculência, batia em qualquer
participante, vadio ou tratante que conseguissem capturar
(Holloway, 1997, pp. 48-49).
Era no tempo do rei, certo. Mas as práticas desse tempo sobreviveram aos dois
reinados e às várias repúblicas que desde então tivemos. Voltemos à gravura de Debret.
A polícia brasileira, bem antes de 1964, aperfeiçoou o castigo ali retratado: uma vez a
vítima imobilizada, ela era suspensa e o pau apoiado pelas extremidades em duas
mesas. Nessa posição, recebia choques elétricos até que, como se diz, “desse o serviço”.
O método sobreviveu à Lei de Anistia do general Figueiredo em 1979 e à Nova República
de Tancredo Neves em 1984. No ano seguinte, em 10 de agosto de 1985, já sob a
presidência do civil José Sarney, o Jornal do Brasil publicou uma foto chocante: numa
delegacia de polícia de Porto Alegre, um jovem negro de 19 anos, Antonio Clovis Lima
dos Santos, conhecido por “Doge”, aparecia pendurado num pau-de-arara. “Doge”, gari
de profissão e suspeito de ter participado de um assalto a um caminhão de bebidas, foi
arrancado do seu barraco às 4 horas da manhã e levado à delegacia, onde foi torturado
para confessar seu crime. Uma história banal como milhares de outras no Brasil. Se o
seu caso saiu da rotina foi graças a essa foto feita por um policial, contrário aos métodos
dos seus colegas, num instante em que esses tinham abandonado a sala de tortura. Essa
súbita notoriedade de “Doge” parece ter sido, ao mesmo tempo, sua perdição: anos
depois, dezoito dias antes de depor num inquérito instaurado para apurar as
responsabilidades das torturas que lhe foram infligidas, “Doge” foi misteriosamente
assassinado (Veja, 27.06.90).
dividido por dois, os mortos foram multiplicados igualmente por dois! Dir-se-ia que a
violência letal da policia piorou. Mas o problema é que não foi só ela...
Por uma infeliz coincidência, a partir dos anos 1980 – justamente quando o
problema dos direitos humanos emergiu entre nós – a criminalidade urbana violenta,
aquela que faz as pessoas terem medo, cresceu assustadoramente no Brasil. Foi quando
a defesa desses direitos começou a ser hostilizada. Os militantes que saíam em defesa
dos que eram torturados e mortos pela polícia costumavam ser interpelados com uma
pergunta capciosa e incômoda: “E os direitos humanos das vítimas?” A pergunta
continua sendo tão insistentemente ouvida que não é exagerado dizer que estamos em
presença de uma verdadeira campanha, renovada cotidianamente pelo rádio e pela
televisão nos assim chamados “programas policiais”, de grande prestígio e audiência
entre o público. Daí o grande complicador com que se defrontam os militantes dos
direitos humanos no Brasil: a oposição estado-torturador versus sociedade civil-
torturada, tão clara nos anos 1970, foi substituída por uma relação bem mais complexa
e ambígua, pois ela varia da revolta explícita contra massacres como o de Vigário Geral,
em 1993 (21 mortos), ao apoio tácito à chacina do Carandiru, em 1992 (111 mortos).
Apanhada no fogo cruzado entre a violência da polícia e dos marginais, a população
tanto é capaz de protestar quando as vítimas são honestos pais de família, quanto de
aplaudir quando os mortos são bandidos – reais ou supostos.
Aqui entra a hipótese adjacente de que a persistência dessas práticas de
violações de direitos humanos no Brasil resulta da infeliz confluência de uma
mentalidade escravocrata (dentro da qual os “inferiores” são naturalmente
“torturáveis”) com o fenômeno da “criminalidade urbana violenta” que explodiu nos
anos 1980, justamente quando o país se redemocratizava. É importante recuperar isso
porque, no bojo do processo de redemocratização de então, houve iniciativas de romper
a mentalidade vigente na política de segurança pública – que, como se sabe, é de
competência dos estados. É interessante e didático relembrar o que ocorreu, por
exemplo, em São Paulo, na sequência da primeira eleição direta para governador desde
o golpe, a de 1982.
Como se sabe, com a “abertura” levada a cabo aos trancos e barrancos pelo
presidente Figueiredo, os governadores dos estados voltaram a ser eleitos pelo voto
direto. Em São Paulo, o eleito foi Franco Montoro, um liberal moderado, mas histórico
combatente pelo retorno do país ao estado de direito. Nessa conjuntura, o novo
governador anunciou algumas medidas que sinalizavam uma ruptura com a tradição de
violação sistemática dos direitos humanos pelos aparelhos de repressão. Para atacar o
problema da violência nas prisões, Montoro tomou uma atitude corajosa: nomeou o
advogado José Carlos Dias para ocupar a Secretaria de Justiça. Antigo defensor de
prisioneiros políticos, Dias anunciou abertamente que iria aplicar uma política de
direitos humanos na sua gestão. Os ataques não se fizeram esperar. Eles vinham da
imprensa sensacionalista, dos “programas policiais”, mas também de membros do seu
próprio partido, o PMDB. A sua política era acusada de defender os criminosos e
incentivar rebeliões nas prisões. À medida que o número de crimes na cidade subia nas
estatísticas, o grito “Segurança Já!” tornava-se o slogan preferido do principal adversário
de Montoro, o impagável Paulo Maluf. Aos poucos, a posição de Dias tornou-se
insustentável. Nessas circunstâncias, o mais surpreendente é que tenha conseguido
manter-se no cargo por mais de três anos. Em junho de 1986, entretanto, com a
proximidade das novas eleições, sua hora soou. O candidato do próprio Montoro à
sucessão estadual, Orestes Quércia, começou a falar a mesma linguagem dos
adversários do governador. Nesse momento, Dias renunciou. A reação do eleitorado
parece ter sido positiva: Quércia ganhou as eleições.
E no Rio de Janeiro, onde padeceu Amarildo? Também em 1982 foi eleito um
dos arqui-inimigos do regime: Leonel Brizola. Todos ainda se lembram da gritaria que
houve quando o novo governador anunciou que a sua polícia não iria mais adotar a
política do “pé na porta” no barraco de favelados para prender bandidos. Depois de
Brizola, veio Marcello Alencar. Ele, que nos “anos de chumbo” tinha sido um dos
corajosos defensores de presos políticos, nomeou para seu secretário de segurança
ninguém menos que o coronel Nilton Cerqueira, que ocupou o cargo entre 1995 e 1998.
Cerqueira foi o comandante da operação que executou Carlos Lamarca no sertão da
Bahia em 1971. Em 1995, quase vinte e cinco anos depois, foi chamado por um antigo
defensor dos direitos humanos para se ocupar da política de segurança do estado de
que era governador. Condizente com sua vocação guerreira, Cerqueira instituiu na
corporação policial uma gratificação para agentes que tivessem praticado “atos de
bravura”. O resultado é de todos conhecido: tais atos, na maioria das vezes, referiam-se
a ações que resultavam na morte de criminosos – reais ou suspeitos. A coisa ficou tão
escancarada que os aumentos salariais ficaram conhecidos como “gratificação faroeste”
(Misse et alii, p. 16).
2
Considerada – inclusive por mim mesmo – como um avanço em relação à legislação anterior, ela mostra
que o Diabo, como se diz de Deus, também pode escrever certo por linhas tortas...
convenhamos que foi um legado aceito de bom grado por um governador civil eleito
pelo povo e com um histórico de luta contra as violações de direitos humanos na época
do regime militar. Francamente, que responsabilidade têm nessa nomeação os generais
que em dezembro de 1968 tiraram a focinheira dos seus torturadores?
***
Mas não quero concluir de modo pessimista. Por um dever de justiça – além do
dever da honestidade intelectual –, devo lembrar que os tempos, pelos dias que correm,
já não são os mesmos. Os que mataram Amarildo em 2013 foram presos e estão à
disposição da justiça. Será que não há, apesar de aberrações como o seu caso, alguma
diferença entre a polícia das UPPs e os “homens de ouro” que matavam delinquentes
como Mineirinho e tantos outros nos anos 1950 e 1960, e eram publicamente
enaltecidos por seus superiores? Tudo isso na indiferença do Ministério Público e do
Judiciário brasileiros?
Referências bibliográficas
BARCELLOS, Caco. Rota 66 ─ A história da polícia que mata. São Paulo: Globo, 1992.
BARROS, Marcelo. Polícia e Tortura no Brasil. Curitiba: Editora Appris, 2015.
DUARTE-PLON, Leneide. A Tortura como Arma de Guerra. Rio de Janeiro: Civilização
Brasileira, 2016.
GABEIRA, Fernando. O que é isso, companheiro? Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1982.
GODOY, Marcelo. A Casa da Vovó. São Paulo: Alameda, 2014.
HOLLOWAY, Thomas H. Polícia no Rio de Janeiro: repressão e resistência numa cidade do
século XIX. Rio de Janeiro: Editora FGV, 1997.
LACERDA, Carlos. Depoimento. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1978.
LAGO, Mário. Na Rolança do Tempo. Rio de Janeiro: José Olympio, 2011.
This work is licensed under a Creative Commons Attribution 4.0 International License.
Rev. Direito e Práx., Rio de Janeiro , Vol. 13, N. 01, 2022, p. 607-635
Paula Mannuela Silva de Santana e Tiago Queiroz de Magalhães
DOI: 10.1590/2179-8966/2022/65133| ISSN: 2179-8966
608
Resumo
O Bem Viver dos povos indígenas, isto é, a articulação entre os direitos à terra, à água, à
natureza em harmonia com as culturas locais, à dignidade e à vida, corriqueiramente é
ferido no Brasil. Em Pernambuco, região Nordeste do país, estado que congrega uma
significativa população indígena, os territórios sagrados são o alvo de conflitos sangrentos
entre produtores rurais, latifundiários, garimpeiros, madeireiros e os povos tradicionais,
sob a displicência ingênua, colonial e, cada vez mais, permissiva do Estado brasileiro.
Diante desse cenário, o presente ensaio busca discutir o caso do povo indígena Xucuru,
localizado no município de Pesqueira (PE), na Corte Interamericana de Direitos Humanos
e suas reverberações não apenas na garantia de direitos aos povos indígenas no país, mas
também nos contornos que a luta de outros grupos étnicos de Pernambuco ganha a partir
do resultado do pleito. A proposta aqui é pensar, junto com os povos indígenas, sobre as
particularidades da luta pelo Bem Viver entre as comunidades de Pernambuco e como o
caso Xucuru possibilita uma crítica decolonial a uma concepção universalista no campo
do Direito e na efetivação de Direitos Humanos.
Palavras-chave: Povos indígenas; Pensamento decolonial; Direito; Interculturalidade.
Abstract
The well-being of the indigenous peoples, i.e., the articulation between the rights to land,
to water, to nature in harmony with local cultures, to dignity and to life, are constantly
wounded in Brazil. In Pernambuco, located in the Brazilian Northeast, a state that
congregates a significant indigenous population, their sacred territories are the target of
bloody conflicts between rural producers, landowners, miners and loggers, and the
traditional peoples, under the naïve, colonial and increasingly permissive negligence of
the Brazilian State. Before this setting, this article aims to discuss the case of the Xucuru
indigenous people, located in the city of Pesqueira (PE), in the Brazilian Northeast, in the
Inter-American Court of Human Rights and its reverberations not only in guaranteeing the
rights of the indigenous peoples in the country, but also regarding the contours that the
fights by other ethnic groups in Pernambuco gain from the results of the plea. The
proposal here is to think, alongside the indigenous peoples, about the particularities of
the fight for the Well-Being among the communities in Pernambuco and how the Xucuru
case allows for a decolonial critique to a universalist conceptualization in the field of Law
and in the actualization of Human Rights.
Rev. Direito e Práx., Rio de Janeiro , Vol. 13, N. 01, 2022, p. 607-635
Paula Mannuela Silva de Santana e Tiago Queiroz de Magalhães
DOI: 10.1590/2179-8966/2022/65133| ISSN: 2179-8966
609
O Bem Viver dos povos indígenas, isto é, a articulação entre os direitos à terra, à água, à
natureza em harmonia com as culturas locais, à dignidade e à vida, corriqueiramente é
ferido no Brasil. Em Pernambuco, região Nordeste do país, estado que congrega uma
significativa população indígena, os territórios sagrados são o alvo de conflitos sangrentos
entre produtores rurais, latifundiários, fazendeiros, invasores e os povos tradicionais, sob
a égide da displicência diligente, colonial e, cada vez mais, permissiva do Estado brasileiro.
A proposta aqui é refletir sobre o caso do povo indígena Xucuru, localizado no município
de Pesqueira (PE), na Corte Interamericana de Direitos Humanos (Corte IDH) e suas
reverberações não apenas na garantia de direitos aos povos indígenas no país, mas
também nos contornos que a luta de outros grupos étnicos de Pernambuco ganha a partir
do resultado do pleito.
Para tanto, este ensaio busca agregar algumas das reflexões elaboradas na
pesquisa Contribuições da Filosofia do Bem Viver e do Pensamento Indígena a uma
Pedagogia Antirracista, desenvolvida no programa de Iniciação Científica da Universidade
Federal Rural de Pernambuco – Unidade Acadêmica de Serra Talhada (UFRPE-UAST),
durante os anos de 2018 e 2019, a partir da perspectiva da antropologia simétrica
proposta por Latour (2009) e Ingold (2012). Por meio de um diálogo intercultural com
Tosowmlaka Fulni-ô, reflete-se sobre as particularidades da luta pelo Bem Viver entre as
comunidades indígenas de Pernambuco e como o caso Xucuru possibilita uma crítica
decolonial a uma concepção universalista no campo do Direito e na efetivação de Direitos
Humanos. O arcabouço conceitual da teoria crítica de direitos humanos desenvolvida por
Flores (2009), a perspectiva intercultural em Direitos Humanos de Santos (2009), a teoria
do pluralismo jurídico desenvolvida por Wolkmer (2015) e o potencial crítico e
paradigmático aberto pelos novos constitucionalismos latino-americanos serão o aporte
para sulear1 o diálogo intercultural neste ensaio. Diante disso, propomos um exercício de
1Optamos pelo termo sulear em contraponto à nortear. As línguas são construções sociais dinâmicas e o
exercício crítico em torno delas é ferramenta importante no campo da Antropologia. Por isso, quando
operamos essa troca, seguimos a perspectiva lançada pelo artista uruguaio Torres García (1874-1949), que
propôs um mapa onde o sul estaria no topo, dando visibilidade a um olhar a partir do sul como forma de
contrariar a lógica hegemônica eurocêntrica em que o norte surge como referência universal. Dessa forma,
abre-se senda para problematizar e contrapor o viés ideológico do termo nortear (norte: acima, superior x
sul: abaixo, inferior).
Rev. Direito e Práx., Rio de Janeiro , Vol. 13, N. 01, 2022, p. 607-635
Paula Mannuela Silva de Santana e Tiago Queiroz de Magalhães
DOI: 10.1590/2179-8966/2022/65133| ISSN: 2179-8966
610
2 Segundo Carlos Walter Porto-Gonçalves, Abya Yala vem da língua do povo Kuna e significa “Terra Viva”.
Pouco a pouco, nos diferentes encontros do movimento dos povos originários, o nome América vem sendo
substituído por Abya Yala, indicando, assim, não só outro nome, mas também a presença de um outro sujeito
enunciador de discurso, até aqui silenciado e subalternizado em termos políticos: os povos originários. Mais
informações disponíveis em: http://latinoamericana.wiki.br/verbetes/a/abya-yala.
Rev. Direito e Práx., Rio de Janeiro , Vol. 13, N. 01, 2022, p. 607-635
Paula Mannuela Silva de Santana e Tiago Queiroz de Magalhães
DOI: 10.1590/2179-8966/2022/65133| ISSN: 2179-8966
611
3 Segundo Tadeu Breda, tradutor da obra escrita por Acosta (2016, p. 10-11, grifos do autor), ‘“Bom Viver’ é
a tradução que mais respeita o termo utilizado pelo autor (Buen Vivir) e também o termo em kíchwa (sumak
kawsay), língua da qual nasceu o conceito em sua versão equatoriana. De acordo com o Shimiyukkamu
Dicionario Kichwa-Español, publicado pela Casa de Cultura de Ecuador em 2007, sumak se traduz como
hermoso, bello, bonito, precioso, primoroso, excelente; kawsay, como vida. Ou seja, buen e sumak são
originalmente adjetivos, assim como ‘bom – ’seu melhor sinônimo em português, no caso. Vivir e sumak, por
sua vez, são sujeitos. Contudo, em atenção ao termo utilizado há alguns anos por movimentos sociais
brasileiros, decidimos traduzir o título do livro como O Bem Viver, considerando ‘bem ’como advérbio e
‘viver ’como verbo. [...]. Afinal, assim como Buen Vivir é usado no Equador e Vivir Bien, na Bolívia, Bem Viver
é a expressão em uso no Brasil.
Rev. Direito e Práx., Rio de Janeiro , Vol. 13, N. 01, 2022, p. 607-635
Paula Mannuela Silva de Santana e Tiago Queiroz de Magalhães
DOI: 10.1590/2179-8966/2022/65133| ISSN: 2179-8966
612
Rev. Direito e Práx., Rio de Janeiro , Vol. 13, N. 01, 2022, p. 607-635
Paula Mannuela Silva de Santana e Tiago Queiroz de Magalhães
DOI: 10.1590/2179-8966/2022/65133| ISSN: 2179-8966
613
Quijano (2005), por sua vez, declara que é fundamental pensar o racismo como
alicerce ideológico para a manutenção de uma ordem capitalista estabelecida. Para tanto,
se faz necessário problematizar, também, a sua configuração em escalas que sobressaem
o micro e se articulam em um entendimento encontrado na própria definição de ciência.
Quando se diz ciência, ciência tout court, está se falando de ciência ocidental; para se falar
de ciência tradicional, é necessário acrescentar o adjetivo (CUNHA, 2007). Logo, ao
pensarmos a natureza como algo que não se fundamenta como “corpo”, mas enquanto
“verdade”, podemos buscar nos saberes tradicionais – ou seja, a ciência de povos
originários – a relevância que existe em suas compreensões. Deste modo, em consonância
com Ailton Krenak (2019), é válido refletir como o método de fazer ciência eurocêntrico
contribuiu para as crises civilizatórias atuais e relativizou a independência e soberania do
pensamento indígena e sua importância.
Ao aportar esse debate no contexto brasileiro, Santana (2017) reforça que é
preciso atentar que vivemos em uma das maiores e mais complexas sociedades
multirraciais e pluriétnicas do mundo, composta majoritariamente por descendentes de
africanos dispersos na diáspora e povos indígenas. Após quinhentos anos das invasões
europeias e uma intensa miscigenação entre europeus, africanos e indígenas, ainda
persiste, mesmo que de maneira velada, a hegemonia de padrões eurocêntricos e, por
consequência, a sedimentação de uma série de práticas racistas que corroboram as
desigualdades sociais com relação aos povos indígenas e aos negros (SANTANA, 2017).
A questão da terra, em contexto brasileiro, tangencia uma série de nuances
pertinentes ao que se convencionou chamar de Pensamento Social Brasileiro, uma
subárea das ciências sociais que, entre outras coisas, se esforça em construir um painel
interpretativo acerca da formação do país. Mas, como sabiamente nos lembra o pensador
quilombola Antônio Bispo dos Santos (2015), o viés eurocêntrico da origem e formação
de muitos dos mais importantes autores que perfazem essa subárea acabou por
invisibilizar aspectos como a profunda interrelação entre a questão fundiária e o modelo
católico de colonização, a escravização e a dominação indígena, a instituição do
escravismo na formação econômica e social brasileira, a ideologia da mestiçagem, a
democracia racial e, além disso, as lógicas de desenvolvimento sedimentadas no regime
capitalista de exploração da terra e dos recursos naturais das florestas e dos rios e mares.
A mensagem final e oficial desse tipo de interpretação elitizada e míope sobre o país,
reproduzida no nosso universo acadêmico, no Direito e na vida política desde os anos
Rev. Direito e Práx., Rio de Janeiro , Vol. 13, N. 01, 2022, p. 607-635
Paula Mannuela Silva de Santana e Tiago Queiroz de Magalhães
DOI: 10.1590/2179-8966/2022/65133| ISSN: 2179-8966
614
1930 até hoje, é a de que somos um único povo, especial porquanto é capaz de conviver
harmoniosamente com a diversidade (SANTOS, 2015). Ainda para Santos (2015), esse
padrão de sociedade imposto às populações indígenas e pretas pelos portugueses
reverbera em revoltas, rebeliões, lutas antirracistas e autodemarcações levadas a cabo
por esses grupos diante da morosidade genocida do Estado brasileiro.
Para dar conta dos objetivos deste ensaio, torna-se necessário definir alguns
conceitos que ajudarão a compreender a história peculiar dos territórios indígenas em
Pernambuco. Em primeiro lugar, terra indígena pode ser entendida como um conceito
jurídico, designando uma unidade territorial delimitada e demarcada de acordo com
princípios engendrados pela política indigenista. Deste modo, qualquer terra indígena é
resultado não de condições imutáveis e atemporais, mas de processos políticos com sua
própria historicidade, processos que geralmente envolvem uma gama de atores sociais
indígenas e não indígenas nos mais diversos níveis hierárquicos (LIMA, 2005; OLIVEIRA,
2006). Porém, terra indígena também pode ser compreendida sob a perspectiva do Bem
Viver: uma cosmopolítica que se faz articulada aos deuses das religiões de matriz indígena
e à natureza, num esforço contínuo de manter aquilo que Aílton Krenak (2019) chama de
viver em coletivo mantendo um vínculo profundo com a memória ancestral, com as
referências que dão sustentação a uma identidade.
Essa ambivalência de abordagem se dá em função da complexidade da discussão.
Há aqui disputas narrativas, de sentido e interesse em torno da terra. O poder público,
ruralistas de toda sorte e povos indígenas reivindicam significados e funções distintas
sobre a ideia de terra e é preciso lançar luz sobre essas concepções.
No plano ideal, uma terra indígena e um território indígena coincidem
completamente, o que parece ser um sentido implícito e comum das normas de
regularização de terras indígenas pautadas pela definição do artigo 231 da Constituição
(BRASIL, 2018). Na prática, esse ideal não é alcançado por diversos motivos, os quais são
perpassados, porém, de forma imperiosa, pelas forças políticas em disputa. Para entender
melhor a conexão entre terra e território, em particular no Nordeste indígena, é profícuo
lançar mão de um terceiro conceito, o de territorialização, proposto e elaborado por João
Pacheco de Oliveira (1998):
A noção de territorialização tem a mesma função heurística que a de situação
colonial [...], da qual descende e é caudatária em termos teóricos. É uma
intervenção da esfera política que associa – de forma prescritiva e
insofismável – um conjunto de indivíduos e grupos a limites geográficos bem
determinados. [...]. O que estou chamando aqui de processo de
Rev. Direito e Práx., Rio de Janeiro , Vol. 13, N. 01, 2022, p. 607-635
Paula Mannuela Silva de Santana e Tiago Queiroz de Magalhães
DOI: 10.1590/2179-8966/2022/65133| ISSN: 2179-8966
615
Rev. Direito e Práx., Rio de Janeiro , Vol. 13, N. 01, 2022, p. 607-635
Paula Mannuela Silva de Santana e Tiago Queiroz de Magalhães
DOI: 10.1590/2179-8966/2022/65133| ISSN: 2179-8966
616
toda sorte seguem avançando sobre suas terras. A mídia hegemônica, tantas vezes aliada
do agronegócio, distorce narrativas sobre a luta por terra no Brasil e contribui para a
manutenção e a agudização dos confrontos, o que acaba por deixar as populações
indígenas ainda mais vulneráveis dentro seus próprios territórios (MÜLLER; SIMIONI,
2016).
Rev. Direito e Práx., Rio de Janeiro , Vol. 13, N. 01, 2022, p. 607-635
Paula Mannuela Silva de Santana e Tiago Queiroz de Magalhães
DOI: 10.1590/2179-8966/2022/65133| ISSN: 2179-8966
617
anteriores, não diferindo muito as suas posses atuais do padrão camponês e estando
entremeadas com a população regional. Para Oliveira (1998), essa desproporção dá uma
importante dimensão ambiental e geopolítica aos problemas e às mobilizações dos povos
indígenas na Amazônia, enquanto que, no Nordeste, as questões se mantêm
primordialmente nas esferas fundiária e de intervenção assistencial. Se, na Amazônia, a
mais grave ameaça é a invasão dos territórios indígenas e a degradação de seus recursos
ambientais, no caso do Nordeste, o desafio à ação indigenista é restabelecer os territórios
indígenas, promovendo a retirada dos não indígenas das áreas indígenas,
desnaturalizando a “mistura” como única via de sobrevivência e cidadania (OLIVEIRA,
1998).
A questão fundiária, a qual Oliveira (1998) nos lembra estar tão fortemente
associada aos povos indígenas do Nordeste, se relaciona intimamente às políticas
assimilacionistas executadas desde o início dos processos de colonização. A partir da
promulgação da Lei de Terras, em 1850, tem-se início por todo o Império um movimento
de regularização das propriedades rurais. Vilas progressivamente expandem o seu núcleo
urbano e famílias vindas das grandes propriedades do litoral buscam se estabelecer nas
cercanias como produtoras rurais. Sucessivamente, os governos provinciais vão
declarando extintos os antigos aldeamentos indígenas e incorporando os seus terrenos a
comarcas e municípios em formação. Arruti (1996) lembra que foi exatamente isso que
se sucedeu, por exemplo, com os Pankararu do Brejo dos Padres, no município de
Tacaratu-PE, que descrevem a extinção do antigo aldeamento fazendo referência ao
“tempo das linhas”, quando ocorreram os trabalhos de demarcação e distribuição de
lotes.
Neste sentido, é fundamental endossar que as populações indígenas do Nordeste,
a despeito de todas as violências que lhes foram imputadas – envolvendo o extermínio de
seus corpos, de sua cultura e de seus territórios –, não perderam de vista a busca pelo
Bem Viver como elemento fundamental para não vir a sucumbir ao deslocamento
impingido tanto pelo Estado quanto pelas forças colonialistas e capitalistas. Em Santana
(2017), há uma elaboração sobre como as populações indígenas do Nordeste brasileiro,
diante de tantas violências, seguem à sombra nas representações da discussão
epistemológica (e ontológica). Esse lugar de apagamento espelha também seu não lugar
no âmbito político. Desde a obra de Clastres (2014) nos anos 1970, as instituições políticas
ameríndias vêm sendo pensadas em afastamento às tradições ocidentais de poder,
Rev. Direito e Práx., Rio de Janeiro , Vol. 13, N. 01, 2022, p. 607-635
Paula Mannuela Silva de Santana e Tiago Queiroz de Magalhães
DOI: 10.1590/2179-8966/2022/65133| ISSN: 2179-8966
618
Direito e soberania. Para este autor, as lógicas de chefia nas comunidades indígenas
garantiam alguma visibilidade no discurso público, mas pouco poder decisório sobre as
implicações do sistema jurídico na vida cotidiana das comunidades. Raoni, Davi Kopenawa
e o próprio Xicão Xucuru são vozes bastante conhecidas na esfera pública, por exemplo,
mas precisaram dar suas vidas4 para garantir direitos básicos e constitucionais aos seus
povos. A antropologia de Clastres, profundamente conectada ao seu trabalho de campo
com os Guarani, parece, no entanto, possibilitar a compreensão também quanto às
demandas da vida de vários povos indígenas do Nordeste. A luta dos povos indígenas do
Nordeste por seus territórios ancestrais os coloca não apenas na linha de frente de um
enfretamento contra o Estado, como diria Clastres, mas também contra o sistema
capitalista. Entretanto, essas sociedades precisam manter-se em contato e articulação
com o Estado. Assim, há a necessidade de um registro duplo: contra a representação
política, uma vez que a política é o exercício de uma multiplicidade justaposta, e, também,
se utilizando dela, por questões estratégicas.
Em termos políticos (aproveitando o duplo uso epistemológico-político da noção
de representação), pensar espaços para além da representação pode também ser pensar
em espaços para além do Estado. Temos visto acontecer a nossa volta aquilo que se
convencionou chamar de crise de representação, expressa a nível mundial pela rejeição
popular às elites político-econômicas. Embora a manifestação dessa crise tome formas
muito aterrorizantes, culminando no que podemos interpretar contemporaneamente
como recrudescimento do fascismo, há também espaços abertos. A experiência política
dos povos indígenas que acompanhamos mostra não só uma pauta de reivindicações ou
um desejo de ação política frente aos governos. Mostra também a realidade da prática
de uma ação política que se dá em confronto e para além da tutela do Estado. São novas
formas de ação política, inseridas no interior de uma cosmopolítica do Bem Viver.
Diante disso, a luta do povo Xucuru de Pernambuco por seu território ancestral e
contra as inúmeras violações de seus direitos decorrentes da ineficiência da atuação
estatal pode ser compreendida como um emblema dessa conjunção estratégica de uma
cosmopolítica do Bem Viver. Após ser analisado pela Comissão Interamericana de Direitos
Humanos (CIDH), o caso Xucuru foi levado a julgamento pela Corte Interamericana de
4“Dar suas vidas” no sentido simbólico, uma vez que essas lideranças dedicaram suas existências à luta por
direitos, mas também literalmente, como no caso de Xicão, que foi assassinado por causa de sua batalha pela
demarcação do território ancestral do povo Xucuru.
Rev. Direito e Práx., Rio de Janeiro , Vol. 13, N. 01, 2022, p. 607-635
Paula Mannuela Silva de Santana e Tiago Queiroz de Magalhães
DOI: 10.1590/2179-8966/2022/65133| ISSN: 2179-8966
619
Rev. Direito e Práx., Rio de Janeiro , Vol. 13, N. 01, 2022, p. 607-635
Paula Mannuela Silva de Santana e Tiago Queiroz de Magalhães
DOI: 10.1590/2179-8966/2022/65133| ISSN: 2179-8966
620
somente foi concluído em 2005, com o registro da Terra Indígena Xucuru. Porém, até
2015, não tinha sido completada a desintrusão da área, com a retirada de não indígenas”
(BASSETTO; KONNO, 2019, p. 37). Mesmo assegurado constitucionalmente, o povo
Xucuru continuava sendo violentado, a ponto de, inclusive, o seu cacique, Xicão, ter sido
assassinado no dia 20 de maio de 1998.6
Com isso, o Movimento Nacional de Direitos Humanos (MNDH) / Regional
Nordeste, o Gabinete de Assessoria Jurídica às Organizações Populares (Gajop) e o
Conselho Indigenista Missionário (Cimi) apresentaram, em 16 de dezembro de 2002, uma
petição à Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) referente à falha política
do direito à terra dos povos Xucuru do Ororubá. Logo, “por meio do Relatório nº 44/1521,
a (CIDH) analisou o Caso 12.728 e emitiu, em 28.07.2015, sua apreciação acerca do mérito
da questão atinente ao Povo Indígena Xucuru, no Brasil” (BASSETTO; KONNO, 2019, p.
36), alertando o país para que lhes garantisse o seu direito.7
O Brasil acabou por negligenciar a determinação da CIDH e o caso se estendeu
para a Corte Interamericana de Direitos Humanos (Corte IDH), que, por sua vez, em 05 de
fevereiro de 2018, expôs internacionalmente a falta de justiça do governo brasileiro
alegando violação dos Direitos Humanos para com o povo Xucuru. A despeito de ter sido
intimado a pagar uma indenização no valor de um milhão de dólares aos Xucuru, somente
o fez em fevereiro de 2020, dois anos após a decisão (ALBUQUERQUE; SILVA, 2020).
Infelizmente, o caso do povo Xucuru está muito longe de ser uma exceção no que diz
respeito à violação dos direitos indígenas; antes, trata-se de uma regra instaurada de
maneira ilegal e ilegítima, a qual contraria toda a sistemática estabelecida no texto
constitucional.
Ao seguir os passos de Latour (2009), Ingold (2012) e Clifford (2008), propomos neste
ensaio um exercício de simetria ou antimodernidade, articulando na escrita os atores em
rede e trazendo como teoria e metateoria seus próprios quadros explicativos, num
Rev. Direito e Práx., Rio de Janeiro , Vol. 13, N. 01, 2022, p. 607-635
Paula Mannuela Silva de Santana e Tiago Queiroz de Magalhães
DOI: 10.1590/2179-8966/2022/65133| ISSN: 2179-8966
621
esforço de ruptura com a ideia de autoridade etnográfica. Busca-se, assim, escapar das
assimetrias tão fortemente presentes nos pensamentos moderno e pós-moderno. Para
uma aproximação às cosmologias e às cosmopolíticas sobre a terra, é vital que se busque
pelas definições nativas, isto é, as definições sobre o mundo e sobre as relações entre os
seres articuladas por nossos interlocutores. Além disso, é necessário que acreditemos
nessas definições, não como meras representações do real, mais ou menos distorcidas
(LATOUR, 2009), mas em simetria com as definições criadas pela ciência. Por essas e
outras razões, esta seção será composta por uma conversa entre os autores e
Tosowmlaka Fulni-ô, intelectual, cineasta e parceiro de longa data de várias atividades
promovidas pelo Grupo de Estudos e Pesquisas Macondo: artes, culturas contemporâneas
e outras epistemologias.
Fulni-ô é a autodenominação étnica atual usada por todos os Fulni-ô. No Nordeste
brasileiro, excluindo o Maranhão, os Fulni-ô são o único povo indígena que ainda fala uma
língua nativa. Os Fulni-ô referem-se à sua língua como Yaathe [ya:'th e], “nossa boca,
nossa fala”. Hoje em dia, o Yaathe é classificado como pertencente ao tronco Macro-Jê,
porém sem inseri-lo em nenhuma das famílias do tronco, conforme o modelo proposto
pelo linguísta Aryon Dall‘Igna Rodrigues (1986). A sobrevivência extraordinária do Yaathe
pode ser explicada por sua função decisiva no ritual do Ouricuri e na construção das
fronteiras étnicas. A religião, por exemplo, depende essencialmente do uso da língua
indígena, que também representa um meio de iniciação a ela. Por isso, muito do que se
produz em termos de conhecimento sobre os Fulni-ô gira em torno da importância da
língua ancestral em seu contexto sociocultural. Deste modo, a importância e a luta pela
terra acabam sendo sombreadas pelo relevo da língua Yaathe. Esses temas são relacionais
e têm, conjuntamente, profunda importância. Questões relativas à terra não podem ser
desvinculadas dos modos de ser Fulni-ô. Assim, escolhemos travar essa conversa com
Tosowmlaka Fulni-ô no intuito de trazer a este texto acadêmico um olhar sensível aos
desafios impostos pelas relações com o Estado no que tange ao reconhecimento de seus
territórios milenares. Para começarmos a conversa, pedimos que Tosowmlaka Fulni-ô8
(2020) se apresentasse de maneira livre:
Bom, meu nome é Elvis Ferreira de Sá. Eu sou Tosowmlaka e meu apelido é
Hugo Fulni-ô. Eu sou do povo indígena Fulni-ô. Sou professor indígena da rede
estadual há mais de nove anos e tenho um trabalho voltado à questão
8 Tosowmlaka carrega o nome de batismo Elvis e a alcunha Hugo. Em comum acordo com nosso interlocutor
e parceiro, optamos por endossar e afirmar a importância de seu nome Fulni-ô no transcorrer da conversa e
do texto.
Rev. Direito e Práx., Rio de Janeiro , Vol. 13, N. 01, 2022, p. 607-635
Paula Mannuela Silva de Santana e Tiago Queiroz de Magalhães
DOI: 10.1590/2179-8966/2022/65133| ISSN: 2179-8966
622
Rev. Direito e Práx., Rio de Janeiro , Vol. 13, N. 01, 2022, p. 607-635
Paula Mannuela Silva de Santana e Tiago Queiroz de Magalhães
DOI: 10.1590/2179-8966/2022/65133| ISSN: 2179-8966
623
num sistema tipicamente capitalista. É como se, para sentir-se pleno, o indivíduo
necessitasse que tudo em seu entorno estivesse equilibrado. Contudo, esse exercício de
harmonia, imprescindível para o povo Fulni-ô, foi fortemente impactado após a invasão
portuguesa e a emergência da empresa colonial. Várias terras indígenas foram usurpadas
por fazendeiros, madeireiros, garimpeiros, bandeirantes e até mesmo pelo Estado. Terras
indígenas passaram a ser positivadas pelo Estado de Direito, o que lançou as populações
indígenas num grande empreendimento para retomar seus territórios sagrados. Neste
sentido, Tosowmlaka reflete sobre como ocorreu esse processo de expropriação do
território Fulni-ô e os acordos que vieram depois:
Relacionado à questão jurídica aqui do povo Fulni-ô: atualmente tem onze
mil quinhentos e quatro hectares de terra. Acredito eu que é insuficiente para
a questão cultural, de manutenção cultural do nosso povo. Esses onze mil e
quinhentos hectares são históricos. Eles vieram da empreitada, segundo
documentos históricos, da Guerra do Paraguai. É remoto isso, falando no
sentido de que nosso povo, nossos ancestrais, tiveram que ir para a guerra e
lutar na guerra do Paraguai pra poder ganhar esses onze mil e quinhentos
hectares. Como o governo imperial dominava e oprimia as populações
minoritárias, os povos indígenas, os negros, então, nossos ancestrais tiveram
que sair daqui e lutar na guerra do Paraguai onde muitos morreram e apenas
três sobreviveram nessa guerra. Na verdade, é de direito essa terra. Nossa
terra é muito extensa do ponto de vista ideológico, dos anciões, do ponto de
vista cultural, do ponto de vista das narrativas onde os nossos antepassados
contam. Ainda existe ancião que diz que a gente, o nosso povo veio da Serra
dos Cavalos. Migravam por esses territórios todinhos. Aí, apareceu em 2003
um GT. Um grupo de trabalho, para fazer esse estudo na nossa comunidade.
Hoje em dia esse documento, esse estudo, está engavetado na Funai, porque
era para pegar desde a Serra dos Cavalos, abranger esse território todinho, a
Serra de Campo Grande, totalizando mais ou menos setenta e cinco mil
hectares de ampliação. Isso foi em 2003. Agora que os direitos tão sendo
negados por esse governo atual a situação fica ainda pior. [...]. Esses setenta
e cinco mil que eu estou falando com certeza dá garantia à reprodução
cultural do nosso povo, porque é muito insuficiente esses onze mil hectares.
Por quê? Porque a gente tem a extração das matérias primas para praticar a
cultura. Eu falo do caruá, das plantas medicinais que estão no nosso território
e que a gente tem que sair do nosso território para tirar nas terras dos
fazendeiros que usurparam nossos ancestrais. A gente necessita dessa
ampliação. [...]. Ainda sobre essa questão jurídica da terra, desses onze mil e
quinhentos hectares quando nosso povo ganhou foi na época do SPI, junto
com o governo de Pernambuco da época. É muito interessante a questão
fundiária do povo Fulni-ô porque eles lotearam esses onze mil e quinhentos
hectares para as famílias existentes na época. Isso foi uma política
integracionista, no meu ponto de vista, para dividir as pessoas em um
quadrado. Ou seja, deixar os Fulni-ô na margem. Dessa ideia de
individualidade que hoje a gente se encontra. Cada família na época ganhou
digamos três hectares de terra. Então, permanece esse sistema aqui de Fulni-
ô que é diferente do vários povos (TOSOWMLAKA FULNI-Ô, 2020).
Rev. Direito e Práx., Rio de Janeiro , Vol. 13, N. 01, 2022, p. 607-635
Paula Mannuela Silva de Santana e Tiago Queiroz de Magalhães
DOI: 10.1590/2179-8966/2022/65133| ISSN: 2179-8966
624
9 MAMANI, Fernando Huanacuni. Vivir Bien / Buen Vivir. [2014]. (45min31s). Disponível em:
https://www.youtube.com/watch?v=FQo-qkjS6Qc. Acesso em: 13 ene. 2020.
Rev. Direito e Práx., Rio de Janeiro , Vol. 13, N. 01, 2022, p. 607-635
Paula Mannuela Silva de Santana e Tiago Queiroz de Magalhães
DOI: 10.1590/2179-8966/2022/65133| ISSN: 2179-8966
625
Rev. Direito e Práx., Rio de Janeiro , Vol. 13, N. 01, 2022, p. 607-635
Paula Mannuela Silva de Santana e Tiago Queiroz de Magalhães
DOI: 10.1590/2179-8966/2022/65133| ISSN: 2179-8966
626
Rev. Direito e Práx., Rio de Janeiro , Vol. 13, N. 01, 2022, p. 607-635
Paula Mannuela Silva de Santana e Tiago Queiroz de Magalhães
DOI: 10.1590/2179-8966/2022/65133| ISSN: 2179-8966
627
povos indígenas, na sua busca incansável por respeito ao seu modo de vida, garantiram
vitórias importantes no âmbito jurídico que reverberam não só na elaboração de
hermenêuticas decoloniais, como abrem caminho para a construção de outras estratégias
de luta para os movimentos sociais de uma maneira geral.
Fica evidente que apenas a positivação dos direitos indígenas não tem sido
suficiente para que eles sejam observados na prática pelo Estado. A existência da temática
indígena dentro do ordenamento jurídico brasileiro ainda se apresenta como um desafio
para o Direito, já que a sua gênese, a partir deste Estado monista, colonialista e ocidental,
como único reprodutor de juridicidade, acaba sendo um entrave para abarcar todas as
nuances de um país pluriétnico e multicultural, repleto de nações, línguas e saberes
diversos. Neste cenário de inação perversa do Estado brasileiro, vários outros povos
indígenas de Pernambuco seguem lutando por seus territórios. Por isso, este ensaio busca
trazer outras vozes para diálogo, no intuito de ecoar os clamores por demarcação de
território para os povos originários da região, um dos pilares fundamentais para o Bem
Viver, como se depreende das palavras finais de Tosowmlaka Fulni-ô (2020) a seguir:
É notório a gente saber que os direitos dos povos indígenas eram negados na
época do Império. Então, as Constituições anteriores não davam esse direito.
Aí, séculos mudaram e os direitos foram garantidos na Constituição, na
democracia, de acordo com os preceitos democráticos, mas que na verdade
esses direitos eles são agredidos constantemente. Foram agredidos e até a
data atual eles são negados. [...]. Está lá expresso no texto constitucional, mas
é que os deputados da base ruralista e outros deputados criam medidas para
poder negar esses direitos. A gente tem que observar essa questão. Então,
nós povos indígenas, os povos indígenas que estão entrando na política tem
que garantir de fato esses direitos. Só ingressando e procurando meios de
agências internacionais para poder garantir nossos direitos aqui no Brasil.[...]
Então que sirva como base para muitos povos, para a gente poder condenar
de verdade o Brasil. Porque a democracia aqui no Brasil ela de fato não é feita,
a democracia é para os grandes latifundiários de terra. A democracia ela é
para os bem nascidos. Não existe de verdade uma democracia que garanta os
direitos das sociedades ditas minoritárias.
As reflexões de Tosowmlaka atestam que esta história está inacabada, uma vez
que o povo Fulni-ô ainda enfrenta a violação de seus direitos no instante em que estas
linhas são escritas. Além disso, reforça Schröder (2012), a homologação por decreto
presidencial de uma terra indígena não representa a conclusão do processo, pois sempre
haverá interação, dilemas e desafios entre os que habitam a terra e os que vivem fora dos
limites dela:
Contudo, olhando para o lado oposto da narrativa, enfrentaríamos um
desafio ainda maior por tentar definir um ponto de partida, por exemplo, os
Rev. Direito e Práx., Rio de Janeiro , Vol. 13, N. 01, 2022, p. 607-635
Paula Mannuela Silva de Santana e Tiago Queiroz de Magalhães
DOI: 10.1590/2179-8966/2022/65133| ISSN: 2179-8966
628
Considerações finais
Os povos originários vêm lidando há cinco séculos com a usurpação de seus territórios
nativos, sob o pretexto civilizatório e desenvolvimentista do Estado ocidental, sofrendo
profundas transformações em suas culturas e identidades. Enfrentam batalhas
constantes contra as violências cometidas por uma estrutura social elitista e reprodutora
Rev. Direito e Práx., Rio de Janeiro , Vol. 13, N. 01, 2022, p. 607-635
Paula Mannuela Silva de Santana e Tiago Queiroz de Magalhães
DOI: 10.1590/2179-8966/2022/65133| ISSN: 2179-8966
629
Rev. Direito e Práx., Rio de Janeiro , Vol. 13, N. 01, 2022, p. 607-635
Paula Mannuela Silva de Santana e Tiago Queiroz de Magalhães
DOI: 10.1590/2179-8966/2022/65133| ISSN: 2179-8966
630
10Aqui fazemos uma dupla referência: ao Direito enquanto disciplina, assim como ao direito dos povos
originários violados historicamente.
Rev. Direito e Práx., Rio de Janeiro , Vol. 13, N. 01, 2022, p. 607-635
Paula Mannuela Silva de Santana e Tiago Queiroz de Magalhães
DOI: 10.1590/2179-8966/2022/65133| ISSN: 2179-8966
631
Referências
ACOSTA, Alberto. O Bem Viver: uma oportunidade para imaginar outros mundos.
Tradução de Tadeu Breda. São Paulo: Elefante / Autonomia Literária, 2016.
ALBUQUERQUE, Evelyn Pinheiro Tenório de; SILVA, Carla Ribeiro Volpini. O direito ao
território ancestral e a proteção dos povos indígenas: a decisão da Corte Interamericana
de Direitos Humanos no caso do povo indígena Xucuru e seus membros versus Brasil.
Revista Direitos Culturais, Santo Ângelo (RS), v. 15, n. 16, p. 167-192, maio/ago. 2020.
Disponível em: http://san.uri.br/revistas/index.php/direitosculturais/article/view/20/14.
Acesso em: 20 dez. 2019.
ALMEIDA, Eliene Amorim de (org). Xukuru - Filhos da mãe natureza: uma história de
resistência e luta. Olinda (PE): Centro de Cultura Luiz Freire, 1997.
ARRUTI, José Maurício Paiva Andion. O reencantamento do mundo: trama histórica e
arranjos territoriais Pankararu. 1996. 247 f. Dissertação (Mestrado em Antropologia
Social). Universidade Federal do Rio de Janeiro/Museu Nacional, Rio Janeiro, 1996.
BANIWA, (Gersem dos Santos Luciano). O índio brasileiro: o que você precisa saber sobre
os povos indígenas no Brasil de hoje. Brasília: Ministério da Educação / Secad; Rio de
Janeiro: LACED / Museu Nacional, 2006.
BASSETTO, Marcelo Eduardo Rossitto; KONNO, Alyne Yumi. O caso do povo indígena
Xucuru perante a Comissão Interamericana de Direitos Humanos. Revista da Defensoria
Pública da União. Brasília, n. 12, p. 27-50, jan./dez. 2019. Disponível em:
Rev. Direito e Práx., Rio de Janeiro , Vol. 13, N. 01, 2022, p. 607-635
Paula Mannuela Silva de Santana e Tiago Queiroz de Magalhães
DOI: 10.1590/2179-8966/2022/65133| ISSN: 2179-8966
632
https://revistadadpu.dpu.def.br/index.php/revistadadpu/article/view/231/188. Acesso
em: 20 dez. 2019.
CLASTRES, Pierre. A sociedade contra o Estado. São Paulo: Cosac Naify, 2014.
CUNHA, Manuela Carneiro da. Relações e dissensões entre saberes tradicionais e saber
científico. Revista USP, São Paulo, n. 75, p. 76-84, set./nov. 2007. Disponível em:
http://www.revistas.usp.br/revusp/article/view/13623/15441. Acesso em: 20 dez. 2019.
INGOLD, Tim. Caminhando com dragões: em direção ao lado selvagem. In: STEIL, Carlos
Alberto; CARVALHO, Isabel Cristina de Moura (orgs.). Cultura, percepção e ambiente:
diálogos com Tim Ingold. São Paulo: Terceiro Nome, 2012. p. 15-29.
KOPENAWA, Davi; Albert, Bruce. A queda do céu: palavras de um xamã Yanomami. São
Paulo: Companhia das Letras, 2015.
KRENAK, Ailton. Encontros: Ailton Krenak. Rio de Janeiro: Azougue Editorial, 2015.
KRENAK, Ailton. Ideias para adiar o fim do mundo. São Paulo: Companhia das Letras,
2019.
LATOUR, Bruno. Jamais fomos modernos. São Paulo: Editora 34, 2009.
Rev. Direito e Práx., Rio de Janeiro , Vol. 13, N. 01, 2022, p. 607-635
Paula Mannuela Silva de Santana e Tiago Queiroz de Magalhães
DOI: 10.1590/2179-8966/2022/65133| ISSN: 2179-8966
633
LIMA, Antonio Carlos de Souza. A identificação como categoria histórica. In: LIMA, Antonio
Carlos de Souza; BARRETTO FILHO, Henyo Trindade (orgs.). Antropologia e identificação:
os antropólogos e a definição de terras indígenas no Brasil, 1977-2002. Rio de Janeiro:
Contra Capa / LACED / CNPq / FAPERJ / IIEB, 2005. p. 29-73.
MAMANI, Fernando Huanacuni. Vivir Bien / Buen Vivir. [2014?]. (45min31s). Disponível
em: https://www.youtube.com/watch?v=FQo-qkjS6Qc. Acesso em: 13 de Janeiro. 2020.
MELLO, Mário Carneiro do Rego. Os Carnijós de Águas Belas. Revista do Museu Paulista,
São Paulo, v. 16, p. 793-846, jan./dez. 1929.
MÜLLER, Mônica Gomes; SIMIONI, Rafael Lazzarotto. Terras indígenas e modos de ser: o
sentido do tekoha guarani e o problema da demarcação das terras indígenas no brasil.
Rev. Direitos Culturais, Santo Ângelo, v. 11, n. 25, p. 53-78, set./dez. 2016
OLIVEIRA, João Pacheco de. Uma etnologia dos “índios misturados”?: situação colonial,
territorialização e fluxos culturais. Mana, Rio de janeiro, v. 4, n. 1, p. 47-77, abr. 1998.
Disponível em: https://www.scielo.br/pdf/mana/v4n1/2426.pdf. Acesso em: 12 jan.
2020.
OLIVEIRA, João Pacheco de. Una etnografía de las tierras indígenas: procedimientos
administrativos y procesos políticos. In: OLIVEIRA, João Pacheco de (org.). Hacia una
antropología del indigenismo: estudios críticos sobre los procesos de dominación y las
perspectivas políticas actuales de los indígenas en Brasil. Rio de Janeiro: Contra Capa;
Lima (Peru): Centro Amazónico de Antropología y Aplicación Práctica, 2006. p. 15-49.
RIBEIRO, Darcy. O povo brasileiro. 2. ed. São Paulo: Companhia das Letras, 1995.
Rev. Direito e Práx., Rio de Janeiro , Vol. 13, N. 01, 2022, p. 607-635
Paula Mannuela Silva de Santana e Tiago Queiroz de Magalhães
DOI: 10.1590/2179-8966/2022/65133| ISSN: 2179-8966
634
SCHRÖDER, Peter. Terra e território Fulni-ô: uma história inacabada. In: SCHRÖDER, Peter
(org.). Cultura, identidade e território no Nordeste indígena: os Fulni-ô. Recife: Editora
Universitária da UFPE, 2012. p. 15-62.
SILVA, Edson. Memórias Xukuru e Fulni-ô da Guerra do Paraguai. Ciências Humanas em
Revista, São Luís (MA), v.3, n. 2, p. 51-58, dez. 2005. Disponível em:
https://www.yumpu.com/pt/document/read/12749715/memorias-xucuru-e-fulni-o-da-
guerra-do-paraguai-nucleo-de-. Acess em: 12 jan. 2020.
VASCONCELOS, Sanelva de. Os Cardosos das Águas Belas: estudo histórico, geográfico,
sociológico e estatístico das Águas Belas e genealógico do seu fundador. Recife: Arquivo
Público Estadual, 1962.
Rev. Direito e Práx., Rio de Janeiro , Vol. 13, N. 01, 2022, p. 607-635
Paula Mannuela Silva de Santana e Tiago Queiroz de Magalhães
DOI: 10.1590/2179-8966/2022/65133| ISSN: 2179-8966
635
WOLKMER, Antonio Carlos. Introdução ao pensamento jurídico crítico. 9. ed. São Paulo:
Saraiva, 2015.
Sobre os autores
Rev. Direito e Práx., Rio de Janeiro , Vol. 13, N. 01, 2022, p. 607-635
Paula Mannuela Silva de Santana e Tiago Queiroz de Magalhães
DOI: 10.1590/2179-8966/2022/65133| ISSN: 2179-8966
580
Gabriela Navarro¹
¹ Universidade Federal de Lavras, Lavras, Minas Gerais, Brasil. E-mail:
gabrielabnavarro@gmail.com. ORCID: https://orcid.org/0000-0001-7411-3479.
This work is licensed under a Creative Commons Attribution 4.0 International License.
Resumo
O artigo analisa a proteção legal dos povos indígenas no âmbito do Sistema
Interamericano de Direitos Humanos, assim como o nível de observância desses
parâmetros dentre os países da América do Sul. Ele analisa o reconhecimento judicial,
constitucional e legal dos países que ratificaram a Convenção Americana, a Convenção
n.169 da OIT e aceitaram a jurisdição da Corte. Objetiva-se detalhar o diálogo entre o
sistema legal desses países e o SIDH, aplicando a teoria da cadeia de eficácia.
Palavras-chave: Povos Indígenas; Observância; Cadeia de Eficácia.
Abstract
The article details the indigenous legal protection within the Inter-American System of
Human Rights, as well as the observance level within the South American countries. It
analyses the judicial, constitutional and legal reality of the countries the that ratified the
American Convention, the International Labour Organisation Convention n. 169 and
accepted the Court’s jurisdiction. It aims to analyse the dialogue between those countries’
domestic law and the System, applying the efficacy chain theory.
Keywords: Indigenous People; Observance; Enforcement Chaim.
1 introdução
O presente artigo almeja analisar a observância, entre países da América do Sul, aos
parâmetros jurisprudenciais desenvolvidos pela Corte Interamericana de Direitos
Humanos em matéria de direitos territoriais indígenas, consolidados no caso Xucuru v.
Brasil.
A Corte vem construindo uma jurisprudência progressiva e transformadora de
situações de marginalização e exclusão vivenciada por povos indígenas. O
reconhecimento jurídico de direitos indígenas, contudo, não é novidade na América do
Sul, já que a maior parte dos países reconhece o direito dos povos indígenas ao território,
seja na Constituição ou por tratados internacionais. Ainda que não representem
inovações jurídicas ao sistema doméstico, as decisões do sistema regional de direitos
humanos cumprem o papel de reforçar demandas de movimentos sociais e órgãos de
proteção indígena. Esse reforço jurídico torna-se importante já que se observa um
contexto de acelerada pressão sobre recursos naturais e terras, provocando um
crescimento exponencial nas violações ao direito à propriedade coletiva indígena e
escalada na violência contra os povos indígenas (GLOBAL WITNESS, 2018; TAULI-CORPUZ,
2018).
O artigo adota a teoria da cadeia de eficácia desenvolvida por Calábria (2018). A
eficácia de cortes internacionais seria dividida em cinco níveis: observância, aplicação,
fortalecimento, implementação e adequação. Adota-se a primeira camada de eficácia, a
observância. Trata-se de aderência espontânea por um país aos parâmetros da Corte
regional, antecedendo uma decisão final ou caso contencioso que envolva o país
(CALABRIA, 2018).
Para atingir o objetivo, o desenvolvimento de direitos territoriais na Corte
Interamericana é apresentado (tópico 2), seguido pela apresentação do contexto
internacional de reconhecimento dos direitos (tópico 3) e análise dos direitos
constitucionais reconhecidos na América do Sul e status da ratificação da Convenção da
OIT 169 (tópico 4). Ainda que constitucionalmente garantidos, os direitos territoriais são
paulatinamente violados (tópico 5). O artigo conclui afirmando que a jurisprudência da
Corte Interamericana consolida o reconhecimento doméstico de direitos territoriais
indígenas e o analisa em relação ao seu reconhecimento presente, ou não nas cortes
constitucionais na América Latina, fortalecendo atores sociais e governamentais que
1 Mayagna (sumo) Awas Tingni vs. Nicaragua (2001), Moiwana vs. Suriname (2005), Yakye Axa vs. Paraguay
(2005), Sawhoyamaxa vs. Paraguay (2006), Saramaka vs. Suriname (2007), Xámok Kásek vs. Paraguay (2010),
Kichwa de Sarayaku vs. Ecuador (2012), Operation genesis vs. Colombia (2013), Kuna de Madugandí y Emberá
de Bayano vs. Panama (2014), Garífuna Triunfo de la Cruz vs. Honduras (2015), Garífuna de Punta Piedra vs.
Honduras (2015), Kaliña y Lokono vs. Suriname (2015), Xukuru vs. Brazil (2018) e Lhanka Honhat vs. Argentina
(2020).
2 Para alguns autores, o direito à identidade cultural já havia sido reconhecido desde Yakye Axa v. Paraguai
(2005). Contudo, em Yakye Axa a identidade cultural é meramente mencionado como um elemento
integrante do direito à vida digna, e não como um direito singular. Pela primeira vez em Kichwa de Sarayaku
(2012), a Corte realizou uma ampla revisão sobre o direito à identidade cultural e reconhece sua violação.
(CHIRIBOGA, 2006; ODELO, 2012)
da Convenção Americana3.
Na ordem internacional, o reconhecimento de direitos territoriais e a imposição
de deveres estatais de proteção e não intervenção na propriedade coletiva indígena pela
Corte representou um avanço na luta indígena pelo reconhecimento de seus direitos.
3 O artigo 26 já havia sido utilizado em casos precedentes como reconhecimento da justiciabilidade direta de
outros direitos sociais, como direitos trabalhistas e direito à saúde. O caso precursor fou Lagos del Campo v.
Peru (2017). Para Mais sobre o tema, veja MORALES, 2019 e SÁNCHEZ, 2018.
4 A título de exemplificação, mostra-se algumas constatações realizadas pela Comissão Nacional da Verdade
Brasileira: “Para tomar posse dessas áreas e tornar real essa extinção de índios no papel, empresas e
particulares moveram tentativas de extinção física de povos indígenas inteiros – o que configura um
genocídio terceirizado – que chegaram a se valer de oferta de alimentos envenenados, contágios
propositais, sequestros de crianças, assim como de massacres com armas de fogo. [..] “A Fundação Nacional
do Índio segue, de certa maneira, a prática do órgão antecessor, o Serviço de Proteção ao Índio. Mas
“moderniza’”esta prática e a justifica em termos de “desenvolvimento nacional”, no intuito de acelerar a
“integração” gradativa: absorve e dinamiza aquelas práticas, imprimindo-lhes – a nível administrativo –
uma gerência empresarial (Renda Indígena, Programa Financeiro do Desenvolvimento de Comunidades,
etc.).(grifos nossos)
5 Para os países que ratificaram a Convenção 169, a Convenção 107 encontra-se revogada. Contudo, a
Convenção 107 continua vigente para aqueles países signatários apenas de seu teor, muito embora esteja
fechada para novas ratificações.
6 Artigo 1o 1. A presente convenção aplica-se: a) aos povos tribais em países independentes, cujas
condições sociais, culturais e econômicas os distingam de outros setores da coletividade nacional, e que
estejam regidos, total ou parcialmente, por seus próprios costumes ou tradições ou por legislação especial;
Artigo 6o 1. Ao aplicar as disposições da presente Convenção, os governos deverão: a) consultar os povos
interessados, mediante procedimentos apropriados e, particularmente, através de suas instituições
representativas, cada vez que sejam previstas medidas legislativas ou administrativas suscetíveis de afetá-los
diretamente; b) estabelecer os meios através dos quais os povos interessados possam participar livremente,
pelo menos na mesma medida que outros setores da população e em todos os níveis, na adoção de decisões
em instituições efetivas ou organismos administrativos e de outra natureza responsáveis pelas políticas e
programas que lhes sejam concernentes;
igualdade em relação aos outros segmentos sociais.7 Além disso, deu-lhes o direito à
consulta em processos que tenham algum impacto no universo tradicional indígena,
respeitando a forma de expressão dos povos originários, determinando formas de definir
as instituições que os representaria, posteriormente delimitados por organismos
internacionais (CALDERA, 2013).
Assim, em vez de uma homogeneização, embasa-se na ideia de diversidade.8
Apesar disso, há críticas porque nos estudos acerca da consulta prévia, questionou-se se
a participação e a emissão de uma mera opinião ou de efetivo consentimento às
propostas, condicionando a realização das ações de extração dos recursos das terras
indígenas. Nesse sentido, a OIT, em 2003, não reconheceu o dever do Estado de
considerar o consentimento dos povos indígenas para realizar as ações que, por
consequência, atinja-lhes.
Os direitos indígenas aprofundam-se com a Declaração das Nações Unidas sobre
Direitos dos Povos Indígenas. A questão indígena já era uma preocupação na ONU desde
1971, quando o Conselho Econômico e Social das Nações Unidas (ECOSOC) nomeou um
Relator especial para Assuntos Indígenas. Um rascunho de uma declaração começou a ser
elaborado durante os anos oitenta pelo Grupo de Trabalho de Populações Indígenas,
órgão da Comissão da ONU em Direitos Humanos, mas somente foi aprovada pela
Assembleia Geral da ONU em 2007 (TOMASELLI, 2016).
Essa declaração confere fundamentações consistentes para o reconhecimento
das identidades indígenas pela soft law. Nesse sentido, a soft law tem suas vantagens,
com um alto número de países signatários, a maior possibilidade de participação de atores
não estatais em sua elaboração e a entrada em efeito imediata após sua assinatura,
independentemente de ratificação (BARELLI, 2009).
7 Artigo 7o 1. Os povos interessados deverão ter o direito de escolher suas, próprias prioridades no que
diz respeito ao processo de desenvolvimento, na medida em que ele afete as suas vidas, crenças,
instituições e bem-estar espiritual, bem como as terras que ocupam ou utilizam de alguma forma, e de
controlar, na medida do possível, o seu próprio desenvolvimento econômico, social e cultural. Além disso,
esses povos deverão participar da formulação, aplicação e avaliação dos planos e programas de
desenvolvimento nacional e regional suscetíveis de afetá-los diretamente. (grifo nosso)
8 Essa é a interpretação defendida por Shiraishi Nt: “Pelo visto, há uma mudança radical de por fim a qualquer
forma que enseje algum tipo de tutela, sempre presente nos dispositivos jurídicos, que notadamente vêem
esses povos e grupos sociais como sujeitos inferiorizados, incapazes de discernirem sobre seus próprios atos.
No caso, o “princípio da igualdade” deve ser o pressuposto e não o objetivo a ser alcançado, pois a
emancipação decorre do reconhecimento da existência da diversidade e das diferenças de cultura, que
envolucram distintos sujeitos que conhecem perfeitamente as suas necessidades mais imediatas e
mediatas.” (grifos nossos) (2004)
9 A lei 18.589 de 2009 estabelece o dia da Nação Charrúa e da Identidade Indígena, reconhecendo e
valorizando a identidade cultural indígena.
Apesar dos avanços na legislação e jurisprudência, persistem violações dos direitos dessas
comunidades. Não obstante seu reconhecimento, não é observado um exercício efetivo
desses direitos. Segundo a Relatora Especial sobre os Direitos dos Povos Indígenas, essas
populações são historicamente sujeitas a discriminação estrutural e, devido à prevalência
de interesses comerciais, as comunidades indígenas sempre foram vítimas de agressão ao
procurar proteger suas terras (TAULI-CORPUZ, 2018). Isso levou a um aumento dos
10 Kichwa Indigenous People of Sarayaku v. Ecuador; Kuna Indigenous People of Madungandí and the
Emberá Indigenous People of Bayano v. Panama; Garífuna Punta Piedra Community and its members v.
Honduras
protestos dos povos indígenas e de seus defensores contra esses projetos que ameaçam
a sobrevivência dessas comunidades (CIDH, 2019).
A Comissão Interamericana de Direitos Humanos indicou que o consentimento
livre, prévio e informado dos povos indígenas não é obtido para conceder concessões a
empresas extrativas, e o Estado não controla esses projetos (CIDH, 2019).
Além disso, a situação dos defensores está mais ameaçada. Tanto o Relator
Especial sobre a situação dos defensores dos direitos humanos como o Relator Especial
sobre a questão das obrigações em matéria de direitos humanos relacionados ao gozo do
meio ambiente falam de uma “crise global” de violência contra os defensores dos direitos
humanos, e particularmente contra defensores dos direitos indígenas (FORST, 2016). O
Grupo de Trabalho das Nações Unidas sobre a questão dos direitos humanos, empresas
transnacionais e outras empresas declarou que recebeu várias denúncias de homicídios,
ataques e ameaças contra defensores de direitos humanos que defendem os direitos
indígenas contra os flagelos cometidos por empresas extrativas (HRC, 2014).
Segundo a Global Witness, 164 defensores ambientais foram mortos em 2018
(GLOBAL WITNESS, 2019). Metade desses assassinatos ocorreu na América Latina, em
parte devido à tradição dessa região do ativismo em direitos humanos. Estima-se que 28
defensores de direitos indígenas foram assassinados em 2019 neste território (CULTURAL
SURVIVAL, 2019), considerando o Brasil como o Estado mais inseguro para esses
defensores. A maioria dos assassinatos está ligada à mineração e petróleo, em segundo
lugar ao agronegócio, em terceiro lugar à caça furtiva e, por último, à extração de madeira.
A Coalizão contra a apropriação de terras relatou 65 casos de prisões arbitrárias e assédio
judicial, 92 assassinatos e 46 casos de ameaças contra defensores ambientais e de direitos
humanos no primeiro trimestre de 2019 (COALITION, 2019).
Igualmente, o trabalho dos defensores dos direitos indígenas é frequentemente
criminalizado, situação cada vez mais frequente na América Latina (CIDH, 2015). Os países
da região usam o direito penal em retaliação contra aqueles que expõem os efeitos
adversos que estes teriam sobre a sobrevivência das comunidades indígenas. Rodolfo
Stavenhagen, ex-Relator Especial das Nações Unidas sobre a situação dos direitos
humanos e das liberdades fundamentais dos povos indígenas, destacou que a
criminalização de atividades pacíficas de protesto com o objetivo de reivindicar direitos
fundamentais das comunidades indígenas deve ser vista hoje como uma das falhas mais
graves na defesa dos direitos humanos (STAVENHAGEN, 2004).
fundamento legal para a doutrina são os artigos da Convenção 1.1 (dever de respeitar
direitos e liberdades), 2 (dever de adaptar sistema doméstico adequando-o à Convenção)
e 29 (interpretação extensiva ou pro personae). Ainda, a doutrina está relacionada aos
princípios da boa fé, efetividade e pacta sunt servanda, de acordo com os artigos 26 e 27
da Convenção de Viena (MAC-GREGOR, 2015; MAC-GREGOR, 2016).
A adoção da doutrina tem sido distinta de acordo com as cortes domésticas, com alguns
países ignorando-a, outros confrontando-a diretamente e alguns adotando os padrões
convencionais, promovendo uma heterogeneidade normativa na América Latina
(TORELLY, 2017).
Em relação aos direitos territoriais, grande parte dos países sul-americanos já
contava com regulamentação de direitos indígenas em seu ordenamento doméstico,
muitos deles atribuindo ranking constitucional à Convenção OIT 169. Assim, o
desenvolvimento da jurisprudência regional ocorre paralelamente à adoção de
parâmetros normativos pelas cortes constitucionais (GONGORA-MERA, 2017). Alguns
países mencionam expressamente as decisões da Corte (Argentina, Bolívia, Equador,
Colômbia e Peru), enquanto outros adotam parâmetros muito próximos aos regionais,
ainda que sem mencionar expressamente a Corte (Chile, Paraguai e Venezuela)11.
A Corte Suprema de Justiça da Argentina12 decidiu favoravelmente a uma
comunidade indígena no caso “Comunidad Indígena Eben Ezer c/ província de Salta”,
decidido em 30 de setembro de 2008, mencionando amplo trecho do caso Yakye Axa
sobre a relação entre identidade cultural e direito à propriedade coletivaa, além de citar
o caso Awas Tingni. A Convenção OIT 169 também é citada e a decisão foi unânime13.
O Tribunal Constitucional do Peru também dialoga com os parâmetros jurisprudenciais
estabelecidos pela Corte Interamericana. Em casos decididos, o Tribunal peruano
11 Não encontramos decisões de cortes constitucionais reconhecendo direitos indígenas justamente nos
países com menor proteção constitucional a direitos indígenas, Suriname, Guiana e Uruguai. A ausência de
jurisprudência pode estar relacionada justamente à ausência de reconhecimento de direitos.
12 A Corte Suprema Argentina possui um histórico de aceitação do princípio da convencionalidade,
reconhecendo em diversos casos a vinculação das decisões da Corte ao ordenamento argentino, em que pese
um momentânea alteração de posição em 2015, no caso Fontevechia. Para mais sobre a Corte Argentina, veja
GONZALEZ-SALZBERG, 2011
13 Suprema Corte Argentina, Comunidad Indígena Eben Ezer c/ provincia de Salta - Ministerio de Empleo y
la Producción s/ amparo, Sentencia 30 de setembro de 2008, n. InternoC2124XLI. Yakye Axa já havia sido
mencionado na Corte Suprema Argentina, ainda que apenas em um voto dissidente no caso “Comunidad
Aborígene Lhaka Honhat c/ província de Salta”, exalado pelo Min. Carlos Fayat. ______. Asociación de
Comunidades Aborígenes Lhaka Honhat c/ Salta, Provincia de y outro s/ acción declarativa de certeza. 27
de Septiembre de 2005, voto separado do Min. Carlos Fayat
14 Tribunal Constitucional de Peru, Pleno, Lima, Exp. N. 3343-2009-PA/TC, Jaime Hans Bustamante Johnson,
19 de fevereiro de 2009. Em sentido próximo, ver Tribunal Constitucional de Peru, Pleno, Lima, Exp. N. 6316-
2008-PA/TC, Asociación interétnica de desarrollo de la selva peruana (AIDESP), 11 de novembro de 2009, voto
singular do Mag. Landa Arroyo, mencionado parâmetros adotados em Saramaka.
15 Tribunal Constitucional de Peru, Pleno, Lima, Exp. N. 22-2009-PI/TC, Gonzalo Tuanama Tuanama e outros,
09 de junho de 2010.
16 Tribunal Constitucional de Peru, Pleno, Lima, Exp. N. 24-2009-PI, Gonzalo Tuanama Tuanama e outros, 26
de julho de 2011.
17 Tribunal Constitucional Plurinacional, Sala Plena, Sentencia 2056/2012, Mag. Rel. Soraida Rosario Chánez
Chire, exp. N. 00213-2012-01-AIA, 16 de outubro de 2012 (reproduzindo ipsis literis grande trecho de Kichwa
de Sarayaku); ______, Sala Primera Especializada, Sentencia 0572/2014, Mag. Rel. Tata Gualberto Cusi
Mamani, exp. N. 02889-2013-06-AP, 10 de março de 2014 (com ampla e detalhada análise acerca da doutrina
do controle de convencionalidade e vinculação das decisões da Corte regional);
18 Tribunal Constitucional Plurinacional, Sala Plena, Sentencia 0079/2015, Mag. Rel. Macario Lahor Cortez
Chavez, exp. N. 09543-2014-20-AIA, 09 de setembro de 2015. Original em espanhol, tradução nossa.
19 Tribunal Constitucional Plurinacional, Sala Plena, Sentencia 0300/2012, Mag. Rel. Mirtha Camacho
Quiroga, exp. N. 00157-2012-01-AIA e 00188-2012-01-AIA (acumulado), 18 de junho de 2012
20 Para uma análise aprofundada do caso TIPNIS, ver LAING, 2014 e BOHR ILAHOLA, 2015.
Rev. Direito e Práx., Rio de Janeiro, Vol. 13, N. 1, 2022, p. 580-606.
Gabriela Navarro, Maria Mejía Saldaña e João Augusto Maranhão de Queiroz Figueiredo.
DOI: 10.1590/2179-8966/2022/65132| ISSN: 2179-8966
595
exarada pela Corte Constitucional Colombiana (CCC), a qual possui múltiplas decisões na
área produzidas em aberto diálogo com a Corte Interamericana. A CCC possui consolidada
jurisprudência em matéria de direitos indígenas, tomando por base a Convenção OIT 169
e os parâmetros da Corte Interamericana, mencionando repetidamente os casos Awas
Tingni, Yakye Axa, Sawhoyamaxa e Xákmok Kásek para interpretar o direito à propriedade
e multiculturalidade, assim como a decisão Saramaka, no que tange ao direito à consulta21
e já citou o caso do Povo Xucuru22.
Observa-se a mais paradigmática decisão, a sentença T-129/11. A CCC
reconheceu a proteção cultural e territorial de povos indígenas asseguradas tanto na
Constituição como na Convenção OIT 169. A Convenção foi interpretada valendo-se da
Declaração da ONU sobre Povos Indígenas e da interpretação realizada pela Corte
Interamericana em Saramaka. Em nível de direito internacional, foram mencionados
ainda relatórios emitidos pelo Relator da ONU para Direitos Indígenas, o sr. James Anaya.
Por fim, a CCC reviu sua própria jurisprudência a respeito de direito à consulta,
estabelecendo parâmetros específicos para a consulta. Os parâmetros estabelecidos na
sentença T-129/11 tornam-se referência para múltiplas decisões posteriores.
É importante mencionar que a decisão colombiana oferece padrões mais
protetivos a povos indígenas do que a própria Corte Interamericana. A Corte regional tem
se referido à obrigação de consultar povos indígenas de boa fé, referindo-se a
consentimento exclusivamente em Saramaka e apenas para projetos de grande impacto.
Em contrapartida, a CCC entende como obrigatório o consentimento independentemente
da dimensão do impacto causado pelo projeto. Esse pode ser um motivo pelo qual a CCC
não menciona nenhum caso da Corte Interamericana relativo ao direito a consulta
posterior a Saramaka, já que nenhuma delas refere-se à consentimento.
Um dos países com a mais avançada proteção aos direitos indígenas é o Equador.
A reforma constitucional de 2008 foi revolucionária ao reconhecer o Estado como
plurinacional e ao assegurar constitucionalmente valores indígenas, como sumak kawsay
e a proteção à pacha mama. Ainda, tratados internacionais em direitos humanos são
considerados supraconstitucionais, como é o caso da Convenção OIT 169 (WOLKMER;
21 Apenas a título de exemplo, mencionamos as seguintes decisões: CCC, Sentencia T-307/2018, Tercera Sala
de Revision, Exp. T-3836834, 27 de julho de 2018; CCC, Sentencia T-766/15, Cuarta Sala de Revision, Exp. T-
4327004, 16 de dezembro de 2015;
22 CCC, Sentencia T-153/19 Novena Sala de Revisión, Exp. T-7.056.143, 3 de abril de 2019
Rev. Direito e Práx., Rio de Janeiro, Vol. 13, N. 1, 2022, p. 580-606.
Gabriela Navarro, Maria Mejía Saldaña e João Augusto Maranhão de Queiroz Figueiredo.
DOI: 10.1590/2179-8966/2022/65132| ISSN: 2179-8966
596
6.2. Observância dos parâmetros convencionais por entes estatais e atores sociais
26 STF, Pleno, ADI – MC 6062 (1 Agosto 2019); STF, Mon. Luis Roberto Barroso, AR - MC 2761 (5 Novembro
2019).
7 Considerações finais
Referências bibliográficas
ALEIXO, Mariah Torres; OLIVEIRA, Rodrigo Magalhães de. Convenção 169 da OIT em
disputa: consulta prévia, pensamento descolonial e autodeterminação dos povos
indígenas. 2014. 17 fls. 29ª Reunião Brasileira de Antropologia, Disponível em:
http://www.29rba.abant.org.br/resources/anais/1/1402003900_ARQUIVO_Oliveira&Ale
ixo29RBA-GT.48.pdf. Acesso em: 10 de Março de 2020.
ALMENARA, M. B.; LINARES, C. C. (ed.). Buenas prácticas en procesos de consulta previa
identificadas por las defensorías del pueblo de Bolivia, Colombia, Ecuador y Perú.
Federación Iberoamericana del Ombudsman: Lima, 2017.
ANAYA, James. La situación de los pueblos indígenas en chile: seguimiento a las
recomendaciones hechas por el relator especial anterior, A/HRC/12/34/Add.6 14 de
septiembre 2009.
ANTKOWIAK, Thomas. Rights, resources and rhetoric: indigenous peoples and the inter-
american court. University of Pennsylvania Journal of International Law, 33 /1, p. 113–
187, 2014.
ARTICLE 19. A Deadly Shade of Green: Threats to Environmental Human Rights
Defenders in Latin America London, 2016.
AYLWIN, José. La política pública y el derecho de los mapuche a la tierra y al território. In
AYLWIN, Jose (ed.) Derechos humanos y pueblos indígenas: tendências internacionales y
contexto chileno. Instituto de estudios indígenas: Santiago, 2004. 279-290.
BAILO, Gonzalo L.; DE VIOLA, Ana María Bonet; MARICHAL, Maria Eugénia. Bienes
Comunes en los Primeros Códigos Civiles Latinoamericanos. Revista Direito GV. São
Paulo, V.14, N.2, mai-ago 2018. p. 775 - 803. Disponível em:
http://www.scielo.br/pdf/rdgv/v14n2/1808-2432-rdgv-14-02-0775.pdf. Acesso em: 16
de Março de 2020.
BARELLI, Mauro. The Role of Soft Law in the International Legal System: The Case of the
United Nations Declaration on the Rights of Indigenous Peoples. The International and
Comparative Law Quarterly, vol. 58, no. 4, 2009, pp. 957–983.
BCN. Biblioteca del Congreso Nacional de Chile. Consulta previa indígena y medidas
legislativas: estándar internacional y práctica nacional. Proyecto de ley que crea el Servicio
Nacional Forestal, enero 2019.
BOHRT IRAHOLA, Carlos. El derecho a la consulta de los pueblos indígenas, el Tribunal
Constitucional y el TIPNIS. Rev. Jur. Der., La Paz , v. 2, n. 3, p. 59-82, dic. 2015 . Disponível
em <http://www.scielo.org.bo/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S2413-
28102015000200007&lng=es&nrm=iso>.acesso em 06 abr. 2020.
BRASIL. Comissão Nacional da Verdade.Relatório: textos temáticos / Comissão Nacional
da Verdade. – Brasília: CNV, 2014.416 p. – (Relatório da Comissão Nacional da Verdade;
v. 2). Disponível em:
http://cnv.memoriasreveladas.gov.br/images/pdf/relatorio/volume_2_digital.pdf.
Acesso em: 12 de Março de 2020.
BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Ação Direta de Inconstitucionalidade 3239/DF.
Procedimento para Identificação, Reconhecimento, Delimitação, Demarcação e Titulação
das Terras Ocupadas por Remanescentes das Comunidades dos Quilombolas. Ato
Normativo Autônomo. Art. 68 do ADCT. Direito Fundamental, Eficácia Plena e Imediata.
Invasão da Esfera Reservada a Lei art. 84, IV e VI, “a”, da CF. Inconstitucionalidade Formal.
Relatora: Ministra Rosa Weber. 01 de Fevereiro de 2019. Disponível em:
http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=TP&docID=749028916.
Acesso em 02 de Abril de 2020.
BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Ação Popular - PET 3388/RR. Ação Popular relativa a
Demarcação de terras indígenas na área Raposa Serra do Sol. Relator: Ministro Carlos
Ayres Britto. 01 de Julho de 2010. Disponível em:
http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=AC&docID=630133 . Acesso
em: 15 de Março de 2020.
BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Referendo na Medida Cautelar na Ação Direta de
Inconstitucionalidade 6.062/DF. Transferência da Competência da Demarcação das terras
indígenas e de assuntos dos povos originários para o Ministério da Agricultura, Pecuária
/asset_publisher/hQUi8Q51DUkU/content/litigancia-estrategica-perante-o-sistema-
interamericano-de-direitos-humanos-23-e-24-de-novembro/40703. Acesso em: 10 de
Abril de 2020.
______. Minicurso sediado na Faculdade de Direito do Recife aborda o Sistema
interamericano e o caso do Povo Xukuru com a Participação da Defensoria Pública da
União, Minitério Público Federal, ONG’s e de membros da comunidade indígena Xukuru,
08 de Maio de 2019, online. Disponível em: https://www.ufpe.br/agencia/noticias/-
/asset_publisher/VQX2pzmP0mP4/content/minicurso-aborda-sistema-interamericano-
de-direitos-humanos-e-o-caso-do-povo-indigena-xukuru/40615. Acesso em: 10 de Abril
de 2020.
ZIMMERMANN, Taciano Scheidt; JR., Arno Dal Ri. Ressignificações do Conceito de
“Nacionalismo” entre a Origem e a Decadência da Convenção n. 107 da OIT. Rev. Fac.
Direito UFMG, Belo Horizonte, n. 68, pp. 155-189, jan./jun. 2016.
SHIRAISHI NETO, Joaquim. Reflexão do direito das “comunidades tradicionais” a partir das
declarações e convenções internacionais. Revista de Direito Ambiental da Amazônia, n.o
3 jul-dez 2004 Disponível em: https://www.corteidh.or.cr/tablas/r27227.pdf. Acesso: 14
de Março de 2020
STAVENHAGEN, Rodolfo. Report of the Special Rapporteur on the situation of human
rights and fundamental freedoms of indigenous people E/CN.4/2004/80 26 January
2004.
STAVENHAGEN, Rodolfo. Report of the Special Rapporteur on the situation of human
rights and fundamental freedoms of indigenous people, Mission to Chile,
E/CN.4/2004/80/Add.3 17 November 2003.
TAULI-CORPUZ Victoria. Report of the Special Rapporteur on the rights of indigenous
peoples, Attacks against and criminalization of indigenous peoples defending their
rights. A/HRC/39/17 September 2018.
TOMASELLI, Alexandra. Indigenous peoples and their right to political participation:
International law standards and their application in Latin America. 1. ed. Baden-Baden:
Nomos, 2016.
UFPE. A Faculdade de Direito do Recife e a Defensoria Pública da União realizam
seminário sobre a litigância estratégica Sistema interamericano de Direitos Humanos,
22 de Novembro de 2017, online. Disponível em: https://www.ufpe.br/ccj/informes/-
/asset_publisher/hQUi8Q51DUkU/content/litigancia-estrategica-perante-o-sistema-
interamericano-de-direitos-humanos-23-e-24-de-novembro/40703. Acesso em: 10 de
Abril de 2020.
______. Minicurso sediado na Faculdade de Direito do Recife aborda o Sistema
interamericano e o caso do Povo Xukuru com a Participação da Defensoria Pública da
União, Minitério Público Federal, ONG’s e de membros da comunidade indígena Xukuru,
08 de Maio de 2019, online. Disponível em: https://www.ufpe.br/agencia/noticias/-
/asset_publisher/VQX2pzmP0mP4/content/minicurso-aborda-sistema-interamericano-
de-direitos-humanos-e-o-caso-do-povo-indigena-xukuru/40615. Acesso em: 10 de Abril
de 2020.
WOLKMER, Antonio Carlos; FAGUNDES, Lucas Machado. Tendências contemporâneas do
constitucionalismo latino-americano: Estado plurinacional e pluralismo jurídico. Pensar-
Revista de Ciências Jurídicas, v. 16, n. 2, p. 371-408, 2011.
ZIMMERMANN, Taciano Scheidt; JR., Arno Dal Ri. Ressignificações do Conceito de
“Nacionalismo” entre a Origem e a Decadência da Convenção n. 107 da OIT. Rev. Fac.
Direito UFMG, Belo Horizonte, n. 68, pp. 155-189, jan./jun. 2016.
Sobre os autores
Guilherme Scotti²
² Universidade de Brasília, Brasília, Distrito Federal, Brasil. E-mail: gscotti@unb.br. ORCID:
https://orcid.org/0000-0002-4241-1268
This work is licensed under a Creative Commons Attribution 4.0 International License.
Resumo
O artigo analisa decisão da Corte Interamericana de Direitos Humanos sobre o direito dos
povos indígenas à propriedade coletiva a partir do caso Xukuru vs. Brasil. Para tanto,
identifica a proteção transnacional desses direitos no paradigma democrático e os fluxos
comunicativos entre a Sentença e a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal. Conclui,
assim, que a emergência de normas cosmopolitas de justiça possibilita iterações
democráticas aptas a fornecer maior segurança aos direitos dos povos indígenas.
Palavras-chave: Direitos territoriais dos povos indígenas; Caso Xukuru; Corte
Interamericana de Direitos Humanos.
Abstract
This article analyzes the judicial decision of the Inter-American Court of Human Rights on
the right of indigenous peoples to collective property in the case of Xukuru v Brazil. To do
so, it identifies transnational protection of these rights in the democratic paradigm, and
the communication flows between the Judgment and the jurisprudence of the Brazilian
Supreme Court. Thus, it concludes that the emergence of cosmopolitan norms of justice
enables democratic iterations capable of providing greater security to the rights of
indigenous peoples.
Keywords: Indigenous peoples land rights; Xukuru Case; Inter-American Court of Human
Rights.
3 Sobre a figura da tutela e a discussão sobre capacidade, conferir: SOUZA LIMA (1995 e 2015), LACERDA
(2007) e ELOY AMADO (2020).
4 A PET nº 3388/RR discutiu a demarcação administrativa da Terra Indígena Raposa Serra do Sol e no RMS
29.087 foi suspensa a Portaria nº 3.219/2009, do Ministério da Justiça, que havia declarado a Terra Indígena
Guyraroka como de ocupação tradicional dos Guarani-Kaiowá.
jurídicas desde então, em função do seu efeito restritivo sobre o reconhecimento dos
direitos territoriais dos povos indígenas.
Na primeira seção retomaremos de modo breve a dupla proteção jurídica das
terras indígenas e as disputas discursivas atuais sobre o regime jurídico dessas áreas. Na
segunda, a partir do detalhamento do caso Xucuru e sua Sentença, verificaremos a
adequação da atual jurisprudência brasileira sobre a matéria. Na terceira, tendo por base
o cenário exposto, a existência de normas cosmopolitas de justiça e os usos da sentença,
analisamos os potenciais diálogos entre o plano internacional e doméstico, apontando,
na quarta seção, para um balanço dos impactos atuais.
5Uma ampla análise da tese, incluindo a reprodução da obra de João Mendes Junior, primeiro jurista a tratar
do indigenato, pode ser encontrada em CUNHA e BARBOSA (orgs.), 2018.
6 Decreto 5.051/2004. http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2004-2006/2004/decreto/d5051.htm
Acesso em 20/03/2020.
indígenas de “utilizar terras que não estejam exclusivamente ocupadas por eles, mas às
quais, tradicionalmente, tenham tido acesso para suas atividades tradicionais e de
subsistência”.7
A Declaração da ONU sobre os direitos dos povos indígenas, aprovada por sua
Assembleia Geral em 2007 ao se manifestar “preocupada com o fato de os povos
indígenas terem sofrido injustiças históricas como resultado, entre outras coisas, da
colonização e da subtração de suas terras, territórios e recursos”, dispõe que os Estados
devem proporcionar a reparação, por meio de mecanismos eficazes e estabelecidos
conjuntamente com os povos indígenas, que podem incluir a restituição “em relação aos
bens culturais, intelectuais, religiosos e espirituais de que tenham sido privados sem o seu
consentimento livre, prévio e informado, ou em violação às suas leis, tradições e
costumes”.
O artigo 26 da Declaração protege os modos tradicionais de ocupação desses
povos e define que esses devem ser considerados pelos Estados ao atuarem no
reconhecimento das terras indígenas. Com relação ao direito à justiça, o instrumento
ressalta o direito a uma decisão rápida sobre controvérsias e estabelece que estas devem
tomar em consideração os costumes, as tradições, as normas e os sistemas jurídicos dos
povos indígenas interessados e as normas internacionais de direitos humanos.8
No âmbito do Sistema Interamericano de Proteção dos Direitos Humanos, ainda,
foi aprovada em 15 de junho de 2016 a Declaração Americana dos Direitos dos Povos
Indígenas que dispõe que estes “têm direito ao reconhecimento legal das modalidades e
formas diversas e particulares de propriedade, posse ou domínio de suas terras,
territórios e recursos, de acordo com o ordenamento jurídico de cada Estado e os
instrumentos internacionais pertinentes”.9
Nota-se, portanto, que é cediço no direito internacional dos direitos humanos o
direito à diferença experimentado por povos indígenas, pela proteção de seus usos,
costumes e tradições, sendo imprescindível que seus modos de ocupar e seu histórico de
10TAULI-CORPUZ, Victória. Relatório da missão ao Brasil da Relatora Especial sobre os direitos dos povos
indígenas. Genebra: Conselho de Direitos Humanos das Nações Unidas, 8 de agosto de 2016.
A/HRC/33/42/Add.1. Disponível em: http://unsr.vtaulicorpuz.org/site/images/docs/country/2016-brazil-a-
hrc-33-42-add-1-portugues.pdf Acesso em 03/03/2020.
11 Supremo Tribunal Federal. Ementa do Acórdão. Relatoria: Ministro Teori Zavascki. DJE 12/02/2015 - ATA
Nº 9/2015. DJE nº 29. Para uma análise da decisão, ver DUPRAT (2018).
12 (OEA/Ser.L/V/II. Doc.9/21)
13 A demanda foi submetida à Corte IDH em 16 de março de 2016. Caso Xucuru versus Estado brasileiro.
14
Cf: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/2002/D4463.htm, acesso em 15/07/2019.
15
Por exemplo, conferir: TEUBNER (2013), PIOVESAN, 2017, p. 1379 e SANTOS (1997).
16
CIDH, Relatório No. 44/15, Caso 12.728. Mérito. Povo indígena Xucuru. Brasil. 28 de julho de 2015. Para
uma reconstrução histórica da questão, ver FIALHO, NEVES e FIGUEIROA orgs. (2011).
17
Por exemplo: Comunidade Mayagna (Sumo) Awas Tingni vs. Nicaragua, Corte IDH, 2001; Comunidade
Yakye Axa vs. Paraguay, Corte IDH, 2005, Caso Comunidade Indígena Xákmok Kásek. vs. Paraguay, Corte IDH,
2010 e Comunidade Indígena Sawhoyamaxa vs. Paraguai, Corte IDH, 2006.
18
Corte IDH. Caso Povo Xururu e seus membros x Brasil. Sentença de 02 de fevereiro de 2018, pág. 29.
19
Idem, p. 29.
20
Uma análise relevante sobre a relação dos povos indígenas com suas terras e diferentes ambientes
encontra-se em KOPENAWA e ALBERT (2015). Destacamos os tópicos “falar aos brancos” e “paixão pela
mercadoria”, pp. 375-421. Outra obra relevante é KRENAK (2019).
21
Idem. p. 31
22
Idem.
23
Apesar da pluralidade histórica das formas de propriedade, observar-se-ia uma tensão no discurso jurídico,
calcada em uma ideia unívoca do instituto, que guarda relações epistêmicas em uma tensão com a ideia de
posse ou apossamento. A modernidade, podemos dizer, cristalizou um modelo jurídico singular
preponderante, com carga não só individual, mas eminente potestativa. Trata-se da operação inaugurada por
Locke ao traduzir o dominium rerum em bases individuais, transplantando a propriedade das coisas para a
lógica da propriedade intra-subjetiva, por si só absoluta, porquanto corresponde a própria vocação do ser
enquanto um direito natural (GROSSI, 2006, p. 11-12).
24
Para uma análise crítica da historiografia sobre o direito de propriedade na América Espanhola e a noção
de propriedade, ver SAAVEDRA (2020). Sobre os desafios à regularização fundiária de territórios indígenas, à
luz do Caso Xukuru, ver NÓBREGA e LIMA (2021).
25
CIDH. Caso Xucuru e seus membros vs. Brasil. Sentença de 05 de Fevereiro de 2018, p. 30.
26
CIDH. Caso Comunidade Indígena Sawhoyamaxa vs. Paraguai. Sentença de 29 de março de 2006, p. 72.
27
Idem, pág. 73, parágrafo 131. O entendimento já havia sido consolidado no Caso Comunidad Indígena
Yakye Axa.
entre direito e política interna aos Estados para também mediador dessa no plano
internacional, superando uma lógica dualista. A dupla positividade de direitos
fundamentais, prescritos como direito constitucional nas ordens domésticas e direitos
humanos no direito internacional dos direitos humanos, resulta em processos jurídicos
transnacionais, colocando como atores constitucionais novos agentes que operam de
maneira similar ao atores constitucionais clássicos do constitucionalismo estatal
(TORELLY, 2016).
Organizações públicas e privadas, sejam domésticas ou internacionais, assim,
promovem interações perante o sistema interamericano de proteção dos direitos
humanos. São interações relevantes, considerando o complexo contexto de violações de
direitos humanos na América Latina, marcada por um número considerável de países
ainda em fase de consolidação de suas democracias e, consequentemente, pelo convívio
com uma precária tradição de respeito aos direitos humanos nos âmbitos domésticos. Por
outro lado, esses recursos também demonstram a crescente legitimidade do sistema
interamericano na proteção e promoção dos direitos humanos e os desafios para a
manutenção do padrão internacional de direitos humanos no nível regional (PIOVESAN,
2017).
Na atual fase da governança global, a partir do uso da litigância em tribunais
internacionais, o diálogo entre o direito internacional e doméstico é sensivelmente
ampliado, não somente pelos mecanismos inerentes ao controle de convencionalidade,
mas também pelo fluxo comunicativo estabelecido pelos atores não estatais de proteção
aos direitos humanos, que conformam uma sociedade civil global. A construção de um
modelo judicial de governança no direito internacional produz um rearranjo na maneira
como direitos fundamentais e coletivos são tratados, assim como nas estratégias de
mobilização para mudanças legais e políticas (TORELLY, 2016, p. 52), a partir de uma
litigância, que combina mobilização doméstica e transnacional.28
Esse contexto, favorecido por aberturas constitucionais no plano doméstico a
exemplo da Emenda Constitucional nº 45/2004, torna frutífera e desejável a ascensão de
normas cosmopolitas de justiça na América Latina, tendo em conta o processo
jurisdicional exercido pela Corte IDH. Conforme já decidido pelo STF, tanto os tratados de
direitos humanos anteriores ou posteriores à reforma integram o bloco de
28
Sobre a noção de litígio estratégico, conferir: CARVALHO e BAKER (2014).
29
Julgamento do HC 72.131-RJ pelo STF. PIOVESAN, 2008.
30
Supremo Tribunal Federal. Acórdão ADI 3239. Relatora do Acórdão, Ministra Rosa Weber. DJE 01/02/2019
- Ata nº 1/2019.
Barroso também destacou a CADH, a partir de seu status supralegal, como fundamento
de validade do Decreto 4.887/2003 e utilizou interpretação reflexiva de seu artigo 21
conforme sustentado pela Corte IDH.
A tese do marco temporal também foi discutida em diversos votos, em que pese
uma consideração específica não ter sido caracterizada na parte dispositiva do acórdão,
o que desvela a ainda ausência de consenso na Corte sobre a questão. No acórdão sobre
os embargos de declaração opostos pela Associação dos Quilombos Unidos do Barro
Preto e Indaiá, Associação dos Moradores Quilombolas de Santana, a Coordenação das
comunidades Negras Rurais Quilombolas de Mato Grosso do Sul e outros, a questão foi
retomada.
Os embargos foram apresentados apontando suposta omissão no acórdão com
relação à inaplicabilidade do marco temporal para a titulação das terras quilombolas,
rejeitada na maior parte dos votos, e pugnavam a inserção de tal referência na ementa
do acórdão. Apesar de não terem sido reconhecidos, porquanto postulados por amici
curiae, os ministros Edson Facchin e Luís Roberto Barroso, todavia, promoveram ressalvas
e destacaram em seus votos que no julgado havia sido declarada a constitucionalidade do
Decreto 4.887/2003, que não faz qualquer menção à aplicação da tese do marco
temporal, ou seja, não impõe qualquer limite temporal como condição para o
reconhecimento de direitos, mas, tão somente, o critério da identidade. 31
Mais recentemente, no julgamento da ADI 6062, requerida pelo Partido
Socialista Brasileiro – PSB em face da MP 870/2019 que , reeditada pela MP 8886/2019,
transferia ao Ministério da Agricultura a competência para demarcação de terras
indígenas o relator, Ministro Luís Roberto Barroso, destacou que o reconhecimento e
demarcação das terras indígenas, juntamente com o reconhecimento de suas línguas,
tradições e proteção às suas expressões culturais constituem obrigações inadiáveis do
Estado brasileiro. Estas devem ser cumpridas em conjunto com os povos indígenas, em
processo “como estabelece a Declaração de Direitos dos Povos Indígenas, ‘equitativo,
independente, imparcial, aberto e transparente, em que nele se reconheçam
devidamente as leis, tradições, costumes e sistemas de usufruto da terra dos povos
indígenas’”.32 Para reforçar esse entendimento o ministro citou a condenação do Estado
31
Supremo Tribunal Federal. Acórdão Eds ADI 3239. Relatora do Acórdão, Ministra Rosa Weber. DJE
13/03/2020 - ATA Nº 28/2020.
32
ADI 6062. DJE 29/11/2019, Ata nº 182/2019.
brasileiro pela Corte IDH no caso do Povo Xucuru, notadamente quanto ao cumprimento,
pelos processos de demarcação, das regras do devido processo legal consagradas nos art.
8 e 25 da Convenção Americana.
Na Ação Rescisória 2761, ajuizada pela comunidade indígena do Povo Kaingang
da Terra Indígena Boa Vista em face de Silvestre Chruscinski, tendo por objeto a
desconstituição do acórdão proferido nos autos do RE nº 984.335, que manteve decisão
do TRF4 que anulou o processo de demarcação da Terra Indígena Boa Vista, no Paraná, o
Ministro Barroso deferiu o pedido cautelar da comunidade indígena em 05/11/2019
valendo-se de farta jurisprudência da Corte IDH com relação à personalidade jurídica
desses povos, que possui uma dupla dimensão, garantindo-lhes tanto o direito à terra
quanto o direito de acesso à justiça, enquanto instrumento de proteção do primeiro.
Na ocasião, o ministro ressaltou o caso da Comunidade Indígena Yakye Axa vs.
Paraguai, com relação à capacidade de reivindicação dos povos indígenas, e do Povo
Saramaka vs. Suriname, no qual a corte entendeu que o reconhecimento da
personalidade jurídica é “um modo, ainda que não seja o único, de assegurar que a
comunidade, em seu conjunto, poderá gozar e exercer plenamente o seu direito à
propriedade, de acordo com seu sistema de propriedade comunal”.33
Somam-se ainda a essas manifestações decisões do Superior Tribunal de Justiça,
a exemplo da proferida em 23/04/2019 na Petição no Recurso Especial nº 1.583.946,
referente à Terra Indígena Toldo Pinhal, em Santa Catarina, na qual o Ministro Herman
Benjamin, ao defender o ingresso da comunidade indígena Kaingang no feito, ressaltou a
recente condenação do Estado brasileiro pela Corte IDH no caso Xucuru. O mesmo se
pode observar em outros processos, seja em tribunais ou juízos de primeira instância.34
Paralelamente, esse processo de iteração, com a interpretação do direito de
propriedade coletiva conforme exposta pela Corte IDH, também pode ser encontrada em
manifestações de outros atores do sistema de justiça. Seja em ações civis públicas
destinadas a compelir a União a cumprir sua obrigação constitucional para demarcação
de terras indígenas, ou em manifestações sobre outras ações e procedimentos em curso,
como se tem observado na atuação do Ministério Publico Federal.
33
Supremo Tribunal Federal Ação Rescisória 2761. DJE nº 243, de 06/11/2019.
34
São exemplos as decisões proferidas na ACP 1004249-82.2018.4.01.3200/AM, na Ação Declaratória 10917-
73.2015.4.01.3400/MG e na Apelação nº 0001220-18.2012.4.03.6000/MS. Agradecemos a Anne Heloise
Barbosa do Nascimento pela colaboração com as informações.
5. Conclusões
Referências Bibliográficas
APPIAH, Kwame Anthony. The lies that bind: rethinking identity. London: Profile Books,
2018.
BENHABIB, Seyla. Another Cosmopolitanism. New York: Oxford University Press, 2006.
CARVALHO RAMOS, André de. O diálogo das Cortes: O Supremo Tribunal Federal e Corte
Interamericana de Direitos Humanos. In: AMARAL JUNIOR, Alberto do; JUBILUT, Liliana
Lyra (org.). O STF e o direito internacional dos direitos humanos. São Paulo: Quartier Latin,
2009. p. 805-850.
CARVALHO RAMOS, André de. Curso de direitos humanos. São Paulo: Saraiva Educação,
2019.
ELOY AMADO, Luiz Henrique. Vukápanavo o despertar do povo Terena para os seus
direitos: movimento indígena e confronto político. Tese de Doutorado. Museu Nacional.
Rio de Janeiro, 2019.
FIALHO, Vânia; NEVES, Rita de Cássia Maria; FIGUEIROA, Mariana Carneiro (orgs).
“Plantaram” Xicão: os Xukuru do Ororubá e a criminalização do direito ao território.
Manaus: PNCSA-UEA Edições, 2011.
GUEDES, Íris Pereira; SCHÄFER, Gilberto; LARA, Leonardo Severo de. Territórios Indígenas:
Repercussões do SIDH no Direito Brasileiro. Revista Direito e Práxis, Rio de Janeiro, 2019.
KOPENAWA, Davi; ALBERT, Bruce. A queda do céu: palavras de um xamã Yoanomami. São
Paulo: Companhia das Letras, 2015
KRENAK, Ailton. Ideias para adiar o fim do mundo. São Paulo: Companhia das Letras, 2019.
NOBREGA, Flavianne Fernanda Bitencourt; LIMA, Camila Montanha. How the indigenous
case of Xukuru before the Interamerican Court of Human Rights can inspire decolonial
comparative studies on property rights in: Brazilian Journal of International Law, Vol. 18,
nº 21, pp. 353-373, 2021.
SANTOS, Boaventura Sousa. Por uma concepção multicultural dos Direitos Humanos. In:
Revista Crítica de Ciências Sociais, no 48, junho de 1997.
SOUZA LIMA, Antonio Carlos de. Um Grande Cerco de Paz. Poder Tute lar, Indianidade e
Formação do Estado no Brasil. Petrópolis: Vozes, 1995.
SOUZA LIMA, Antonio Carlos. Sobre tutela e participação: povos indígenas e forma de
governo no Brasil, séculos XX/XXI In: MANA 21(2): 425-457Rio de Janeiro, 2015.
YAMADA, Erika Magami. International Humam Rights Law in the context of Indigenous
Peoples: Moving From Legislation To Implementation. Lands rights’ cases at the Brazilian
Federal Supreme Court. James E. Rogers College of Law, Indigenous Peoples Law & Policy
Program, University of Arizona, 2009.
Sobre os autores
Guilherme Scotti
Professor de Teoria e Filosofia do Direito da Universidade de Brasília (UnB). Doutor e
Mestre em Direito pela UnB. E-mail: gscotti@unb.br, ORCID: https://orcid.org/0000-
0002-4241-1268
This work is licensed under a Creative Commons Attribution 4.0 International License.
Resumo
O estudo busca contribuir com o aprimoramento do processo interamericano nos casos
contenciosos envolvendo povos indígenas, a partir da efetiva aplicação do princípio da
autodeterminação dos povos quanto à realização do direito à titularidade de suas terras
ancestrais. Foram utilizados o método dedutivo e o comparativo, fomentando o diálogo
entre o Direito Constitucional brasileiro e o Direito Internacional dos Povos Indígenas.
Palavras-chave: Autodeterminação; Direitos territoriais; Corte Interamericana de Direitos
Humanos.
Abstract
The study seeks to contribute to the improvement of the inter-American process in
contentious cases involving indigenous peoples, based on the effective application of the
principle of peoples' self-determination regarding the realization of the right to ownership
of their ancestral lands. Deductive and comparative methods were used, fostering the
dialogue between Brazilian Constitutional Law and International Law of Indigenous
Peoples.
Keywords: Self-determination; Territorial Rights; Inter-American Court of Human Rights.
Introdução1
1 O povo Xukuru, ao longo do tempo, já foi identificado por Sukuru, Xucuru, Shucuru, Xacururu e Xacurru.
Neste artigo, empregamos nas grafias do nome deste povo e de uma de suas principais lideranças, as
consoantes “x” e “k” em reverência ao seu modo preferencial de se auto-identificar, respectivamente, como
“Xukuru” e “Xicão”. Somente será utilizada a grafia com “c” quando for feita menção expressa à sentença da
Corte Interamericana de Direitos Humanos.
2 Veja-se nesse sentido, por exemplo, o estudo de Marcos José Miranda burgos, que examina os mecanismos
existentes no Peru, Colômbia, Argentina, México, Guatemala e Equador. Cfr.: BURGOS (2014, p. 142 e ss). A
análise das resoluções de cumprimento de sentenças interamericanas revela que as reparações indenizatórias
e as relativas à publicidade das decisões são as mais celeremente cumpridas pelos Estados.
3 Previsto no art. 36 do Regulamento da Corte Interamericana de Direitos Humanos, que dita: notificada a
demanda à suposta vítima, seus familiares ou seus representantes devidamente acreditados, estes disporão
de um prazo improrrogável de 2 meses para apresentar autonomamente à Corte suas petições, argumentos
e provas.
CADH, será demonstrado que a normativa interna brasileira é insuficiente para assegurar
o gozo e exercício do direito à propriedade coletiva indígena, no marco de um processo
simples, rápido e efetivo, particularmente no que tange à Instrução Normativa da FUNAI
n.º 2/2012. Por fim, será discutida a contradição existente entre o ponto resolutivo 9 da
sentença em análise e a previsão constitucional brasileira de atribuição da titularidade
das terras indígenas como bens da União e não do povo indígena coletivamente.
Para a realização da presente pesquisa, os principais métodos utilizados serão o
dedutivo e o comparativo, fomentando o diálogo entre o Direito Constitucional brasileiro
e o Direito Internacional dos Povos Indígenas. No mais, o procedimento será o
bibliográfico-documental e a estratégia de abordagem será o caso selecionado (Povo
Indígena Xucuru e seus Membros vs. Brasil).
A partir dos estudos propostos, serão oferecidas contribuições para o
aprimoramento do processo interamericano em relação a casos contenciosos envolvendo
povos indígenas e com maior efetividade da aplicação do princípio da autodeterminação
dos povos quanto à realização do direito à titularidade de suas terras ancestrais.
4 Internalizada ao ordenamento jurídico brasileiro por intermédio do Decreto Legislativo nº. 143, de 20 de
junho de 2002 e do Decreto Presidencial nº. 5.051, de 19 de abril de 2004.
5 A própria Convenção 169 da OIT previu expressamente que “a utilização do termo ‘povos’ na presente
Convenção não deverá ser interpretada no sentido de ter implicação alguma no que se refere aos direitos que
possam ser conferidos a esse termo no direito internacional”. Conforme Anjos Filho (2013, p. 594), “a forte
resistência histórica dos Estados em geral em reconhecer que os povos indígenas são titulares do direito à
autodeterminação tem origem exatamente no temor de que esse direito represente uma séria ameaça à
integridade territorial estatal, pois frequentemente a forte identidade cultural dos povos indígenas é vista
com desconfiança e como possível indicação do desejo de secessão”.
6 Aqui, cabe uma ressalva. Apesar do texto do art. 7º., item 1, da Convenção 169 da OIT conter a expressão
“direito de escolher” na tradução para o português anexa ao Decreto 5.051/2004, os textos do mesmo artigo
nas versões oficiais em inglês (“right to decide”), espanhol (“derecho de decidir”), francês (“droit de décider”)
contém expressões análogas à expressão “direito de decidir”. Tal imprecisão na tradução possui implicações
relevantes para a análise do alcance do direito à autonomia e ao autogoverno assegurados pela Convenção.
7 A previsão contida no art. 6º. deve ser lida em conjunto com as previsões análogas de consulta contidas no
art. 7º, item 1, já citado, e nos arts. 15 (direito à consulta em relação à exploração de recursos naturais), 16
(direito à consulta em relação à remoção/translado de povos indígenas de suas terras) e 17 (direito à consulta
em relação à transmissão de terras)
8 Sobre o caráter integracionista, manifestam-se Oliveira e Aleixo (2014, p. 3-4): “Além da ideia de que os
povos não tinham completado o estágio adequado de desenvolvimento, que repousava sob a noção de
integração, [na Convenção 107 da OIT] há também a questão da ‘proteção’ às populações [...] que [...] deveria
ser promovida pelos Estados nacionais signatários, inclusive sugerindo a criação de um órgão específico para
tratar do assunto. No Brasil, a ‘proteção’, com fundamento na Convenção 107 da OIT aliada ao Código Civil
de 1916, ainda vigente na época, assumiu feições de tutela, o que foi posteriormente criticado por
indigenistas e lideranças indígenas [...]”.
Declaração das Nações Unidas. Art. 3º. Os povos indígenas têm direito
à autodeterminação. Em virtude desse direito determinam livremente sua
condição política e buscam livremente seu desenvolvimento econômico,
social e cultural. [...]
Art. 4 Os povos indígenas, no exercício do seu direito à
autodeterminação, têm direito à autonomia ou ao autogoverno nas questões
relacionadas a seus assuntos internos e locais, assim como a disporem dos
meios para financiar suas funções autônomas.
9Art. 29. Nenhuma disposição desta Convenção pode ser interpretada no sentido de: [...] b) limitar o gozo e
exercício de qualquer direito ou liberdade que possam ser reconhecidos de acordo com as leis de qualquer
dos Estados-Partes ou de acordo com outra convenção em que seja parte um dos referidos Estados;
10 Disposição análoga consta no art. 44 da Convenção Americana de Direitos Humanos: “qualquer pessoa ou
grupo de pessoas, ou entidade não governamental legalmente reconhecida em um ou mais Estados-Membros
da Organização, pode apresentar à Comissão petições que contenham denúncias ou queixas de violação desta
Convenção por um Estado-Parte”.
11 Artigo 29. Procedimento por não comparecimento ou falta de atuação. 1. Quando a Comissão, as vítimas
ou supostas vítimas, ou seus representantes, o Estado demandado ou, se for o caso, o Estado demandante
não comparecerem ou se abstiverem de atuar, a Corte, ex officio, dará impulso ao processo até sua
finalização. 2. Quando as vítimas ou supostas vítimas, ou seus representantes, o Estado demandado ou, se
for o caso, o Estado demandante se apresentarem tardiamente, ingressarão no processo na fase em que o
mesmo se encontrar.
12 Artigo 25. Participação das supostas vítimas ou seus representantes. 1. Depois de notificado o escrito de
submissão do caso, conforme o artigo 39 deste Regulamento, as supostas vítimas ou seus representantes
poderão apresentar de forma autônoma o seu escrito de petições, argumentos e provas e continuarão
atuando dessa forma durante todo o processo.
13 Artigo 37. Defensor Interamericano. Em casos de supostas vítimas sem representação legal devidamente
credenciada, o Tribunal poderá designar um Defensor Interamericano de ofício que as represente durante a
tramitação do caso.
14 Art. 344. Se o réu não contestar a ação, será considerado revel e presumir-se-ão verdadeiras as alegações
de fato formuladas pelo autor. Art. 345. A revelia não produz o efeito mencionado no art. 344 se: [...] II - o
litígio versar sobre direitos indisponíveis; {...] Art. 346. Os prazos contra o revel que não tenha patrono nos
autos fluirão da data de publicação do ato decisório no órgão oficial. Parágrafo único. O revel poderá intervir
no processo em qualquer fase, recebendo-o no estado em que se encontrar.
indígenas. De um lado, a Corte IDH não dispôs de elementos para aprofundar questões
cruciais como os entraves normativos do processo de saneamento (ou desintrusão) das
terras indígenas brasileiras. De outro lado, a Corte IDH limitou-se a aplicar sua
jurisprudência, acerca da interpretação do artigo 21 da CADH, sem enfrentar a antinomia
constitucional brasileira que, apesar de reconhecer direitos originários aos povos
indígenas, não lhes confere a titularidade coletiva das terras que tradicionalmente
ocupam.
respeitar os direitos e liberdades nela reconhecidos e a garantir seu livre e pleno exercício a toda pessoa que
esteja sujeita à sua jurisdição, sem discriminação alguma por motivo de raça, cor, sexo, idioma, religião,
opiniões políticas ou de qualquer outra natureza, origem nacional ou social, posição econômica, nascimento
ou qualquer outra condição social. Art. 25. Proteção judicial. 1. Toda pessoa tem direito a um recurso simples
e rápido ou a qualquer outro recurso efetivo, perante os juízes ou tribunais competentes, que a proteja contra
atos que violem seus direitos fundamentais reconhecidos pela constituição, pela lei ou pela presente
Convenção, mesmo quando tal violação seja cometida por pessoas que estejam atuando no exercício de suas
funções oficiais. 2. Os Estados Partes comprometem-se: a. a assegurar que a autoridade competente prevista
pelo sistema legal do Estado decida sobre os direitos de toda pessoa que interpuser tal recurso; b. a
desenvolver as possibilidades de recurso judicial; e c. a assegurar o cumprimento, pelas autoridades
competentes, de toda decisão em que se tenha considerado procedente o recurso. 21. Direito à propriedade
privada. 1. Toda pessoa tem direito ao uso e gozo dos seus bens. A lei pode subordinar esse uso e gozo ao
interesse social. 2. Nenhuma pessoa pode ser privada de seus bens, salvo mediante o pagamento de
indenização justa, por motivo de utilidade pública ou de interesse social e nos casos e na forma estabelecidos
pela lei. 3. Tanto a usura como qualquer outra forma de exploração do homem pelo homem devem ser
reprimidas pela lei.
ocupantes não indígenas. O Brasil destacou ainda que, em meados de 2010, 90% dos
ocupantes não indígenas já haviam sido indenizados e retirados da área.
No tocante ao quantitativo de áreas ainda ocupadas por não indígenas, consta
que até a sentença da Corte no caso do Povo Xukuru (OEA, 2018, p. 21), datada de 5 de
fevereiro de 2018, 45 (quarenta e cinco) ex-ocupantes não indígenas ainda não haviam
sido indenizados, e que segundo o Estado brasileiro, estariam em contato com as
autoridades para receber o pagamento pelas benfeitorias de boa-fé. Além disso, 6 (seis)
famílias não indígenas permaneciam dentro da terra indígena, totalizando uma área de
160,43 hectares.
Assim, a Corte decidiu que, apesar do limitado número de ocupantes não
indígenas quando da prolação da sentença, o Estado deveria garantir de maneira imediata
e efetiva o direito de propriedade coletiva do povo Xukuru sobre seu território, de modo
que não sofresse nenhuma invasão, interferência ou dano por parte de terceiros ou
agentes do Estado que possam depreciar a existência, o valor, o uso e o gozo de seu
território, bem como que fosse realizada a desintrusão da parcela das áreas que
permanecem em posse de terceiros e efetuados os pagamentos pendentes de
indenizações por benfeitorias de boa-fé (OEA, 2018, p. 49).
Consta da Resolução da Corte Interamericana de Direitos Humanos, de 22 de
novembro de 2019, referente à fiscalização do cumprimento da sentença, que ainda se
encontra em aberto o processo de supervisão quanto à medida de reparação pertinente
ao saneamento do território Xukuru, pagamento das indenizações e remoção de
eventuais óbices sobre a área em questão, em prazo não superior a 18 meses, findado em
12 de setembro de 2019, o que reforça a extrema relevância da presente análise.
Antes do advento da IN FUNAI n.º 02/2012, a desintrusão era regida pelas
Portarias do mesmo órgão de n.º 69/89 e n.º 165/89, sendo que esta última instituiu a
comissão permanente para análise das benfeitorias, e ambas se encontram atualmente
revogadas pelo novel instrumento normativo. O ponto em comum entre elas é o fato de
que preveem o direito de indenização dos terceiros ocupantes de terras indígenas quanto
às benfeitorias úteis e necessárias implantadas de boa-fé.
O procedimento instituído para tanto está previsto no art. 8º da IN FUNAI n.º
02/2012, e prevê que será realizado na seguinte ordem: (a) vistoria das ocupações e das
benfeitorias, (b) avaliação, (c) análise técnica preliminar, (d) deliberação, (e) recurso, (f)
julgamento e, finalmente, (h) pagamento.
17 Dispõe o artigo 182, § 4º, III; “É facultado ao Poder Público municipal, mediante lei específica para área
incluída no plano diretor, exigir, nos termos da lei federal, do proprietário do solo urbano não edificado,
subutilizado ou não utilizado, que promova seu adequado aproveitamento, sob pena, sucessivamente, de:
(...) III - desapropriação com pagamento mediante títulos da dívida pública de emissão previamente aprovada
pelo Senado Federal, com prazo de resgate de até dez anos, em parcelas anuais, iguais e sucessivas,
assegurados o valor real da indenização e os juros legais.”
18 Dispõe o artigo 184: “Compete à União desapropriar por interesse social, para fins de reforma agrária, o
imóvel rural que não esteja cumprindo sua função social, mediante prévia e justa indenização em títulos da
dívida agrária, com cláusula de preservação do valor real, resgatáveis no prazo de até vinte anos, a partir do
segundo ano de sua emissão, e cuja utilização será definida em lei. § 1º As benfeitorias úteis e necessárias
serão indenizadas em dinheiro.”
19 Vide artigo 15 do Decreto-Lei nº 3.365, de 21 de junho de 1941.
posse permanente, cabendo-lhes o usufruto exclusivo das riquezas do solo, dos rios e dos
lagos nelas existentes”.
Por essa razão, no caso dos Xukuru, causa perplexidade a parte final do Ponto
Resolutivo nº 9 acima mencionado, pois, a persistir a resistência dos terceiros não índios,
esta seria a hipótese de uma terra indígena transcrita em cartório de imóveis em benefício
do próprio povo e não da União. Esse excerto é a demonstração da profunda contradição
entre a jurisprudência da Corte de San José, alinhada ao que dispõe o artigo 14(1) da
Convenção 169 da OIT20, e o regime constitucional da propriedade dos territórios
indígenas no Brasil. Apesar do caput do artigo 231 da Constituição de 1988 reconhecer
aos índios os direitos originários sobre as terras que tradicionalmente ocupam, não
confere seu domínio aos povos indígenas.
Segundo Silva, o regime constitucional de outorga das terras tradicionalmente
ocupadas pelos índios como bens da União justifica-se da seguinte forma:
“A outorga constitucional dessas terras ao domínio da União visa
precisamente preservá-las e manter o vínculo que se acha embutido na
norma, quando fala que são bens da União as terras tradicionalmente
ocupadas pelos índios, ou seja, cria-se aí uma propriedade vinculada ou
propriedade reservada com o fim de garantir os direitos dos índios sobre ela.
Por isso são terras inalienáveis e indispensáveis e, os direitos sobre ela,
imprescritíveis.” (destaques no original) (SILVA, 1993, P. 46)
20 Dispõe o artigo 14(1):“Dever-se-á reconhecer aos povos interessados os direitos de propriedade e de posse
sobre as terras que tradicionalmente ocupam. Além disso, nos casos apropriados, deverão ser adotadas
medidas para salvaguardar o direito dos povos interessados de utilizar terras que não estejam exclusivamente
ocupadas por eles, mas às quais, tradicionalmente, tenham tido acesso para suas atividades tradicionais e de
subsistência. Nesse particular, deverá ser dada especial atenção à situação dos povos nômades e dos
agricultores itinerantes.”
Acerca do terceiro aspecto apontado, como leciona SILVA (1993, p. 47), a base
do conceito de “terras tradicionalmente ocupadas” tem como base quatro condições,
“todas necessárias e nenhuma suficiente sozinha”, que fundamentam o reconhecimento
da relação intrínseca entre os povos indígenas e seu território, a saber:
“1ª.) serem por eles habitadas em caráter permanente; 2ª) serem por eles
utilizadas para suas atividades produtivas; 3ª.) serem imprescindíveis à
preservação dos recursos ambientais necessários a seu bem-estar; 4ª.) serem
necessárias a sua reprodução física e cultural, tudo segundo seus usos,
costumes e tradições, de sorte que não se vai tentar definir o que é habitação
permanente, modo de utilização, atividade produtiva, ou qualquer das
condições ou termos que as compõem, segundo a visão civilizada, a visão do
modo de produção capitalista ou socialista, a visão do bem-estar do nosso
gosto, mas segundo o modo de ver deles, da cultura deles.” (destaques no
original) (SILVA, 1993, p. 47)
Por essas razões, a oferta de terras alternativas deve ser vista com muita
cautela, pois, por mais que a Corte IDH se cerque de condicionantes como a consulta do
povo indígena afetado, sua implementação significa o rompimento dos laços de tradição
do povo indígena com seu território, o que entra em colisão com a interpretação do artigo
21 da CADH estabelecida pelo Tribunal no caso Mayagna (Sumo) Awas Tingni (Corte IDH,
2001).
Conclusão
22A utilização da expressão Abya Yala é feita em oposição ao nome América, e tem como objetivo realçar a
construção de um sentimento de unidade e pertencimento entre os povos originários. Cfr. PORTO-
GONÇALVES, 2009.
Por fim, com a restrição imposta à ampla discussão do caso do Povo Xukuru
perante a Corte IDH, foram ditadas pelo Tribunal de San José medidas reparatórias de
difícil implementação pelo Estado brasileiro, em razão das diferenças internas entre o
regime jurídico da propriedade das terras indígenas no Direito brasileiro em relação a
vários países da América Latina que admitem a propriedade coletiva dos territórios
indígenas, o que sequer pode ser aprofundado no caso concreto.
É necessário, portanto, dar voz aos povos indígenas e tribais, de forma efetiva,
no Sistema Interamericano de Direitos Humanos, para que, autonomamente, possam
expressar seus argumentos independentes, produzir suas provas e deduzir suas
pretensões reparatórias, de acordo com suas peculiares formas de ser e de viver.
Referências bibliográficas
ANJOS FILHO, Robério Nunes dos. “O direito à autodeterminação dos povos indígenas:
entre a secessão e o autogoverno”. In: ANJOS FILHO (org.). Direitos Humanos e Direitos
Fundamentais: diálogos contemporâneos. Salvador: Juspodivm, 2013.
BRASIL. Código de Processo Civil. Lei nº 13.105, de 16 de março de 2015. Disponível em:
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2015/lei/l13105.htm. Acesso em:
16 mai. 2021.
MENDES JÚNIOR, João. Os Indígenas do Brazil, seus direitos individuaes e políticos. São
Paulo: Typ. Hennies Irmãos, 1912.
OLIVEIRA, Rodrigo Magalhães de; ALEIXO, Mariah Torres. “Convenção 169 da OIT em
disputa: consulta prévia, pensamento descolonial e autodeterminação dos povos
indígenas”. In: 29ª Reunião Brasileira de Antropologia, realizada entre os dias 03 e 06 de
agosto de 2014, Natal/RN, GT.48 - Implicações e desafios da participação dos sujeitos de
direito na regulamentação da 169, realidade brasileira e américa latina. Disponível em:
http://www.29rba.abant.org.br/resources/anais/1/1402003900_ARQUIVO_Oliveira&Al
eixo29RBA-GT.48.pdf. Acesso em: 16 mai. 2021.
ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS. Declaração das Nações Unidas sobre os Direitos dos
Povos Indígenas. Rio de Janeiro: UNIC, 2008.
________. Convenção Americana de Direitos Humanos - Pacto de San José da Costa Rica.
San José, 1969. Disponível em:
https://www.cidh.oas.org/basicos/portugues/c.convencao_americana.htm. Acesso em:
16 mai. 2021.
______. Declaração Americana sobre o direito dos povos indígenas. San Domingo:
Organização dos Estados Americanos, 2016.
______. Corte Interamericana de Direitos Humanos. Caso Povo Xucuru e seus membros
______. ______. Caso da Comunidade Mayagna (Sumo) Awas Tingni Vs. Nicarágua.
Sentença de 31 de agosto de 2011 (mérito, reparações e custas). Costa Rica, 2001.
SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. São Paulo: Malheiros,
2007.
SOUZA FILHO, Carlos Frederico Marés. “A força vinculante do protocolo de consulta”. In:
GLASS, Verena (org.). Protocolos de consulta prévia e o direito à livre determinação. São
Paulo: Fundação Rosa Luxemburgo, CEPEDIS, 2019.
Sobre as autoras
This work is licensed under a Creative Commons Attribution 4.0 International License
Resumo
Tendo em vista a sentença da Corte Interamericana de Direitos Humanos sobre o Caso do
Povo Indígena Xucuru e seus membros vs. Brasil (2018), o artigo demonstra a nulidade do
registro imobiliário do imóvel rural Caípe, encravado na Terra Indígena Xucuru, à luz das
Constituições de 1891 e de 1934, bem como analisa os discursos presentes nos autos, na
ótica da teoria da colonialidade do poder de Aníbal Quijano.
Palavras-chave: Terra Indígena Xucuru; Imóvel particular; Nulidade.
Abstract
In view of the judgment of the Inter-American Court of Human Rights on the Case of the
Xucuru Indigenous People and their members vs. Brazil (2018), the article demonstrates
the nullity of the real estate registration of the Caípe rural property, located in the Xucuru
Indigenous Land, in light of the Constitutions of 1891 and 1934, as well as analyzes the
discourses present in the records, in light of Aníbal Quijano's theory of the coloniality of
power.
Keywords: Xucuru Indigenous Land; Private Property; Nullity.
Introdução
O “Grupo Tribal Xucuru”, em litisconsórcio com a Funai e a União, foi demandado por
Milton do Rego Barros Didier e Maria Edite Mota Didier, em ação possessória (Ação de
Reintegração de Posse n. 92.0002697-4 9ª VF SJ/PE), dizendo-se donos do imóvel rural
denominado Caípe, com área de 300 ha, encravada num todo maior de ocupação indígena
tradicional, identificado, delimitado, demarcado (1995), homologado como Terra
Indígena Xucuru (Decreto Presidencial de 30/4/2001) e registrado no ofício imobiliário de
Pesqueira, no agreste pernambucano, em 18/11/2005. A sentença da justiça federal em
favor dos Didier, em 24/7/1998, foi confirmada, em maio de 2003, pelo Tribunal Regional
Federal da 5ª Região. Não foram providos, no STJ, o Recurso Especial n. 646.933, em 6/11/
2007, e, em instância final no STF, o Agravo Regimental no Recurso Extraordinário n.
738.012. Em 2014, transitou em julgado a sentença, desde então executável de maneira
definitiva a qualquer momento.
O judiciário brasileiro, em todas as instâncias, considerou que os indígenas
perderam a posse da Fazenda Caípe antes da Constituição de 1934, não havendo
evidência que por fraude ou violência, e vieram a esbulhar posse de não indígenas em
fevereiro de 1992.
Diante disso, a Corte Interamericana de Direitos Humanos, em 5/2/2018,
determinou que:
[...]
195. Com respeito à sentença de reintegração de posse favorável a Milton do
Rego Barros Didier e Maria Edite Barros Didier, caso a negociação em curso
informada pelo Estado, para que recebam uma indenização por benfeitorias
de boa-fé não prospere, conforme a jurisprudência da Corte, o Estado deverá
avaliar a possibilidade de sua compra ou a expropriação dessas terras, por
razões de utilidade pública ou interesse social.
196. Caso, por motivos objetivos e fundamentados, não seja,
definitivamente, material e legalmente possível a reintegração total ou
parcial desse território específico, o Estado deverá, de maneira excepcional,
oferecer ao Povo Indígena Xucuru terras alternativas, da mesma qualidade
física ou melhor, as quais deverão ser contíguas a seu território titulado, livres
de qualquer vício material ou formal e devidamente tituladas em seu favor.
O Estado deverá entregar as terras, escolhidas mediante consenso com o
Povo Indígena Xucuru, conforme suas próprias formas de consulta e decisão,
valores, usos e costumes. Uma vez acordado o exposto, essa medida deverá
ser efetivamente executada no prazo de um ano, contado a partir da
notificação de vontade do Povo Indígena Xucuru. O Estado se encarregará das
despesas decorrentes do referido processo bem como dos respectivos gastos
por perda ou dano que possam sofrer em consequência da concessão dessas
terras alternativas.
Para julgar procedente a reintegração de posse do imóvel rural Caípe em favor do casal
Didier, foi valorizado o registro imobiliário de uma aquisição por escritura pública lavrada
em 24/1/1969, outorgada por Joaquim Mota Valença e sua mulher, que haviam adquirido
o imóvel de Praxedes Didier, Milton do Rêgo Barros Didier e Walter do Rêgo Barros Didier
e outros, conforme escritura pública de 10/10/1938, transcrita no ofício de imóveis sob
n. 4.472, f. 67v/68, Livro 3-K, em 11/10/1938 (BRASIL,1992, f. 484). Certidão no verso
declara que deixa de enviar a sucessão dominial desde 1891, por não haver
assentamentos dessa época2.
O desembargador relator na apelação cível afirmou ser “inviável comprovar,
seja por testemunhas, seja por perícia antropológica que, em 1934, os indígenas
exerciam, em plenitude a posse sobre a Fazenda Caípe, embora seja induvidoso que os
mesmos habitam a região há bastante tempo”. Optou “partir da presunção, não afastada,
de que os títulos que conferiram a propriedade (ou, pelo menos, a posse) do bem aos
XVII pelo padre João Duarte do Sacramento, que veio de Portugal acompanhado do padre João Victória. Seu
Pernambuco, era responsável pela Missão Ararobá, de catequese aos índios. Assim,
“documentos oficiais, em meados do século XVIII, apontam a colonização da região
iniciada a partir da vila de Cimbres, local anteriormente denominado de Aldeia Ararobá,
que servira como ponto de catequese de vários grupos indígenas locais por
aproximadamente dois séculos” (OLIVEIRA, 1993, p. 66).
A vila de Cimbres tem origem no aldeamento de Cimbres, criado em 1749 e
extinto em 1879. Antes disso, em 1836, a sede da Vila de Cimbres fora transferida para a
Povoação de Pesqueira. Relatório publicado no Diário de Pernambuco, em 1873, refere-
se a esse aldeamento como “uma das maiores propriedades dos índios” desta província,
situada na serra do Urubá6, comarca do Brejo da Madre de Deus (BRASIL, 1992, p. 324).
objetivo era estabelecer missões para catequizar índios no interior da capitania. Os padres atuaram no
interior de Pernambuco e do Rio Grande do Norte, tendo desempenhado um papel religioso, político e
educacional importantíssimo na antiga Capitania. A congregação foi extinta em 1830 (IPHAN, 2007).
6 Nos documentos encontramos as designações Arubá, Orubá, Urubá, Ararobá. Todas se referem à região
geográfica atualmente mais conhecida como Ororubá. Lúcia Gaspar (2020) explica que o nome da serra
Ororubá possui diversas origens e significados: seria uma corruptela de uru-ybá – fruta dos urus,
onomatopaico de várias pequenas perdizes; viria de "orouba", uma palavra oriunda do cariri; seria de origem
tupi, vindo de uru-ubá – fruta do pássaro ou ser corruptela de arara-ubá ou, ainda, poderia dizer respeito à
expressão designativa da primeira tribo tapuia-cariri localizada na serra.
7 A seca que assolou o Nordeste nos anos 1877-1879 é considerada uma das 10 maiores secas da história daquela região.
Edson Hely Silva (2011, p. 184-185) refere que, no APE, Cód. Petições, fls.18-
23v., encontrou um abaixo-assinado contendo 192 assinaturas de índios da extinta Aldeia
de Cimbres, em Pesqueira, datado de 25 de fevereiro de 1885, para o presidente da
província. No longo texto que antecede os nomes dos signatários:
eles apelam para o senso de justiça da autoridade provincial, pedindo
providências para “fazer cessar as perseguições de que são vítimas”.
Informavam os índios que as terras públicas, onde eles se encontravam,
estavam sendo invadidas por “verdadeiros intrusos”. Os índios se ocupavam
“exclusivamente do trabalho da agricultura” para se manter e denunciavam
as invasões das terras por fazendeiros. A exemplo de um fazendeiro que,
fugindo da seca na Paraíba, ocupara uma das áreas mais férteis na Serra do
Ororubá, com seu gado destruindo as roças dos indígenas que, por serem
pobres, estavam sendo explorados e não eram ouvidos em suas queixas,
pelas autoridades policiais [...].
Os índios afirmavam que, com a extinção do aldeamento (1879), o Governo
Imperial determinara “a demarcação dos terrenos que lhe eram
pertencentes”. Mas, embora tendo sido publicados os editais, pela Tesouraria
da Fazenda, para propostas de agrimensores executores da medição, até
aquela data ela não fora reconhecida, sendo as terras invadidas por
“intrusos”, fazendeiros criadores de gado, destruidores das lavouras dos
índios, “para que assim os suplicantes perseguidos abandonem as suas
antigas e legítimas posses!!”. No documento, lembravam ainda os índios que
Manoel Felix Santiago, superando “sérias dificuldades”, fora “pessoalmente”
procurar o Imperador, tendo sido orientado para se dirigir ao Ministro da
Fazenda e este recomendara ao Presidente da Província tomar as
providências necessárias para retirar os “intrusos” que invadiram as terras do
antigo aldeamento.
Nasci aqui. Meu pai nasceu na Aldeia Gitó e minha mãe aqui. Não tinha terra.
Eles tinha somente o chãozinho de casa. Porque tinha terra, o homem branco
arrendava aquelas terras, para botar o gado. Quando eles iam atrás, eles dizia
“Não eu te comprei essa terra”. Aqueles índios mais velhos, às vezes vendiam
a terra por uma garrafa de “cana” e se falasse morria. (Antonio Ferreira, “Seu”
Pirrila, Aldeia Caípe) (SILVA, 2008, p. 128-129).
8
Para esse quadro, sem dúvida, colaborou a Lei de 3/7/1872, que extinguiu a curatela dos índios.
Eles (os fazendeiros) pediam um roçadinho. Eles (os índios) davam aquele
roçado a primeira vez. Quando chegava agora o tempo da colheita, quando
tirava a colheita eles pediam, “Agora o senhor dá o mesmo roçadinho para
eu trabalhar?”. “Se quiser trabalhar pode pegar terreno na laje e plante!”. Em
riba da laje. Em cima da laje não dá nada! Muita gente foi expulsa. Os
fazendeiros fazia assim, quando fazia queixa, por que tinha cabra também
meio ruim mesmo, porque tem no mundo de tudo tem, fazia queixa ele, é
dizia, “Pra que é cabôco?! Cabôco é para se matar e disertar!”. O que é que
os pobres faziam?! Não tinham nem uma peteca para dar uma balada! E eles
de tudo tinham... Uns que não se mudara brabo, saía s’imbora pelo mundo,
caçar um lugarzinho para morar e outros que se botava eles passavam o dedo,
matava. (Laurinda Barbosa dos Santos, “D. Santa”, Aldeia Caípe) (SILVA, 2008,
p. 129-130).
Sobre os arrendamentos das terras da aldeia de Cimbres, após a extinção do
aldeamento constam listas dos rendeiros e respectivos sítios, durante as diretorias do
Coronel Cândido Pereira de Brito e do Tenente-Coronel Severiano Monteiro Leite (BRASIL,
1992, p. 208-209). Delas consta o Sítio Caípe.
9 Art 83 - Continuam em vigor, enquanto não revogadas, as leis do antigo regime no que explícita ou
implicitamente não forem contrárias ao sistema do Governo firmado pela Constituição e aos princípios nela
consagrados.
10Art. 13. O mesmo Governo fará organizar por freguezias o registro das terras possuidas, sobre as declaracões
feitas pelos respectivos possuidores, impondo multas e penas áquelles que deixarem de fazer nos prazos
marcados as ditas declarações, ou as fizerem inexactas.
11Art. 91. Todos os possuidores de terras, qualquer que seja o título de sua propriedade, ou possessão, são
obrigados a fazer registrar as terras, que possuirem, dentro dos prazos marcados pelo presente Regulamento,
os quaes se começarão a contar, na Côrte, e Provincia do Rio de Janeiro, da data fixada pelo Ministro e
Secretario d'Estado dos Negocios do Imperio, e nas Provincias, da fixada pelo respectivo Presidente.
12 Com relação ao regime de sesmarias e concessão de terras regalengas, observa Edmundo Zenha (1952,
p.433-434): “Durante o período colonial, nos dois primeiros séculos, as medidas legais tomadas
especialmente para o Brasil são poucas. A questão se resolvia pelos velhos textos portugueses que, à viva
força, eram postos a funcionar ante os novos problemas da Colônia. Tais providências, podemos enumerá-las
assim: ordem de 27-12-1695, carta-régia de 7-12-1697, idem de 23-11-1698, idem de 3-3-1704, decreto de
20-10-1753, provisão de 11-3-1754, alvará de 5-10-1795, carta-régia de 13-3-1797. [...] O alvará vinha atalhar
a desordem. Mas tornar-se-ia maior a desordem por êle desencadeada do que a já existente. E àquela
preferiu-se esta. A questão, porém, não podia morrer assim. Problema latente, vivia a chamar a atenção dos
governos. Ao alvará de 1795 seguiram-se: a carta-régia de 13-3-1797; o alvará de 25-1-1807; o decreto de 2-
7-1808; a provisão de 14 de março; o decreto de 21 de maio, que extinguiu o confisco; a resolução de 17 de
julho, que proibiu a concessão de sesmarias, e a provisão de 22 de outubro, todos de 1822.
Por isso, o Decreto n. 1.318 (arts. 72 a 75)13, mais tarde, reconheceu e reservou
terras para as “hordas” nas terras devolutas antes do desmembramento a particulares.
A Constituição de 1891 não tinha disposição alguma sobre os índios, mas pela
regra do art. 83 continuavam em vigor, enquanto não revogadas, as leis do antigo regime
no que explícita ou implicitamente não fossem contrárias ao sistema do governo firmado
pela Constituição e aos princípios nela consagrados. A regra se aplica à Lei n. 601 e ao
próprio Alvará de 1680.
No julgamento da ACO 362-MT, o Ministro Alexandre de Moraes disse
expressamente:
Trata-se, na verdade, de uma leitura imprecisa daquela Constituição de que
as áreas teriam passado imediatamente ao domínio dos Estados. Isso, porém,
não se aplicava às terras ocupadas pelos indígenas, que eram terras
congenitamente possuídas. No mesmo sentido foi bem lembrado aqui, da
tribuna, pela Ministra Grace, que essas áreas de ocupação já originária dos
índios, chamadas à época, pelo mestre João Mendes Júnior, de terras do
indigenato, desde o alvará de 1º de abril de 1680 e, depois, a Lei de 1850 e o
Decreto de 1854, já eram áreas destinadas aos indígenas [...].
Não há como se alegar que a Constituição de 1891, por um dispositivo
absolutamente genérico, teria transformado terras ocupadas
tradicionalmente pelos índios em terras devolutas (BRASIL, 2017, p. 17-18).
13 Art. 72. Serão reservadas terras devolutas para colonisação, e aldeamento de indigenas nos districtos,
onde existirem hordas selvagens.
Art. 73. Os Inspectores, e Agrimensores, tendo noticia da existencia de taes hordas nas terras devolutas, que
tiverem de medir, procurarão instruir-se de seu genio e indole, do numero provavel de almas, que ellas
contêm, e da facilidade, ou difficuldade, que houver para o seu aldeamento; e de tudo informarão o Director
Geral das Terras Publicas, por intermedio dos Delegados, indicando o lugar mais azado para o
estabelecimento do aldeamento, e os meios de o obter; bem como a extensão de terra para isso necessaria.
Art. 74. A' vista de taes informações, o Director Geral proporá ao Governo Imperial a reserva das terras
necessarias para o aldeamento, e todas as providencias para que este se obtenha.
Art. 75. As terras reservadas para colonisação de indigenas, e por elles distribuidas, são destinadas ao seu
usofructo; e não poderão ser alienadas, em quanto o Governo Imperial, por acto especial, não lhes conceder
o pleno gozo dellas, por assim o permittir o seu estado de civilisação.
14 Também é referida decisão no mesmo sentido proferida na Apelação Cível n. 12522/PE, ambas relatadas
pelo Juiz Francisco Falcão daquele tribunal, atualmente ministro do Superior Tribunal de Justiça.
Ante esse quadro poder-se-ia supor que a defesa dos interesses indígenas, do
ponto de vista constitucional somente se converteria em normativa prevalente assim que
acolhida pela Constituição de 193415 e que a posse das terras pelos indígenas como
garantia de respeito obrigatório estaria relacionada apenas ao fato contemporâneo da
respectiva ocupação. Mas não, nesses textos o direito às terras está assentado na
existência de posse permanente como fenômeno histórico e não puramente jurídico,
donde a possível resultante jurídica, além de não se limitar a um juízo histórico, estático
ou dogmático, não poderá dispensar a dinâmica existencial da população respectiva.
Nessa linha, conclusões do porte daquela editada pelo STF na Pet. n. 3388 (Terra
Indígena Raposa Serra do Sol) firmando condicionantes absolutas e paradigmáticas
rompem ofensivamente a lógica histórica da proteção assegurada aos indígenas, pois
impõem limitações incompatíveis com situações ou condutas que lhes são próprias e
precisamente protegidas pela mesma normativa constitucional.
15No acórdão da ACO n. 278/MT (RTJ 107/461), o voto do Ministro Néri da Silveira faz completa análise da
evolução constitucional, esclarecendo que, de 1934 a 1946, o princípio era o mesmo: “a posse a ser respeitada
condicionava-se ao caráter de permanência na localização imemorial estabelecida pelo índio ou decorrente
de definição do órgão oficial, ...” , pouco importando estivessem em terras do estado ou da União, enquanto
que, a partir de 1967, se instalou a noção de ocupação por serem habitadas (art. 4º. IV, dando como
pertencente à União as terras ocupadas pelos silvícolas). Com isso, passaram as terras ao domínio da União.
Veja-se ainda o art. 12 da Lei n. 601, os arts. 72 a 75 do Decreto n. 1318, os arts. 3º e 10 do Decreto n. 8.072,
de 20/6/1910, o art. 10 e §§ do Decreto n. 5484, de 27/6/1928 e o art. 17 da Lei n. 6.001, de 19/12/1973.
Portanto, é falso concluir que a posse indígena só é protegida desde 1934. Não é por outra razão que o STF,
embora por decisão monocrática (na ACO n. 1.100/ SC, com reflexo no RE n.1.037.565/SC, com repercussão
geral, Tema n. 1031), admitiu relevância e urgência em sustar a aplicação do Parecer n.
001/2017/Gab/Cgu/Agu, abrindo ensejo à releitura do conceito do ‘marco temporal’ da ocupação
permanente.
Visto assim, o art. 231 avança muito além do que a leitura linear de sua letra
deixa entrever e o intérprete deve ter sempre presente o fato de que é complexo o seu
conteúdo e que o perfil dos direitos originários pode variar conforme os grupos indígenas
em razão de sua organização social ou como consequência de seus costumes, tradições e
especialmente suas crenças, de tal modo que esses direitos podem apresentar diferentes
feições e, portanto, decorrências distintas daquelas construídas a partir do ponto de vista
jurídico dos “brancos”, com limitações mais ou menos relevantes para as conclusões por
estes pretendidas.
Por outro lado, como o conceito de direito é uma categoria jurídica não
indígena, poderia parecer que o que a Constituição assegura aos índios é o
reconhecimento de fatos ou consequências jurídicas assemelhadas aos direitos da
organização jurídica não indígena. Todavia, a proposição constitucional do art. 231, ao
contrário, deve ser lida – como, aliás, está no texto (‘sua organização social’) - na
perspectiva da organização social, dos costumes, tradições e crenças dos índios, o que
leva por sua vez à conclusão de que não só os direitos originários mas também os direitos
usuais e atuais dos índios estão e precisam ser reconhecidos, a partir de sua cultura e
valores, e independentemente do regime ou das limitações dos institutos de direito
contemporâneo não indígena, de inspiração ocidental e cristã mesmo consagrados na
Constituição.
Revela-se aí a ilação lógica que convém repetir: a Constituição brasileira, ao
dispor sobre o reconhecimento de direitos indígenas, em verdade assentou uma
verdadeira constituição indígena, por isso mesmo no que lhes diz respeito de igual
hierarquia e com idêntica supremacia em relação às leis ordinárias derivadas da parte não
indígena da Constituição, a merecer - pelo princípio da proporcionalidade – o mesmo
respeito e proteção jurisdicional, cujo exercício e prestação pelos tribunais terão de levar
em consideração essa atitude exegética16.
Assumir essa nova exegese requer, antes de mais nada, compreender a
colonialidade do poder como forma de pensar e de ver o mundo, que se desenvolveu, a
partir do século XVI, na mesma época em que se iniciou a conquista das Américas.
Na sentença:
Impõe-se fazer, de logo, um breve histórico acerca da proteção dada pelo
Estado aos territórios ocupados pelos silvícolas (BRASIL, 1992, f. 544). (grifo
nosso)
E no acórdão:
[...] mesmo que se parta da premissa de que os indígenas continuaram na
região, não mais ocupavam de fato, o Sítio Caípe, não se enquadrando, assim,
entre os silvícolas que fazem jus à pretendida proteção possessória. Somente
na década de 90 do século passado, voltaram a ocupar a área, após invadi-la,
juntamente com outros imóveis da região (BRASIL, 1999, f. 725) (grifo nosso).
17 Colonialidade e modernidade constituem dois lados de uma mesma moeda. Não há modernidade sem
colonialidade, uma não existe sem a outra. A barra oblíqua indica a relação de constituição mútua dos dois
termos, assim como a hierarquização entre eles. A colonialidade é imanente à modernidade, é articulada
como a exterioridade constitutiva da modernidade (RESTREPO & ROJAS, 2010, p. 17).
18 Na dissertação de Luiz Henrique Matias da Cunha (2019, p. 90) , que analisa a jurisprudência do STF à luz
da teoria decolonial de Quijano, o autor também critica o uso da expressão “silvícolas” e de expressões
semelhantes que encontrou ao longo da análise, como: “culturas primitivas”, “etnia aborígine”, “nativos”,
“populações aborígines” e “tribo”, todas referindo-se aos povos indígenas como sendo primitivos e tribais. A
partir da perspectiva decolonial afirma que essa associação está ligada diretamente ao âmbito da
intersubjetivade, e é fruto do dualismo. Com o eurocentrismo e a nova intersubjetividade, a Europa se
constitui como berço da modernidade e também se constitui como a única autora da modernidade, a única
responsável pelo processo de desenvolvimento do mundo.
Referências bibliográficas
BRAGA, Sylvia Maria (Coord.) Aula patrimônio Alfândega e Madre de Deus. Brasília, DF:
IPHAN/MONUMENTA, 2007. Disponível em:
<http://portal.iphan.gov.br/uploads/publicacao/Aula_Patrimonio.pdf>. Acesso em: 3
abr. 2020.
________. Supremo Tribunal Federal. Ação Cível Originária n. 278/MT (RTJ 107/461).
Relator: Ministro Soares Munoz. Pesquisa de Jurisprudência, Acórdãos. Disponível em: <
http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=AC&docID=266042>. Acesso
em: 3 abr. 2020.
CUNHA, Luiz Henrique Matias da Cunha. Terras indígenas e o STF: análise de decisões
na perspectiva decolonial de Aníbal Quijano (2009-2018). Dissertação de Mestrado.
Universidade de Brasília, 2019.
GASPAR, Lúcia. Índios Xucuru. Pesquisa Escolar Online, Fundação Joaquim Nabuco,
Recife. Disponível em: <http://basilio.fundaj.gov.br/pesquisaescolar/>. Acesso em: 3 abr.
2020.
SILVA, Edson Hely. Xukuru: memórias e história dos índios da Serra do Ororubá
(Pesqueira/PE), 1950-1988, Campinas, SP: [s. n.], 2008.
________. Índios Xukuru: a história a partir das memórias. História Unisinos 15(2):182-
194, Maio/Agosto 2011.
Sobre os autores:
This work is licensed under a Creative Commons Attribution 4.0 International License
Resumo
O artigo busca explorar o percurso processual do Caso Povo Indígena Xukuru vs. Brasil, no
âmbito da Corte Interamericana de Direitos Humanos, sobretudo com a culminância de
sua sentença em 2018 e os desdobramentos de monitoramento do cumprimento desta.
Evocando uma viagem que envolve o passado histórico das violações até adentrar o
campo jurídico de tramitação da denúncia no Sistema Interamericano o artigo se propõe
a dar visibilidade às estratégias e caminhos utilizados pelos peticionários do caso com
vistas ao alcance da decisão favorável à luta do Povo Indígena Xukuru – legítimos
protagonistas do processo de conquista de Direitos.
Palavras-chaves: Povo Indígena Xukuru; Corte Interamericana de Direitos Humanos;
trâmite processual; Sentença.
Abstract:
The article seeks to explore the procedural path of the Case of the Xukuru Indigenous
People v. Brazil, within the scope of the Inter-American Court of Human Rights, especially
with the court's decision in 2018 and the consequences of monitoring its compliance.
Evoking a journey that involves the historical past of the violations up to the processing
of the complaint in the Inter-American System, the article proposal is to give visibility to
the strategies and paths used by the petitioners to obtain a favorable decision to the
struggle of the Xukuru Indigenous People – the legitimate protagonists in the process of
achieving their Rights.
Keywords: Indigenous Xukuru People; Inter-American Court of Human Rights; Procedural
Law; Legal Sentence.
O Povo Indígena Xukuru do Ororubá é formado por de 2.354 famílias, residentes em 2.265
casas, com 7.726 indígenas aldeados, distribuídos em 24 aldeias em um território de
27.555 hectares. Dados históricos do Século XVI já registravam a sua presença no
território, segundo Vânia R. Fialho1 e Kelly Oliveira2. Encontra-se encravado na Serra do
Ororubá, Município de Pesqueira, estado de Pernambuco, na região nordeste do Brasil.
Ademais, vivem no perímetro urbano da cidade de Pesqueira, outros 4.228 indígenas
desaldeados, pertencentes ao mesmo povo indígena Xukuru do Ororubá. Desta forma, as
questões que serão analisadas no presente artigo, impactam diretamente uma população
total de 11.954 indígenas e toda uma cultura e imaginário que venceram os séculos com
a resistência que é a característica principal desse povo.
Apresentam um modelo de organização social com características próprias. Se
poderá perceber ainda que tal estrutura foi sendo constituída, no decorrer dos anos,
também pautada no horizonte de enfrentamento das demandas e problemáticas pelos
Xukurus. Assim, uma série de instâncias de decisão compartilhadas e dentro das suas
especificidades, assumem espaço com uma hierarquia tradicional assentada nas figuras
do Cacique e do Pajé, como pontes de todo um povo com o mundo externo, seja na
representação política junto ao Estado, seja perante as divindades do reino dos seres
encantados, de onde a crença na perpetuação da ancestralidade em outros níveis de
realidade encontra guarida no coração da população Xukuru.
Ainda no âmbito histórico, é relevante pontuar a participação de indígenas
Xukurus durante a Guerra do Paraguai(1864 - 1870). Tal fato, segundo relato dos próprios
indígenas se deu até mesmo por meio de alistamento forçado. Há diversos relatos que
apontam para a participação dos Xukuru do Ororubá no conflito, inclusive por meio de
alistamento forçado3. Esse fato é importante para o Povo Xukuru, devido ao chamado
grupo dos “30 de Ororubá” – guerreiros que se alistaram ao exército brasileiro e
retornaram da Guerra com a promessa de terem a propriedade do território tradicional
<https://www3.ufpe.br/remdipe/images/documentos/fontes_xukuru/silva%20edson%20hely
2007.pdf>. Acesso em: 09 jun. 2020.
repassada para o povo indígena, por ato de vontade do Império brasileiro à época 4 .
Entretanto, em 1879, sob o lastro da Lei de Terras (Lei nº 601, de 1850), que visou regular
a administração das terras devolutas do Império brasileiro, o então “Aldeamento dos
Xukuru” terminou por ser extinto oficialmente 5 . Tal medida por óbvio foi de grande
impacto negativo para o Povo Xukuru e a manutenção de seu território, que foi
completamente devassado por fazendeiros, invasores e membros da elite local6. Assim se
deu um momento dos mais críticos da história do povo indígena da Serra de Ororubá – a
Diáspora Xukuru.7
Apenas 65 anos depois, já no início da segunda metade do século XX o Estado
brasileiro volta a lançar um olhar sobre o Povo Xukuru, com a produção do “(...) primeiro
relatório oficial contemporâneo sobre os Xukuru datado de 1944, e foi feito pelo
sertanista e funcionário do Serviço de Proteção ao Índio (SPI), Cícero Cavalcanti (...)”8. Este
levantamento é emblemático pois relata a forma como historicamente o Povo Xukuru de
Ororubá veio sendo constantemente perseguido no que tange à sua cultura, sua
identidade espiritual e organizacional, em função da disputa pelo território tradicional. O
autor do relatório denuncia que “caboclos mais velhos” se reuniam para realizar atos e
rituais, e que foram denunciados como praticantes de feitiçaria, por fazendeiros brancos,
à polícia. Afirma também que lideranças espirituais do povo indígena foram levadas à
delegacia, e os índios Xukuru foram terminantemente proibidos de praticar seus rituais e
fazer uso de sua medicina tradicional. Mas mesmo diante deste cenário, consta do
4 SILVA, Edson Hely. Índios organizados, mobilizados e atuantes: história indígena em Pernambuco nos
documentos do Arquivo Público. Disponível em:
<http://www.funai.gov.br/arquivos/conteudo/cogedi/pdf/revista_estudos_pesquisas_v3_n1_2/07indios_or
ganizados_mobilizados_e_atuantes_Edson_Silva.pdf >. Acesso em: 09 jun. 2020.
5 POVOS INDÍGENAS NO BRASIL. XUKURU. Brasília,DF: 2020. Disponível em:
<https://pib.socioambiental.org/pt/Povo:Xukuru>. Acesso em: 09 jun. 2020.
6 SILVA, Edson Hely. História, memórias e identidade entre os Xukuru do Ororubá. Disponível em:
<https://www3.ufpe.br/remdipe/images/documentos/fontes_xukuru/silva%20edson%20hely
2007.pdf >. Acesso em: 09 jun. 2020.
7 SILVA, Edson Hely. Índios organizados, mobilizados e atuantes: história indígena em Pernambuco nos
relatório sobre o Povo Xukuru de Yorubá que “alguns costumes Xukurus ainda vivem em
seu coração”9.
Com a vigência da Constituição de 1988, os Xukuru iniciam uma mobilização pela
retomada da posse de suas terras, pressionando as autoridades pela garantia de seus
direitos. Com todo processo constituinte que desembocou na Carta Magna de 1988, no
qual os povos indígenas tiveram destacada participação – em especial o Cacique Xicão
Xukuru, os povos indígenas brasileiros conseguiram que constasse do texto final do
documento constitucional o reconhecimento de “sua organização social, costumes,
línguas, crenças e tradições, e os direitos originários sobre as terras que tradicionalmente
ocupam” (art. 231, caput); além do direito “à utilização de suas línguas maternas e
processos próprios de aprendizagem” no ensino fundamental regular (art. 210, § 2.º), e o
reconhecimento dos índios como “partes legítimas para ingressar em juízo em defesa de
seus direitos e interesses” (art. 232). Entretanto, a letra escrita do texto constitucional
não se tornou padrão aplicável automaticamente para os povos indígenas brasileiros. A
luta pelo território tradicional entrava em uma nova fase.
9SILVA, Edson Hely. Índios organizados, mobilizados e atuantes: história indígena em Pernambuco nos
documentos do Arquivo Público. Disponível
em:<http://www.funai.gov.br/arquivos/conteudo/cogedi/pdf/revista_estudos_pesquisas_v3_n1_2/07indio
s_organizados_mobilizados_e_atuantes_Edson_Silva.pdf>. Acesso em: 09 jun. 2020.
10FERREIRA. Ivson J.; BRASILEIRO, Sheila; FIALHO, Vânia. Dossiê Chicão Xukuru - TERRA INDÍGENA XUKURU/PE
(1988-1998): BREVE HISTÓRICO DE UM CONFLITO PERMANENTE. In: "Plantaram" Xicão: Os Xukuru do
Ororubá e a Criminalização do direito ao território / Vânia Fialho, Rita de Cássia Maria Neves, Mariana
Carneiro Leão Figueiroa (Organizadoras). Manaus: PNCSA- UEA/UEA Edições, 2011
Considerando o cenário de ameaças que pairavam sobre o povo Xukuru, bem como a
demora na finalização do processo de demarcação da terra indígena, o povo indígena
decidiu, em diálogo com sua assessoria, levar o caso para o Sistema Interamericano de
Direitos Humanos.
11 CIDH - Comissão Interamericana de Direitos Humanos. Caso Povo Indígena Xucuru e seus membros Vs.
Brasil. Relatório de Admissibilidade da Comissão Interamericana. Washington, D.C: CIDH, 2009. Disponível
em: <http://cidh.oas.org/annualrep/2009port/Brasil4355.02port.htm>. Acesso em: 09 jun. 2020.
CIDH - Comissão Interamericana de Direitos Humanos. Caso Povo Indígena Xucuru e seus membros Vs. Brasil.
Relatório de Mérito da Comissão Interamericana. Washington, D.C: CIDH, 2015. Disponível em:
<https://www.oas.org/es/cidh/decisiones/corte/2016/12728FondoPt.pdf>. Acesso em: 09 jun. 2020.
12 CIDH - Comissão Interamericana de Direitos Humanos. Caso Povo Indígena Xucuru e seus membros Vs.
Brasil. Relatório de Mérito da Comissão Interamericana. Washington, D.C: CIDH, 2015. Disponível em:
<https://www.oas.org/es/cidh/decisiones/corte/2016/12728FondoPt.pdf>. Acesso em: 09 jun. 2020.
questão e a necessidade de garantir o devido processo legal aos terceiros não indígenas,
assim como o direito destes a uma indenização justa”13.
A Comissão Interamericana, ante às argumentações expostas pelas partes
durante o trâmite, em sede de relatório de mérito concluiu que o Brasil violou o artigo
XXIII da Declaração Americana de Direitos e Deveres do Homem. Vale ressaltar que tal
responsabilidade internacional pautada na Declaração Americana de Direitos e Deveres
do Homem abarcou o período dos fatos ocorridos até a ratificação da Convenção
Americana pelo Brasil, ou seja, até 25 de setembro de 1992. Ademais, a Comissão
Interamericana, adicionalmente também concluiu que em relação aos fatos ocorridos
após a data de ratificação da Convenção Americana pelo Brasil, o Estado deveria ser
considerado responsável pela violação do direito à integridade pessoal, propriedade
coletiva, às garantias judiciais e à proteção judicial, conforme os artigos 5, 21, 8.1 e 25.1
da Convenção Americana, em relação com as obrigações previstas nos artigos 1.1 e 2 do
mesmo tratado, em prejuízo do povo indígena Xukuru e seus membros14.
Ao término do Relatório de Mérito, datado de 28 de julho de 2015, a Comissão
Interamericana recomendou ao Estado brasileiro, as seguintes ações:
a. Adotar, com a brevidade possível, as medidas necessárias, inclusive as
medidas legislativas, administrativas ou de outra natureza, indispensáveis à
realização do saneamento efetivo do território ancestral do Povo Indígena
Xucuru, de acordo com seu direito consuetudinário, valores, usos e costumes.
Consequentemente, garantir aos membros do povo que possam continuar
vivendo de maneira pacífica seu modo de vida tradicional, conforme sua
identidade cultural, estrutura social, sistema econômico, costumes, crenças e
tradições particulares.
b. Adotar, com a brevidade possível, as medidas necessárias para concluir os
processos judiciais interpostos por pessoas não indígenas sobre parte do
território do Povo Indígena Xucuru. Em cumprimento a essa recomendação,
o Estado deveria zelar para que suas autoridades judiciais resolvessem as
respectivas ações conforme as normas sobre direitos dos povos indígenas
expostos no Relatório de Mérito.
c. Reparar, nos âmbitos individual e coletivo, as consequências da violação
dos direitos enunciados no Relatório de Mérito. Em especial, considerar os
danos provocados aos membros do Povo Indígena Xucuru, pela demora no
reconhecimento, demarcação e delimitação, e pela falta de saneamento
oportuno e efetivo de seu território ancestral.
d. Adotar as medidas necessárias para evitar que no futuro ocorram fatos
similares; em especial, adotar um recurso simples, rápido e efetivo, que tutele
13 CIDH - Comissão Interamericana de Direitos Humanos. Caso Povo Indígena Xucuru e seus membros Vs.
Brasil. Relatório de Mérito da Comissão Interamericana. Washington, D.C: CIDH, 2015. Disponível em:
<https://www.oas.org/es/cidh/decisiones/corte/2016/12728FondoPt.pdf>. Acesso em: 09 jun. 2020.
14 CIDH - Comissão Interamericana de Direitos Humanos. Caso Povo Indígena Xucuru e seus membros Vs.
Brasil. Relatório de Mérito da Comissão Interamericana. Washington, D.C: CIDH, 2015. Disponível em:
<https://www.oas.org/es/cidh/decisiones/corte/2016/12728FondoPt.pdf>. Acesso em: 09 jun. 2020.
15CORTE IDH. Audiencia Pública. Caso Pueblo Indígena Xucuru y sus miembros Vs. Brasil. Cidade da
Guatemala:
CORTE IDH, 2017. 1 vídeo (1h26min17). Disponível em: <https://vimeopro.com/corteidh/caso-pueblo-
indigena-xucuru-y-sus-miembros-vs-brasil>. Acesso em: 09 jun. 2020.
161) de forma conjunta, pela Clínica de Direitos Humanos da Universidade de Ottawa, pela Fundação para o
Devido Processo, pelo Núcleo de Estudos em Sistemas Internacionais de Direitos Humanos da Universidade
Federal do Paraná e pela Rede de Cooperação Amazônica; 2) também de forma conjunta, pela Clínica de
Direitos Humanos e Direito Ambiental da Universidade do Estado do Amazonas e pelo Grupo de Pesquisa de
Direitos Humanos do Amazonas; 3) pela Associação de Juízes para a Democracia; 4) pela Clínica de Direitos
Humanos do Amazonas, vinculada ao Programa de Pós-Graduação em Direito da Universidade Federal do
Pará; e 5) pela Defensoria Pública da União, do Brasil. Corte IDH. Caso do Povo Indígena Xucuru e seus
Membros Vs. Brasil. Exceções Preliminares, Mérito, Reparações e Custas. Sentença de 05 de fevereiro de
2018, Serie C, No. 346. Disponível em:
<https://www.corteidh.or.cr/docs/casos/articulos/seriec_346_por.pdf>. Acesso em: 09 jun. 2020
17 Corte IDH. Caso do Povo Indígena Xucuru e seus Membros Vs. Brasil. Exceções Preliminares, Mérito,
Reparações e Custas. Sentença de 05 de fevereiro de 2018, Serie C, No. 346. Disponível em:
<https://www.corteidh.or.cr/docs/casos/articulos/seriec_346_por.pdf>. Acesso em: 09 jun. 2020
18 Caso do Povo Indígena Xucuru e seus Membros Vs. Brasil. Exceções Preliminares, Mérito, Reparações e
(número original 2002.83.00.002246-6), interposta por Paulo Pessoa Cavalcanti de Petribu e outros; 2)
Atualização, desde 1996, da Ação de Reintegração de Posse No. 0002697-28.1992.4.05.8300 (número original
92.0002697-4), interposta por Milton do Rego Barros Didier e outros; e 3) Informação detalhada sobre a
situação jurídica das seis ocupações não indígenas ainda não indenizadas e retiradas da Terra indígena Xucuru.
Documento solicitado aos representantes: informação sobre os membros do Povo Indígena Xukuru, sua
identificação e composição atual. Corte IDH. Caso do Povo Indígena Xucuru e seus Membros Vs. Brasil.
Exceções Preliminares, Mérito, Reparações e Custas. Sentença de 05 de fevereiro de 2018, Serie C, No. 346.
Disponível em: <https://www.corteidh.or.cr/docs/casos/articulos/seriec_346_por.pdf>. Acesso em: 09 jun.
2020
20Corte IDH. Caso do Povo Indígena Xucuru e seus Membros Vs. Brasil. Exceções Preliminares, Mérito,
Reparações e Custas. Sentença de 05 de fevereiro de 2018, Serie C, No. 346. Disponível em:
<https://www.corteidh.or.cr/docs/casos/articulos/seriec_346_por.pdf>. Acesso em: 09 jun. 2020
sobre seus territórios e o título de domínio outorgado pelo Estado; 2) A posse tradicional
exercida por indígenas dá-lhes o direito de tê-la reconhecida oficialmente pelo Estado e
o seu registro; 3) A perda ou saída do território por razões alheias à sua vontade não
significa para os membros de povos indígenas a perda do direito de propriedade sobre
elas, apesar da ausência de título legal, salvo nos casos em que as terras tenham sido
legitimamente transferidas a terceiros de boa-fé; 4) No caso da transferência a terceiros
de boa-fé, depois da perda involuntária da posse da terra, a comunidade indígena tem o
direito de recuperar essas terras ou obter outras de igual extensão e qualidade; 5) O
Estado tem a obrigação de delimitar, demarcar e conceder o título coletivo das terras às
comunidades indígenas; 6) O Estado deve garantir a propriedade efetiva dos povos
indígenas sobre suas terras, protegendo tal direito da interferência tanto de agentes do
próprio Estado, quanto de agentes privados; 7) Aos povos indígenas deve ser garantido o
direito de controlar efetivamente o seu território, sem nenhum tipo de interferência
externa; 8) O Estado deve garantir que as comunidades indígenas possam controlar e usar
o seu território e os recursos naturais daí decorrentes21.
Assim, aplicando tais parâmetros de interpretação do artigo 21, a Corte
Interamericana afirmou a obrigação do Estado Brasileiro de concretizar e dar segurança
jurídica à posse tradicional de povos indígenas sobre o seu território. O processo
administrativo de delimitação, demarcação, titulação e desintrusão de territórios
indígenas, existente no ordenamento jurídico brasileiro, é meio idôneo para a garantia
desse direito.
No caso dos Xukuru, havia um conflito entre o direito individual de propriedade
(não-indígenas que possuíam terras no interior da terra indígena) e o direito coletivo
indígena, que tinha a comunidade como titular. Na perspectiva da Corte Interamericana,
ambos os direitos são igualmente resguardados pela Convenção Americana, em que pese
o direito coletivo ser tradicional e ter efeitos equivalentes ao título de domínio conferido
pelo Estado.
21Corte IDH. Caso do Povo Indígena Xucuru e seus Membros Vs. Brasil. Exceções Preliminares, Mérito,
Reparações e Custas. Sentença de 05 de fevereiro de 2018, Serie C, No. 346. Disponível em:
<https://www.corteidh.or.cr/docs/casos/articulos/seriec_346_por.pdf>. Acesso em: 09 jun. 2020; Corte IDH.
Caso Povos Kaliña e Lokono Vs. Suriname. Mérito, Reparações e Custas. Sentença de 25 de novembro de 2015,
Serie C, No. 309, par. 131-132. Disponível em:
<https://www.corteidh.or.cr/docs/casos/articulos/seriec_309_esp.pdf>. Acesso em: 09 jun. 2020.
22 Corte IDH. Caso do Povo Indígena Xucuru e seus Membros Vs. Brasil. Exceções Preliminares, Mérito,
Reparações e Custas. Sentença de 05 de fevereiro de 2018, Serie C, No. 346. Disponível em:
<https://www.corteidh.or.cr/docs/casos/articulos/seriec_346_por.pdf>. Acesso em: 09 jun. 2020
23 Ibidem, par. 127.
Conclusões
Depois de muitos anos de luta e de muitas vidas perdidas, os Xukuru alcançaram uma
vitória importantíssima para a garantia dos seus direitos. Mas mais do que uma vitória do
povo Xukuru, a sentença da Corte Interamericana foi uma conquista dos povos indígenas,
que viram parâmetros muito avançados no tocante à interpretação do artigo 21 da
Convenção Americana de Direitos Humanos serem reafirmados pelo órgão máximo do
Sistema Interamericano.
Especificamente no caso do Brasil, a sentença do caso Xukuru traz elementos
contundentes que podem ser muito estratégicos em um momento de tantos retrocessos
na política indígena do país.
Assim, por exemplo, a afirmação do direito territorial indígena como anterior ao
título que lhe dá validade, o direito à titulação do território, assim como a concepção de
que uma comunidade indígena mantém o direito ao seu território ainda que tenha sido
24CIMI – Conselho Indigenista Missionário. Povo Xukuru recebe indenização do governo após sentença da
CIDH que condenou o Estado por violações de direitos humanos. Brasília, DF: CIMI, 2020. Disponível em:
<https://cimi.org.br/2020/02/povo-xukuru-recebe-indenizacao-do-governo-federal-como-sentenca-da-cidh-
que-condenou-o-estado-por-violacoes-de-direitos-humanos/>. Acesso em: 05 jun. 2020.
Referências Bibliográficas
CIDH - Comissão Interamericana de Direitos Humanos. Caso Povo Indígena Xucuru e seus
membros Vs. Brasil. Relatório de Admissibilidade da Comissão Interamericana.
Washington, D.C: CIDH, 2009. Disponível em:
25 A título de exemplo, podemos citar a Proposta de Emenda Constitucional no. 215/2000, que passa para o
Congresso Nacional a competência para a aprovação de demarcação de terras indígenas e a ratificação das
demarcações já homologadas (de conteúdo similar, o Projeto de Lei 490/07); e o Parecer no. 01/2017 e
Portaria no. 303/2012, ambos da Advocacia Geral da União (esta última já foi revogada), que estabelecem o
caráter vinculante das dezenove condicionantes afirmadas no caso Raposa Serra do Sol, sendo uma delas
justamente a tese do marco temporal, e que restringem a demarcação de terras no país.
26 Na decisão, o STF afirmou que a Constituição da República estabeleceu a sua data de promulgação da
CIDH - Comissão Interamericana de Direitos Humanos. Caso Povo Indígena Xucuru e seus
membros Vs. Brasil. Relatório de Mérito da Comissão Interamericana. Washington, D.C:
CIDH, 2015. Disponível em:
<https://www.oas.org/es/cidh/decisiones/corte/2016/12728FondoPt.pdf>. Acesso em:
09 jun. 2020.
CORTE IDH. Audiencia Pública. Caso Pueblo Indígena Xucuru y sus miembros Vs. Brasil.
Cidade da Guatemala: CORTE IDH, 2017. 1 vídeo (1h26min17). Disponível em:
<https://vimeopro.com/corteidh/caso-pueblo-indigena-xucuru-y-sus-miembros-vs-
brasil>. Acesso em: 09 jun. 2020.
CORTE IDH. Caso Povos Kaliña e Lokono Vs. Suriname. Mérito, Reparações e Custas.
Sentença de 25 de novembro de 2015, Serie C, No. 309, par. 131-132. Disponível em:
<https://www.corteidh.or.cr/docs/casos/articulos/seriec_309_esp.pdf>. Acesso em: 09
jun. 2020.
FERREIRA. Ivson J.; BRASILEIRO, Sheila; FIALHO, Vânia. Dossiê Chicão Xukuru - TERRA
INDÍGENA XUKURU/PE (1988-1998): BREVE HISTÓRICO DE UM CONFLITO PERMANENTE.
In: "Plantaram" Xicão: Os Xukuru do Ororubá e a Criminalização do direito ao território /
Vânia Fialho, Rita de Cássia Maria Neves, Mariana Carneiro Leão Figueiroa
(Organizadoras). Manaus: PNCSA- UEA/UEA Edições, 2011
Sobre os autores
Rodrigo Deodato de Souza Silva
Doutorando em Direito pela Universidade Católica de Pernambuco (UNICAP), Mestre e
Bacharel em Direito pela mesma Universidade. Professor de Direito Penal e Processual
Penal da Graduação em Direito da Escola de Ciências Jurídicas da UNICAP. Atuou como
Assessor Jurídico do Gabinete de Assessoria Jurídica às Organizações Populares –
GAJOP, no Caso Povo Indígena Xukuru e seus membros vs. Brasil, tanto no âmbito da
Comissão Interamericana, como na Corte Interamericana de Direitos humanos.
This work is licensed under a Creative Commons Attribution 4.0 International License
Rev. Direito e Práx., Rio de Janeiro, Vol. 13, N. 01, 2022, p.452-476.
Jayme Benvenuto Lima Júnior e Luis Emmanuel Barbosa da Cunha.
DOI: 10.1590/2179-8966/2022/65126 | ISSN: 2179-8966
453
Resumo
O objetivo geral é fazer um resgate do trâmite do litígio do Povo Xukuru de Ororubá contra
o Estado brasileiro em sede da Comissão Inter-americana de Direitos Humanos. O objetivo
específico é apontar o núcleo da tese jurídica construída no âmbito da litigância junto à
Comissão Inter-americana de Direitos Humanos e refletir a seu respeito naquilo que está
presente ou ausente na argumentação jurídica quanto à ancestralidade indígena.
Palavras-chave: direito internacional, ancestralidade, direito de propriedade.
Abstract
The general objective is to remember the proceedings of the litigation of the Xukuru Peo-
ple of Ororubá against the Brazilian State at the headquarters of the Inter-American Com-
mission on Human Rights. The specific objective is to point out the nucleus of the legal
thesis constructed at the level of litigation before the Inter-American Commission on Hu-
man Rights and reflect on it in what is present in the argument and in what is absent about
ancestry.
Keywords: international law, ancestry, property rights
Rev. Direito e Práx., Rio de Janeiro, Vol. 13, N. 01, 2022, p.452-476.
Jayme Benvenuto Lima Júnior e Luis Emmanuel Barbosa da Cunha.
DOI: 10.1590/2179-8966/2022/65126 | ISSN: 2179-8966
454
Introdução
1 Movimentos sobre direitos das crianças e adolescentes, movimento pela saúde das pessoas com HIV, movi-
mento ambientalista, movimentos feministas, movimento indígenas, movimento negro, movimento quilom-
bola, movimento LGBTQI+, grupos historicamente e socialmente vulnerabilizados, que reivindicam direitos e
participação ativa na sociedade brasileira pós Constituição Federal de 1988.
2 Discurso disponível em: https://www.camara.leg.br/radio/programas/277285-integra-do-discurso-presi-
dente-da-assembleia-nacional-constituinte-dr-ulysses-guimaraes-10-23/.
Rev. Direito e Práx., Rio de Janeiro, Vol. 13, N. 01, 2022, p.452-476.
Jayme Benvenuto Lima Júnior e Luis Emmanuel Barbosa da Cunha.
DOI: 10.1590/2179-8966/2022/65126 | ISSN: 2179-8966
455
3 O Relatório Figueiredo mostra a atuação de agentes de Estado, em especial, do Serviço de Proteção ao Índio
(SPI) em práticas atrozes contra indígenas que não aceitavam o processo de integração cultural. Toda atroci-
dade de torturas, crucificação, decaptação, estupro foi registrada nesse documento, que sinaliza uma nova
onda genocida contra indígenas no Brasil em meados do século XX. O relatório está disponível em:
http://www.mpf.mp.br/atuacao-tematica/ccr6/dados-da-atuacao/grupos-de-trabalho/violacao-dos-direi-
tos-dos-povos-indigenas-e-registro-militar/relatorio-figueiredo
4 Destacamos aqui o § 4º do art. 231 - As terras de que trata este artigo são inalienáveis e indisponíveis, e os
direitos sobre elas, imprescritíveis, e o art. 232 - Os índios, suas comunidades e organizações são partes legí-
timas para ingressar em juízo em defesa de seus direitos e interesses, intervindo o Ministério Público em
todos os atos do processo.
Rev. Direito e Práx., Rio de Janeiro, Vol. 13, N. 01, 2022, p.452-476.
Jayme Benvenuto Lima Júnior e Luis Emmanuel Barbosa da Cunha.
DOI: 10.1590/2179-8966/2022/65126 | ISSN: 2179-8966
456
8. Garantias judiciais, Artigo 21. Direito à propriedade privada, Artigo 25. Proteção judicial
Rev. Direito e Práx., Rio de Janeiro, Vol. 13, N. 01, 2022, p.452-476.
Jayme Benvenuto Lima Júnior e Luis Emmanuel Barbosa da Cunha.
DOI: 10.1590/2179-8966/2022/65126 | ISSN: 2179-8966
457
8 Por soft power entenda-se aqui a condução de um rito processual sumário, sem a existência de uma fase
instrutória mais complexa, a qual seria capaz de gerar, ao seu final, uma diretriz de conduta tida como plena-
mente cogente. Este modo de realização do direito não guarda em si mesma e nem outra fonte a obrigatori-
edade de cumprimento a ponto de seu cumprimento poder ser exigido. A soft law se cumpre com base no
convencimento resultante dos argumentos utilizados.
9 Invisibilidade social diz respeito a um estado de humilhação e mal-estar a que são submetidas pessoas ou
de pessoas, das quais uma quarta parte era constituída de escravos (GORENDER, 1978:319). Como o efetivo
do Exército brasileiro fosse insuficiente para ganhar a guerra, foram utilizados os contingentes da polícia e da
Guarda Nacional das províncias do império e criaram-se os corpos de Voluntários da Pátria, movidos por um
sentimento nacionalista. Nesse contexto, o império brasileiro introduziu a estratégia de induzir a participação
escrava e indígena na Guerra. A estratégia corrobora a visão tradicional dos poderosos de que eles fazem a
guerra, mas lutar é para os pobres. (TORAL, 1995)
12 Embora as fontes sejam escassas e ate certo ponto precárias, a participação indígena na guerra contra o
Paraguai está documentada, e “não restringiu-se as batalhas, sendo os indígenas utilizados também como
mão de obra para os trabalhos braçais que se faziam necessários – aliás, como sempre foram recrutados.”
(MARQUES, 2006)
Rev. Direito e Práx., Rio de Janeiro, Vol. 13, N. 01, 2022, p.452-476.
Jayme Benvenuto Lima Júnior e Luis Emmanuel Barbosa da Cunha.
DOI: 10.1590/2179-8966/2022/65126 | ISSN: 2179-8966
458
Apesar da promessa de meados do século XIX feita pelo governo de Dom Pedro
II, foi efetivamente o governo republicano que procedeu ao procedimento demarcatório
das terras, já no final da década de 1980. Nesses quase 40 (quarenta) anos de um anti-
célere procedimento de demarcação, várias perdas irreparáveis foram contabilizadas por
parte do Povo Xukuru.
A demora excessiva do Estado brasileiro em concluir a demarcação das terras
Xukurus ensejou a retomada forçada pelos indígenas, sob a liderança do Cacique Xicão.
Em resposta às ações violentas dos fazendeiros e madeireiros não-índios, o povo Xukuru
não realizou a saída espontânea das terras identificadas como indígenas ancestrais ao
mesmo tempo em que se instalou uma atmosfera de insegurança e vinganças por meio
da prática de assassinatos através de emboscadas contra os indígenas e contra aqueles
que os defendiam. Destacamos aqui quatro assassinatos e várias ameaças de morte, entre
1992 e 2001.
Em 1992 houve o assassinato do indígena José Everaldo Rodrigues Bispo, filho do
Pajé Zequinha, morto em uma emboscada. O Procurador da FUNAI, o advogado Geraldo
Rolim, um conhecido defensor dos direitos dos indígenas, principalmente quanto à
demarcação das terras, foi assassinado em 1995. O Cacique Xicão foi assassinado
13 45. A typical case is that of the Xucurus at Oruguba, in the Pesqueira municipality of the State of Pernam-
buco, 220 km from Recife. According to the local tradition, its members agreed to fight as members of the
Brazilian Army in the Paraguayan War, in exchange for having their lands recognized--which it turned out did
not take place. It wasn't until 1992 that President Itamar Franco signed the resolution acknowledging the
FUNAI study which found the Xucurús entitled to 26,980 hectares as ancestral land--an area equivalent to one
fifth of what they had before the conquest. But in fact, the Indians occupy only 12% of those 26,980 ha. The
rest is owned by 281 ranchers and lumbermen, most of whom in turn hire Indian laborers. There are approxi-
mately six thousand Xucurús. At present, the land is being demarcated by FUNAI in a climate of general inse-
curity and with minimal funding (COMISSÃO INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS, 1997, parágrafo 45).
Rev. Direito e Práx., Rio de Janeiro, Vol. 13, N. 01, 2022, p.452-476.
Jayme Benvenuto Lima Júnior e Luis Emmanuel Barbosa da Cunha.
DOI: 10.1590/2179-8966/2022/65126 | ISSN: 2179-8966
459
14 Anistia Internacional. Estrangeiros em Nosso Próprio País: povos indígenas do Brasil. 2005, p.22.
15 A cartografia sócio-cultural dos Xucuru por eles e elas mesmas pode ser acessada em: http://novacartogra-
fiasocial.com.br/download/01-xukuru-do-ororuba-pe/. Nesse mapa, é possível identificar a região de Cimbres
e aldeia Pé-de-Serra do Oiti de Chico Quelé.
Rev. Direito e Práx., Rio de Janeiro, Vol. 13, N. 01, 2022, p.452-476.
Jayme Benvenuto Lima Júnior e Luis Emmanuel Barbosa da Cunha.
DOI: 10.1590/2179-8966/2022/65126 | ISSN: 2179-8966
460
uma prática, ao mesmo tempo que o sistema de segurança e justiça não dava respostas
em relação aos assassinatos das lideranças indígenas. Com isso, os indígenas, já na
condição auto percebida de defensores de direitos humanos, foram ameaçados na sua
organização social, além de ameaçados na vida e integridade física.
O processo de criminalização resultou em várias ações junto às varas federais da
Seção Judiciária de Pernambuco, concentradas na 16ª Vara, em Caruaru. Ademais, deve-
se considerar o desentendimento nas relações entre o Povo Xukuru, a Polícia Federal
(Superintendências Regionais de Pernambuco e da Paraíba) e Ministério Público Federal
(primeira instância) em Pernambuco.
Esse era o clima de tensão que a jurisdição e a Administração pública executiva
federal não conseguiam pacificar. De um lado, Povo Xukuru versus fazendeiros não índios;
de outro lado, Povo Xukuru versus a Polícia Federal, Ministério Público Federal e o Poder
Executivo Federal. O povo indígena tinha dois flancos (a disputa pela terra contra os
fazendeiros não índios e a disputa institucional com a Polícia Federal) abertos nessa luta
pelo reconhecimento de suas terras ancestrais e sofria pressão de toda natureza. Isso foi
informado à Comissão Inter-americana de Direitos Humanos conforme os passos
processuais eram dados.
Da apresentação desses fatos até à publicação do Relatório de Admissibilidade
por parte da Comissão Inter-americana de Direitos Humanos, em 29 de outubro de 2009.
Com efeito, o pedido de medidas cautelares foi o que concentrou mais esforços por parte
das entidades peticionárias.
As peticionárias requereram medidas cautelares para o Cacique Marquinhos e
para Dona Zenilda em 10 de outubro de 2002. No dia 16 de outubro de 2002, de posse do
material impresso enviado via correios, a CIDH deliberou favoravelmente às cautelares e
solicitou do Estado brasileiro a sua efetivação. A CIDH fez rodadas de acompanhamento
da implementação das medidas em fevereiro de 2003 e em março de 2004. Em agosto de
2004, a CIDH decidiu prorrogar as medidas cautelares. A partir de então, o Estado deixou
de se pronunciar sobre as cautelares, mesmo com o pedido expresso da CIDH, até à
admissibilidade, em outubro de 2009 (CIDH, 2009, parágrafos 7-9).
Os peticionários chamaram a atenção da CIDH sobre o clima de animosidade
existente entre a Polícia Federal e o Ministério Público Federal, em detrimento do Povo
Xukuru, principalmente em relação aos dois beneficiários das cautelares, o Cacique
Marquinhos e Dona Zenilda. Isso deveu-se inicialmente à fase de assassinatos das
Rev. Direito e Práx., Rio de Janeiro, Vol. 13, N. 01, 2022, p.452-476.
Jayme Benvenuto Lima Júnior e Luis Emmanuel Barbosa da Cunha.
DOI: 10.1590/2179-8966/2022/65126 | ISSN: 2179-8966
461
lideranças Xucuru, cujo último assassinato registrado foi o de Chico Quelé, em 2001. A
partir daí, seguem as ameaças ao recém escolhido Cacique Marquinhos e sua mãe, Dona
Zenilda, tomada como suspeita do assassinato do Cacique Xicão em uma suposta
motivação passional, nunca minimamente provada. Depois do atentado de 2003, a tensão
tomou a forma da criminalização dos indígenas. Isso impossibilitou efetivamente o
cumprimento das medidas cautelares por parte do governo federal.
Havia, de fato, uma falta de confiança dos beneficiários em relação aos
profissionais que deveriam fazer a sua proteção: policiais federais das superintendências
regionais de Pernambuco e da Paraíba, com supervisão do Ministério Público Federal, ou
seja, os órgãos persecutórios nos processos criminais em trâmite contra os xukurus.
Evidentemente, estava posto o conflito de interesses.
Por conta disso, as medidas cautelares não foram implementadas até o ano de
2007, quando ao sistema de proteção à pessoa foi incorporado o Programa de Proteção
às Defensoras e Defensores de Direitos Humanos.
No caso do Estado de Pernambuco, o sistema de proteção à pessoa já sido iniciado
em 1996 com a criação do Programa de Proteção à Testemunha (PROVITA 16 ), uma
iniciativa da sociedade civil, através do GAJOP (peticionário do caso) juntamente com o
governo estadual, com o objetivo de atuar contra o alto índice de impunidade em relação
aos crimes cometidos pelos chamados esquadrões da morte. Essa experiência favoreceu
o projeto piloto de proteção às Defensoras e Defensores de Direitos Humanos (PPDDH)17,
também iniciativa da sociedade civil, sendo incorporada a proposta ao planejamento da
Secretaria Especial de Direitos Humanos em Brasília. Com isso, o sistema de proteção à
pessoa conta com os seguintes programas: PROVITA, PPDDH e o Programa e de Proteção
à Criança e Adolescente Ameaçados de Morte (PPCAAM18). Ainda assim, em interlocução
direta com o governador do Estado de Pernambuco, o Cacique Marquinhos e Dona
Zenilda receberam medidas de proteção pessoal através do Programa Estadual de
dos policiais militares, processados pelo assassinato de seu filho Josenildo. Isso fez emergir a existência de
práticas investigativas da Polícia Militar sem mandados, sem qualquer controle, um resquício da Ditadura
Militar. A “segunda seção” ou “serviço de inteligência” continuava com essas práticas esdrúxulas ao Estado
de Direito. Por conta disso esforço, Elma Novais e sua família receberam ameaças de morte. Disponível em:
https://www.amnesty.org/download/Documents/104000/amr190012003pt.pdf
18 PPCAAM. Disponível em: https://www.mdh.gov.br/navegue-por-temas/programas-de-protecao/ppcaam-
1/ppcaam
Rev. Direito e Práx., Rio de Janeiro, Vol. 13, N. 01, 2022, p.452-476.
Jayme Benvenuto Lima Júnior e Luis Emmanuel Barbosa da Cunha.
DOI: 10.1590/2179-8966/2022/65126 | ISSN: 2179-8966
462
Rev. Direito e Práx., Rio de Janeiro, Vol. 13, N. 01, 2022, p.452-476.
Jayme Benvenuto Lima Júnior e Luis Emmanuel Barbosa da Cunha.
DOI: 10.1590/2179-8966/2022/65126 | ISSN: 2179-8966
463
Rev. Direito e Práx., Rio de Janeiro, Vol. 13, N. 01, 2022, p.452-476.
Jayme Benvenuto Lima Júnior e Luis Emmanuel Barbosa da Cunha.
DOI: 10.1590/2179-8966/2022/65126 | ISSN: 2179-8966
464
A estratégia jurídica adotada no caso Povo Xukuru versus República Federativa do Brasil
foi a mais óbvia possível: fazer a subsunção do caso, tomando-se por horizonte o
precedente e a jurisprudência da Corte Interamericana de Direitos Humanos sobre direito
de propriedade e povos indígenas.
O direito à propriedade, propriedade lato sensu, ou seja, o direito de usar e
fruir de seus bens. O povo xukuru não busca apenas um registro formal em
cartório de imóveis, ao contrário, busca a posse tranquila das terras, busca a
satisfação de um débito histórico do Estado brasileiro para com eles, busca,
enfim, a perpetuação de suas tradições culturais intrinsecamente vinculadas
à terra;19
19Memorial com razões de mérito, abertura da fundamentação jurídica, exposição do direito subjetivo per-
seguido pela parte requerente, nesse caso, pelo Povo Xukuru. Petição assinada pelo CIMI e pelo GAJOP em
2011.
Rev. Direito e Práx., Rio de Janeiro, Vol. 13, N. 01, 2022, p.452-476.
Jayme Benvenuto Lima Júnior e Luis Emmanuel Barbosa da Cunha.
DOI: 10.1590/2179-8966/2022/65126 | ISSN: 2179-8966
465
são de mundo após o colapso da União Soviética, consequentemente, com o fim da era das ideologias e da
disputa sobre o modelo econômico. Ainda assim, as disputas aconteceriam e o Estado-nação ainda é a figura
de destaque, mas as divisões entre os seres humanos e as largas divergências e diferenças entre identidades
dariam o tom dos conflitos no novo tempo.
Rev. Direito e Práx., Rio de Janeiro, Vol. 13, N. 01, 2022, p.452-476.
Jayme Benvenuto Lima Júnior e Luis Emmanuel Barbosa da Cunha.
DOI: 10.1590/2179-8966/2022/65126 | ISSN: 2179-8966
466
basicamente, daquela estrutura jurídica há pouco posta: sujeito ativo, sujeito passivo, fato
social, direito aplicado, Estado-juiz. Quanto a isso, temos um rito perante a Comissão, que
não é, em sentido estrito, um processo judicial porque não é finalizado com uma decisão
judicial, mas cuida de formalizar o conhecimento sobre um fato específico e se esse fato,
a princípio, pode ser enquadrado como um ilícito internacional por violação de direitos
humanos.
A percepção desse ilícito internacional apontado passa necessariamente pela
autonomia do indígena frente ao direito interno brasileiro e ao mecanismo disponível
para efetivação dos seus direitos. A dificuldade do Estado brasileiro garantir proteção ao
povo Xukuru assim sintetizada por Cecília Santos com base no dualismo na cultura
jurídico-política indigenista
Por um lado, verifica-se uma concepção monocultural e individualista de di-
reitos civis dos indígenas, consagrada em algumas leis e práticas de agentes
do Estado; por outro lado, certas normas e setores do Estado traduzem uma
abordagem multicultural e coletivista de direitos humanos dos indígenas ou
um novo “indigenismo multicultural”,que surge no contexto da expansão do
movimento indígena dos processos de redemocratização, nos anos 1980, e
da crescente absorção, pelo Estado, ainda que seletiva e setorialmente, das
normas internacionais de direitos humanos desde o início dos anos 1990.
(SANTOS, 2009, p. 26)
Rev. Direito e Práx., Rio de Janeiro, Vol. 13, N. 01, 2022, p.452-476.
Jayme Benvenuto Lima Júnior e Luis Emmanuel Barbosa da Cunha.
DOI: 10.1590/2179-8966/2022/65126 | ISSN: 2179-8966
467
Rev. Direito e Práx., Rio de Janeiro, Vol. 13, N. 01, 2022, p.452-476.
Jayme Benvenuto Lima Júnior e Luis Emmanuel Barbosa da Cunha.
DOI: 10.1590/2179-8966/2022/65126 | ISSN: 2179-8966
468
De outro lado, a tese pelo pluralismo identitário. Essa linha poderia ter dado um
salto de qualidade em termos de experimentar o direito, saindo de uma hegemonia
unilateral para uma combinação de conhecimentos jurídicos ao trazer para o debate de
direito o conhecimento indígena como relevante e determinante na construção da
solução para o conflito de interesses em tela.
Nesse sentido, o primeiro passo, em uma linha racional a ser proposta seria partir
do transconstitucionalismo. Para tanto, rever o ponto de partida seria essencial. Não se
partiria da dúvida se o povo indígena tem ou não direito de propriedade, mas de um
problema jurídico constitucional 22 e como a experiência normativa indígena e não
indígena pode colaborar para a fruição do modo de vida particular do Povo Xukuru sobre
o território tradicional.
A partir do transconstitucionalismo, um problema jurídico constitucional faz
extrapolar solução para mais uma ordem jurídica. Em matéria constitucional, isto é,
questões que envolvam a aplicação de direitos fundamentais e direitos humanos, impor-
se ultima ratio a uma única ordem jurídica pode implicar uma solução que viole outra
ordem jurídica que, em determinado momento, pode ser competente também para
decidir sobre esse caso (problema jurídico constitucional). Uma solução
transconstitucional passa pela disposição ao diálogo pelos tribunais (ou órgãos decisórios)
dessas ordens jurídicas a ponto de se formar uma racionalidade transversa (NEVES, 2012,
pp.256-258).
Essa, sobre posição de direitos materiais em sede de questões de direitos
humanos, é o resultado de importância crescente que os direitos humanos tiveram,
principalmente após a Segunda Guerra Mundial. Essa importância rendeu uma base
jurídico-normativa tanto em legislações domésticas quanto internacionais de forma a se
perceber uma simultaneidade de aplicação. Não se trata de antinomias a primeiro olhar,
ao contrário, trata-se dos efeitos de uma sociedade moderna.
Esse modelo de sociedade moderna caracteriza-se pela presença de vários
códigos que orientam a comunicação nos mais diversos campos sociais. Ter/não ter,
poder/não poder, lícito/ilícito, verdadeiro/falso, cada binário desse, por exemplo,
importa para um campo, promovendo uma forma de comunicação, daí chegando a uma
22Problema jurídico constitucional, nesse caso, segue a definição trazida por Marcelo Neves quando, ao pen-
sar o transconstitucionalismo, ele que os casos levados à solução judicial não mais se resumem a uma única
ordem jurídica, em especial, quando envolvem direitos humanos. (NEVES, 2012, p.256).
Rev. Direito e Práx., Rio de Janeiro, Vol. 13, N. 01, 2022, p.452-476.
Jayme Benvenuto Lima Júnior e Luis Emmanuel Barbosa da Cunha.
DOI: 10.1590/2179-8966/2022/65126 | ISSN: 2179-8966
469
23A Declaração das Nações Unidas sobre Povos Indígenas compõe a legislação do Sistema Global de Direitos
Humanos. Como tal, não tem uma inserção hierárquico-normativa no Sistema Interamericano de Direitos
Humanos, logo não compreende seu universo de direito, mas não de todo descartado seu uso. Ainda que não
seja matéria de direito, instrumentos externos à base normativa do Sistema Interamericano de Direitos Hu-
manos, regularmente, são utilizados como instrumentos hermenêutico-colaborativos. Têm uma importância
em se perceber os limites de aplicação das normas inter-americanas.
Rev. Direito e Práx., Rio de Janeiro, Vol. 13, N. 01, 2022, p.452-476.
Jayme Benvenuto Lima Júnior e Luis Emmanuel Barbosa da Cunha.
DOI: 10.1590/2179-8966/2022/65126 | ISSN: 2179-8966
470
Rev. Direito e Práx., Rio de Janeiro, Vol. 13, N. 01, 2022, p.452-476.
Jayme Benvenuto Lima Júnior e Luis Emmanuel Barbosa da Cunha.
DOI: 10.1590/2179-8966/2022/65126 | ISSN: 2179-8966
471
(...) há ainda muitas coisas que atrapalham o nosso projeto de futuro e a paz
do nosso povo: os assassinatos e a criminalização de nossas lideranças
patrocinadas por aqueles que têm o interesse em nosso território e também
por aqueles que têm o dever de nos defender, incentivadas pelos grandes
meios de comunicação de PE. Os nossos parentes Truká, Pankará e do
Maranhão também vêm sofrendo perseguição. Caso gravíssimo é o da Terra
Indígena Raposa Serra do Sol, cujos povos além de serem chamados de
terroristas, ainda correm o risco de terem anulada a homologação de suas
terras. Entendemos que essa situação ameaça todos os nossos povos. A
política indigenista do nosso país também ameaça o nosso projeto de futuro,
pois nossa Constituição mesmo depois de vinte anos não é de fato cumprida.
Por isso entendemos, que é de fundamental que seja criados e aprovados,
imediatamente o CNPI – Conselho Nacional de Política Indigenista e o
Estatuto dos Povos Indígenas24.
Rev. Direito e Práx., Rio de Janeiro, Vol. 13, N. 01, 2022, p.452-476.
Jayme Benvenuto Lima Júnior e Luis Emmanuel Barbosa da Cunha.
DOI: 10.1590/2179-8966/2022/65126 | ISSN: 2179-8966
472
Rev. Direito e Práx., Rio de Janeiro, Vol. 13, N. 01, 2022, p.452-476.
Jayme Benvenuto Lima Júnior e Luis Emmanuel Barbosa da Cunha.
DOI: 10.1590/2179-8966/2022/65126 | ISSN: 2179-8966
473
indígenas, que, por si só, implicaria uma tese completamente dissociada da tese sobre
propriedade.
Será que a Comissão Interamericana de Direitos Humanos e o Sistema
Interamericano de Direitos humanos, incluídos seus juristas, estão prontos para isso?
Quer dizer, estão prontos para serem mais transconstitucionais e decoloniais?
4. Conclusões
Este trabalho buscou apresentar os aspectos mais relevantes do caso Povo Xukuru do
Ororubá contra a República Federativa do Brasil, com o objetivo de registrar o seu
significado no âmbito da Comissão Interamericana de Direitos Humanos, órgão do
sistema interamericano junto ao qual os autores tivemos a oportunidade de atuar em
defesa dos indígenas. Após a decisão definitiva da Corte Interamericana de Direitos
Humanos, favorável à pretensão do Povo Indígena Xukuru, fazia-se importante que um
texto acadêmico fosse elaborado pelos autores, no sentido de evidenciar os caminhos
jurídicos adotados e as inquietudes políticas e filosóficas que lhe eram subjacentes. A
metodologia consistiu em uma parte descritiva sobre o caso e suas circunstâncias locais,
o trâmite processual e os atos das partes envolvidas no litígio. Uma segunda parte,
analítica, se baseou na seguinte pergunta: uma outra tese jurídica com base na
ancestralidade seria viável no momento político enfrentado pelo país?
A resposta, acreditamos, está respondida com base nos argumentos e nas
limitações jurídicas, políticas e procedimentais apresentadas ao longo do artigo. Trata-se
de uma resposta aberta e que deixa espaço para o preenchimento, em parte, pelo leitor.
5. Referências bibliográficas
Rev. Direito e Práx., Rio de Janeiro, Vol. 13, N. 01, 2022, p.452-476.
Jayme Benvenuto Lima Júnior e Luis Emmanuel Barbosa da Cunha.
DOI: 10.1590/2179-8966/2022/65126 | ISSN: 2179-8966
474
_____________. Relatório sobre a Situação dos Direitos Humanos no Brasil. Capítulo VI.
Direitos Humanos dos povos indígenas nos Brasil. Parágrafo 45, 1997. Disponível em:
https://cidh.oas.org/countryrep/brazil-port/indice.htm. Acesso em 12 out. 2019.
_____________. Relatório nº98/09. Washington DC: CIDH, 2009, 35p. Disponível em:
https://cidh.oas.org/annualrep/2009port/Brasil4355.02port.htm. Acesso em 12 out.
2019.
CUNHA, Manuela Carneiro da. Índios na Constituição. Novos estud. CEBRAP, São Paulo
, v. 37, n. 3, p. 429-443, Dec. 2018 . Disponível em:
<http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0101-
33002018000300429&lng=en&nrm=iso>. Acesso em 31 out.
de 2019. http://dx.doi.org/10.25091/s01013300201800030002.
Rev. Direito e Práx., Rio de Janeiro, Vol. 13, N. 01, 2022, p.452-476.
Jayme Benvenuto Lima Júnior e Luis Emmanuel Barbosa da Cunha.
DOI: 10.1590/2179-8966/2022/65126 | ISSN: 2179-8966
475
PIOVESAN, Flávia. Direitos Humanos e Justiça Internacional. São Paulo: Saraiva, 2006,
274p.
SANTOS, Cecília MacDowell. Xucuru do Ororubá e Direitos Humanos dos Indígenas: Lutas
pela Terra-Segurança e Estado no Brasil. In: BENVENUTO, Jayme; CAMPOS, Andréa Al-
meida. Direitos Humanos: Debates Contemporâneos. Recife: Ed. do Autor, 2009.
SILVA, Edson. “A história contada pelos que voltaram”: história e memórias indígenas no
Nordeste sobre a Guerra do Paraguai. Diálogos (Maringá. Online), v. 19, n.3, p. 1043-
1063, set.-dez./2015.
Rev. Direito e Práx., Rio de Janeiro, Vol. 13, N. 01, 2022, p.452-476.
Jayme Benvenuto Lima Júnior e Luis Emmanuel Barbosa da Cunha.
DOI: 10.1590/2179-8966/2022/65126 | ISSN: 2179-8966
476
Sobre os autores
Rev. Direito e Práx., Rio de Janeiro, Vol. 13, N. 01, 2022, p.452-476.
Jayme Benvenuto Lima Júnior e Luis Emmanuel Barbosa da Cunha.
DOI: 10.1590/2179-8966/2022/65126 | ISSN: 2179-8966
424
Kelly Oliveira¹
²Universidade Federal da Paraíba, João Pessoa, Paraíba, Brasil. E-mail:
mensagenskelly@gmail.com. ORCID: https://orcid.org/0000-0001-9413-7697.
Rita Neves²
²Universidade Federal do Rio Grande do Norte, Natal, Rio Grande do Norte, Brasil. E-mail:
rita.neves@ufrn.br. ORCID: https://orcid.org/0000-0003-0507-8336.
Vânia Fialho³
³Universidade Federal de Pernambuco, Recife, Pernambuco, Brasil. E-mail:
vania.antropologia@gmail.com. ORCID: https://orcid.org/0000-0003-4673-378X.
This work is licensed under a Creative Commons Attribution 4.0 International License
Rev. Direito e Práx., Rio de Janeiro, Vol. 13, N. 01, 2022, p.424-451.
Kelly Oliveira, Rita Neves e Vânia Fialho
DOI: 10.1590/2179-8966/2022/65124| ISSN: 2179-8966
425
Resumo
O Caso Xukuru na Corte Interamericana é considerado paradigmático e inspirador para o
exercício de garantia dos direitos fundamentais no Brasil. No entanto, a configuração das
formas de violência institucionalizada e a criminalização que este povo vivenciou ao logo
das últimas décadas parecem ter passado ao largo da decisão da Corte, ficando
subsumidas diante das questões técnicas. Diante deste problema, este texto busca
descrever a complexidade da questão, fazendo uso dos argumentos antropológicos
elaborados com base em pesquisa bibliográfica, dada a vasta produção científica na área
de Antropologia e Sociologia existente sobre o povo, e na pesquisa documental para,
assim, acrescentar “carne” e “sangue” à letra fria da lei.
Palavras-chave: Povo Indígena Xukuru; Direitos Humanos; Criminalização.
Abstract
Brazil's Xukuru case before the Inter-American Court is considered paradigmatic and
inspiring for the exercise of ensuring fundamental rights in Brazil. However, the
institutionalised violence and criminalisation experienced by this people over the past
decades seem to have been overlooked in the Court's decision, being subsumed by
technical issues. Faced with this problem, this study aims to describe the complexity of
the subject, making use of anthropological arguments based on bibliographic research,
given the vast scientific production in the area of Anthropology and Sociology about the
people, and on documentary research in order to add "flesh" and "blood" into the cold
letter of the law.
Keyword: Xukuru Indigenous People; Human Rights, Criminalisation
Rev. Direito e Práx., Rio de Janeiro, Vol. 13, N. 01, 2022, p.424-451.
Kelly Oliveira, Rita Neves e Vânia Fialho
DOI: 10.1590/2179-8966/2022/65124| ISSN: 2179-8966
426
Rev. Direito e Práx., Rio de Janeiro, Vol. 13, N. 01, 2022, p.424-451.
Kelly Oliveira, Rita Neves e Vânia Fialho
DOI: 10.1590/2179-8966/2022/65124| ISSN: 2179-8966
427
Rev. Direito e Práx., Rio de Janeiro, Vol. 13, N. 01, 2022, p.424-451.
Kelly Oliveira, Rita Neves e Vânia Fialho
DOI: 10.1590/2179-8966/2022/65124| ISSN: 2179-8966
428
O povo Xukuru conviveu com um contexto de expropriação de suas terras que vai do
século XVI ao século XX, conforme os documentos apresentados por historiadores, tais
como Edson Silva (1998), que afirma ser este um processo longo e contínuo. Embora
tenham resistido e enfrentado o esbulho de suas terras de inúmeras formas, é na década
de 1980 que estes finalmente encontram, com a possibilidade da promulgação da
Constituição Federal de 1988, a esperança de terem de volta seu território. É importante
ressaltar que a inclusão dos artigos que tratam da questão indígena na Constituição foi
Rev. Direito e Práx., Rio de Janeiro, Vol. 13, N. 01, 2022, p.424-451.
Kelly Oliveira, Rita Neves e Vânia Fialho
DOI: 10.1590/2179-8966/2022/65124| ISSN: 2179-8966
429
fruto de pressão por parte dos indígenas na época da Constituinte e que os Xukuru
estavam presentes e ativos em Brasília, através das lideranças e do Cacique Xicão.
A trajetória do processo Xukuru é semelhante a de tantos outros grupos
indígenas, cuja deflagração só se dá mediante o iminente ou já concretizado conflito. O
que torna o processo neste povo paradigmático é a sincronia dos eventos e a evidência
de que a inoperância do Estado provocou um crescente grau de violência e insegurança
no grupo. A seguir, apresentamos um breve histórico da regularização focando, por um
lado, na realidade social do grupo durante o processo demarcatório e, por outro,
percebendo os incidentes burocráticos e estratégias de engessamento da efetivação da
demarcação no território Xukuru.
Apesar da intensa mobilização dos Xukuru, as primeiras providências para a
demarcação das suas terras só ocorreram no final da década de 1980. A realização de
identificação e delimitação do território Xukuru se deu em 1989 em meio a um conjunto
de denúncias de perseguição aos índios. Essa situação ocasionou, ao longo dos anos, que
o território Xukuru se tornasse um mosaico, onde interagem áreas de ocupação de índios
e não índios, caracterizando situação de conflito permanente na disputa pela posse da
terra na região (ATLAS, 1993: 66).
O período de início da mobilização Xukuru foi marcado por muito medo. Se por
um lado havia o desejo de respeito à sua identidade étnica e ao território, por outro era
forte a pressão contra uma mobilização étnica.
Nasci e me criei em Caípe. A gente ouvia falar de indígena, mas não tinha
cacique, nós não conhecia o cacique, não sabia o que era um toré, sabia nada.
Eu fui criado e me entendi de gente trabalhando ao fazendeiro. Aí nós fomos
tocando a vida. Nós tínhamos medo, assim... o pessoal dizia ‘as terras vai sair,
o Governo vai indenizar, os fazendeiros vão embora e vai ser entregue’. E a
gente dizia ‘Eita, a gente vai morrer de fome. Vai morrer de fome porque a
gente vive lutando, trabalhando com o fazendeiro’. Tirava conta, trabalhava
na diária arrancando toco, brocando mato. (João Batista [Jota] – aldeia Jitó –
11.6.2005 in: OLIVEIRA, 2013).
O medo que João Batista sentiu foi uma das mais difíceis barreiras a transpor para
a integração interna do grupo étnico. Submetidos a uma vida inteira trabalhando para
não índios, muitos desconfiaram da proposta de terem o controle do território. Era, de
fato, um conflito interno entre os diversos elos de relação com o ‘patrão’ não índio que,
se por um lado supria as necessidades de trabalho e sustento, por outro também era o
Rev. Direito e Práx., Rio de Janeiro, Vol. 13, N. 01, 2022, p.424-451.
Kelly Oliveira, Rita Neves e Vânia Fialho
DOI: 10.1590/2179-8966/2022/65124| ISSN: 2179-8966
430
agente motor da realidade de opressão em que os índios viviam. Foi neste período em
que um novo cacique toma a frente do grupo, Francisco de Assis Araújo, o Xicão Xukuru,
que vem mobilizar o povo em um momento histórico de efervescência de direitos sociais,
com o processo da Constituinte e a entrada de novos aliados, como ONGs e organizações
civis de apoio à questão indígena.
Xicão Xukuru passa a fazer caminhada entre as aldeias, falando de direitos
étnicos. Por outro lado, uma ação de denúncia feita à Procuradoria da República em
Recife, em outubro de 1988, sobre o Projeto Agropecuário Vale do Ipojuca, auxiliou na
instauração do processo demarcatório da terra. A partir da observância de que aquela
situação era causada pela irregularidade na oficialização da área indígena, a Procuradoria
determinou providências. Assim, em 14 de março de 1989 foi emitida a Portaria
Presidencial n.º 218/89 que criou um Grupo de Trabalho. O GT (Grupo de Trabalho) foi
formado por técnicos da Funai, Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária
(Incra) e Fundação Nacional de Planejamento Agrícola de Pernambuco (Cepa-PE), para
“identificar e definir os limites da terra indígena Xukuru”.
O trabalho realizado entre maio e junho do mesmo ano, sob a coordenação da
antropóloga Vânia Fialho, cadastrou 281 imóveis rurais dentro da área delimitada. Entre
os posseiros estavam o Prefeito de Pesqueira à época, João de Araújo Leite, secretários
municipais e parentes do então vice-presidente da República, Marco Maciel. O
levantamento identificou a área com 26.980 hectares, realizando com isso a primeira e
segunda etapas no processo de regularização do território, identificando e delimitando o
território, faltando, portanto, a demarcação, a homologação e a desintrusão (FIALHO,
1989).
A presença do GT teve consequências positivas e negativas dentro da área. Por
um lado, o início do processo de posse da terra teve um efeito fortalecedor dentro da
organização política do grupo, legitimando o trabalho que vinha sendo desenvolvido pelo
novo cacique. Por outro lado, a presença de profissionais enviados pela Funai, para
entrevistar não índios donos de terras, foi de fato a prova que faltava de que aquela área
poderia ser mesmo regularizada como de posse dos Xukuru.
Essa realidade aumentou a tensão entre índios e não índios que, em algumas
fazendas, passaram a rejeitar a mão de obra de quem se identificasse como índio. A
Rev. Direito e Práx., Rio de Janeiro, Vol. 13, N. 01, 2022, p.424-451.
Kelly Oliveira, Rita Neves e Vânia Fialho
DOI: 10.1590/2179-8966/2022/65124| ISSN: 2179-8966
431
realidade de pobreza que já existia entre o povo foi então agravada com a recusa do
trabalho e deflagrou o conflito explícito. Sem condições de trabalhar como empregados
nas terras, e diante de um quadro que se mostrava demorado na obtenção do território,
os Xukuru partiram para o processo de retomada de terras como forma de pressionar o
início da demarcação efetiva do território.
Esse fervilhar de dificuldades, a pressão pela falta de trabalho e o agravamento
na situação de falta de recursos se arrastou por mais de um ano após a vinda do GT para
confecção do relatório de identificação e delimitação. A saída resultou por meio de uma
ação extrema pela conquista de terras: a realização da primeira retomada, no sítio Pedra
D’água. A prática não era nova. De fato, a retomada de terras surgiu em oposição à
habilidade da Funai de responder às demandas indígenas apenas em situações de
emergência e conflito iminente, o que já vem sendo apontado por anos como problema
entre pesquisadores, indigenistas e entidades civis de apoio a grupos étnicos.
Em texto, os antropólogos Oliveira e Almeida (1998) fazem uma análise do
trabalho da Funai, enfatizando que a atenção dos funcionários do órgão é sempre voltada
para “a crise do momento”. Tentando, portanto, se tornar foco de uma ação do órgão
tutor, os Xukuru organizam a primeira retomada, que resultou também de uma demanda
por espaço para trabalho e prática de rituais.
O espaço territorial de Pedra D’água já havia sido cogitado por diversas vezes
para ser adquirida como área indígena. No ofício 21 de 1955 da IR4 à Diretoria do SPI1 já
havia sido solicitado o território de 800 hectares, que havia sido cedido pela Prefeitura
de Pesqueira à secção de Fomento Agrícola Federal. A solicitação não havia sido atendida
e, em 1989, parte dessas terras estavam arrendadas para cerca de 70 agricultores, por
conta de um convênio firmado entre o Ministério da Agricultura e a Cooperativa
Agropecuária de Pesqueira.
O arrendamento de 110 hectares, que iria durar mais 10 anos, se prestava a um
projeto agrícola de assentamento subsidiado pela Prefeitura de Pesqueira. Sabendo da
determinação legal de que a terra em litígio não poderia ser arrendada nem vendida, e
diante da constatação do desmatamento que estava sendo realizado pelos posseiros, os
Xukuru pediram providências à Funai para conseguir o território.
1 Sedoc/MI, filme 182, fot. 237. Ofício 21/IR 4 para SPI/RJ de 17 de fevereiro de 1955.
Rev. Direito e Práx., Rio de Janeiro, Vol. 13, N. 01, 2022, p.424-451.
Kelly Oliveira, Rita Neves e Vânia Fialho
DOI: 10.1590/2179-8966/2022/65124| ISSN: 2179-8966
432
Rev. Direito e Práx., Rio de Janeiro, Vol. 13, N. 01, 2022, p.424-451.
Kelly Oliveira, Rita Neves e Vânia Fialho
DOI: 10.1590/2179-8966/2022/65124| ISSN: 2179-8966
433
Rev. Direito e Práx., Rio de Janeiro, Vol. 13, N. 01, 2022, p.424-451.
Kelly Oliveira, Rita Neves e Vânia Fialho
DOI: 10.1590/2179-8966/2022/65124| ISSN: 2179-8966
434
entanto, das sucessivas idas e vindas entre pareceres controversos que se acumularam
ao longo dos anos. O que percebemos é que de fato o jogo burocrático é atingido pelas
retomadas, que apresentam uma crise além dos pareceres contraditórios, expondo um
povo que sempre buscou o reconhecimento e o respeito a direitos conquistados na
Constituição.
As primeiras etapas do processo de regularização da TI Xukuru se deram sob a
vigência do Decreto Nº 94945 de 23.09.87 e o levantamento fundiário, apresentado no
relatório do Grupo de Trabalho Nº 218/89, naquela ocasião, identificou 271 imóveis
incidentes na TI Xukuru. A análise dos imóveis revelou o caráter bem mais extensivo de
ocupação por não índios em grandes extensões de terras. As posses com até 20 ha, que
representam mais de 60% dos imóveis incidentes, apropriam-se de apenas 4,5% do
território Xukuru; enquanto pouco mais de 11% de grandes fazendeiros detêm 40% da
área, dentre os quais, percebe-se um número bastante reduzido (apenas 6 imóveis), com
extensões que variam entre 500 e 1.550 ha, ou seja, 2% do total, ocupando o equivalente
a 20% da T. I. Xukuru.
Rev. Direito e Práx., Rio de Janeiro, Vol. 13, N. 01, 2022, p.424-451.
Kelly Oliveira, Rita Neves e Vânia Fialho
DOI: 10.1590/2179-8966/2022/65124| ISSN: 2179-8966
435
Rev. Direito e Práx., Rio de Janeiro, Vol. 13, N. 01, 2022, p.424-451.
Kelly Oliveira, Rita Neves e Vânia Fialho
DOI: 10.1590/2179-8966/2022/65124| ISSN: 2179-8966
436
Rev. Direito e Práx., Rio de Janeiro, Vol. 13, N. 01, 2022, p.424-451.
Kelly Oliveira, Rita Neves e Vânia Fialho
DOI: 10.1590/2179-8966/2022/65124| ISSN: 2179-8966
437
Rev. Direito e Práx., Rio de Janeiro, Vol. 13, N. 01, 2022, p.424-451.
Kelly Oliveira, Rita Neves e Vânia Fialho
DOI: 10.1590/2179-8966/2022/65124| ISSN: 2179-8966
438
avaliou a “boa-fé” dos ocupantes, ou seja, 12 anos depois da identificação e nove anos
depois de publicada a portaria declaratória. Nesta situação, em que o GT realizava o
levantamento da primeira área emergencial, teve início uma discussão a respeito dos
critérios utilizados para a caracterização do que é tomado como de boa-fé ou não.
Todo o processo administrativo de identificação e demarcação da terra indígena
Xukuru ocorreu sem um planejamento, sem a observância de critérios objetivos. O
combustível do andamento do processo foi o conflito, em algumas oportunidades com
trágicos desfechos.
A estratégia do novo levantamento (atualização do valor das benfeitorias) e
simultânea indenização dos ocupantes não-índios configurou-se como uma medida
viável. Ao mesmo tempo em que importantes áreas vão sendo liberadas, a saída de alguns
ocupantes vem a abalar o lobby dos fazendeiros para contestar a regularização da TI.
No entanto, é importante reconhecer que tais medidas condizem com a ineficácia
e a morosidade do processo como um todo e enfatiza o caráter da prática indigenista
oficial o que demonstra um pragmatismo de emergência e de um catastrofismo de
absoluto tempo inadiável de suas ações, “propulsores do administrar por crises”
(OLIVEIRA, 1998: 70- 71) quando, muitas vezes, as sequelas dessa prática são irreparáveis.
Por fim, queremos salientar que apesar de todo “tecnicismo”, burocracia e
formalismo jurídico que circundam os processos de regularização fundiária de uma terra
indígena, eles são fundamentalmente processos políticos em que a injunção das
diferentes esferas de poder tem dado o tom das negociações. Ou seja, apesar das
transformações no quadro de ocupação da TI e das relações existentes serem aspectos
esperados, considerando a intensidade das dinâmicas sociais, quando são associadas à
morosidade do processo de regularização fundiária e à deflagração de conflitos de
diferentes naturezas, vêm, na verdade, enfatizar a indefinição da própria política
indigenista oficial.
Rev. Direito e Práx., Rio de Janeiro, Vol. 13, N. 01, 2022, p.424-451.
Kelly Oliveira, Rita Neves e Vânia Fialho
DOI: 10.1590/2179-8966/2022/65124| ISSN: 2179-8966
439
caracterizada pelo “administrar por crises”. A tensão que permeou todo o processo pode
ser melhor visualizada se o acompanhamos com os eventos dos assassinatos atrelados à
questão fundiária.
A tensão na região chegou a seu ápice quando em 20 de maio de 1998, Xicão,
eleito cacique Xukuru desde 1988 e um dos principais líderes indígenas do Nordeste, foi
assassinado quando chegava na residência de uma sua irmã, localizada no bairro
“Xukurus”, na cidade de Pesqueira. Ele foi alvejado por seis tiros à queima-roupa por um
indivíduo desconhecido que, segundo informações de moradores das imediações,
rondava o local há algumas horas.
Este foi o terceiro crime praticado no bojo do processo de regularização fundiária
da Terra Indígena Xukuru. No dia 3 de setembro de 1992, foi assassinado com 4 tiros numa
emboscada, o índio José Everaldo Rodrigues Bispo, filho do pajé xukuru Pedro Rodrigues
Bispo. Em 14 de maio de 1995, o procurador da FUNAI, Geraldo Rolim Mota Filho, já citado
anteriormente, foi também assassinado a tiros, na cidade de São Sebastião do Umbuzeiro,
Paraíba.
Representante da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) em Pesqueira, onde era
presidente do Partido Socialista Brasileiro (PSB) local, Rolim notabilizou-se pela assessoria
prestada em prol da regularização fundiária da Terra Indígena Xukuru. Ambos os
assassinatos, ainda que claramente remetidos à problemática fundiária, foram imputados
a disputas pessoais e averiguados no âmbito da Justiça Comum. No caso do procurador
da FUNAI, o seu assassino foi “absolvido” em julgamentos realizados em 1996 e 1997, na
Comarca de Monteiro/PB, sob alegação de que teria agido “em legítima defesa”.
Em agosto de 2001, dentro do território xukuru foi também assassinado a tiros
Chico Quelé, uma liderança tradicional do grupo que acompanhou todo o processo de
regularização de suas terras. Em 2003, o cacique Marcos Luidson sofreu uma emboscada
e dois jovens indígenas que o acompanhavam são assassinados dentro da Terra Indígena.
Mesmo diante do abalo sofrido principalmente com a morte de Xicão, os Xukuru
optaram por dar continuidade ao processo de ocupação de imóveis que consideravam de
extrema importância para efetivar a retomada de seu território.
Os cinco capítulos do livro Plantaram Xicão: os Xukuru do Ororubá e a
criminalização do direito ao território (FIALHO, NEVES E FIGUEIRÔA, 2011) constituem
Rev. Direito e Práx., Rio de Janeiro, Vol. 13, N. 01, 2022, p.424-451.
Kelly Oliveira, Rita Neves e Vânia Fialho
DOI: 10.1590/2179-8966/2022/65124| ISSN: 2179-8966
440
peças técnicas produzidas ao longo dos anos sobre os violentos eventos, não cabendo,
neste espaço, repetir todos os argumentos apresentados, mas sim ressaltar aspectos que
tornam mais evidente a responsabilidade do Estado brasileiro pelo nível de violência
presente no caso.
Utilizaremos duas noções que possibilitam a análise antropológica: criminalização
e violência institucionalizada. Por violência institucionalizada entendemos a violência do
Estado, a partir de Rauter (2001), em sua forma mais concreta - a violência da polícia e
dos diversos sistemas de encarceramento e tutela de que se tornam alvo alguns
segmentos da população.
É a violência exercida sobre o corpo e, portanto, sobre a mente, que é
também corpo. Com Espinosa, não pensamos a partir de uma separação
entre o corpo e a alma, a mente, a psique. Pensamos que tudo aquilo que
afeta o corpo, afeta a mente, e vice-versa. Algumas vezes esta violência é
exercida ao lado de outros objetivos que se consideram principais. Os
discursos oficiais mais recentes preconizam que se poderia e deveria
prescindir dela, que ela não é intencional - é fruto de um excesso, de um erro,
de imperícia, de ignorância. Outras vezes, em determinados momentos
históricos, o Estado assume mais claramente sua intenção de exterminar
parcelas da população - por exemplo, no nazismo ou nas ditaduras latino-
americanas. (RAUTER, 2001:1)
Rev. Direito e Práx., Rio de Janeiro, Vol. 13, N. 01, 2022, p.424-451.
Kelly Oliveira, Rita Neves e Vânia Fialho
DOI: 10.1590/2179-8966/2022/65124| ISSN: 2179-8966
441
Neste caso, um fator fundamental no início foi de que os policiais federais se deixaram
contaminar por um discurso preconceituoso de parte dos não-índios em Pesqueira,
especialmente em relação à percepção sobre a organização social xukuru. Se pautaram
ainda por denúncias de uma carta que circulou na cidade, de uma suposta Comissão de
Justiça e Paz da Diocese (que teve sua autoria negada pela própria Diocese) que acusava
os índios de diversos crimes, apesar de nunca ter apresentado nenhuma prova sobre os
mesmos. Importante observar que foram registradas inúmeras petições relatando a
possibilidade do crime estar motivado pela disputa pela posse da terra indígena, que
foram subestimadas, que podem ser vistas no Dossiê Cacique Chicão – violência e
assassinato (CIMI, 1998-1999) e no livro Plantaram Xicão: os Xukuru do Ororubá e a
criminalização do direito ao território (FIALHO, NEVES E FIGUEIRÔA, 2011).
O inquérito se arrastou por um ano sem diligência mais efetivas para apurar os
fatos, alicerçado somente em suspeitas sobre a autoria e motivação do crime voltadas
para um suposto conflito interno, crime passional ou crime político.
Com a ênfase nessas linhas investigativas, os primeiros depoimentos de
fazendeiros só ocorrem um ano depois do crime. No entanto, são feitas novas ameaças
aos indígenas, sem providências efetivas para salvaguarda dos ameaçados ou
identificação dos autores das ameaças e da causa das ameaças ou do assassinato de Xicão.
A investigação sobre a possibilidade de ter havido consórcio entre os fazendeiros para
cometimento do crime, denunciada desde o início do processo, tem demora injustificada:
o sigilo bancário de fazendeiros só é quebrado quase três anos após o crime e a oitiva dos
mesmos, citados mais diretamente como possíveis partes deste consórcio, só começa a
ocorrer quatro anos após o crime.
Rev. Direito e Práx., Rio de Janeiro, Vol. 13, N. 01, 2022, p.424-451.
Kelly Oliveira, Rita Neves e Vânia Fialho
DOI: 10.1590/2179-8966/2022/65124| ISSN: 2179-8966
442
Rev. Direito e Práx., Rio de Janeiro, Vol. 13, N. 01, 2022, p.424-451.
Kelly Oliveira, Rita Neves e Vânia Fialho
DOI: 10.1590/2179-8966/2022/65124| ISSN: 2179-8966
443
mais velho de Xicão. No caso da viúva a acusação pairava sobre a ideia de que a motivação
da morte de Xicão estava relacionada ao fato do mesmo manter uma amante na cidade.
As oitivas não consideravam de forma efetiva, portanto, as inúmeras denúncias feitas ao
Ministério Público Federal pelas lideranças xukurus, desde 1989, caracterizando ameaças
de morte por conta da regularização do território. Muitas dessas denúncias, inclusive,
citando o nome de Zé de Riva como uma ameaça iminente aos indígenas.
Posteriormente, as denúncias sobre a arbitrariedade do direcionamento das
investigações foram acatadas pela Comissão Nacional de Direitos da Pessoa Humana e
pela Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República. Estas entidades
entenderam a gravidade do caso e indicaram a designação de um delegado especial para
presidir as investigações. Mesmo assim ocorreu a insistência nas linhas de investigação
que comprometiam familiares de Xicão e lideranças dos Xukuru.
A demora em aceitar a hipótese de crime motivado pela disputa por direitos
territoriais indígenas provocou a destruição de provas (assassinato de José Libório
Galindo, vulgo Ricardo), o afirmado suicídio de Zé de Riva na carceragem da Polícia
Federal e a não investigação da hipótese de consórcio entre os fazendeiros para o
pagamento do homicídio de Xicão. O assassinato de Xicão e decorrente atuação do Estado
provocou temor entre os Xukuru e danos à família e ao povo como um todo.
É digno de nota que, com a morte do cacique Xicão, o povo indígena como um
todo teve que apressar o processo de formação de Marcos, filho de Xicão, ainda muito
jovem, para assumir o cacicado, expondo-o a novas ameaças, tendo se tornado cacique
aos 21 anos. Todas as lideranças se sentiram mais vulneráveis a ações violentas, sem
qualquer proteção do Estado. Os Xukuru permaneceram com a sensação de que a morte
do cacique Xicão ficou impune e todos os fatos não foram devidamente investigados.
Caso atentado contra o cacique Marcos e assassinato de dois jovens - Jozenilson José
dos Santos e José Ademílson Brabosa da Silva. (Processos Nº 2003.83.00.011297-6 e
2003.83.00.008677-1)
Rev. Direito e Práx., Rio de Janeiro, Vol. 13, N. 01, 2022, p.424-451.
Kelly Oliveira, Rita Neves e Vânia Fialho
DOI: 10.1590/2179-8966/2022/65124| ISSN: 2179-8966
444
Rev. Direito e Práx., Rio de Janeiro, Vol. 13, N. 01, 2022, p.424-451.
Kelly Oliveira, Rita Neves e Vânia Fialho
DOI: 10.1590/2179-8966/2022/65124| ISSN: 2179-8966
445
cacique Marcos no dia do crime e entregues para comprovar as lesões sofridas foram
desprezados na investigação policial, que tomou outros rumos.
Apesar do pedido de indiciamento de José Lourival Frazão, Lídio Vasco, José
Vicente de Carvalho e José Luiz Almeida de Carvalho, suspeitos de participar do duplo
homicídio dos indígenas que acompanhavam o cacique marcos no dia do crime, o
Ministério Público Federal só acata o primeiro como responsável pelos crimes, a despeito
dos depoimentos dos indígenas sobre o envolvimento dessas pessoas com os homicídios.
A Secretaria Especial de Direitos Humanos da Presidência da República, a pedido
das lideranças indígenas, designa um observador para acompanhar as investigações. É
nomeado o dr. Luciano Maia, procurador regional da República;
A designação do observador externo para acompanhar as investigações se deveu
a um pedido das lideranças indígenas, entendendo que o inquérito policial estava sendo
conduzido para criminalizar as lideranças indígenas. Porém, este não dispunha de poderes
para requerer diligências ou intervir na condução das investigações policiais e na atuação
dos procuradores da República.
O dr. Luciano Maia compôs, posteriormente, uma comissão especial designada
pelo Conselho de Defesa dos Direitos da Pessoa Humana (CDDPH) que produziu relatório
intitulado “Os Xukuru e a violência”, publicado como capítulo do livro “Plantaram Xicão”,
apontando diversas incorreções na condução dos processos criminais em que os Xukuru
figuraram como vítimas ou acusados. O mais surpreendente é que o relatório da Comissão
do CDDPH foi ignorado pelas autoridades policiais e pelos membros do Ministério Público
Federal em Pernambuco.
O mesmo destino teve mais dois relatórios que continham importantes
elementos antropológicos: (a) O relatório realizado pela Comissão Técnica instituído pela
FUNAI para “dimensionar o problema do número de desterrados” decorrentes do evento
de 07 de fevereiro. Esse documento, cuja autoria foi compartilhada por duas das
antropólogas que assinam este texto, esclarecia detalhes dos conflitos e sugeria
encaminhamentos para minimizar as tensões. (b) O relatório sobre o faccionalismo
Xukuru, elaborado em 2002 pela antropóloga Vânia Fialho e publicado como capítulo do
livro “Plantaram Xicão”.
Rev. Direito e Práx., Rio de Janeiro, Vol. 13, N. 01, 2022, p.424-451.
Kelly Oliveira, Rita Neves e Vânia Fialho
DOI: 10.1590/2179-8966/2022/65124| ISSN: 2179-8966
446
Considerações finais
Rev. Direito e Práx., Rio de Janeiro, Vol. 13, N. 01, 2022, p.424-451.
Kelly Oliveira, Rita Neves e Vânia Fialho
DOI: 10.1590/2179-8966/2022/65124| ISSN: 2179-8966
447
Rev. Direito e Práx., Rio de Janeiro, Vol. 13, N. 01, 2022, p.424-451.
Kelly Oliveira, Rita Neves e Vânia Fialho
DOI: 10.1590/2179-8966/2022/65124| ISSN: 2179-8966
448
Referências bibliográficas
BEZERRA, Marcos Otavio. BOURDIEU, Pierre. Sobre o Estado. São Paulo: Companhia das
Letras, 2014 (resenha). Revista de História (São Paulo), São Paulo, n. 173: 487-495, Dez. 2015.
BOURDIEU, Pierre. Sobre o Estado: Cursos no Collège de France (1989-92). Tradução Rosa
Freire d’Aguiar. 1ª ed. São Paulo: Companhia das Letras, 2014.
Rev. Direito e Práx., Rio de Janeiro, Vol. 13, N. 01, 2022, p.424-451.
Kelly Oliveira, Rita Neves e Vânia Fialho
DOI: 10.1590/2179-8966/2022/65124| ISSN: 2179-8966
449
BRASILEIRO, Sheila; FERREIRA, Ivson; FIALHO, Vânia. Relatório: Terra Indígena Xukuru–breve
histórico de um conflito permanente. Recife, 1998.
CCLF – Centro de Cultura Luiz Freire. Memórias do Povo Xukuru. Olinda: digitado, 1997.
CORDEIRO, Manuela S. S. O narrador e o etnógrafo: uma leitura de Argonautas do Pacífico
Ocidental, de Malinowski. Revista de Ciências Sociais, Fortaleza, v. 44, n. 2, jul/dez, 2013: 111-
126.
FIALHO, Vânia, NEVES, Rita de Cassia Maria, FIGUEIRÔA, Mariana (Org.). "Plantaram" Xicão:
Os Xukuru do Ororubá e a criminalização do direito ao território. Manaus: PNCSA-UEA/UEA
Edições, 2011.
MALINOWSKI, Bronislaw. Argonautas do Pacífico Ocidental. São Paulo: Editora Abril, 1984.
Rev. Direito e Práx., Rio de Janeiro, Vol. 13, N. 01, 2022, p.424-451.
Kelly Oliveira, Rita Neves e Vânia Fialho
DOI: 10.1590/2179-8966/2022/65124| ISSN: 2179-8966
450
MARTINS, José de Souza. Expropriação e Violência: a questão política no campo. 2. ed. São
Paulo: Hucitec, 1982. 181 p.
OLIVEIRA FILHO João Pacheco (org). Os Poderes e as Terras dos Índios. Rio de Janeiro,
PPGAS/MN/UFRJ, Comunicação14,1989.
RAUTER, Cristina, Notas sobre o tratamento das pessoas atingidas pela violência
institucionalizada. Psicologia em Estudo, Maringá, v. 6, n. 2: 3-10, jul./dez. 2001.
SANTILLI, Paulo José Brando Santilli. “Usos da Terra, fusos da lei: o caso Macuxi”. In: LIMA,
Roberto Kantde & NOVAES, Regina Reyes (orgs). Antropologia e Direitos Humanos. Editora
da UFF, Niterói/RJ, 2001.
SILVA, Edson. Notas para uma História Xukuru. Recife: digitado, 1998.
Rev. Direito e Práx., Rio de Janeiro, Vol. 13, N. 01, 2022, p.424-451.
Kelly Oliveira, Rita Neves e Vânia Fialho
DOI: 10.1590/2179-8966/2022/65124| ISSN: 2179-8966
451
ZAFFARONI, E. R. PIERANGELI, J. H.: parte geral. 5 ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2004.
Sobre as autoras
Kelly de Oliveira
Pesquisadora e professora dos cursos de graduação e pós-graduação em Antropologia
da UFPB – Universidade Federal da Paraíba, João Pessoa. Realiza pesquisa sobre o povo
Xukuru desde a década de 1990.
Rita Neves
Pesquisadora e professora dos cursos de graduação e pós-graduação em Antropologia
da UFRN – Universidade Federal do Rio Grande do Norte, Natal. Realiza pesquisa
sobre o povo Xukuru desde a década de 1990.
Vânia Fialho
Pesquisadora e professora dos cursos de graduação e pós-graduação em Antropologia
da UPE - Universidade de Pernambuco, Recife e UFPE – Universidade Federal de
Pernambuco, Recife. Realiza pesquisa sobre o povo Xukuru desde a década de 1990.
Rev. Direito e Práx., Rio de Janeiro, Vol. 13, N. 01, 2022, p.424-451.
Kelly Oliveira, Rita Neves e Vânia Fialho
DOI: 10.1590/2179-8966/2022/65124| ISSN: 2179-8966
395
Edson Silva¹
¹ Universidade Federal de Pernambuco, Recife, Pernambuco, Brasil. E-mail:
edson.edsilva14@yahoo.com.br. ORCID: https://orcid.org/0000-0002-6213-9927.
This work is licensed under a Creative Commons Attribution 4.0 International License
Rev. Direito e Práx., Rio de Janeiro, Vol. 13, N. 01, 2022, p.395-423
Edson Silva e Isabela Paes.
DOI: 10.1590/2179-8966/2022/65122 | ISSN: 2179-8966
396
Resumo
A história do povo indígena Xukuru do Ororubá, habitante nos municípios de Pesqueira
e Poção, no Semiárido pernambucano, é marcada por mobilizações pela afirmação,
exigências de reconhecimento e garantias de direitos desde o início da colonização
portuguesa na região. Nas reflexões apresentadas em diferentes situações e contextos
sociohistóricos, após meados do Século XIX quando o antigo Aldeamento de Cimbres foi
oficialmente declarado extinto ocorrendo a legitimação das invasões de fazendeiros e da
agroindústria no Século XX, buscou-se evidenciar as narrativas e registros das continuas
reivindicações dos indígenas, o que possibilita compreender os significados dessas
mobilizações e a importância para a afirmação da identidade indígena e o
reconhecimento do território onde habitam.
Palavras-chave: História Indígena, Identidade Indígena, Xukuru do Ororubá.
Abstract
The history of the Xukuru of Ororubá indigenous people, who inhabit the municipalities
of Pesqueira and Poção, in the semi-arid region of the state of Pernambuco (Brazilian
northeast), is marked by mobilizations for affirmation, demands for recognition and
guarantees of rights since the beginning of the Portuguese colonization in the region.
This article draws a series of reflections considering different situations and socio-
historical contexts, specially after the middle of the 19th century when the former
Cimbres Village was officially declared extinct and the invasions by farmers and agro-
industry in the 20th century were legitimized. We sought to highlight the narratives and
records of the continuous claims made by the indigenous people, which makes it
possible to understand the meanings of these mobilizations and their importance for the
affirmation of indigenous identity and the recognition of the territory where they live.
Keywords: Indigenous History, Indigenous Identify, Xukuru of Ororubá Indigenous
People.
Rev. Direito e Práx., Rio de Janeiro, Vol. 13, N. 01, 2022, p.395-423
Edson Silva e Isabela Paes.
DOI: 10.1590/2179-8966/2022/65122 | ISSN: 2179-8966
397
1O Semiárido brasileiro foi delimitado numa área de 969.589 km desde o Ceará em uma faixa que se
estende em Minas Gerais, seguindo o Rio São Francisco e a região seca média do rio Jequitinhonha (BRASIL,
2005). “O termo semiárido envolve uma referência climática, que marca uma característica do ecossistema
desta região, que é o índice de pluviosidade baixa, isto é, menor de 800mm ao ano. O período de chuva
também se restringe a três ou quatro meses durante o ano. Além disso, existe um índice de insolação
grande, tendo sol quase todos os dias do ano”. O Semiárido corresponde a 88,6% do território de
Pernambuco (TEIXEIRA, 2016, p.769).
Rev. Direito e Práx., Rio de Janeiro, Vol. 13, N. 01, 2022, p.395-423
Edson Silva e Isabela Paes.
DOI: 10.1590/2179-8966/2022/65122 | ISSN: 2179-8966
398
Rev. Direito e Práx., Rio de Janeiro, Vol. 13, N. 01, 2022, p.395-423
Edson Silva e Isabela Paes.
DOI: 10.1590/2179-8966/2022/65122 | ISSN: 2179-8966
399
brejos de São José e Ororubá, ambos situados na Serra do Ororubá, entre os municípios
de Pesqueira e Poção (SOBRINHO, 2005, p.163-164).
Figura 1
Rev. Direito e Práx., Rio de Janeiro, Vol. 13, N. 01, 2022, p.395-423
Edson Silva e Isabela Paes.
DOI: 10.1590/2179-8966/2022/65122 | ISSN: 2179-8966
400
Serra cultivam verduras orgânicas vendidas semanalmente nas feiras nas cidades de
Pesqueira e também Arcoverde.
Figura 2
Rev. Direito e Práx., Rio de Janeiro, Vol. 13, N. 01, 2022, p.395-423
Edson Silva e Isabela Paes.
DOI: 10.1590/2179-8966/2022/65122 | ISSN: 2179-8966
401
2MariaAlves Feitosa de Araújo, “Dona Lica”, 52 anos. Aldeia Cana Brava. Terra Indígena Xukuru do Ororubá,
Pesqueira/PE, em 15/12/2005.
Rev. Direito e Práx., Rio de Janeiro, Vol. 13, N. 01, 2022, p.395-423
Edson Silva e Isabela Paes.
DOI: 10.1590/2179-8966/2022/65122 | ISSN: 2179-8966
402
Rev. Direito e Práx., Rio de Janeiro, Vol. 13, N. 01, 2022, p.395-423
Edson Silva e Isabela Paes.
DOI: 10.1590/2179-8966/2022/65122 | ISSN: 2179-8966
403
3Aviso
do Ministério da Agricultura, em 05/10/1863, ao Presidente da Província. Arquivo Público Estadual de
Pernambuco/APE, Códice MA-3, folha 120
Rev. Direito e Práx., Rio de Janeiro, Vol. 13, N. 01, 2022, p.395-423
Edson Silva e Isabela Paes.
DOI: 10.1590/2179-8966/2022/65122 | ISSN: 2179-8966
404
contingente de mão-de-obra que se dispersou por regiões vizinhas. Ora trabalhando nas
fazendas em suas próprias terras invadidas, como moradores ou agregados, ora
vagando pelas estradas, sem-terras e sem-teto, ocuparam as periferias dos centros
urbanos próximos, em cidades como Garanhuns, Pesqueira, Lagoa dos Gatos, Correntes.
Como a Serra do Ororubá está localizada na fronteira pernambucana com o
Sertão paraibano, muitos indígenas também migraram para o Sertão daquele estado,
onde foram trabalhar nas lavouras de algodão. Outras famílias indígenas fugindo de
perseguições, da fome e da seca, foram trabalhar na cana-de-açúcar na Zona da Mata
Sul de Pernambuco e Norte de Alagoas, se estabelecendo nas cidades próximas a
lavoura canavieira (SILVA, 2017).
Um estudo baseado em entrevistas (SILVA, 2009) evidenciou as origens
indígenas de vários indivíduos, a maioria moradores no Município de São Benedito do
Sul. Seus antepassados vieram de antigos aldeamentos nas regiões próximas e também
do Agreste/Semiárido pernambucano. Severina Raimundo da Conceição, com 70 anos,
relatou que os pais eram de Pesqueira. Nascida em Agrestina/PE, com oito anos de
idade migrou com os pais para São Benedito do Sul. Trabalhavam durante a colheita da
cana-de-açúcar e na entressafra voltavam para Agrestina ou Pesqueira. A entrevistada
afirmou: “Todo mundo da minha casa trabalhou suado para a Usina Água Branca e a
Usina Frei Caneca. Demos duro até pelo fato de morar ‘debaixo da asa’ do usineiro,
nunca tivemos casa. Aqui fomos escravos e humilhados”. Um filho e sobrinhos
continuavam trabalhando na lavoura canavieira na região. E parentes no mangue em
João Pessoa/PB pegando caranguejo.
Outro momento significativo para a história Xukuru do Ororubá foi a
participação na Guerra do Paraguai (1865-1870). Na documentação da Diretoria dos
Índios em Pernambuco encontramos diversos ofícios que se referem ao processo de
recrutamento de índios para aquele conflito no Cone Sul. Nos registros são evidentes a
truculência empregada pelos diretores das aldeias no alistamento forçados dos índios
como Voluntários da Pátria. As justificativas foram sempre a manutenções da ordem e
da paz nas aldeias.
Um ofício datado de 1865 foi acompanhado por uma relação com os nomes de
82 índios “Voluntários da Pátria” da Aldeia de Cimbres. Informando ainda o documento
Rev. Direito e Práx., Rio de Janeiro, Vol. 13, N. 01, 2022, p.395-423
Edson Silva e Isabela Paes.
DOI: 10.1590/2179-8966/2022/65122 | ISSN: 2179-8966
405
4Quadro com relação dos índios do Urubá/Voluntários da Pátria, em 02/04/1865. APE, Cód. DII-19, fl. 83.
5Ofíciodo Diretor Geral dos Índios, em 21/01/1866. APE, Cód. DII-19, fl. 96.
6Pedro Rodrigues Bispo, 72 anos, conhecido por “Seu Zequinha”, Pajé Xukuru do Ororubá. Pesqueira, em
29/03/2002.
7João Jorge de Melo, 65 anos. Aldeia Sucupira. Terra indígena Xukuru do Ororubá, Pesqueira, em 30/032002
8Malaquias Figueira Ramos, 62 anos. Aldeia Caípe. Terra indígena Xukuru do Ororubá, em 12/11/1996.
Rev. Direito e Práx., Rio de Janeiro, Vol. 13, N. 01, 2022, p.395-423
Edson Silva e Isabela Paes.
DOI: 10.1590/2179-8966/2022/65122 | ISSN: 2179-8966
406
Olhe a dádiva que da Guerra foi oferecido, dinheiro e ouro. Só que, para os
índios, dinheiro e ouro não eram interessantes, interessante era a terra. Aí
eles disseram que ao invés de ouro eles queriam uma coisa que nunca se
acabasse, que era a terra que estava na mão de algumas pessoas que não
deixavam eles trabalhar. Então, eles queriam a terra para eles viverem, os
filhos deles viverem e os filhos dos filhos deles. Isso aí foi o pagamento que
eles receberam, que eles pediram.10
Rev. Direito e Práx., Rio de Janeiro, Vol. 13, N. 01, 2022, p.395-423
Edson Silva e Isabela Paes.
DOI: 10.1590/2179-8966/2022/65122 | ISSN: 2179-8966
407
Rev. Direito e Práx., Rio de Janeiro, Vol. 13, N. 01, 2022, p.395-423
Edson Silva e Isabela Paes.
DOI: 10.1590/2179-8966/2022/65122 | ISSN: 2179-8966
408
12A entrevista com “Seu” Gercino, na época com 80 anos, foi realizada em 11/08/2004, na Aldeia Pedra
d’Água. Terra Indígena Xukuru do Ororubá, Pesqueira/PE (SILVA, 2008).
Rev. Direito e Práx., Rio de Janeiro, Vol. 13, N. 01, 2022, p.395-423
Edson Silva e Isabela Paes.
DOI: 10.1590/2179-8966/2022/65122 | ISSN: 2179-8966
409
pessoas adultas, a maioria com idade avançada, que, assim como as crianças, trazem
sobrenomes de conhecidas famílias indígenas habitantes nessas localidades, a exemplo
de Bispo, Romão e Nascimento, em Cana Brava; Simplício, em São José.
Jornais registraram o aumento de pedintes na cidade de Pesqueira. E
possivelmente muitos eram indígenas. Fome e mendicância para muitos, fartura e
alegria para uns poucos. Situação evidenciada no trecho de uma reportagem: “Os
campos tomateiros da firma Carlos de Brito S.A. cobrem uma área de quase cinco mil
hectares, devendo registrar este ano uma produção ‘record’ de sessenta milhões de
quilos do precioso fruto”.13 O noticiário prosseguiu exaltando as qualidades do
“Comendador” Manoel de Brito, o proprietário da “notável organização Peixe”, que,
com um trabalho intensivo, a cada ano ampliava o parque industrial, expressando o
dinamismo da família Brito e equipe, comprometidos com o progresso e o
engrandecimento daquela “poderosa” empresa.
A inauguração da estação ferroviária de Pesqueira em 1906, além de favorecer o
transporte seguro de passageiros até Recife e cidades no trajeto, possibilitou o
escoamento de produtos daquela região e o trânsito comercial com a Capital. A
indústria de doces iniciada timidamente também no início daquela década, teve um
grande impulso inclusive para compras de máquinas que ampliaram o parque fabril e a
capacidade produtiva. Mas, com um custo socioambiental considerável impactando os
Xukuru do Ororubá e o Ambiente na região.
O desmatamento e o uso indiscriminado dos mananciais de água agravaram a
situação em períodos de seca. Na Serra do Ororubá e áreas vizinhas, o gado dividia o
espaço com lavouras e plantações de tomate. Os roçados de umas poucas famílias
indígenas, os sítios, eram pequenas glebas de terras espremidas entre as áreas de
criação das fazendas. As matas úmidas características da Serra foram derrubadas.
Restavam insignificantes “retalhos de matas testemunhos”, pois a cobertura vegetal de
outrora continuavam a ser substituída por cafezais, goiabeiras, bananeiras e outras
frutas (SETTE, 1956).
As matas eram derrubadas também para abastecer de lenha as locomotivas do
trem que trafegava de Pesqueira ao Recife, e mais “as fornalhas das fábricas de doces,
os fornos de padaria e fogões domésticos” (SETTE, 1956, p.12). Ocorria, portanto, a
Rev. Direito e Práx., Rio de Janeiro, Vol. 13, N. 01, 2022, p.395-423
Edson Silva e Isabela Paes.
DOI: 10.1590/2179-8966/2022/65122 | ISSN: 2179-8966
410
Rev. Direito e Práx., Rio de Janeiro, Vol. 13, N. 01, 2022, p.395-423
Edson Silva e Isabela Paes.
DOI: 10.1590/2179-8966/2022/65122 | ISSN: 2179-8966
411
Figura 3
Pesqueira em 1955
biblioteca.ibge.gov.br
Rev. Direito e Práx., Rio de Janeiro, Vol. 13, N. 01, 2022, p.395-423
Edson Silva e Isabela Paes.
DOI: 10.1590/2179-8966/2022/65122 | ISSN: 2179-8966
412
descarga dos muitos caminhões com tomate, sem vínculo empregatício, alimentados
apenas com café e pão:
Era muita gente que trabalhava na fábrica Peixe, mas era índio, tudo índio
daqui da Serra. Era de vinte, trinta, vinte. Era de vinte, de quinze pra lá que
ia. Toda viagem que ia pra fábrica Peixe toda noite. Mas eles iam fazer sabe
o que? Iam trabalhar a noite. Num era trabalhador fichado não. Iam
carregar coisas nas costas, tomate. Descarregar caminhão todo, que era a
fábrica Peixe lutava com cento e tanto caminhão, viu! Carregando tomate.
Era aquela fila de caminhão como daqui lá na Igreja. Pegava do Prado
(bairro) a fábrica Peixe. Pegava lá debaixo da Igreja prá cima um pouco. Da
Igreja da Catedral. Ali tudo era cheio de carro, caminhão pra descarregar.
Cada um junto assim. Ia trabalhar, chegavam todo melado. Trabalhava a
noite. Só que eles davam café, né, davam pão da noite. Mas toda noite que
viesse, marcavam tudo nisso.14
14CíceroPereira de Araújo, “Seu” Ciço Pereira, 81 anos. Bairro “Xucurus”, Pesqueira/PE, em 05/01/2002.
15Manoel Balbino Silva, “Mané Preto”, 73 anos. Aldeia Cana Brava. Terra Indígena Xukuru do Ororubá,
Pesqueira/PE, em 17/11/2005
Rev. Direito e Práx., Rio de Janeiro, Vol. 13, N. 01, 2022, p.395-423
Edson Silva e Isabela Paes.
DOI: 10.1590/2179-8966/2022/65122 | ISSN: 2179-8966
413
“Isso aqui é nosso! Isso é da gente!" Mobilizações Xukuru do Ororubá por direitos
Rev. Direito e Práx., Rio de Janeiro, Vol. 13, N. 01, 2022, p.395-423
Edson Silva e Isabela Paes.
DOI: 10.1590/2179-8966/2022/65122 | ISSN: 2179-8966
414
sobre a grande extensão de terras da Família Brito com plantios de tomate: “Tinham
terra que nem o diabo! Aqui logo, começava logo aqui do [Bar do] ‘Papa’ (ponto
comercial situado na entrada da atual terra indígena demarcada), vai a Lagoa e tudo ali
em Santana. Por ali a fora tudo era deles, né? Sítio do Meio, eles tinham o que? Umas
quinhentas quadras! Dava uns quinhentos quadra (SIC) lá em Sitio do Meio. Esse Sítio do
Meio foi grilado. Foi tomado”.17
Alguns poucos indígenas herdaram dos seus antepassados pequenos pedaços de
terras, insuficientes para o plantio da agricultura de consumo. E as pressões dos
fazendeiros eram grandes, como relatou um entrevistado:
A terra que a gente tinha aqui era dez conta de terra. Era quinze braças por
oitenta de altura. Quer dizer que nos papéis da escritura tinha dez conta de
terra. A gente não tinha espaço pra nada, porque de um lado o fazendeiro,
do outro o fazendeiro. A gente tava como um pão que a gente pega ele e
abre no meio e coloca um pedaço de doce e faz sanduíche, a gente tava ali
naquela tirinha imprensado e ele imprensando mais pra gente correr,
conseguir correr dali e ele tomar conta.18
17Pedro Rodrigues Bispo, “Seu Zequinha”, Pajé Xukuru, 74 anos. Bairro Portal, Pesqueira/PE em 29/03/2002
18JoséAntonio Luiz da Paz, “Seu Dedé”, 48 anos. Aldeia Santana. Terra do Xukuru do Ororubá, Pesqueira/PE
em 08/04/2004.
19Juvêncio Balbino da Silva, 76 anos. Aldeia Cana Brava. Terra Indígena Xukuru do Ororubá, Pesqueira/PE em
15/12/2005.
Rev. Direito e Práx., Rio de Janeiro, Vol. 13, N. 01, 2022, p.395-423
Edson Silva e Isabela Paes.
DOI: 10.1590/2179-8966/2022/65122 | ISSN: 2179-8966
415
Rev. Direito e Práx., Rio de Janeiro, Vol. 13, N. 01, 2022, p.395-423
Edson Silva e Isabela Paes.
DOI: 10.1590/2179-8966/2022/65122 | ISSN: 2179-8966
416
A ocupação em Pedra D’Água foi uma ação da Liga Camponesa com a efetiva
participação indígena em uma área de terras do antigo aldeamento de Cimbres, naquele
momento em domínio da União, como expressou o entrevistado: “Foi essa Liga
Camponesa. Foi começo da invasão, que invadiram lá a Pedra D’Água. Foi com a Liga
Camponesa, isso mesmo. Diziam que 'esse terreno daqui não é de governo mais não.
Isso aqui é nosso! Isso é da gente!'”. O entrevistado citou ainda o motivo da ocupação:
“Eles invadiram para trabalhar lá1” (SILVA, 2016).
Com o Golpe Militar de 1964, a repressão foi grande. Ocorreram prisões e a
expulsão dos ocupantes, como afirmou o mesmo entrevistado: “Saíram correndo. Foi
um pau, que não foi moleza! Dessa vez que eles vieram foi o Exército! Prendeu muita
gente. Sofreu lá comunistas e homem que não era comunista”
20José Alexandre dos Santos, “Zé de Alexandre”, 76 anos. Bairro Serrinha. Pesqueira/PE, em 14/12/2005.
Rev. Direito e Práx., Rio de Janeiro, Vol. 13, N. 01, 2022, p.395-423
Edson Silva e Isabela Paes.
DOI: 10.1590/2179-8966/2022/65122 | ISSN: 2179-8966
417
Rev. Direito e Práx., Rio de Janeiro, Vol. 13, N. 01, 2022, p.395-423
Edson Silva e Isabela Paes.
DOI: 10.1590/2179-8966/2022/65122 | ISSN: 2179-8966
418
Considerações finais
Rev. Direito e Práx., Rio de Janeiro, Vol. 13, N. 01, 2022, p.395-423
Edson Silva e Isabela Paes.
DOI: 10.1590/2179-8966/2022/65122 | ISSN: 2179-8966
419
umidade e fontes de água por mais tempo, mesmo em longos períodos de estiagens,
vêm realizando o plantio orgânico de frutas, legumes e verduras, postos à venda
semanalmente e disputados pelos consumidores não indígenas nas feiras livres das
cidades de Pesqueira e Arcoverde.
Anualmente os Xukuru do Ororubá realizam uma assembleia para discutir temas
relacionados a situação sociopolítica e planejar ações a serem implementadas até o ano
seguinte. Após a assembleia, no dia 20 de maio à tarde, fazem uma caminhada do
território indígena na Serra do Ororubá até o Bairro “Xucurus” na área urbana de
Pesqueira, para um ato público em memória do Cacique “Xicão”. No evento líderes
indígenas também de outros povos, aliados e parceiros das mobilizações dos índios
discursam rememorando a importância da atuação do Cacique “Xicão”, reafirmando a
solidariedade e o apoio irrestrito as reivindicações dos Xukuru do Ororubá.
A 19ª Assembleia Xukuru do Ororubá foi realizada nos dias 17 a 19 de maio de
2019 no Espaço Mandarú (nome do Encantado “Xicão”), na Aldeia Pedra d’Água, na
Serra do Ororubá, reunindo cerca de 2.300 participantes entre indígenas das diversas
aldeias e organizações Xukuru do Ororubá, indígenas habitando a área urbana de
Pesqueira, “parentes” dos povos indígenas em Pernambuco e em outras regiões do país
como os Kapinawá, Kambiwá, Pankararu, Entre-Serras Pankararu, Truká, Fulni-ô, Atikum,
Pankará, Potiguara (PB), Kariri-Xokó (AL), Wassú Cocal (AL), Karapotó-Terra Nova (AL),
Tuxá (BA), Tabajara (PB), Pitaguary (CE), Guajajara (MA), Baré (AM), Xakriabá (MG),
Munduruku (MT), Terena (MS).
Além de pesquisadores, professores e estudantes universitários, representantes
do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Pesqueira, de ONGs e diversas organizações
da sociedade civil, de partidos políticos que apoiam os indígenas, membros de vários de
órgãos públicos municipal, estadual e federal que discutiram a Reforma Trabalhista, a
proposta de Reforma da Previdência Social, o desmonte da política indigenista nas áreas
da Saúde, Educação e a demarcação das terras indígenas no Governo Bolsonaro, a
análise de conjuntura das mobilizações dos povos indígenas no enfrentamento a estas
questões e os crimes ambientais nas terras indígenas em todo o país, especificamente
os ocorridos nos municípios de Mariana e Brumadinho, no estado de Minas Gerais.
Na Carta Final da 19ª Assembleia Xukuru do Ororubá, os indígenas concluíram
afirmando que: “Finalizamos mais uma assembleia com a convicção de que a vida é
meio ambiente, é social, é saúde, é educação, é direito, é diversidade. A vida é
Rev. Direito e Práx., Rio de Janeiro, Vol. 13, N. 01, 2022, p.395-423
Edson Silva e Isabela Paes.
DOI: 10.1590/2179-8966/2022/65122 | ISSN: 2179-8966
420
Referências bibliográficas
ALMEIDA, Eliene A. de. (Org.). Xucuru, filhos da mãe Natureza: uma história de
resistência e luta. 2. ed. Olinda: CCLF/Pesqueira Prefeitura Municipal, 2002.
ANDRADE, Manuel Correia de. A terra e o homem no Nordeste. 6ª ed. Recife, Edufpe,
1998.
CUNHA, Manuela Carneiro da. (Org.). História dos índios no Brasil. São Paulo, Cia. das
Letras, 1992.
LIRA, Denise Batista de. Os Xukuru e o Ipojuca: ambiente, memórias e História. Recife,
UFPE, 2013 (Dissertação Mestrado em História).
Rev. Direito e Práx., Rio de Janeiro, Vol. 13, N. 01, 2022, p.395-423
Edson Silva e Isabela Paes.
DOI: 10.1590/2179-8966/2022/65122 | ISSN: 2179-8966
421
OLIVEIRA, João Pacheco de. Uma etnologia dos “índios misturados”: situação colonial,
territorialização e fluxos culturais. In: OLIVEIRA, J. P. de. (Org.) A viagem de volta:
etnicidade, política e reelaboração cultural no Nordeste indígena. Rio de Janeiro, Contra
Capa, 2004, p. 13-38.
OLIVEIRA, Kelly Emanuelly de. Diga ao povo que avance! Movimento indígena no
Nordeste. Recife: Fundaj, 2013.
PÔRTO, Kátia C.; CABRAL, Jaime J. P; TABARELLI, Marcelo. (Orgs.) Brejos de Altitudes em
Pernambuco e na Paraíba: História Natural, Ecologia e conservação. Brasília, MMA,
2004.
PROENÇA, André Luiz. Onde viviam aqueles que aqui passaram? Proposta
interpretativa para as ocupações pré-coloniais no Agreste Pernambucano. Recife, UFPE,
2008 (Dissertação Mestrado em Arqueologia).
Rev. Direito e Práx., Rio de Janeiro, Vol. 13, N. 01, 2022, p.395-423
Edson Silva e Isabela Paes.
DOI: 10.1590/2179-8966/2022/65122 | ISSN: 2179-8966
422
SILVA, Edson; OLIVEIRA, Edivania G. S.; SANTOS JUNIOR, Carlos F. Os povos indígenas no
“Sertão verde”: mobilizações, conflitos e afirmações identitárias no Semiárido
pernambucano. In: O encolhimento das águas: o que se vê e o que se diz sobre crise
hídrica e convivência no Semiárido. Campina Grande/PB: INSA, 2018, p. 129-149.
SILVA, Edson. Xukuru: memórias e história dos índios da Serra do Ororubá (Pesqueira/
PE), 1950-1988. 2ª. ed. Recife, EDUFPE, 2017.
SILVA, Edson. Os índios Xukuru e as Ligas Camponesas (Pesqueira-PE, 1961). In: Revista
Crítica Histórica ano I, nº 2, dezembro/2010, p. 101-114.
SILVA, Edson. Os povos indígenas e o Agreste: os Xukuru do Ororubá. In, GUILLEN, Isabel
C. M.; GRILLO, M. Angela de F. (Orgs). Cultura, cidadania e violência: VII Encontro
Estadual de História da ANPUH Pernambuco. Recife, Editora Universitária da UFPE,
2009a, p.115-137.
SILVA, Edson. História, memórias e identidade entre os Xukuru do Ororubá. In: Tellus.
Campo Grande, UCDB, v. 7, p. 89-103, 2007.
Rev. Direito e Práx., Rio de Janeiro, Vol. 13, N. 01, 2022, p.395-423
Edson Silva e Isabela Paes.
DOI: 10.1590/2179-8966/2022/65122 | ISSN: 2179-8966
423
WILSON, Luís. Ararobá lendária e eterna: notas para a história de Pesqueira. Pesqueira:
Prefeitura Municipal de Pesqueira, 1980.
Sobre os autores
Edson Silva
É Professor Titular de História da UFPE. Doutor em História Social pela UNICAMP.
Leciona no Centro de Educação/Col. de Aplicação-UFPE. Professor no Mestrado
Profissional em Ensino de História-PROFHISTORIA/UFPE e no Programa de Pós-
Graduação em História na UFRPE. E-mail: edson.edsilva14@yahoo.com.br. ORCID:
https://orcid.org/0000-0002-6213-9927.
Isabela Paes
É bacharel em Direito pela UFPE e colaboradora do projeto Acesso ao Sistema
Interamericano de Direitos Humanos (aSIDH - UFPE). E-mail: isabela.paes@ufpe.br
ORCID: https://orcid.org/0000-0003-2262-4108.
Rev. Direito e Práx., Rio de Janeiro, Vol. 13, N. 01, 2022, p.395-423
Edson Silva e Isabela Paes.
DOI: 10.1590/2179-8966/2022/65122 | ISSN: 2179-8966
1
This work is licensed under a Creative Commons Attribution 4.0 International License.
Resumo
Este artigo tem em seu escopo três principais objetivos: apresentar os mecanismos da
justiça de transição, reconstruir a história do regime, da legalidade de exceção e dos
expedientes de violência utilizados ao longo da última ditadura (1964-1985) vivida pelo
país e refletir criticamente o espúrio processo de transição pelo qual o Brasil passou, fato
que acarretou diversas consequências negativas, as quais serão devidamente assinaladas
e criticadas ao longo deste ensaio. Para realizar estes objetivos, o artigo foi dividido em
quatro diferentes partes: primeiro, apresenta as principais características da justiça
transicional; em segundo lugar, promove a reconstrução e exposição de três fases críticas
da justiça transicional, tendo por base a genealogia delineada por Ruti Teitel; em um
terceiro movimento, utilizando-se do fio deixado por Teitel, especialmente no que tange
à difícil relação existente entre verdade, memória e justiça, é feita uma reconstituição do
último período ditatorial vivido no Brasil, no desiderato de demonstrar como houve no
país o perfeito cumprimento da profecia da violência sem trauma aparente, ou seja, a
ocorrência de uma transição negociada, que teve por objetivo promover o esquecimento
dos crimes, violência e opressão do regime ilegal; para, por fim, promover também uma
crítica da legalidade de exceção utilizada pela ditadura civil-militar brasileira para
implementar e justificar sua extrema violência e eliminação da dissidência,
demonstrando, além disso, como a adoção de mecanismos de justiça transicional
poderiam ter colaborado positivamente para o processo de transição brasileiro e na
eliminação dos restos da ditadura, os quais continuam produzindo efeitos altamente
deletérios no tecido social brasileiro.
Palavras-chave: Direito; Justiça de transição; Direito à memória e à verdade; Ditadura
civil-militar; Exceção brasileira.
Abstract
This article has in its scope three main objectives: to present the mechanisms of
transitional justice, to reconstruct the history of the regime, the legality of exception and
the expedients of violence used during the last dictatorship (1964-1985) lived by the
country and to critically reflect the spurious transitional process that Brazil underwent, a
fact that had several negative consequences, which will be duly highlighted and criticized
throughout this essay. To accomplish these goals, the paper was divided into four
different parts: first, it presents the main characteristics of transitional justice; secondly,
it promotes the reconstruction and exposition of three critical phases of transitional
justice, based on the genealogy outlined by Ruti Teitel; in a third movement, using the
thread left by Teitel, especially regarding the difficult relationship between truth, memory
and justice, a reconstruction of the last dictatorial period lived in Brazil is made, in order
to demonstrate how there was in the country the perfect fulfillment of the prophecy of
violence without apparent trauma, that is, the occurrence of a negotiated transition,
which aimed to promote the forgetting of crimes, violence and oppression of the illegal
regime; lastly, it is also promoted a critique of the legality of exception used by the
Brazilian civil-military dictatorship to implement and justify its extreme violence and
elimination of dissent, further demonstrating how the adoption of transitional justice
mechanisms could have contributed positively to the Brazilian transitional process and on
the elimination of whats remains of the dictatorship, which continues to produce highly
deleterious effects on the Brazilian social fabric.
Keywords: Law; Transitional justice; Right to memory and truth; Civil-military
dictatorship; Brazilian exception.
Introdução
Este artigo tem em seu escopo três principais objetivos: apresentar os mecanismos da
justiça de transição, reconstruir a história do regime, da legalidade de exceção e dos
expedientes de violência utilizados ao longo da última ditadura (1964-1985) vivida pelo
país e refletir criticamente o espúrio processo de transição pelo qual passamos, quase que
inteiramente elidido de mecanismos de justiça transicional, fato que acarretou diversas
consequências negativas, as quais serão devidamente assinaladas e criticadas ao longo
deste ensaio.
Para realizar estes objetivos, o artigo foi dividido em quatro diferentes partes:
primeiramente, busca descrever e demonstrar do que se trata, em que consiste e quais
são as principais características, mecanismos e estratégias do que se convencionou
chamar de justiça de transição; em segundo lugar, promove a reconstrução e exposição
de três fases críticas da justiça transicional, tendo por base a genealogia delineada por
Ruti Teitel; em um terceiro movimento, utilizando-se do fio deixado por Teitel,
especialmente no que tange à difícil relação existente entre verdade, memória e justiça,
é feita uma reconstituição do último período ditatorial vivido no Brasil, no desiderato de
demonstrar como houve no país o perfeito cumprimento da profecia da violência sem
trauma aparente, ou seja, a ocorrência de uma transição negociada, que teve por objetivo
promover o esquecimento dos crimes, violência e opressão do regime ilegal; por fim, é
promovida também uma crítica da legalidade de exceção utilizada pela ditadura civil-
militar brasileira para implementar e justificar sua extrema violência e eliminação da
dissidência, demonstrando, além disso, como a adoção de mecanismos de justiça
transicional poderiam ter colaborado positivamente para o processo de transição
brasileiro.
No Brasil, a Lei de Anistia foi o mecanismo utilizado para concretizar e assegurar
a prevalência do esquecimento dos crimes sistematicamente cometidos por um Estado
ilegal contra sua própria população, por meio do qual se impossibilitou continuamente,
inclusive nos dias atuais, o enfrentamento dos restos da ditadura, os quais insistem em
Seguindo a indagação de Glenda Mezarobba (2012, p. 245), “De que se fala, quando se
diz justiça de transição?”, algumas primeiras impressões e possibilidades de resposta
automaticamente irrompem: para a autora, fala-se da África do Sul, Nigéria, Timor Leste,
Afeganistão, de vários países do Leste Europeu, da Argentina, do Brasil, do Chile, Iraque,
Israel e Palestina; fala-se das atrocidades do apartheid, de guerras civis, governos e
ocupações militares, de diversos conflitos internos, da reconfiguração que se seguiu à
queda do Muro de Berlim e a derrocada do comunismo, do fim de governos autoritários
e de golpes de Estado; mas fala-se, sobretudo, de um enorme legado de abusos em massa,
de violações a inúmeros direitos e da necessidade de justiça que emerge em períodos de
passagem de retorno à democracia ou ao término de conflitos.
A chamada justiça de transição, ou justiça transicional, pode ser definida, de
acordo com Ruti Teitel (2011, p. 135), “como a concepção de justiça associada com
períodos de mudança política, caracterizados por respostas no âmbito jurídico, que têm
o objetivo de enfrentar os crimes cometidos por regimes opressores do passado”.
1Para uma história completa da origem, usos e implicações da justiça de transição, consultar o artigo How
“Transitions” Reshaped Human Rights: A Conceptual History of Transitional Justice, de Paige Arthur (2009),
publicado na Human Rights Quarterly, vol. 31, n. 2.
2 Quanto a isto, as observações de Ruti Teitel (2002, p. 20): “In the contemporary moment, international law
is frequently invoked as a way to bridge shifting understandings of legality”; e, também, o seguinte: “Whereas
international law preserves that ordinary understanding of the rule of law as settled law, it also enables
transformation. In so doing, it mediates the transition. International law principles serve to reconcile the
threshold dilemma of law in periods of political transformation” (TEITEL, 2002, p. 21).
3 Isso não significa, contudo, que importantes críticas não possam ser feitas sobre a natureza e os limites da
justiça transicional. Não é este o foco desta pesquisa. Porém, para uma análise prenhe e rigorosa sobre estas
questões, verificar Gómez (2012, ps. 277-284).
4 Não será empreendido aqui um julgamento sobre a adequabilidade da apropriação feita pela autora a
respeito da genealogia foucaultiana. Nos interessa, nesse momento, apenas seguir a sua proposição, a qual
Teitel denomina genealógica, pois ajuda sobremaneira no entendimento das principais características e
momentos da justiça transicional. De qualquer forma, a autora faz referência direta, sobre a matriz intelectual
da sua genealogia, ao texto “Nietzsche, a genealogia e a história”, de Foucault, que pode ser encontrado entre
nós na coletânea Microfísica do Poder (2016). Sobre a noção de genealogia em Foucault, para Edgardo Castro
(2009, p.185), “[...] a passagem da arqueologia à genealogia é uma ampliação do campo de investigação para
incluir de maneira mais precisa o estudo das práticas não discursivas e, sobretudo, a relação não
discursividade/discursividade. Em outras palavras, para analisar o saber em termos de estratégia e táticas de
poder. Nesse sentido, trata-se de situar o saber no âmbito das lutas. Uma apreciação correta do trabalho
genealógico de Foucault requer seguir detalhadamente sua concepção das relações de poder. As lutas não
são concebidas, finalmente, como uma oposição termo a termo que as bloqueia, como um antagonismo
essencial, mas como um agonismo, uma relação, ao mesmo tempo, de incitação recíproca e reversível. Nessa
perspectiva, se poderia falar de uma genealogia dos saberes no âmbito do que Foucault chama
governamentalidade”.
5 É interessante notar, contudo, que esta proposição de Teitel não é unânime. Paige Arthur é uma grande
crítica desta inclusão. Criticando a posição tanto de Teitel quanto a de Jon Elster, escreve Arthur (2011, p. 80):
“Assim, para Ruti Teitel, o Tribunal de Nuremberg é um importante momento para a primeira ‘fase’ da justiça
de transição, mesmo que nenhum dos atores envolvidos o tivesse descrito desta forma. Tampouco teriam
esses atores, necessariamente, atribuído os mesmos significados para o que eles estavam fazendo da maneira
como Teitel e Elster fizeram”. No que tange a Jon Elster (2004), Arthur (2011, p. 81) o acusa de cometer um
forte anacronismo no que tange à sua caracterização da justiça de transição como uma questão perene,
atemporal, em seu livro “Closing the Books: Transitional Justice in Historical Perspective”, no qual o autor
remonta a presença da justiça de transição já na Grécia antiga. Em seguida, adiciona que o método
genealógico de Teitel se sai melhor em termos de anacronismo, porém, comete ainda o erro de imputar ideias
de “justiça de transição” a atores que muito provavelmente não as tiveram, particularmente nas suas
discussões logo após a Segunda Guerra Mundial.
6 O Tribunal de Nuremberg, apesar das suas limitações, seletividades e irregularidades inerentes a uma
Como consequência, pelo menos duas reações críticas podem ser identificadas
com relação à justiça transicional da Segunda Guerra Mundial: primeiro, a substituição da
justiça nacional em favor da justiça internacional;7 a segunda, refere-se às sanções
impostas à Alemanha a partir do fim da Primeira Guerra Mundial, que foram reconhecidas
como medidas que fracassaram em evitar novos conflitos – ela causou uma reação no
sentido de passar a se orientar em julgamentos individuais com base em
responsabilidades individuais, o que levou à grande inovação da época, que foi o uso do
Direito Penal Internacional e o alcance de sua aplicação, que para além do Estado, atingiu
também o indivíduo (TEITEL, 2011, ps. 140-141). Afinal, como ressalta Gómez (2012, p.
265), esta foi a primeira vez na história que um tribunal internacional veio a julgar e
condenar as mais altas autoridades políticas e militares de um Estado por crimes contra a
humanidade, estabelecendo desta maneira um conjunto de princípios de justiça
internacional e deixando um registro judicial crível dos massacres e abusos dos direitos
humanos.
O período imediatamente posterior à Segunda Guerra Mundial, por sua vez, é
considerado o apogeu da justiça internacional. Houve aqui a consideração do importante
abandono das medidas transicionais nacionalistas prévias e a proximidade de uma política
internacionalista como sendo garantias para o Estado de Direito. E o legado desta fase
internacionalista foi misto: por um lado, a força do seu precedente se refletiu
escassamente em outras instâncias da justiça internacional, ainda que isto provavelmente
esteja mudando com a criação do Tribunal Penal Internacional (TPI); por outro, pode-se
notar uma contínua presença do seu legado no desenvolvimento do Direito Internacional,
em que aspectos do precedente estabelecido para a responsabilização internacional por
abusos de guerra foram incorporados em convenções internacionais, pouco depois da
Segunda Guerra Mundial, a exemplo da Convenção contra o Genocídio, de 1948 (TEITEL,
2011, ps. 141-143).
7 Como bem observou Gómez (2012, ps. 264-265), uma justiça internacionalizada que estava inicialmente, ao
fim da segunda guerra, sob o forte impacto moral na opinião pública das imagens e relatos dos sobreviventes
dos campos de concentração alemães. Nesse contexto, seguiu-se a instalação não apenas do Tribunal Militar
Internacional de Nuremberg, mas também o de Tóquio, que tinham como objetivo julgar os membros do alto
comando político-militar das potências vencidas, pela perpetração de crimes de guerra, crimes contra a paz
e “crimes contra a humanidade”, este último uma figura nova do Direito Internacional, que definia uma forma
específica de criminalidade de Estado, dissociada do contexto estrito de guerra, em relação ao qual os
responsáveis não poderiam alegar o princípio da legalidade prévia, nem o de obediência devida, menos ainda
o de não ingerência nos assuntos internos do Estado.
8 Teitel toma aqui como principal referência a obra do historiador americano Samuel P. Huntington (1991),
com o livro “The Third Wave: Democratization in The Late Twentieth Century”. A ideia da “terceira onda” diz
respeito aos movimentos de democratização nos países do leste europeu, tendo em vista a dissolução da
União Soviética, e da América Latina, após décadas de interrupções constitucionais e golpes militares.
como curar feridas de uma sociedade inteira e incorporar diversos valores em um Estado
de Direito, como a paz e a reconciliação (o que antes era tratado como algo externo ao
projeto de justiça transicional).9 De modo geral, pode-se dizer que enquanto na Fase I a
justiça transicional pareceu assumir inicialmente o potencial ilimitado e universal do
direito, a segunda foi reconhecidamente mais contextual, limitada e provisória. Esse
modelo, porém, não será mais apropriado para responder ao contexto seguinte de
posterior globalização política, no qual os fatores nacionais e internacionais tornaram-se
contribuintes interdependentes da mudança política (TEITEL, 2011, ps. 147-148).
Por fim, a terceira fase, na leitura de Teitel (2011, p. 139), é a fase do estado
estável (steady-state) da justiça transicional: esta fase está associada ao fenômeno da
aceleração da justiça transicional do final do século e às condições contemporâneas de
globalização, de marcada violência e instabilidade política. Neste momento, a justiça de
transição deixa de ser uma exceção à norma e converte-se em um paradigma do Estado
de Direito. Há aqui a normalização do discurso ampliado de justiça humanitária por meio
da jurisprudência transicional, de forma que se constrói para o direito uma organicidade
associada a conflitos universais, contribuindo assim para o estabelecimento das
fundações do emergente direito sobre terrorismo, o que é extremamente problemático,
pois isso deu azo a um discurso de guerra permanente, retórica que continuamente
esvazia a distinção entre guerra e paz, a lei e a sua exceção, levando a uma grande perda
do vocabulário e a uma forte descaracterização da justiça transicional.10
Estabelecidos estes três momentos da justiça transicional, a partir do trabalho
de Ruti Teitel, avança-se em um próximo movimento para a discussão de dois dos maiores
problemas existentes no âmbito da justiça de transição, que é o fato de ter de enfrentar
e conciliar sempre, no interior do seu campo de atuação, duas dicotomias: a dicotomia
9 Um excelente exemplo para ilustrar esta situação são os chamados “Tribunais Gacaca”, voltados muito mais
para um paradigma restaurativo que retributivo, no âmbito do projeto de reconciliação nacional da Ruanda,
após o genocídio ocorrido em 1994. Seu principal objetivo, conforme Kubai (2007, p. 57), “[...] is to promote
reconciliation by providing a platform for victims to express themselves, encouraging acknowledgments and
apologies from the perpetrators, and facilitate the coming together for victims and perpetrators ‘on the
grass’”. Para uma completa revisão da experiência Ruandesa, ver Anne Kubai (2007).
10 Problemático, pois, como escreve Teitel (2011, ps. 167-168): “A expansão da justiça transicional para incluir
o problema do terrorismo, torna-se problemática pelo uso inadequado de analogias entre terrorismo e guerra
ou crises políticas. A justiça transicional tende a olhar o passado para responder ao último conflito e, como
consequência, não se adapta facilmente para ser usada como modelo para garantir segurança no futuro.
Qualquer intenção de generalizar a partir de situações excepcionais pós-conflito, a fim de orientar uma
política, é extremamente problemática”.
verdade vs. justiça e a dicotomia justiça vs. paz, as quais constituem algumas das mais
difíceis aporias e problemas concernentes à justiça transicional. Isso será analisado, no
entanto, tendo em vista principalmente o processo transicional ocorrido no Brasil, país no
qual prevalece, mesmo sob a democracia, segundo Paulo Arantes (2010, p. 214), “um
sistema de práticas autoritária herdadas, seja por legado histórico de longa duração ou
sobrevivência socialmente implantada no período anterior e não elimináveis por mera
vontade política”.
Segundo a formulação de Teitel (2011, ps. 148-149), no âmbito da segunda fase da justiça
transicional, o modelo de justiça que se destacou, como visto, foi o modelo restaurativo.
Neste, o propósito principal da justiça transicional foi o de construir uma história
alternativa para os abusos do passado. Surgiu, assim, uma dicotomia entre verdade e
justiça. Esse paradigma majoritariamente evitou julgamentos para, em troca, concentrar-
se em um novo mecanismo institucional: as comissões da verdade, que são organismos
oficiais, normalmente criados por governos nacionais para investigar, documentar e
divulgar abusos aos direitos humanos ocorridos em um país durante um período de
tempo específico. Vale observar que este mecanismo institucional foi utilizado pela
primeira vez na Argentina, ao menos no seu sentido moderno (trata-se da investigação
realizada pela Comissão “Nunca Más”, que foi a primeira fase da justiça argentina
posterior ao colapso do regime militar), embora ele esteja atualmente mais associado à
resposta adotada pela África do Sul pós-apartheid nos anos 1990.
De acordo com Teitel (2011, ps. 149-152), este mecanismo é especialmente
preferível onde regimes autoritários fizeram desaparecer pessoas ou ocultaram
informações sobre perseguições, como no caso da América Latina, pois buscam oferecer
uma perspectiva histórica mais ampla, ao invés de meros julgamentos isolados. Isto se dá
pelo fato de que esta fase transcendeu o foco na responsabilização individual em favor de
uma concepção mais comunitária.11 Os propósitos da justiça transicional nesta fase
11Talvez o maior exemplo desta situação seja a África do Sul, onde o foco se deu mais na reconciliação, com
a Comissão de Reconciliação e Verdade. A Comissão optou pelo entrelaçamento entre a busca pela verdade
e o perdão pela anistia, com a apuração das violações de direitos humanos do regime racista do apartheid
por meio da narrativa das vítimas e, também, por meio da confissão dos responsáveis pelos crimes, cujas
punições seriam trocadas pela anistia diante da confissão completa e verdadeira. Para Edson Teles, tem-se aí,
paradoxalmente, talvez o maior limite e, ao mesmo tempo, o maior triunfo da experiência sul-africana: “[...]
ao trocar o ilícito, os crimes contra a humanidade, pelo lícito, o amparo da anistia, sob a condição da verdade,
a nova nação sul-africana iniciou a reconciliação, ao mesmo tempo em que deixou de punir os responsáveis
pelos crimes do passado. Foi o momento inaugural das novas relações democráticas pela suspensão dos atos
de justiça” (TELES, 2010, p. 314).
12 Isso fica claro, sobretudo, a partir do relato de Juan Mendez: “Nesse sentido, tudo o que fazemos – justiça,
verdade, medidas de reparação – tem de estar inspirado pela reconciliação, mas a reconciliação verdadeira,
não a falsa reconciliação que na América Latina se pretendeu como desculpa para a impunidade”
(MEZAROBBA, 2007, p. 171).
13 Pois, como será demonstrado ao longo do ensaio, no caso brasileiro a anistia “[...] igualou as violações de
direitos humanos praticadas pelo Estado através de seus agentes aos atos cometidos por cidadãos ou grupos
de cidadãos contra a ditadura militar. Vale dizer, a intenção dos militares era a promoção pelo Estado de uma
autoanistia. Ela autorizaria o esquecimento dos crimes cometidos pelos cidadãos contra o Estado, como
também dos crimes cometidos pelo Estado contra seus cidadãos, não importando se estes violaram os direitos
humanos. Anistia de mão dupla. Anistia que possibilitou ao Estado o autojulgamento, princípio este rejeitado
pelo direito” (CHUEIRI; CÂMARA, 2015, p. 281, grifo nosso).
tese que o esquecimento dos “excessos” do passado seria o preço doloroso, porém
necessário, a ser pago para garantir a estabilidade democrática, eliminando o trauma da
violência do Estado.
Esquecimento, sim, o qual se deu entre nós por meio da Lei nº 6.683/79, a Lei
de Anistia. Seguindo no caminho da “abertura lenta, gradual e segura” de Geisel, João
Figueiredo tirou da oposição uma de suas principais bandeiras, a luta pela anistia. Assim,
a lei aprovada pelo Congresso continha restrições e fazia importantes concessões à linha
dura do regime militar, abrangendo inclusive os responsáveis pela prática de tortura.
Desta maneira, de um lado, a lei possibilitou o retorno dos exilados políticos e consistiu
em um importante passo para a ampliação das liberdades públicas (FAUSTO, 2018, p.
280). Porém, de outro, segundo Glenda Mezarobba (2003, ps. 142-143),
Embora de grande significado no processo de democratização do país, a lei
6.683 se deu basicamente nos termos que o governo queria, mostrou-se mais
eficaz aos integrantes do aparato de repressão do que aos perseguidos
políticos e não foi capaz de encerrar a escalada de atrocidades iniciada com o
golpe de 1964. Em outras palavras, a Lei da Anistia ficou restrita aos limites
estabelecidos pelo regime militar e às circunstâncias de sua época. [...] Dessa
forma, naquele primeiro momento, em 1979, pode-se dizer que a anistia
significou uma tentativa de restabelecimento das relações entre militares e
opositores do regime que haviam sido cassados, banidos, estavam presos ou
exilados. A legislação continha a ideia de apaziguamento de harmonização de
divergências e, ao permitir a superação de um impasse, acabou por adquirir
um significado de conciliação pragmática, capaz de contribuir com a transição
para o regime democrático.
14Um excelente relato sobre a conjuntura político-social da época pode ser encontrado no ensaio “Cultura e
política, 1964-1969”, presente na obra O pai de família e outros estudos, de Roberto Schwarz (2008).
Conforme escreve o autor, “O povo, na ocasião, mobilizado, mas sem armas e organização própria, assistiu
passivamente a troca de governos. Em seguida sofreu as consequências: intervenção e terror nos sindicatos,
terror na zona rural, rebaixamento geral de salários, expurgo especialmente nos escalões baixos das Forças
Armadas, inquérito militar na Universidade, invasão de igrejas, dissolução de organizações estudantis,
censura, suspensão de habeas corpus, etc” (SCHWARZ, 2008, p. 71).
de brandura”, segundo escreve Paulo Arantes (2010, p. 205), “[...] só nos primeiros meses
de comedimento foram 50 mil presos. Em julho de 1964, ‘os cárceres já gritavam’”.
As condições contextuais que se seguiram, especialmente após a posse do
primeiro presidente militar, o general Humberto de Alencar Castello Branco, mostrou-se
ser o prelúdio de uma mudança completa no sistema político, a qual foi moldada por meio
da colaboração ativa entre militares e setores civis interessados em implantar um projeto
de modernização impulsionado pela industrialização e pelo crescimento econômico,
sendo que tudo isto seria sustentado por um formato abertamente ditatorial. A
interferência foi profunda: exigiu a configuração de um arcabouço jurídico, a implantação
de um modelo de desenvolvimento econômico, a montagem de um aparato de repressão
e informação política, e a utilização da censura como ferramenta de desmobilização e
supressão do dissenso (SCHWARCZ; STARLING, 2015, ps. 448-449).
Como nos lembra Fausto (2018, p. 257), o movimento golpista de 31 de março
de 1964 foi lançado, aparentemente, para livrar o país da corrupção e do comunismo e
para restaurar a democracia. Nesse sentido, é preciso se lembrar do contexto mundial à
época: o cenário mundial vinha sendo alimentado pela radicalização das lutas populares,
com algumas de suas revoluções sendo vitoriosas, da hegemonia mundial da esquerda no
campo cultural das ideias, do constante abalo do sistema de formas tradicionais de vida
pela continuidade das experiências artísticas de vanguarda e das fortes relações de
associação entre intelectuais e classes populares. Assim, além de suas próprias questões
internas, houve no Brasil uma dinâmica que não poderia aceitar de forma alguma estes
abalos, como o ocorrido no Chile, com o governo Salvador Allende e a sua combinação
inovadora de socialismo e democracia (SAFATLE, 2018, ps. 50-51).
Foi neste espírito que uma grande parcela da sociedade civil, pelo lado da
direita,15 se uniu inescrupulosamente aos militares, seguindo seus interesses oligárquicos
para possibilitar o golpe, conforme escreve Safatle (2018, p. 51, grifo nosso):
Foi contra a realização possível desse horizonte de transformação que as
oligarquias se associaram aos militares para impor uma ditadura civil-militar.
15 Nas palavras de José Murilo de Carvalho (2017, p. 155): “Pelo lado da direita, o golpismo não era novidade.
Desde 1945, liberais e conservadores vinham tentando eliminar da política nacional Vargas e sua herança. O
liberalismo brasileiro não conseguiu assimilar a entrada do povo na política. O máximo que podia aceitar era
a competitividade entre setores oligárquicos. O povo, representado na época pela prática populista e
sindicalista, era considerada pura massa de manobra de políticos corruptos e demagogos e de comunistas
liberticidas. O povo perturbava o funcionamento da democracia dos liberais. Para eles, o governo do país não
podia sair do controle de suas elites esclarecidas”.
Durante vinte anos, o Brasil foi submetido a uma política econômica de alta
concentração de renda, de crescimento da desigualdade, e a um regime
corrupto, no qual a classe empresarial financiava aparelhos de tortura e
terrorismo de Estado e cargos públicos eram distribuídos a banqueiros e
empresários [...]. Ou seja, a ditadura militar brasileira não era exatamente
uma ditadura militar, mas uma associação civil-militar para o retorno do
sistema de coronelato e oligarquias locais.
16 Este é o motivo pelo qual até hoje as Forças Armadas empregam o termo “revolução” para se referir ao
golpe. Isso decorre do primeiro ato institucional, que na sua “Introdução” dizia: “A revolução vitoriosa [...] é
a forma mais expressiva e radical do Poder Constituinte”. Desta maneira, eles procuraram dar legitimidade
ao sistema e institucionalizar a repressão (SCHWARCZ; STARLING, 2015, p. 456).
17 Conforme expõem Lilia Schwarcz e Heloisa Starling (2015, ps. 456-457), era de repressão que se tratava, e
o AI-1 facilitou as condições para o expurgo no serviço público, o que se deu mormente por meio das
Comissões Especiais de Inquérito, de natureza administrativa, em todos os níveis de governo, e dos Inquéritos
Policiais Militares (IPMs), para investigar as atividades de funcionários na administração pública. De acordo
com as autoras, entre 1964 e 1973 milhares de brasileiros foram atingidos pelos expurgos, sendo que estima-
se que 4841 pessoas perderam direitos políticos ou foram cassadas, aposentadas ou demitidas pela ditadura
(apenas o AI-1 teve como alvo 2990 cidadãos), e nos quartéis os expurgos atingiram as três Forças e
remeteram 1313 militares para a reserva.
18 Sobre o SNI, diz ainda Fausto (2018, p. 259): “Na prática, transformou-se em um centro de poder quase tão
importante quanto o Executivo, agindo por conta própria na ‘luta contra o inimigo interno’. O general Golbery
chegou mesmo a tentar justificar-se, anos mais tarde, dizendo que sem querer tinha criado um monstro”.
para a criação de apenas dois partidos (SCHWARCZ; STARLING, 2015, p. 458). Quanto a
isto, a legislação partidária forçou na prática a organização de apenas dois partidos: o
partido que reuniu os membros ligados ao governo, a Aliança Renovadora Nacional
(ARENA), e o partido que reuniu a oposição (controlada), o Movimento Democrático
Brasileiro (MDB) (FAUSTO, 2018, ps. 262-263).
Além de todas estas questões, o governo Castello Branco completou sua
mudança institucional fazendo o Congresso aprovar uma nova Constituição em 1967.
Tendo submetido o Congresso a novas cassações, o Congresso foi fechado por cerca de
um mês em outubro de 1966 e reconvocado em uma reunião extraordinária apenas para
aprovar o novo texto Constitucional. Esta Constituição, de 1967, incorporou a legislação
que ampliara os poderes conferidos ao Executivo, especialmente no que tange à
segurança nacional (FAUSTO, 2018, ps. 262-263). Conforme escreve José Afonso da Silva
(2014, p. 88), após novas crises vieram ainda os atos institucionais 3 e 4, este regulando o
procedimento a ser obedecido pelo Congresso Nacional, para votar nova Constituição,
cujo projeto foi apresentado pelo governo. A Constituição foi outorgada, então, em 24 de
janeiro de 1967, de forma que, após sofrer vinte e uma emendas regularmente aprovadas
pelo Congresso Nacional, o impacto de quatro atos institucionais e trinta e sente atos
complementares, era o fim da Constituição de 1946.
No entanto, esta Constituição teria uma vida muito curta. Diferentemente do
que os militares pensaram, as crises não cessaram. Desta forma, em seguida, veio o ato
institucional nº 5 (AI-5), o qual rompeu definitivamente com a ordem constitucional, e em
relação ao qual se seguiram mais uma dezena e muitos outros atos complementares e
decretos-leis. A seguir, porém, após Costa e Silva (que havia sucedido Castello Branco em
1967) ficar gravemente doente e estar impossibilitado de continuar governando, é
declarado pelo AI-12 o exercício do Poder Executivo a uma junta militar formada pelos
Ministros da Marinha de Guerra, do Exército e da Aeronáutica Militar, os quais
completaram o preparo de um novo texto constitucional, promulgado em 17 de janeiro
de 1969, como Emenda Constitucional n.1 à Constituição de 1967, para entrar em vigor
em 30 de outubro de 1969. Teórica e tecnicamente, contudo, não se tratou de uma
emenda, mas de uma nova constituição. O formalismo da emenda foi apenas um
mecanismo de outorga, visto que se tratou da promulgação de um texto constitucional
integralmente reformulado. Esta, por sua vez, perdurou até a EC-26 (a qual, tecnicamente,
também não se tratou de emenda constitucional, mas de ato político), responsável por
convocar a Assembleia Nacional Constituinte para elaborar a nova Constituição que
substituiria a anterior (SILVA, 2014, p. 89), já no contexto da redemocratização.
Retornando ao tema dos Atos Institucionais, algo muito emblemático aconteceu
em 14 de dezembro de 1968, quando o Jornal do Brasil, um dos mais importantes jornais
da época, foi às bancas com uma edição planejada cuidadosamente para causar
estranheza. Entre várias bizarrices, o jornal estampou o seguinte aviso: “Ontem foi o Dia
dos Cegos”, juntamente com a previsão meteorológica, na primeira página. Também
anunciou: “Tempo negro. Temperatura sufocante. O ar está irrespirável. O país sendo
varrido por fortes ventos”. O dia, no entanto, era de sol forte e um céu escandalosamente
azul. A edição, acontece, estava falando sério. Estava tentando alertar o leitor de censores
na redação, pois, naquela madrugada, entrara em funcionamento uma grande operação
militar de censura em toda a imprensa nacional.19 O jornal avisava ainda que aquilo que
já era ruim havia piorado: na noite anterior, Gama e Silva, ministro da Justiça, havia
apresentado ao país o texto do Ato Institucional nº 5 (SCHWARCZ; STARLING, 2015, p.
455).
O AI-5, o pior e mais radical de todos os atos institucionais, possuía doze artigos
e vinha acompanhado do Ato Complementar nº 38, que fechava o Congresso Nacional
por tempo indeterminado. Entre as suas medidas, estavam as seguintes: suspendia a
concessão de habeas corpus e as garantias constitucionais de liberdade de expressão e
reunião, permitia demissões sumárias, cassações de mandatos e de direitos de cidadania,
e determinava que o julgamento de crimes políticos fosse realizado por tribunais
militares, sem direito a recurso. Tratava-se, numa conjuntura de inquietação política e
movimentação oposicionista, de uma ferramenta de intimidação pelo medo, a qual não
tinha prazo de vigência e seria empregada pela ditadura contra a oposição e a dissidência
(SCHWARCZ; STARLING, 2015, p. 455).
Nesse sentido, de forma a ressaltar a excepcionalidade dos atos institucionais,
em especial o AI-5 e o AI- 14, as palavras de Edson Teles (2010, p. 304):
19Sobre isto, as palavras de Eduardo Bittar (2017, p. 390, grifo nosso): “Se a formação de uma esfera pública
midiática é de fundamental importância para a vida política dos cidadãos, e se a cultura política que possui
passa de modo volumoso pelos instrumentos de comunicação populares à disposição, percebe-se o quanto
era nevrálgico para o regime, em função de sua sustentabilidade, controlar o exercício da cidadania pelo
controle do poder comunicativo dos profissionais letrados e que a exerciam, especialmente, a função de
jornalistas. Assim, a censura fazia parte da arquitetura do regime autoritário”.
Como observa Edson Teles (2010, ps. 299-300), os militares instauraram, desde o início,
um regime que optou por reprimir brutalmente os opositores e praticar violações de
direitos humanos. Para tanto, milhares de pessoas tiveram seus direitos políticos e civis
cassados, uma nova Constituição foi outorgada (1967) e a censura foi estabelecida. A
democracia, que havia durado apenas dezenove anos, substituída por um Estado
autoritário fundado sob a Doutrina de Segurança Nacional,21 proclamando um regime de
20 Sobre isto, merece citação a obra Como eles agiam, de Carlos Fico (2001), na qual se pode encontrar,
mediante detalhada documentação, a reconstituição do processo de formação e a explicitação destas
estruturas, burocrático-policiais e totalitárias, em seu modo de funcionamento.
21 Como explica Glenda Mezarobba (2010, p. 7), “Assim como outros países da região, na segunda metade do
século passado o Brasil também foi governado por militares que usurparam o poder e operavam dentro de
uma estrutura ideológica compartilhada, da doutrina de ‘Segurança Nacional’, no cenário internacional da
Guerra Fria. Constituída para eliminar a subversão interna de esquerda, restabelecer a ‘ordem’ em seu
bem como o terrorismo estatal que se desenvolveu na América do Sul com a técnica dos desaparecimentos.
Não mais a prática dos campos de concentração, cercos de estilo alemão, mas sim o desaparecimento de
pessoas. Prestidigitação. Mágica social. É a sociedade do desaparecimento”.
23 Uma característica comum e necessária em se tratando de regimes ilegais e de exceção, como escreve
Hannah Arendt (1999, p. 167), sobre a Alemanha Nazista: “Uma ordem diferia da palavra do Führer porque a
validade desta última não era limitada no tempo e no espaço – a característica mais notável da primeira. Essa
é também a verdadeira razão pela qual a ordem do Führer para a Solução Final foi seguida por uma
tempestade de regulamentos e diretivas, todos elaborados por advogados peritos e conselheiros legais, não
por meros administradores; essa ordem, ao contrário de ordens comuns, foi tratada como uma lei. Nem é
preciso acrescentar que a parafernália legal resultante, longe de ser um mero sintoma do pedantismo ou
empenho alemão, serviu muito eficientemente para dar a toda a coisa a sua aparência de legalidade”.
24 Em oposição a outras ditaduras latino-americanas, as quais não tiveram esta preocupação, como na
Argentina, na qual não houve praticamente participação do judiciário no regime opressivo. Na Argentina os
tribunais apareciam apenas para negar habeas corpus e para dar cobertura para o terror estatal, sendo que
o modus operandi das forças de segurança para eliminar a dissidência se deu quase que inteiramente de
forma extrajudicial. Pode-se dizer, nesse sentido, em comparação com o Brasil e o Chile, que a ditadura
Argentina foi a mais radical entre as três ditaduras, a que mais desdenhou das tradicionais restrições jurídicas
ao Poder Executivo (PEREIRA, 2009, ps. 205-206). Isso não significa, no entanto, que o autor esteja fazendo
alguma concessão ao regime, pois, conforme escreveu em outro lugar, “To compare Brazil’s military regime
with the more violent and less judicialized regimes in the southern cone is not to attempt to rehabilitate it.
By no stretch of the imagination was it a genuinely constitutional regime with anything approaching a rule of
law. It was clearly a dictatorship. A high degree of arbitrariness governed the treatment of political prisoners,
and there was little separation of powers, allowing the executive to change the rules of the game at will”
(PEREIRA, 2005, p. 156).
25 Por exemplo, o que relatam Safatle e Teles (2010, p. 11, grifo nosso): “Tínhamos eleições com direito a
partido de oposição, editoras que publicavam livros de Marx, Lenin, Celso Furtado, músicas de protesto,
governo que assinava tratados internacionais contra a tortura, mas, no fundo, sabíamos que era tudo isto que
estava submetido à decisão arbitrária de um poder soberano que se colocava fora do ordenamento jurídico.
Quando era conveniente, as regras eleitorais eram modificadas, os livros apreendidos, as músicas censuradas,
alguém desaparecia. Em suma, a lei era suspensa”.
26Vera Karam de Chueri e Heloísa Fernandes Câmara (2015, p. 265) demonstram bem essa situação de, para
usar a expressão das autoras, “(des)ordem constitucional”. Conforme argumentam, “Essa relação dúbia entre
Constituição e atos institucionais gerou uma curiosa resposta teórica, a de que os atos institucionais eram
considerados leis superiores à própria Constituição, na medida em que poderiam alterá-la. [...] os atos
institucionais tiveram ciclos distintos, o que expressa que a legalidade autoritária seguiu um padrão de
distensão e recrudescimento, assim como o regime, ou seja, a legalidade autoritária foi ad hoc”. Além disso,
dentro da relação, às vezes conflitiva, entre os atos institucionais e Constituição, o STF foi muitas vezes
chamado a decidir, mas em nenhum momento discutiu sobre a validade dos atos institucionais ou de suas
prescrições, atendo-se a decidir com base em critérios interpretativos qual deveria prevalecer, se Constituição
ou AI. Havia, dentro do STF, ideólogos da ditadura, a exemplo do Ministro Carlos Medeiros Silva, o qual
defendia a hierarquia do ato institucional como lei constitucional temporária, o qual, em caso de conflito com
a Constituição de 1946, deveria sobre ela prevalecer.
27Poder-se-ia objetar a essa leitura, em oposição à ideia do estado de exceção, aproximando mais o regime
brasileiro e os atos institucionais no âmbito das leis de “plenos poderes” (que deriva da noção de plenitudo
potestatis, do direito canônico), mediante as quais se ampliam os poderes governamentais e,
particularmente, ao fato de se atribuir ao executivo o poder de promulgar decretos com força de lei. Para
Agamben (2005, p. 17), isto é um erro, o qual deriva do mitologema, análogo à ideia de estado de natureza,
de que o estado de exceção implicaria um retorno a um estado original “pleromatico” (no qual não há ainda
a distinção entre os diversos poderes, executivo, legislativo, etc). Como demonstra o autor, “o estado de
exceção não se define, segundo o modelo ditatorial, como uma plenitude de poderes, um estado pleromatico
do direito, mas, sim, como um estado kenomatico, um vazio e uma interrupção do direito” (AGAMBEN, 2005,
p. 75). A expressão “plenos poderes” define, portanto, apenas uma das possíveis modalidades de ação do
poder executivo durante o estado de exceção, mas com ele não coincide.
28 É oportuno observar, contudo, que as autoras discordam da interpretação de que o regime brasileiro
estivesse sob um estado de exceção ao modo da definição agambeniana. Conforme escrevem: “Vale dizer,
Estado de Direito apenas nominal, sem democracia, não nos exime de situações excepcionais que na sua
radicalidade conduzem a um verdadeiro Estado de Exceção. Não no sentido de que nos fala Agamben, mas
sim um Estado no qual a Constituição não mais se aplica (ou mal se aplica) e os governantes da hora invocam
regras específicas para combater o ‘inimigo’ interno e externo” (CHUEIRI; CÂMARA, 2015, ps. 273-274).
Foi justamente todo este passado inescrupuloso que, mediante uma transição
negociada e extorquida, elidida de mecanismos de justiça transicional, buscou-se apagar
da memória nacional. A Lei de Anistia surgiu, com efeito, precisamente para confirmar e
reafirmar este esquecimento. Como apontou Safatle (2010, ps. 240-241), contra a
vexatória tese de que o esquecimento dos “excessos” do passado seria o preço doloroso,
porém necessário, a ser pago para garantir a estabilidade democrática, tese esta que
consiste apenas no discreto sintoma de uma profunda tendência totalitária da qual nossa
sociedade nunca conseguiu se despir, trata-se de falar, mais apropriadamente, no caso
brasileiro, em “amnésia sistemática em relação a crimes de um Estado ilegal”.
Assim, é importante para nossos fins ressaltar, conforme argumenta Teitel
(2011, ps. 159-160), que, no âmbito da justiça transicional, o interesse na busca da justiça
não declina com o transcurso do tempo. Um dos motivos para isto é que a justiça
transicional se relaciona com condições políticas excepcionais (como no caso brasileiro,
acima exposto), no qual o próprio Estado está envolvido nos crimes, e a busca da justiça
29Ainda que ele aponte nesta passagem também para um outro problema, que é a presença de mecanismos
de exceção mesmo em Estados ditos democráticos. Nesse sentido, escreve Agamben (2005, p. 13) na
continuação desta passagem: “Diante do incessante avanço do que foi definido como uma ‘guerra civil
mundial’, o estado de exceção tende cada vez mais a se apresentar como o paradigma de governo dominante
na política contemporânea. Esse deslocamento de uma medida provisória e excepcional para uma técnica de
governo ameaça transformar radicalmente – e, de fato, já transformou de modo muito perceptível – a
estrutura e o sentido da distinção tradicional entre os diversos tipos de constituição. O estado de exceção
apresenta-se, nesta perspectiva, como um patamar de indeterminação entre democracia e absolutismo”. Vale
observar que é desta mesma problemática que trata Ruti Teitel (2010, ps. 166-167), quando escreve sobre a
terceira fase da justiça transicional, chamada de “estado estável da justiça transicional”, na qual se verifica
um esvaziamento da distinção entre guerra e paz, a lei e a sua exceção, por meio da expansão do Direito de
Guerra e do incremento na importância do Direito Humanitário.
30
Nome que vem de Adolfo Scilingo, ex-capitão da Marinha, condenado a cumprir pena de 640
anos por crimes contra a humanidade durante a ditadura argentina.
31
O qual, ao assim se portar, se identifica sempre com os vencedores do turno, como escreve
Jeanne Marie Gagnebin (2018, p. 66, grifos da autora): “O autor historicista, para Benjamin, se
identifica sempre com o vencedor, na medida em que, ‘pela força das coisas’, é sobre este que
existe o maior número de testemunhos e documentos. Essa marcha de vitória a vitória, de triunfo
a triunfo, é assimilada ao desenvolvimento necessário da história, como se necessidade histórica e
realização efetiva fossem sinônimos”.
verdade, a de “saber ler e escrever uma outra história, uma espécie de anti-história, uma
história a ‘contrapelo’, como diz, ou ainda a história da barbárie, sobre a qual se impõe a
da cultura triunfante” (GAGNEBIN, 2018, p. 66), ou seja, a sua tarefa é a de redimir o
passado, buscando-o, abrindo-o, salvando-o, em uma descoberta que possibilite a
redenção dos humilhados, dos desaparecidos, dos mortos, dos torturados, dos
esquecidos.
Como escreve Benjamin na Tese VII, o historiador deve “escovar a história a
contrapelo”,32 não aderindo ao triunfalismo do presente, pois, sendo os bens culturais do
presente o resultado de uma opressão e de uma dominação plenamente realizadas no
passado, “Nunca há um documento da cultura que não seja, ao mesmo tempo, um
documento da barbárie” (BENJAMIN, 2005, p. 70). Trata-se, portanto, de se voltar à
história em prol da verdade e da memória. Assim, contra a violência e a injustiça do
esquecimento, as palavras de Jeanne Marie Gagnebin (2010, ps. 185-186, grifo nosso):
Esse passado que insiste em perdurar de maneira não reconciliada no
presente, que se mantém como dor e tormento, esse passado não passa. Ele
ressuscita de maneira infame nos inúmeros corpos torturados e mortos,
mortos muitas vezes anônimos, jogados nos terrenos baldios ou nas
caçambas de lixo, como foi o caso dos três jovens do morro da Providência no
Rio, em julho de 2008. O silêncio sobre os mortos e torturados do passado, da
ditadura, acostuma a silenciar sobre os mortos e torturados de hoje. Todos
encarnam, mesmo que sob formas diversas, a figura sinistra “daquele que é
reduzido à vida nua, isto é, de um homem que não é mais homem’ – ou
melhor, que pode ser morto sem que seu assassinato seja castigado”, assim a
definição do Homo sacer por Giorgio Agamben. O não saber sobre os mortos
do passado instaura na memória um lugar de indeterminação cuja
transposição atual se encontra nesses espaços indeterminados de exceção,
situados no próprio seio do corpo social – e cuja existência nem sequer é
percebida. Podemos citar Guantánamo, mas também lugares ditos mais
‘normais’ como os campos de refugiados, as salas de espera para os
clandestinos nos aeroportos e, quem sabe, as assim chamadas periferias das
grandes cidades.
32
Pois, como diz Benjamin (2005, p. 70), sobre a continuidade da opressão no presente, “Todo
aquele que, até hoje, obteve a vitória, marcha junto no cortejo de triunfo que conduz os
dominantes de hoje [a marcharem] por cima dos que, hoje, jazem por terra”.
33 Opção, vale lembrar, escolhida e reforçada novamente pelo judiciário brasileiro. O Supremo Tribunal
Federal, convocado a analisar sobre uma possível revisão da Lei da Anistia, por meio da Arguição de
Descumprimento de Preceito Fundamental 153, em 2010, acabou optando mais uma vez pela tese do
esquecimento. Mas, por outro lado, como se sabe, “[...] a Corte Interamericana não só não reconheceu os
efeitos jurídicos da lei [de Anistia] como condenou o Estado brasileiro por não ter investigado nem punido os
responsáveis pelos crimes de tortura, assassinato e desaparecimento forçado durante a repressão a um foco
de guerrilha rural no período 1972-1974” (GÓMEZ, 2012, p. 272).
transicional no país foi altamente insuficiente e deficitária.34 O eco da voz dos mortos e
desaparecidos que nunca serão encontrados, a injustiça da impunidade dos criminosos
do regime ilegal, a indevida reparação das vítimas e seus familiares, em suma, a insidiosa
violência da amnésia coletiva, permite que toda a opressão do passado continue
ressoando no presente. Porém, o problema não é apenas este, pois, segundo Safatle
(2018, ps. 59-60), o Brasil é antes de tudo uma forma de violência, um país fundado por
um tipo de violência que funciona na base da administração do desaparecimento e do
direito de matar. Esta é a sua verdadeira forma de governo, uma atualização do secular
poder soberano e seu direito de vida e morte. Conforme diz o autor, essa lógica encontrou
sua forma mais bem-acabada no governo na ditadura militar, mas não se restringe apenas
a ela:
Pois a ditadura militar brasileira foi a consolidação de um modelo de gestão
sempre presente na história nacional, mas que a partir de então ganharia
estruturas e aparatos institucionais que se mostraram invulneráveis, mesmo
em tempos de “redemocratização”. Este é um dos pontos mais
impressionantes dos últimos trinta anos no Brasil, a saber, a maneira como
suas políticas de desaparecimento permaneceram intocadas, seja nos
governos FHC, seja nos governos Lula e Dilma. Não foi apenas uma lógica de
“segurança nacional” que ficou imune a toda revisão. Foi a natureza do Estado
brasileiro e de seu direito de vida e morte sobre a população que pairou para
além das modificações político-eleitorais. Os governos passaram, mas a
gestão do desaparecimento ficou (SAFATLE, 2018, ps. 60-61).
34 Nesse sentido, José Maria Goméz (2012, p. 272): “De todo modo, após 26 anos de iniciada a
redemocratização do sistema político, e em razão de um conjunto de características singulares (transição
pactuada sob forte tutela militar, continuísmo e nula vontade política das elites dominantes de revisar o
passado, resistência ostensiva das Forças Armadas, isolamento social e político dos organismos de direitos
humanos, estendida cultura do esquecimento, etc.), o Brasil continua a ser, sobretudo quando comparado a
outros países do Cone sul, o processo mais impune e amnésico da região”.
35 Em relação a isto, é especialmente importante os estudos da cientista política norte-americana Kathryn
Sikkink, da universidade de Minnesota. De acordo com a sua pesquisa, realizada em diversos países, dentre
eles o Brasil, contrariamente ao corrente argumento de que a retomada dos crimes do passado cometidos
por regimes ditatoriais poderiam ser danosos às instituições democráticas, diz a autora que “Our research
shows that holding human rights trials has not undermined democracy or led to an increase in human rights
violations or conflict in Latin America” (SIKKINK; WALLING, 2007, p. 428). E, mais especificamente, de maneira
a corroborar nosso argumento quanto a localização da manutenção e aumento da violência no Brasil tendo
como uma de suas mais eminentes e prováveis causas nosso deficitário e virtualmente inexistente processo
transicional, escreveu a autora o seguinte, em The Justice Cascade: How Human Rights Prosecutions Are
Changing World Politics: “In Brazil, for example, the lack of any punishment for past state officials for
violations during the dictatorship may have contributed to an atmosphere of impunity that feeds continuing
high levels of violations there today. Brazil is one of the few democratic countries in the region that receives
worse human rights scores today than it did during the military government” (SIKKINK, 2011. p. 158).
36 Especialmente tendo em vista que, conforme salienta Cláudia Perrone-Moisés (2012, p. 82), “O
conhecimento de sua história pertence ao patrimônio comum de cada povo e, a memória coletiva, sendo
socialmente construída, deve ser garantida e protegida por essa mesma sociedade. A memória é um bem
comum, um dever jurídico, moral e político”.
5. Considerações finais
37 Barbárie que está sempre presente; seja aquela verificada nos lagers nazistas, seja aquela dos porões da
ditadura, mas que, de toda forma, ecoa no relato de Theodor Adorno (1995, p. 119): “A exigência que
Auschwitz não se repita é a primeira de todas para a educação. [...] Qualquer debate acerca de metas
educacionais carece de significado e importância frente a essa meta: que Auschwitz não se repita. Ela foi a
barbárie contra a qual se dirige toda a educação. Fala-se da ameaça de uma regressão à barbárie. Mas não se
trata de uma ameaça, pois Auschwitz foi a regressão; a barbárie continuará existindo enquanto persistirem
no que têm de fundamental as condições que geraram esta regressão. É isto que apavora”.
6. Referências Bibliográficas
AGAMBEN, Giorgio. Estado de exceção. Tradução Iraci D. Poleti. 2. ed. São Paulo:
Boitempo, 2004.
ARANTES, Paulo E. 1964, o ano que não terminou. TELES, Edson; SAFATLE, Vladimir
(Orgs.). O que resta da ditadura: a exceção brasileira. São Paulo: Boitempo, 2010.
ARENDT, Hannah. Eichmann em Jerusalém. Tradução de José Rubens Siqueira. São Paulo:
Companhia das Letras, 1999.
BENJAMIN, Walter. Sobre o conceito de história. In: LÖWY, Michel. Walter Benjamin :
aviso de incêndio : uma leitura das teses “Sobre o conceito de história”. Tradução de
Wanda Nogueira Caldeira Brant. Tradução das teses por Jeanne Marie Gagnebin e Marcos
Lutz Müller. São Paulo: Boitempo, 2005.
BICKFORD, Louis. Verbete “Transitional Justice”. In: Encyclopedia of Genocide and Crimes
Against Humanity. 3 vol. Edited by Dinah L. Shelton. Detroit, MI: Macmillan Reference,
2005.
BOBBIO, Norberto. A Era dos Direitos. Tradução de Carlos Nelson Coutinho; apresentação
de Celso Lafer. Nova ed. Rio de Janeiro: Elsevier, 2004.
CARVALHO, José Murilo de. Cidadania no Brasil: o longo caminho. 23 ed. Rio de Janeiro:
Civilização Brasileira, 2017.
CHAUI, Marilena. A tortura como impossibilidade da política. In: CHAUI, Marilena. Sobre
a violência. 1. ed. Belo Horizonte: Autêntica Editora, 2017.
ELSTER, Jon. Closing the Books: Transitional Justice in Historical Perspective. Cambridge:
Cambridge University Press, 2004.
FAUSTO, Boris. História Concisa do Brasil. Colaboração de Sérgio Fausto. 3. ed. atual. e
ampl. 1 reimpr. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 2018.
GAGNEBIN, Jeanne Marie. Walter Benjamin: os cacos da história. Traduzido por Sônia
Sazstein. São Paulo: n-1 edições, 2018.
________. O preço de uma reconciliação extorquida. In: TELES, Edson; SAFATLE, Vladimir
(Orgs.). O que resta da ditadura: a exceção brasileira. São Paulo: Boitempo, 2010.
HUNTINGTON, Samuel P. The Third Wave: Democratization in the Late Twentieth Century.
Norman, OK and London: University of Oklahoma Press, 1991.
KUBAI, Anne. Between justice and reconciliation: The survivors of Rwanda, African
Security Review, v.16, pp. 53-66, 2007. Disponível em:
MENDEZ, Juan E. Accountability for Past Abuses, Human Rights Quarterly, Vol. 19, No. 2,
pp. 255-282, May, 1997. Disponível em: <https://www.jstor.org/stable/762577>. Acesso
em: 27 out. 2019.
MEZAROBBA, Glenda. De que se fala, quando se diz justiça de transição? In: Direitos
Humanos – Justiça, Verdade e Memória. Bethânia Assy, Carolina de Campos Melo, João
Ricardo Dornelles e José Maria Gómez (coord.). Rio de Janeiro: Lúmen Júris, 2012.
________. Entre reparações, meias verdades e impunidade, SUR, v. 7, n. 13, pp. 6-24,
2010. Disponível em: < https://sur.conectas.org/entre-reparacoes-meias-verdades-e-
impunidade>. Acesso em: 19 nov. 2019.
_______. "Entrevista com Juan Méndez", SUR, n. 7, pp. 168-175, 2007. Disponível em: <
https://sur.conectas.org/entrevista-com-juan-mendez/>. Acesso em: 18 Out. 2020.
________. Political in(justice): authoritarianism and the rule of law in Brazil, Chile and
Argentina. Pittsburgh: University of Pittsburgh Press, 2005.
SAFATLE, Vladimir; TELES, Edson. Apresentação. In: TELES, Edson; SAFATLE, Vladimir
(Orgs.). O que resta da ditadura: a exceção brasileira. São Paulo: Boitempo, 2010.
________. Do uso da violência contra o Estado ilegal. In: TELES, Edson; SAFATLE, Vladimir
(Orgs.). O que resta da ditadura: a exceção brasileira. São Paulo: Boitempo, 2010.
SCHWARCZ, Lilia Moritz; STARLING, Heloisa Murgel. Brasil: uma biografia. 1 ed. São Paulo:
Companhia das Letras, 2015.
SCHWARZ, Roberto. O pai de família e outros estudos. São Paulo: Companhia das Letras,
2008.
SIKKINK, Kathryn; WALLING, Carrie Booth. “The Impact of Human Rights Trials in Latin
America”, in Journal of Peace Research, vol. 44, no. 4, 2007, pp. 427–445. JSTOR,
www.jstor.org/stable/27640539. Accessed 10 Mar. 2020.
SIKKINK, Kathryn. The Justice Cascade: How Human Rights Prosecutions Are Changing
World Politics. Nova York: W. W. Norton, 2011.
SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 37 ed. São Paulo:
Malheiros, 2014.
TEITEL, Ruti. Genealogia da Justiça Transicional. In: Justiça de transição: manual para a
América Latina. Félix Reátegui (coord.). Brasília: Comissão de Anistia, Ministério da
Justiça; Nova Iorque: Centro Internacional para a Justiça de Transição, 2011.
TELES, Edson. Entre justiça e violência: estado de exceção nas democracias do Brasil e da
África do Sul. In: TELES, Edson; SAFATLE, Vladimir (Orgs.). O que resta da ditadura: a
exceção brasileira. São Paulo: Boitempo, 2010.
VIRILIO, Paul; LOTRINGER, Sylvere. Guerra pura: a militarização do cotidiano. São Paulo:
Editora Brasiliense, 1984.
Sobre o autor
INTRODUÇÃO
*
Professor Associado da Faculdade de Direito do Recife/Universidade Federal de Pernambuco; Doutor em
Direito pela UFPE/Universidade de Coimbra-Portugal (PDEE); Conselheiro Estadual e Presidente da Comissão
de Direitos Humanos da OAB/PE. E-mail: brunogalindo@uol.com.br.
Direito e Desenvolvimento, João Pessoa, v. 7, n. 13, p. 43-58
A inclusão veio para ficar: o direito antidiscriminatório pós-ADI 5357 e a educação inclusiva como direito da
pessoa com deficiência
____________________________________________
quando o Tribunal decidiu pela constitucionalidade das uniões estáveis entre pessoas do
mesmo sexo. Em relação ao segundo tipo, há a necessidade de promoção de políticas públicas
que viabilizem o acesso dessas pessoas a bens jurídicos diversos, corrigindo desigualdades
concretas através de medidas de justiça corretiva, evocando mais uma vez uma importante
decisão da Corte suprema brasileira, quando decidiu pela constitucionalidade das políticas de
ação afirmativa referente às cotas raciais no acesso à universidade pública, em mais um
Acórdão paradigmático, desta vez na ADPF 186.
Não há dúvida de que essa discussão é amplamente influenciada pelo debate
político-jurídico dos EUA a partir dos anos 70 do século passado. Tendo em vista
inicialmente a questão racial e as ações afirmativas pertinentes, jusfilósofos norte-americanos,
a exemplo de John Rawls e Michael Walzer, debatem o princípio da igualdade como definidor
das liberdades individuais fundamentais, calibrado por outro princípio de justiça, o princípio
da diferença, com a ideia básica da equitativa igualdade de oportunidades (RAWLS, 1997, p.
64; WALZER, 2003, p. 17). Essas discussões são ampliadas nas décadas seguintes
envolvendo outros fatores relativos a esse debate igualdade/diferença, tais como gênero,
pobreza/miserabilidade, orientação sexual, cultura, assim como a deficiência.
E esse último ponto é o que almejamos debater do direito antidiscriminatório: o 45
seu alcance no âmbito dos direitos da pessoa com deficiência.
Na questão educacional, pode-se afirmar que a compreensão iria até mais além,
dentro da perspectiva daquilo que autores como Rafael de Asís Roig, Agustina Palacios e
Javier Romañach identificam como ―modelo da diversidade‖, uma evolução do modelo social
que acarreta na compreensão da deficiência como fator enriquecedor da própria vida em
sociedade (CUENCA GÓMEZ, 2012, p. 117).
Isso quer dizer, essencialmente, que a convivência em uma escola de qualquer
tipo entre alunos com e sem deficiência não é benéfica somente ao primeiro; traduz-se, sim,
em uma perspectiva educacional de aprendizado recíproco, de educação inclusiva para a vida,
de exercício da cidadania, de compreensão de limites e possibilidades dos indivíduos a partir
de suas singularidades.
O Estatuto da Pessoa com Deficiência, que iniciou sua vigência em janeiro de
2016, é basicamente um desdobramento de todas essas concepções, sendo em alguns pontos
uma consolidação da legislação já existente e em outros uma regulamentação da Convenção.
Esta faz referência, em seu art. 24, no direito à educação da pessoa com deficiência sem
discriminação e com base na igualdade de oportunidades e que, para tal, os Estados devem
assegurar em todos os níveis um sistema educacional inclusivo. Trata do sistema educacional
geral, o que inclui as escolas públicas e privadas, pois, embora a estas últimas seja permitida a 47
exploração do serviço educacional no modelo empresarial da livre iniciativa e a
correspondente contrapartida com a cobrança de mensalidades/anuidades pelo serviço
prestado, não se pode desconsiderar que a educação, além de um direito, é também um
serviço público, embora não exclusivo do Estado. Ao explorá-lo, a liberdade das instituições
privadas não é absoluta: precisa se conformar às diretrizes educacionais adotadas pelo poder
público competente, e isso implica não somente o cumprimento da Lei de Diretrizes e Bases
da Educação, mas de toda a legislação educacional pertinente, o que inclui o Estatuto da
Pessoa com Deficiência na parte específica, bem como outras Leis, como a 12764/2012 (Lei
Berenice Piana – sobre pessoas com autismo) e a 7853/1989. Assim também, por óbvio, o
cumprimento da Constituição e, repita-se, a Convenção dos Direitos da Pessoa com
Deficiência é norma constitucional.
Em verdade, desde a Carta de 1988, tem sido progressivamente fortalecida no
Brasil a tendência a reconhecer e contemplar os direitos da pessoa com deficiência, sobretudo
para atender às suas necessidades especiais, diversas das do cidadão ―normal‖, para alcançar a
efetiva igualdade de oportunidades e ter acesso aos mesmos bens jurídico-sociais. São
não às discriminações reversas ou positivas)1, mas foi o que ocorreu junto ao Supremo
Tribunal Federal com a Ação Direta de Inconstitucionalidade 5357, de autoria da
Confederação Nacional dos Estabelecimentos de Ensino (CONFENEN).
deficiência, tendo sido, aliás, aumentada a pena com a nova redação dada pela Lei
13146/2015. A Lei 12764/2012 (Lei do Autismo) também prevê punições de caráter
administrativo e a Lei 13146/2015 (Estatuto da Pessoa com Deficiência ou Lei Brasileira de
Inclusão), além de corroborar com todo o arcabouço legal anteriormente previsto, estende
algumas obrigações pertinentes ao setor privado de ensino e deixa clara a impossibilidade de
se cobrar adicionais para o cumprimento dessas obrigações, principalmente nos arts. 28 e 30.
Esta última Lei ainda previu período de vacatio legis de 180 dias, no intuito de permitir,
dentre outras coisas, que durante esse tempo as escolas particulares pudessem se adaptar à
nova legislação. Ressalte-se ainda que esses dispositivos legais basicamente conferem
aplicabilidade ao art. 24 da Convenção dos Direitos da Pessoa com Deficiência, estipulando
que a obrigação de receber alunos com deficiência é de todas as escolas participantes do
sistema educacional brasileiro, sejam elas públicas ou privadas.
Contudo, em vez de buscar o diálogo com as famílias, entidades representativas
das pessoas com deficiência, órgãos públicos e demais, lamentavelmente a CONFENEN
(Confederação Nacional dos Estabelecimentos de Ensino), entidade sindical de âmbito
nacional representativa dos estabelecimentos privados de ensino, optou pelo ingresso de Ação
Direta de Inconstitucionalidade requerendo que o STF declarasse a inconstitucionalidade dos 49
arts. 28, § 1º, e 30, caput, da Lei Brasileira de Inclusão (Lei 13146/2015). Em síntese, a
CONFENEN almejava que a expressão ―privadas‖ deveria ser tida por inconstitucional, pois
essa obrigação afrontaria o direito de propriedade, a sua função social (sic) e a liberdade de
iniciativa do estabelecimento de ensino, além de ser uma obrigação exclusiva do Estado e da
família prover educação para a pessoa com deficiência, não tendo a instituição privada de
ensino nenhuma obrigação a respeito. Resumindo: com o provimento da ADI, os referidos
estabelecimentos estariam livres para recusar as matrículas de alunos com deficiência por
causa desta, cobrar adicionais nas mensalidades para mantê-los na escola e ainda não se
submeterem às regras gerais de atendimento aos alunos com deficiência, preconizadas na LBI.
A ADI recebeu o número 5357, tendo sido protocolada em 4 de agosto de 2015,
portanto, antes mesmo do prazo final da vacatio legis suprarreferida, com a LBI publicada,
mas ainda sem vigência e exigibilidade. A CONFENEN requereu também medida cautelar,
alegando urgência em sua concessão diante das supostas dificuldades de cumprimento dos
dispositivos legais pelos seus representados.
Foi distribuída para Relatoria ao Ministro Edson Fachin que inicialmente
determinou as intimações de praxe e deferiu vários pedidos de integração ao processo de
entidades na condição de amicus curiae. Foram elas: Federação Nacional das APAEs
(FENAPAES), Federação Brasileira das Associações de Síndrome de Down (FBASD),
Associação Nacional do Ministério Público de Defesa dos Direitos dos Idosos e Pessoas com
Deficiência (AMPID), Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB),
Associação Brasileira para a Ação por Direitos das Pessoas com Autismo (ABRAÇA) e
Defensoria Pública do Estado de São Paulo.
Em 18 de novembro de 2015, o Ministro Relator Edson Fachin indeferiu
monocraticamente a medida cautelar requerida, em decisão de 15 páginas, já adentrando com
certa profundidade os fundamentos meritórios, e não somente cautelares procedimentais, da
lide. Sua decisão foi ementada da seguinte forma:
Artigo 24
Educação
Direito e Desenvolvimento, João Pessoa, v. 7, n. 13, p. 43-58
Bruno Galindo
____________________________________________
Nessa linha, não se acolhe o invocar da função social da propriedade para se negar a
cumprir obrigações de funcionalização previstas constitucionalmente, limitando-a à
geração de empregos e ao atendimento à legislação trabalhista e tributária, ou, ainda,
o invocar da dignidade da pessoa humana na perspectiva de eventual sofrimento
psíquico dos educadores e “usuários que não possuem qualquer necessidade
especial”. Em suma: à escola não é dado escolher, segregar, separar, mas é seu
dever ensinar, incluir, conviver.
Ademais, o enclausuramento em face do diferente furta o colorido da vivência
cotidiana, privando-nos da estupefação diante do que se coloca como novo, como
diferente. Esse estranhamento ―não pode nos
imobilizar em face dos problemas que enfrentamos relativamente aos direitos
humanos, isto é, ao direito a ter direitos, ao contrário, o estranhamento deve ser o
fio condutor de uma atitude que a partir da vulnerabilidade assume a única posição
ética possível, a do acolhimento.‖ (CHUEIRI, Vera Karam de; CÂMARA, Heloísa.
Direitos Humanos em movimento: migração, refúgio, saudade e hospitalidade,
Revista Direito, Estado e Sociedade (PUC-RJ), Vol. 45, 2014. p. 174).
A Lei nº 13.146/2015 parece justamente assumir esse compromisso ético de
acolhimento quando exige que não apenas as escolas públicas,
mas também as particulares deverão pautar sua atuação educacional a
partir de todas as facetas e potencialidades que o direito fundamental à
educação possui e que são densificadas em seu Capítulo IV.
Como não é difícil intuir, a capacidade de surpreender-se com, na e pela alteridade,
muito mais do que mera manifestação de empatia, constitui elemento essencial para
um desarmado - e verdadeiro – convívio e também debate democrático. Nesse
sentido e ainda na toada da Professora Vera Karam de Chueiri ao tratar da
hospitalidade, parece evidenciar-se que somente ―no desestabilizar das certezas – de
exclusão – surge a necessidade do encontro, do abraço, de ver os olhos de quem só
se vê através da mediação de números‖ (CHUEIRI, Vera Karam de; CÂMARA,
Heloísa. Direitos Humanos em movimento: migração, refúgio, saudade e
hospitalidade, Revista Direito, Estado e Sociedade (PUC-RJ), Vol. 45, 2014. p. 52
174).
Para além de vivificar importante compromisso da narrativa constitucional pátria -
recorde-se uma vez mais a incorporação da Convenção sobre os Direitos das Pessoas
com Deficiência pelo procedimento previsto no art. 5º, §3º, CRFB - o ensino
inclusivo milita em favor da dialógica implementação dos objetivos esquadrinhados
pela Constituição da República.
É somente com o convívio com a diferença e com o seu necessário acolhimento que
pode haver a construção de uma sociedade livre, justa e solidária, em que o bem de
todos seja promovido sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer
outras formas de discriminação (Art. 3º, I e IV, CRFB).
2
No momento da redação deste ensaio 12 de junho de 2016, o Acórdão ainda não foi publicado, de modo que as
referências feitas à decisão do Pleno da Corte Suprema estão fundamentadas nas informações constantes do
Direito e Desenvolvimento, João Pessoa, v. 7, n. 13, p. 43-58
Bruno Galindo
____________________________________________
Uma escola que se preocupe além da questão econômica, em preparar os alunos para 53
a vida, deve na verdade encarar a presença de crianças com deficiência como uma
especial oportunidade de apresentar a todas, principalmente as que não têm
deficiências, uma lição fundamental de humanidade, um modo de convivência sem
exclusões, sem discriminações em um ambiente de fraternidade (BRASIL, 2016).
Na mesma toada, a Ministro Rosa Weber ressalvou que muitos dos problemas
sociais atuais, como ódio, intolerância e desrespeito com o outro, talvez decorram justamente
da ausência de oportunidade de convivência com a diferença. Também seguiram o voto do
Ministro Edson Fachin, o Ministro Luiz Fux, que destacou a centralidade do ser humano na
Constituição; a Ministro Carmem Lúcia Rocha, que fez referência ao combate ao preconceito
e a perspectiva da convivência recíproca como um direito das pessoas com e sem deficiência;
o Ministro Gilmar Mendes, embora tenha ressalvado a necessidade de regras de transição para
casos como este, até no sentido da prevenção de maiores controvérsias no âmbito das cortes; o
Ministro Dias Toffoli, que acompanhou o Relator sem descer a pormenores; e ainda o
Presidente do STF, Ministro Ricardo Lewandowski, que destacou a importância histórica e
paradigmática do voto do Ministro Fachin.
O único voto divergente foi o do Ministro Marco Aurélio Mello que entendeu que
a ADI deveria ser parcialmente acolhida, para destacar que seriam inconstitucionais as
previsões dos dispositivos em questão se interpretadas como obrigatórias aos
estabelecimentos privados de ensino, o que, em termos práticos, terminaria por ser uma
acolhida plena face à ausência de dever por parte das referidas instituições em acolher o aluno
com deficiência.
A decisão de mérito proferida, com um único voto divergente, é um marco
histórico extremamente relevante na luta pela afirmação dos direitos da pessoa com
deficiência. É uma firme resposta negativa da mais alta Corte brasileira a qualquer
possibilidade de retrocesso em matéria de inclusão, não sendo admissível a utilização de
paradigmas discriminatórios pejorativos como base para suas atividades, seja no âmbito do
setor público, seja na iniciativa privada. A regra geral é a inclusão, e na educação não é
diferente.
CONCLUSÃO
54
Em verdade, a questão educacional das pessoas com deficiência sempre foi um
espécie de ―calcanhar de Aquiles‖. Não que as demais questões sejam simples, mas adaptar-se
à heterogeneidade e aos desafios educacionais de sair dos padrões pedagógicos homogêneos,
ter flexibilidade e dar conta da diversidade de modos de aprendizados em relação à educação
dessas pessoas, é, indubitavelmente, uma tarefa muito complexa. Um aluno com deficiência,
em boa parte dos casos, necessita de atendimento educacional especializado e de adaptações
curriculares e psicopedagógicas para seu aprendizado (Conferir GONZAGA, 2015, p. 115;
FERRAZ; LEITE, 2015b, p. 157-160). Como o sistema educacional historicamente excluiu
essas pessoas, é evidente que as escolas em geral, públicas e privadas, ainda não estão
completamente preparadas para essa demanda. É necessária parceria entre escola, família,
associações privadas e órgãos públicos, enfim, entre todos os que possam colaborar. É
igualmente necessária a compreensão por parte da família e da sociedade sobre os erros e
percalços que as escolas certamente terão até acertarem no oferecimento de uma verdadeira
educação inclusiva. Diante do fato de ser um desafio para o qual nenhum de nós está
totalmente preparado, é preciso enfrentá-lo com diálogo permanente para a busca das
melhores soluções inclusivas, e a escola, pública ou privada, deve ser vista antes de tudo
como uma parceira na edificação de uma educação inclusiva, nunca como uma inimiga.
Mas o caminho para isso seguramente não é o da exclusão do aluno com
deficiência, seja no que diz respeito à recusa de sua matrícula por esses estabelecimentos, seja
na cobrança de valores adicionais à mensalidade para que a escola privada cumpra com seus
deveres referentes à educação inclusiva.
Infelizmente, a CONFENEN escolheu o pior dos caminhos, tanto jurídica como
política e moralmente. Juridicamente, é pretensão que na prática implicaria em um ―direito‖ a
discriminar, o que vai de encontro tanto aos dispositivos constitucionais pertinentes, como à
tendência jurisprudencial do STF (e de outras cortes do país) que tem sido a de avançar,
sempre que possível, na igualdade e não discriminação, e não no seu inverso, como almejava
a Confederação das escolas privadas. Politicamente, parecia desejar uma liberdade absoluta de
empreendimento, algo inconcebível mesmo em empresas que prestam serviços
exclusivamente privados (e não públicos, como educação e saúde), em vez de buscar
sensibilizar governos e parlamentos, no sentido da obtenção de compensações para eventual
aumento de custos em decorrência dos atendimentos educacionais especializados, como, p.
ex., incentivos fiscais na medida em que a escola atingisse determinadas metas inclusivas, 55
sugestões que Comissões de defesa de direitos desses segmentos de vulneráveis, a exemplo da
Comissão dos Direitos da Pessoa com Deficiência e da Comissão de Direitos Humanos da
OAB/PE, já fizeram publicamente. E moralmente por que, em vez de buscar tais caminhos
alternativos, tenta penalizar justamente o lado mais vulnerável: o das famílias dos alunos com
deficiência que, em seus cotidianos, já sofrem demasiadamente para conseguirem a inclusão
escolar.
O que se verifica é que o direito antidiscriminatório tem tido uma clara tendência
de fortalecimento no Brasil. No plano legislativo, governamental (políticas públicas) e
judicial, é direito que avança, apesar dos percalços.
Indubitavelmente, o STF foi muito feliz na decisão da ADI 5357, mantendo a
sensibilidade que tem tido para com as temáticas inclusivas e antidiscriminatórias e
rechaçando uma claramente inconstitucional pretensão da Confederação das escolas privadas
de uma espécie de ―direito a discriminar‖.
56
REFERÊNCIAS
FERRAZ, Carolina Valença; LEITE, Glauber Salomão: ―A proteção jurídica da pessoa com
deficiência como uma questão de direitos humanos‖, in: Direito à diversidade (orgs.:
FERRAZ, Carolina Valença; LEITE, Glauber Salomão). São Paulo: Atlas, 2015a, p. 93-113.
______, Carolina Valença; LEITE, Glauber Salomão: ―Direito educação inclusiva: uma
análise contemporânea em favor da diversidade e da cidadania plural‖, in: Direito à
diversidade (orgs.: FERRAZ, Carolina Valença; LEITE, Glauber Salomão). São Paulo:
Atlas, 2015b, p. 142-162.
HESSE, Konrad: A força normativa da constituição. Porto Alegre: Sergio Fabris, 1991.
RAWLS, John: Uma teoria da justiça. São Paulo: Martins Fontes, 1997.
SEGALLA, Juliana Izar Soares da Fonseca: ―Direito educação‖, in: Manual dos Direitos
da Pessoa com Deficiência (Orgs.: FERRAZ, Carolina Valença; LEITE, George Salomão;
LEITE, Glauber Salomão; LEITE, Glauco Salomão). São Paulo: Saraiva, 2012, p. 128-146.
TUSHNET, Mark: ―Regras da Corte Suprema Norte Americana sobre Ação Afirmativa‖, in:
Jurisdição e Direitos Fundamentais – Anuário 2004/2005: Escola Superior da
Magistratura do Rio Grande do Sul – AJURIS, vol. I, tomo I (org.: SARLET, Ingo
Wolfgang). Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2006, p. 303-320.
58
ISSN 2232-7541
3
4
INTERNATIONAL JOURNAL OF RULE OF LAW, TRANSITIONAL JUSTICE AND HUMAN
RIGHTS
Year 8, Volume 8
Authors:
Published by:
Anastasiia Tokunova Konrad-Adenauer-Stiftung e.V.
Andrés García Gómez Tiergartenstraße 35
Ema Talam D-10785 Berlin
Helga Molbæk-Steensig Germany
Ivan Stefanovski Phone: +49 30 269 96 453
Kristin Birkenzeller Fax: +49 30 269 96 555
Lorena Diz Conde Website: www.kas.de
Marjolein Schaap
Natasha Todorovska Rule of Law Programme South East
Rukmani D. Bhatia Europe
Velislav Ivanov Konrad-Adenauer-Stiftung e.V.
5 Franzelarilor Street
Editor (Editor-in-Chief): Sector 2
Adnan Kadribasic RO-020785 Bucharest
Romania
Co-editor Tel.: +40 21 302 02 63
Nedim HogiР Fax: +40 21 323 31 27
e-mail: office.rspsoe@kas.de
For the Publisher: Website: www.kas.de/rspsoe
Almin Skrijelj
and
Association "PRAVNIK"
Print run: 650 Bajrama Hasanovica 18
Sarajevo, 71000
Sarajevo, December 2017 Bosnia and Herzegovina
e-mail: info@pravnik-online.info
Website: www.pravnik-online.info
CIP Cataloguing in Publication Data available from National and University Library of
Bosnia and Herzegovina ISSN 2232-7541
8
9
FOREWORD
The eighth edition of the International Journal on Rule of Law, Transitional Justice and
Human Rights in front of you is a peer-reviewed International Journal published by the
Association “Pravnik” and the Konrad-Adenauer-Stiftung’s Rule of Law Programme South
East Europe. This International Journal is a direct output of the International Summer
School Sarajevo (ISSS) which our two organisations co-organise since 2006. During its 11
editions the International Summer School Sarajevo has attracted over three hundred
students and young professionals from Europe, Asia and the Americas. After each edition of
the International Summer School Sarajevo, our aim was to engage our alumni to contribute
to academic discussion with their papers on contemporary topics such as Rule of Law,
Transitional Justice or Human Rights. An additional goal is to promote an interdisciplinary
approach and build bridges between academia and practitioners in these relevant areas.
Although there seems to be a universal understanding that peace and stability are crucial
elements of modern societies, still too many violent conflicts are ongoing and will eventually
destroy the fibre of communities affected with conflict. After the collapse of communism,
with the transitions and violent conflicts which followed, it was self-evident that a new
approach would be needed for these countries to recover. Transitional Justice was coined as
a holistic approach offering instruments such as criminal prosecution, truth commissions,
outreach and memorialization which were added to instruments already existing at that
time, such as institution building, development of a sustainable rule of law and human
rights systems, to name but a few.
Today, the concept is no longer new. As Ruti G. Teitel asserts in her book (reviewed in this
Journal), Transitional Justice today is globalized and currently forms part of a high number
of post-conflict missions. However, in most countries, the application of transitional justice
faces intricate challenges and fails to deliver the promise of sustainable peace and
reconciliation. There already is a quite some research available, while in our view it focuses
too much on criminal justice and too little on other transitional justice instruments such as
truth commissions, truth speaking and outreach. Since our International Summer School is
placed in Sarajevo, we recognised the need to focus on the topic of transitional justice as a
new approach in dealing with past atrocities and a strategy for sustainable approach to
justice, rule of law, reconciliation and peace building. The articles in this Journal also
explore the interplay between Transitional Justice and other processes and in particular the
rule of law, human rights and Europeanization, Globalization and others.
With the eighth edition of the Journal in your hands, we hope that you will recognize new
generation of voices from the field, suggesting alternative and critical approaches to
contemporary challenges of transitional justice. The variety of topics chosen by the authors
is indeed inspiring as it ranges from violations of rights of individuals to the group rights.
Just like its first seven editions, the Journal will be open for public as it represents the
юSSS’ contribution to global efforts in analyzing, understanding and teaching about the rule
of law, transitional justice and human rights.
10
11
12
13
Pitfalls of the European Union approach
towards the Western Balkans: A regional
perspective
By Velislav Ivanov*
ABSTRACT
This article assesses the approach of the European Union in its enlargement
policy towards the Western Balkans. A brief comparison with the Eastern
enlargement exposes three main differences: an ambiguous membership
perspective, hard conditionality policies, and an exclusive individual approach for
each country. These are argued to be insufficient engagement on part of the
Union and have unwittingly tolerated the establishment of “stabilitocracies” in
the region. A number of proposals for overcoming the unfavourable situation are
outlined as a conclusion.
* Velislav Ivanov holds an MSc in European politics from the University of Edinburgh and is
currently completing his doctorate at Sofia University "St. Kliment Ohridski", focusing on the
European integration of the Western Balkans. His professional achievements include a difficult
period in the civil service and co-founding the blEUprint think/do tank. His opinion pieces on
public matters have appeared in a number of noteworthy printed and online media. 2017 saw
the publication of his first collection of short stories through Colibri books.
14
Introduction hand, exterior (unrecognition of a certain
After the fall of the Berlin wall and the state by other subjects of international
collapse of the socialist regimes in Eastern relations; contested territories etc.), and
Europe, the European Union (EU) faced on the other, interior (the inability of a
an unfamiliar challenge – to integrate a government to exercise power on its own
number of states within its framework by territory, to collect taxes, to maintain
catalysing their political transition from order etc.) Such a state of affairs requires
totalitarianism to liberal democracy and that the EU not only aid in the forging of
their economic one from planned to modern democratic institutions, but also
market economy. During the accession in upholding statehood4 and constructing
process that ended with the 2004 and states capable of maintaining their basic
2007 enlargements the EU refined the functions. This is the main reason why
instruments of its accession policy: first, the methods of previous enlargements
conditionality and second, the regional have hardly been successful when applied
approach towards candidate countries to entities like Bosnia and Herzegovina or
which arguably fostered positive Kosovo.
competition between states on their road
to European integration. The results of Other distinctive characteristics of the
this policy are the subject of numerous region that were not part of the Eastern
research articles in academic literature, enlargement include extreme nationalism,
inter alia those of Heather Grabbe1, Frank acute ethnic tensions, and unresolved
Schimmelfennig2, and Ulrich Sedelmeier3. war-related issues. From the perspective
They conceptualise the process and reveal of the EU, the main such problem in the
the specific interrelations between the period under scrutiny is possibly the
features of the enlargement policy and its cooperation of the countries in the region
specific results. with the International Criminal Tribunal
for the former Yugoslavia (ICTY) in The
In the Wester Balkan region the EU Hague and the surrender of the indicted
should apply the experience previously persons residing on their territories.
acquired in the Eastern enlargement; Regional cooperation, the return of people
however this is not enough, as the region displaced during the wars and minority
poses challenges the Union has not inclusion are also important issues that
encountered thus far. The wars in the the enlargement policy of the EU faces. In
former Yugoslavia in the nineties have left addition, the inability of the EU to stop
a significant part of the region in a post- the war near its borders in the nineties is
conflict situation with its specific the rationale for the significant
characteristics. peacekeeping engagement in zones with
high risk of violence.
For the purposes of this article,
foremost are the fundamental problems Even though the Western Balkan
related to weak stateness – on the one countries are also undergoing a transition
to democracy, their initial position is less
enviable than that of the Central and
Eastern European (CEE) countries at the
1 Grabbe, Heather. Eu's Transformative Power.
Palgrave Macmillan, 2015. beginning of their European integration
2 Schimmelfennig, Frank and Sedelmeier,
Ulrich. "The Europeanization of Central and
Eastern Europe." Cornell Studies in Political
Economy. Ithaca: Cornell University Press 4 While statehood and stateness are verbally
(2005). and conceptually related, this text retains the
3 Schimmelfennig, Frank, and Sedelmeier, dictionary definition of “statehood” (the
Ulrich. "Governance by conditionality: EU rule condition or status of being a state), and
transfer to the candidate countries of Central employs the broadly accepted meaning of
and Eastern Europe." Journal of European stateness in political science (the basic
public policy 11.4 (2004): 661-679. functions of a state).
15
process5. As their road to membership is countries that lack such a perspective
longer, the framework of the process set unequivocally proves its utmost
by the EU, while based on the Eastern importance7.
enlargement, is significantly different. The EU membership was first cautiously
democratic criteria set by the European offered to the Western Balkan countries at
Council in Copenhagen in жоои (“stability the European Council in Feira in 2000. In
of institutions guaranteeing democracy, the published conclusions, they are
the rule of law, human rights, respect for named as “potential candidates for EU
and protection of minorities”6) are membership” (a wording that bears
extended with additional conditions. Both political rather than legal weight), the EU
the different context and the accession of aspiring to “the fullest possible integration
Bulgaria and Romania set a different tone of the countries of the region into the
to the enlargement process of the region. political and economic mainstream of
Europe”8. The European Council in
The current article begins by juxtaposing Thessaloniki in зееи reaffirms “its
the approach of the EU in the Eastern determination to fully and effectively
enlargement with that towards the support the European perspective of the
Western Balkan countries by using the Western Balkan countries, which will
conclusions of academic literature on the become an integral part of the EU, once
topic as a starting point of the discussion. they meet the established criteria” and
The different results and especially the refers to their “future accession”9;
establishment of “stabilitocracies” are nonetheless lacking specific promises or
then argued to be the result of insufficient dates. It was not until 2008 that the EU
engagement. In its conclusion, the text proposed a less equivocal engagement:
will propose some possible lines of action “…the remaining potential candidates in
to overcome the political gridlock. the Western Balkans should achieve
candidate status, according to their own
EU Membership Perspective
First and foremost, the clear and credible
membership perspective is a necessary
7Schimmelfennig, Frank. "EU political
precondition for any candidate country’s
accession conditionality after the 2004
European integration progress. It is a
enlargement: consistency and effectiveness."
main catalyst for democratic and market Journal of European Public Policy 15.6 (2008):
reforms; and a comparative analysis with 918-937;
Schimmelfennig, Frank, and Scholtz, Hanno.
"EU democracy promotion in the European
neighbourhood: political conditionality,
5 It could be argued that in terms of economy, economic development and transnational
Yugoslavia was better prepared for the exchange." European Union Politics 9.2 (2008):
transition, as it was not a member of the 187-215;
Council for Mutual Economic Assistance Schimmelfennig, Frank and Cirtautas, Arista
(COMECON) and thus has had to acknowledge Maria. "Europeanisation before and after
the realities of international markets even accession: conditionality, legacies and
under centrally planned economy. Politically, compliance." Europe-Asia Studies 62.3 (2010):
Tito’s regime was arguably also not as severe 421-441;
as those of, say, Romania or Bulgaria. Anastasakis, Othon. "The EU’s political
However, after the dissolution of Yugoslavia, conditionality in the Western Balkans: towards
the economic spoils turned out to be a more pragmatic approach." Southeast
geographically uneven with the North being European and Black Sea Studies 8.4 (2008):
significantly better off; while the devastating 365-377.
wars and extreme nationalism eradicated the 8 European Council. Santa Maria da Feira
political and civic culture of Yugoslav times. European Council 19 and 20 june 2000.
6 European Council. Copenhagen European Conclusions of the Presidency.
Council зж and зз яune жоои. “Conclusions of 9 European Council. Thessaloniki European
the Presidency”. Bulletin of the European Council 19 and 20 June 2003. Conclusions of
Communities 6 (1993): 7-23. the Presidency.
16
merits, with EU membership as ultimate important catalyst for the accession
goal.”10 Recent documents on the region process.
published by the European Commission
(EC) reiterate “the clear perspective of EU The juxtaposition between these
membership”. The accession process phrasings leads to several significant
however is linked to “strict but fair conclusions regarding the approach
conditionality, established criteria and the adopted by the EU. First, unlike in CEE
principle of own merit.”11 The EU countries, in the Western Balkans, the EU
membership perspective for the Western does not propose an accession at all cost,
Balkans countries is clear, but not or one that is just a matter of time; i.e. the
unconditional. Whether it is seen as outcome of the process is left open. The
credible on part of the candidate countries EC, on its part, sets certain conditions
is up for debate. and employs mechanisms to monitor their
fulfilment. The adopted approach,
The aforementioned phrasings are however, is “fundamentals first”, in other
significantly more cautious and words, the main conditions set by the EU
“ambiguous”12 compared to the language have to be met before the accession
the EU employed for CEE countries. The process moves forward. The fact that the
European Council in Copenhagen in 1993 relevant documents specify no target
which outlined EU membership criteria dates for accession or for moving further
for the first time stated unequivocally that in the road to membership is a clear
the CEE countries “that so desire shall illustration of this argument. The
become members of the European juxtaposition of the time spent in similar
Union”13; the one in Luxembourg in 1997 phases of the accession process also
concludes that they are “destined [ital. supports this line of reasoning. Bulgaria,
mine] to join the European Union on the for instance, completed the entire
basis of the same criteria”14. According to accession negotiation process for a little
researchers like Schimmelfennig, such more than four years16. Montenegro,
statements led the EU into a “rhetoric currently the forerunner in the accession
trap”15 which was subsequently an process, has closed only three of thirty-
three chapters in the negotiations for
some five years. This exemplifies not only
the more complex issues in the candidate
10 European Council. Brussels European countries, but also the significantly
Council 19 and 20 June 2008. Conclusions of diminished engagement on part of the EU
the Presidency. for the integration of the region.
11 European Commission. Communication
from the Commission to the European The shift from an inclusive regional/group
Parliament, The Council, The European approach to an exclusive individual one
Economic and Social Committee and the towards each country should also be
Committee of the Regions. Enlargement
examined. It could be seen as realistic and
Strategy and Main Challenges 2014-15.
12 Phinnemore, David. The Stabilization and constructive because of the lukewarm
Association Process: A framework for European enthusiasm for further enlargement
Union enlargement?, European Integration and within the EU Member States, on the one
Transformation in the Western Balkans: hand, and due to the significant
Europeanization or business as usual differences between the countries in the
(2013):22-35. region, on the other. Even though they
13 Copenhagen European Council.
14 European Council. Luxembourg European
research." Journal of European Public Policy 9.4 and transformation in the Western Balkans:
(2002): 500-528; Europeanization or business as usual?.
Schimmelfennig, Frank, and Hanno Scholtz. Routledge, 2013.
"EU Democracy Promotion in the European 27 Grabbe, Heather. "Central and Eastern
(2008): 365-377.
Aybet, Gülnur, and Florian Bieber. "From Dayton to Brussels: the impact of EU and
NATO conditionality on state building in Bosnia & Hercegovina." Europe-Asia Studies
63.10 (2011): 1911-1937.
Balkans in Europe Policy Advisory Group. Policy Paper: The Crisis of Democracy in
the Western Balkans. Authoritarianism and EU Stabilitocracy, 2017, available at
<http://www.biepag.eu/wp-content/uploads/2017/03/BIEPAG-The-Crisis-of-
Democracy-in-the-Western-Balkans.-Authoritarianism-and-EU-Stabilitocracy-
web.pdf>.
Bieber, Florian. “What is a stabilitocracy”. Balkans in Europe Policy Blog, 2017,
available at <http://www.suedosteuropa.uni-graz.at/biepag/node/245>.
Bieber, Florian. EU conditionality in the Western Balkans. Routledge, 2011.
Boduszyński, Mieczysław P. Regime change in the Yugoslav successor states:
divergent paths toward a new Europe. Baltimore, MD: Johns Hopkins University
Press, 2010.
Elbasani, Arolda, ed. European integration and transformation in the Western
Balkans: Europeanization or business as usual?. Routledge, 2013.
European Commission. Communication from the Commission to the European
Parliament, The Council, The European Economic and Social Committee and the
Committee of the Regions. Enlargement Strategy and Main Challenges 2014-15.
European Council. Brussels European Council 19 and 20 June 2008. Conclusions of
the Presidency.
European Council. Copenhagen European Council 21 and 22 June 1993.
“Conclusions of the Presidency”. Bulletin of the European Communities 6 (1993): 7-23.
European Council. Luxembourg European Council 12 and 13 December 1997.
Conclusions of the Presidency.
European Council. Santa Maria da Feira European Council 19 and 20 june 2000.
Conclusions of the Presidency.
European Council. Thessaloniki European Council 19 and 20 June 2003.
Conclusions of the Presidency.
Grabbe, Heather. "Central and Eastern Europe and the EU." Developments in Central
and East European Politics 4 (2007): 120.
Grabbe, Heather. Eu's Transformative Power. Palgrave Macmillan, 2015.
Pavlovic, Srda. “The West’s support of Dzukanovic is damaging the prospects of
democratic change”. London School of Economics and Political Science, 2016,
available at <http://blogs.lse.ac.uk/europpblog/2016/12/23/montenegros-
stabilitocracy-how-the-wests-support-of-dukanovic-is-damaging-the-prospects-of-
democratic-change/>.
Phinnemore, David. The Stabilization and Association Process: A framework for
European Union enlargement?, European Integration and Transformation in the
Western Balkans: Europeanization or business as usual (2013):22-35.
Sasse, Gwendolyn. "The politics of EU conditionality: the norm of minority protection
during and beyond EU accession." Journal of European Public Policy 15.6 (2008):
842-860.
Schimmelfennig, Frank and Cirtautas, Arista Maria. "Europeanisation before and
after accession: conditionality, legacies and compliance." Europe-Asia Studies 62.3
(2010): 421-441.
22
Schimmelfennig, Frank and Sedelmeier Ulrich. "The Europeanization of Central and
Eastern Europe." Cornell Studies in Political Economy. Ithaca: Cornell University Press
(2005).
Schimmelfennig, Frank, and Hanno Scholtz. "EU Democracy Promotion in the
European Neighborhood: Conditionality, Economic Development, and Linkage."
(2007): 31.
Schimmelfennig, Frank, and Hanno Scholtz. "Legacies and leverage: EU political
conditionality and democracy promotion in historical perspective." Europe-Asia
Studies 62.3 (2010): 443-460.
Schimmelfennig, Frank, and Scholtz, Hanno. "EU democracy promotion in the
European neighbourhood: political conditionality, economic development and
transnational exchange." European Union Politics 9.2 (2008): 187-215.
Schimmelfennig, Frank, and Ulrich Sedelmeier. "Governance by conditionality: EU
rule transfer to the candidate countries of Central and Eastern Europe." Journal of
European public policy 11.4 (2004): 661-679.
Schimmelfennig, Frank, and Ulrich Sedelmeier. "Theorizing EU enlargement:
research focus, hypotheses, and the state of research." Journal of European Public
Policy 9.4 (2002): 500-528.
Schimmelfennig, Frank. "EU political accession conditionality after the 2004
enlargement: consistency and effectiveness." Journal of European Public Policy 15.6
(2008): 918-937.
Schimmelfennig, Frank. "The community trap: Liberal norms, rhetorical action, and
the eastern enlargement of the European Union." International organization 55.1
(2001): 47-80.
Stefes, Christoph H. Understanding post-Soviet transitions: corruption, collusion and
clientelism. Springer, 2006.
23
24
25
The importance of Public Legal Education
for strengthening the Rule of Law
ABSTRACT
*Andrés García Gómez (Gijón, 1988) holds a degree in Law from the University of Navarra and
also completed Master’s degree in International Relations at the University of Bologna. He
worked as a junior analyst at Vessel International in Rome specializing in Eastern Europe and
Mediterranean areas. Besides that he has experience within international organisations and
diplomacy, as intern at the Embassy of the Kingdom of Spain in Skopje and the OSCE Mission
to Serbia. Currently he works as freelance analyst focused on socio-political issues, human
rights and justice in South East Europe.
36World Justice Project. What is the Rule of Law? Available at: https://worldjusticeproject.org/about-
us/overview/what-rule-law
26
Introduction: concept of Public Legal the common law is England most precious
Education and enduring gift to her former colonies,
that it also should renew our own faith in
The idea of Public Legal Education (PLE) the stability of our legal institutions”38.
sinks its roots in the Anglo-Saxon legal
tradition. In fact, so-called common law For this reasons the idea could be also
system is that where law exists but the extended to other countries of former
body of the law is developed by judges and British Empire, such as Ireland, Canada,
courts, which makes judicial precedent Australia or New Zeeland that have
very important to decide future similar incorporated common-law systems. In all
cases. Norms do not provide for all legal these countries both citizens and
assumptions, instead judges play a role professionals take part on process in an
similar to a tailor dressing each single open and perhaps more participant way
case as it were a suit; however this does than in civil law countries, where each
not imply arbitrariness of judicial action single aspect of trials is strictly regulated
because there is a background stage in and legal professionals act within a very
which authorities must analyse previous limited parameters. Pursuing the idea of
cases that could be binding or persuasive strengthening links, cooperation and
when deciding similar cases. This is the accountability between citizens and
principle of “stare decisis”. judicial authorities is how the concept of
Public Legal Education was born in the
On the opposite side, civil law system is middle of ме’ in Great Britain, Canada and
based just on codes and law that are Australia mainly. The original ideal of
primarily legal sources; and judges public legal education was born because
according to Montesquieu should be this kind of education and information is
exclusively the mouth of the law. perhaps the oldest and most widely used
Both systems have advantages and form of legal assistance delivered around
disadvantages, but strict compliance with the world, yet paradoxically has only more
the law as well as its flexibility are two recently become a clearly defined field of
essential characteristics of common law practice and one of the most promising
system. In the early days of the Republic, areas of justice innovations. The nature
Alexis de Tocqueville, James Bryce, and and scope of Public Legal Education varies
others detected this respect for the law significantly across jurisdictions. Broad
and saw it as a dominant theme in the terminology associated with PLE includes
then emerging nation. Tocqueville wrote in concepts such as justice education, legal
1830 in Democracy in America that literacy, legal empowerment, and
American people obey the law not only community legal education. The scope of
because is their own work, but because it activities involved in public legal
may be changed if harmful; a law is education is invariably wide,
observed, first, it is a self-imposed evil, encompassing diversity of legal issues in
and secondly, it is an evil of transient contemporary life, and ranging from basic
duration37. From colonial times to the information to enhanced education 39.
modern age the American people have had
an abiding faith in the rule of law, even Based on the report of the Foundation for
when they acted in disregard of this faith; Public Legal Education beneficiaries of the
that is in part due to the above mentioned
intrinsic characteristic of common law. As
Joseph Anthony Lewis, New York Times 38 John E. Cribbet, Legal Education and the
columnist and author who twice won a Rule of Law. American Bar Association Journal
Pulitzer Prize, said in March жоме “faith in Vol. 60, No. 11 (November, 1974)
Conclusion
In post-conflict settings, legislative
frameworks often show the accumulated
signs of neglect and political distortion,
contain discriminatory elements and
rarely reflect the requirements of
32
33
Bosnia and Herzegovina’s approach and
the role of Transitional Justice in the
sphere of ensuring the rights and freedoms
of internally displaced persons: lessons for
Ukraine
By Anastasiia Tokunova*
ABSTRACT
34
Introduction state. In particular, after the war, over
Solving of the problems, caused by half of the 4.4 million pre-war population
internal displacement, is one of the key of Bosnia was displaced, with an
issues in the modern world. By the end of estimated 1.1 million displaced internally
2016 there were 40.3 million people and approximately 1.3 million fleeing to
internally displaced by conflict and neighboring countries and Western
violence across the world.51 Europe.54 According to UNHCR Global
Report, 518,300 people were registered as
Unfortunately, Ukraine had to face this IDPs in BiH in 200055 (13.7 per cent of the
problem, due to the conflict in the Eastern country’s population for that year56).
Ukraine and disruption of the territorial Taking to consideration the post-war
integrity of Ukraine (Crimea). All in all, destruction, BiH had to make rather fast
1,653,000 became internally displaced decisions to avoid such situation. The
persons (IDPs) as of 31 December 201652, fact, that for the close of the 2016 the
when the total population of the country number of IDPs in BiH was 98,324
was 42,467,037 (3.9 per cent).53 people57 (2.6 per cent of the current total
country population58), gives the
It should be said that activities targeted to opportunity to recognise that this work
this vulnerable group can’t be called had a positive effect.
successful in Ukraine. The Issues of such
as social and economic rights of IDPs have Thus, studying the experience of BiH is
raised concerns in the international expedient for Ukraine, so this research
community with regards to capabilities of conducting is timely and topical.
Ukraine government to ensure their
protection. The key objective of this paper is
determination of certain successful steps
On the one hand, the work on these of BiH in the field of peacebuilding and
problems resolving is already underway. Transitional Justice providing, which
However, in consideration of the absence
of relevant practices in the country, it
would be useful to apply the experience of
other countries in this area. As to my 54 Tomaž Kravos, ‘Sustainable Returnп A
point of view, the most valuable in this Guarantee for Stability and Integration in
sense is Bosnia and Herzegovina’s (BiH) Bosnia-Herzegovina, Balkan Diskurs, 3
February 2016,
experience.
http://www.balkandiskurs.com/en/2016/02/
03/sustainable-return-a-guarantee-for-
Reasons for choosing the experiences of stability-and-integration-in-bosnia-
BiH are that the military conflict occurred herzegovina/.
there relatively recently, so the relevant 55 UN High Commissioner for Refugees Global
practice is rather contemporary. Secondly, Report 2000: Bosnia and Herzegovina (Geneva:
enough time had passed to enable ATAR Rotopresse, 2001), 388.
launching of the Transitional Justice 56 Agency for Statistics of Bosnia and
mechanisms; therefore the relevant Herzegovina, Demography 2012: Thematic
Bulletin (Sarajevo: Printing House Avery,
measures can be studied. Thirdly, юDPs’
2013), 22.
issue is an important problem for this 57 Concept Note of the Conference on Economic
Statistical Collected Book (Kiev: August Trade Revision, Key Findings and Advance Tables,
LTD, 2017), 5. UN Doc. ESA/P/WP/248 (2017), at 17.
35
made possible the achievement of the hybrid); reparations; and institutional
rights and freedoms of IDPs, for further reform, including vetting.60
implementation of the relevant practices
in Ukraine. The conflict in Ukraine is still being in an
active phase. Therefore, it’s necessary to
Opportunities for Transitional Justice determine whether it is possible to apply
in Ukraine the experience of BiH now, or all the
In this case the first question is about recommendations on this issue should be
whether BiH’s approaches are applicable left for the future.
to Ukraine. The enquiry is that
Transitional Justice operates with the From my point of view, the question about
past. According to the UN definition, implementation of the Transitional Justice
Transitional Justice is the full range of elements is timely right now due to the
processes and mechanisms associated following reasons.
with a society’s attempt to come to terms
with a legacy of large-scale past abuses, in Primarily, there are several types of
order to ensure accountability, serve territories in Ukraine, affected by the
justice and achieve reconciliation. 59 conflict. From the one side, there are
certain territories in the east of the
UN work on Transitional Justice is based country, which are outside of control of
on international human rights law, the Government of Ukraine (in multiply
international humanitarian law, publications of international organizations
international criminal law and as UN these territories are called “non-
international refugee law. Particularly, Government controlled areas” (NGCA),
four tenets of international human rights accordingly the term “Government
law have framed Transitional Justice and controlled areas (GCA) is used for
the fight against impunity: (a) the State territories remaining under the control of
obligation to investigate and prosecute the Government61).
alleged perpetrators of gross violations of
human rights and serious violations of From the other side, there are locations,
international humanitarian law, including for which staying outside of the Ukrainian
sexual violence, and to punish those Government control remained in the past,
found guilty; (b) the right to know the the same as direct armed actions (e.g.
truth about past abuses and the fate of Sloviansk, Kramatorsk). Simultaneously,
disappeared persons; (c) the right to there are still a lot of reminders about this
reparations for victims of gross violations conflict: consequences of shelling,
of human rights and serious violations of destroyed or damaged buildings, mine
international humanitarian law; and risk, unexploded ordinances etc.
(d) the State obligation to prevent, through
different measures, the reoccurrence of And, finally, there are a big number of
such atrocities in the future. inhabited localities of Donetsk and
Luhansk regions, which is staying rather
Different mechanisms or measures have remotely from the contact line and hosting
been established to fulfill these of IDPs, who came after the armed actions
obligations: truth-seeking mechanisms
such as truth commissions; judicial
mechanisms (national, international or
60Ibid.
61 UN Office for the Coordination of
Humanitarian Affairs, Humanitarian Response
Plan: Ukraine (January-December 2017),
59 Transitional Justice and Economic, Social https://www.humanitarianresponse.info/ru/o
and Cultural rights, UN Doc. HR/PUB/13/5 perations/ukraine/document/ukraine-2017-
(2014), at 5. humanitarian-response-plan-hrp.
36
had started. People there feel the electoral rights, freedom of movement
consequences of the conflict also. etc.). All these conditions cause a fear
At the present time, for all above among people, living in NGCA, and deepen
mentioned affected territories post-conflict mutual division. Transitional Justice, even
phenomena is in place in higher or lower in its initial stage, could become an
level, such as: example of positive changes, which will
- everyday massive flows of people from help to overcome this fear and play an
the NGCA to GCA and back to solve important role in the reintegration of the
certain problems (for example, related to territories.
specifics of Ukrainian legislation towards
social and pension payments), to receive Speaking about BiH’s experience, one of
some necessary services, etc. Here it the key problems of the Transitional
should be taken into account, that for Justice implementation in this country is
people this action is still connected with limited results of the existing fact-finding
difficulties and risks; and truth-telling initiatives. It is estimated
- psychological trauma, which affected that close to 100,000 people were killed
high percentage of local population on during the war in BiH, around 35,000 of
both GCA and NGCA; them were missing, and 2.2 million people
- existence of different approaches to became refugees or internally displaced.
understanding and attitudes to roots of Although the armed conflict in BiH ended
the conflict, and disquieting expectations nearly two decades ago, a number of the
about how the further scenario for problems associated with these disasters
Donetsk and Luhansk regions as well as have not been resolved to this day.
for whole Ukraine will be developed; Despite the fact that a great deal of work
- big number of cases of human rights’ has been done, some researches point out
violations, which has not been the insufficiency of measures for credible
investigated yet and as a result guilty description of violations of human rights,
persons have not suffered punishment. objective estimation of the human losses,
efficient provision of platforms for the
The situation described above makes public hearing of victims' accounts etc. 62
people inlive in a highly stressful and
unstable environment, which increased Therefore, for at least to ensure above
due to the risk and fear of conflict noted aspect of Transitional Justice, it is
escalation and growth over the territories. advisable to start preliminary preparatory
work now, when the relevant data is still
The launch of measures for elements of available and can be documented.
Transitional Justice implementing would
help not only to overcome (for at least Besides, it is necessary to emphasize the
partially) these challenges, but also to following features of Transitional Justice,
raise chances for reintegration. The fact of which contented in the BiH Transitional
the matter is that now an active Justice Strategy. The matter is that all
propaganda, connected with the ideas of four mechanisms of Transitional Justice
the peril of the Ukraine’s control recovery, (criminal justice, fact-finding and truth-
is taking place in NGCA. In this territories telling, reparations and memorials,
is widely disseminated the statement that
at this case the NGCA residents will be
physically liquidated or extremely limited
in rights, so further existence will become 62Bosnia and Herzegovina Ministry for Human
practically impossible. This idea is Rights and Refugees, Bosnia and Herzegovina
Ministry of Justice, Transitional Justice
supported by the declarations of some
Strategy for Bosnia and Herzegovina 2012-
Ukrainian politicians and the actual 2016, Working document, Sarajevo, 2013,
restrictions of a number of rights of IDPs http://www.nuhanovicfoundation.org/user/fil
from the side of Ukrainian authorities e/2013_transitional_justice_strategy_bih_-
(nonpayment of pensions, infringement of _new.pdf , 31.
37
institutional reforms) are mutually related implementation of Annex VII of the Dayton
and dependent on each other and that a Peace Agreement and certain aspects of
specific activity can be a characteristic of the Transitional Justice Strategy for BiH.
each individual mechanism. For example, However, the second document is based
although the primary goal of criminal largely on the provisions of the first one in
justice is to establish individual criminal IDPs issues, but inscribes relevant
responsibility of the accused persons, a aspects into the overall concept of
judgment establishes, beyond a Transitional Justice in the country.
reasonable doubt, the facts about an More detailed the appropriate questions
event covered by the indictment are covered by the Revised Strategy of BiH
(factfinding and truth-telling mechanism). for the Implementation of Annex VII of the
A verdict also has the effect of delivering a Dayton Peace Agreement.64 It should be
symbolic reparation to the victim in terms said that the initial strategy was widely
of serving justice (reparations programmes discussed, which led to its adjustment
mechanism), while prosecution and trial and revision (a few updated strategies
of the responsible ones, in the end, were published several times).
indicate the will on the part of the state
and institutions to respect the This practice should be assessed as a
Constitution, laws and international positive one. There is a problem in
norms. Bearing responsibility for human Ukraine that decisions and their revisions
rights abuses, as well as the relevant at the cases of IDPs are often made
punishment, leaves the impression that contrary to the opinion of public, local
the system is functioning indeed and civil society organizations (CSOs),
ensures restoration of citizen confidence recommendations of international experts,
in institutions (institutional reform and even laws of Ukraine (in regard to the
mechanism). Finally, it is necessary to last aspect the most visible example is
emphasize that the Transitional Justice procedures of pension and social
mechanisms touch upon some other payments for IDPs65).
important issues relevant for a society
which is addressing the legacy of past The last open for the analysis English
human rights abuses, such as protection version of the Revised Strategy of BiH for
and preservation of memory, the Implementation of Annex VII of the
democratization, reconciliation, etc.63 It is
precisely this approach should become the
key one for Ukraine in identifying the line 64 Dayton Peace Agreement is the General
of application of Transitional Justice in Framework Agreement for Peace in Bosnia and
the country. Herzegovina, also known as the Dayton Peace
Agreement (DPA), Dayton Accords, Paris
Lessons of strategic planning of BiH for Protocol or Dayton-Paris Agreement, is the
Ukraine peace agreement reached at Wright-Patterson
Air Force Base near Dayton, Ohio, United
It is necessary to mark the achievements
States, in November 1995, and formally signed
of BiH in the field of strategic framework in Paris on 14 December 1995. These accords
of legal relations on юDPs’ issues put an end to the и ж⁄з-year-long Bosnian War,
development. one of the armed conflicts in the former
Socialist Federative Republic of Yugoslavia.
The national response to internal The current Constitution of Bosnia and
displacement in BiH is based on two key Herzegovina is the Annex 4 of the DPA
documents, which define the state (definition is made according to the OSCE
planning in IDPs topic. They are the Mission to BiH position).
65 А а К , ‘І в’ К а
Revised Strategy of BiH for the
, і ав
в К єві і В ’, "Д а
", № 1129 (04-10.02.2017),
63Transitional Justice Strategy for Bosnia and https://zn.ua/SOCIUM/nil-voker-territoriya-
Herzegovina 2012-2016, 14. za-kontaktnoy-liniey-eto-ukraina-_.html.
38
Dayton Peace Agreement contains the pre-war homes makes it difficult to assess
next strategic objectives: what progress if any has been made under
- completion of the return process of the previous 2010 strategy, and what
BiH refugees and internally displaced impact the new strategy will have. 67
persons; Ukraine needs to take into account that, it
- implementation of repossession of is necessary to involve the audience
property and reinstatement of widely, when working in a changing
occupancy rights; environment on the revision and
- completion of reconstruction process improvement of documents related to IDPs
of housing units for the return needs; and other groups of population affected by
- ensuring conditions for sustainable conflict.
return and reintegration process in
BiH.66 Features of the international
It is understandable that full apply of this community's participation: the pros
approach is impossible in Ukraine now. In and cons
particular, the question of the return It should be said that BiH strategies and
process of IDPs and refugees cannot be action plans for overcoming of conflicts
solved until the complete ceasefire, and consequences were written with the
ensuring of safe living conditions, broad support of the world community.
demeaning etc. At the same time, other Most of the actions in the areas, related to
issues should be included in Ukraine's IDPs, are also carried out under the
strategic documents related to IDPs. patronage of a large number of
international organizations. For example,
Particularly, this is possible to implement in BiH the work with this vulnerable
through the draft law "On the peculiarities group of population is carried out by
of state policy on securing Ukraine's state ICRC, UN Women, UN Volunteers, OSCE,
sovereignty over temporarily occupied UNICEF, OHCHR, UNDP, UNFPA, UNHCR,
territories in Donetsk and Luhansk USAID and many others.
regions", which is being developing now.
Also, it is necessary to take into account a On the one hand, these activities resulted
fact, that the key factor of any strategy is in significant achievements (such as,
not only plan, but also its implementation, establishment of peace, development of
allocation of necessary resources (human, the above-mentioned strategies, urgent
financial etc.), monitoring of the situation assistance in conflict and post-conflict
and comprehensive awareness raising. situations etc.). On the other hand, close
Insufficient attention to this factor while cooperation with international institutions
preparing could lead to developing of a also has certain negative sides. So, such
declaration, instead of effective approach leads to the formation of
instrument. political elite, which is not actively taking
Thus, in accordance with Human Rights responsibility for what is happening in the
Watch’s World Report зежм, the country. This entails apathy and mistrust
government of BiH published a revised of the population, which affects the
strategy on the return of refugees and nation-wide processes.
internally displaced persons in December
2015. But a lack of reliable public For example, Canadian political scientist
information either from the Bosnia David Chandler persuasively argued that
authorities or UNHCR about returns of the presence of the non-accountable law-
displaced persons and refugees to their making international community in BiH
also takes accountability away from
78 Peter Vandor et al. (Eds.), Civil Society in Also, the issue of interaction between
Central and Eastern Europe: Challenges and CSOs is rather complicated in Ukraine.
Opportunities, 191.
79 Randall Puljek-Shank, Willemijn Verkoren,
Central and Eastern Europe: Challenges and Central and Eastern Europe: Challenges and
Opportunities, 191. Opportunities, 191.
42
The situation is widespread, when CSOs Ukraine is faced with a number of
carry out identical activities about the challenges, connected with the need to
same territory, but they concentrate on respond effectively to the problems of a
competition with each other, rather than huge number of IDPs, who previously
on building partnerships. lived in Crimea and certain territories of
Donetsk and Luhansk regions of Ukraine.
Another feature is that often financing for Transitional Justice mechanisms could
one or another project implementation is play a significant role for Ukraine not only
received by CSOs at the central level, as in dealing with the aftereffect of the
they have more opportunities to meet current situation, but also in preventing
formal requirements due to wider possible negative consequences.
experience in such procedures, previous
practice on cooperation with international Despite all elements of Transitional
organizations. At the same time, not all of яustice can’t be used at the present
them have branches or systematically moment, nowadays it is an important time
maintain networks in the regions. In such for the collecting and preserving evidence
cases local CSOs are contracted “ad hoc” of human rights violations, committed
and conduct the necessary scope of work during the conflict, what is the necessary
for lower funds. Thus, there are the precondition for criminal justice,
situations, when central CSOs are partly reparations, institutional reforms etc. The
turning into business projects, whose key objective is to secure as much data as
activities over time tend to focus more on possible, but it should be done
making a profit, rather than contributing systematically and be accompanied by
to real changes in the local level. using unified rules. In that case further
Hereby, in accordance with the above applying of international mechanisms in
mentioned experience of BiH, it is possible the sphere of human rights will go
to formulate the next recommendations effectively.
for Ukrainian CSOs. Firstly, it is
necessary to strengthen the networking Success of the Transitional Justice
component of systematic CSOs providing is often depends on the suitable
development. Secondly, the accent in the strategy, which is a cornerstone of this
work of CSOs should be made on training process. Until Ukraine can’t establish full-
and empowering of their members, fledged program of Transitional Justice
enhancing of the capacity of local aims’ achievement, some of its aspects
partners’ organizations and initiative might be implement through the draft law
groups. For example, it is advisable for "On the peculiarities of state policy on
CSOs of any mandate to be knowledgeable securing Ukraine's state sovereignty over
about engaging the target group of people temporarily occupied territories in
to these bodies’ activities, organizing Donetsk and Luhansk regions ", which is
projects with a "zero budget" (incidentally, being developing now.
the experience of the CSO "Promolod"
from Cherkasy, which has been The next matter is that Ukraine (as well as
successfully implementing such practice BiH during the conflict phase and in the
(e.g. "Cherkasy in the Perspective", "Pure beginning of the post-conflict period) feels
Wave", "Open University", "Free Walking the lack of information about the
Tours" and other projects (more on this specifics, tools and measures of
topic is on the 84) for several years, may Transitional Justice application. This
make interest). could be overcome through the support of
international organizations, the vast
Conclusion majority of which has the experience in
countries with similar contexts, where
certain practices proved their
84 CSO "Promolod" Official Web Site, effectiveness. Simultaneously, such actors
http://promolod.pp.ua/ must be the consultants, but not the
43
decision-makers. The main intervention
from the international partners should
comprise knowledge and capacity building
activities, which could ensure awareness
and study about the effective methodic of
response to problems, but not the solo
development of solutions for crisis
situations.
44
BIBLIOGRAPHY
Edited works
Austin, Beatrix, Fischer, Martina, J. Giessmann, Hans (Eds.), Advancing Conflict
Transformation, The Berghof Handbook II, (Opladen/Framington Hills: Barbara
Budrich Publishers, 2011), 559.
Jakubowicz, Karol, SCikosd, Miklos (Eds.), Finding the Right Place on the Map:
Central and Eastern European Media Change in a Global Perspective, (Chicago:
Intellect Books, 2008), 301.
Vandor, Peter, Traxler, Nicole, Millner, Reinhard, Meyer, Michael (Eds.), Civil Society
in Central and Eastern Europe: Challenges and Opportunities, (Vienna: Publisher
ERSTE Foundation, Center Vienna University of Economics and Business, 2017),
310.
Journal articles
Belloni, Roberto, ‘Civil Society and Peacebuilding in Bosnia and Herzegovina’,
Journal of Peace Research 38 (2001), 163–180.
Deacon, Bob, Stubbs, Paul, ‘юnternational Actors and Social Policy Development in
Bosnia-Herzegovina: Globalism and the 'New Feudalism', Journal of European Social
Policy 8 (1998), 99 – 115.
Kurze, Arnaud, ‘Time for Changeп Aid, NGOs, and Transitional яustice in Bosnia-
Herzegovina’, Transitional Justice Review 1 (2017), 35-62.
Puljek-Shank, Randall, Verkoren, Willemijn, ‘Civil society in a divided societyп
Linking legitimacy and ethnicness of civil society organizations in Bosnia-
Herzegovina’, Cooperation and Conflict кз (2) (2017), 184–202.
News articles
К , А а, ‘І в’ К а , і
ав в К єві і В ’, "Дзеркало тижня", № 1129 (04-
10.02.2017), https://zn.ua/SOCIUM/nil-voker-territoriya-za-kontaktnoy-liniey-eto-
ukraina-_.html (accessed 23.11.2017).
Websites
Bosnia and Herzegovina Ministry for Human Rights and Refugees, Bosnia and
Herzegovina Ministry of Justice, Transitional Justice Strategy for Bosnia and
Herzegovina 2012- 2016, Working document, Sarajevo, 2013,
http://www.nuhanovicfoundation.org/user/file/2013_transitional_justice_strategy_
bih_-_new.pdf (accessed 23.11.2017).
Concept Note of the Conference on Economic and social rights for forcibly displaced
persons during the conflicts in former Yugoslavia, Parliament of Bosnia and
Herzegovina, Sarajevo, 27 – 28 June 2017, 10. https://rm.coe.int/coe-unhcr-
conference-on-idps-in-former-yugoslavia-concept-note/1680716122 (accessed
23.11.2017).
Kravos, Tomaž, ‘Sustainable Returnп A Guarantee for Stability and юntegration in
Bosnia-Herzegovina, Balkan Diskurs, 3 February 2016,
http://balkandiskurs.com/en/2016/02/03/english-sustainable-return-a-
guarantee-for-stability-and-integration-in-bosnia-herzegovina/ (accessed
23.11.2017).
45
CSO "Promolod" Official Web Site, http://promolod.pp.ua/ (accessed 23.11.2017).
Reports and documents
Agency for Statistics of Bosnia and Herzegovina, Demography 2012: Thematic
Bulletin (Sarajevo: Printing House Avery, 2013), 75.
Human Rights Watch, World Report 2017: Events of 2016, (New York: Seven Stories
Press, 2017), 704.
Lennard, Jeremy (Ed.), Global Report on Internal Displacement (Geneva: The
Internal Displacement Monitoring Centre, 2017), 124.
Revised Strategy of Bosnia and Herzegovina for the Implementation of Annex VII of
the Dayton Peace Agreement (Sarajevo: Ministry for Human Rights and Refugees,
2010), at 62.
State Statistics Service of Ukraine, Available Population of Ukraine as of 1 January
2017, Statistical Collected Book (Kiev: August Trade LTD, 2017), 82.
Transitional Justice and Economic, Social and Cultural rights, UN Doc.
HR/PUB/13/5 (2014), at 5.
UN Office for the Coordination of Humanitarian Affairs, Humanitarian Response
Plan: Ukraine (January-December 2017),
https://www.humanitarianresponse.info/ru/operations/ukraine/document/ukraine
-2017-humanitarian-response-plan-hrp (accessed 23.11.2017).
UN High Commissioner for Refugees Global Report 2000: Bosnia and Herzegovina
(Geneva: ATAR Rotopresse, 2001), 456.
World Population Prospects: The 2017 Revision, Key Findings and Advance Tables,
UN Doc. ESA/P/WP/248 (2017), at 17.
46
47
The Allies and Opponents of the Bulgarian
Protests against the Borisov Government,
the “Bosnian Spring” and the “Citizens for
Macedonia” Movements and their Impact
on the Policy Process
By Ivan Stefanovski*
ABSTRACT
This article analyises the allies and opponents of the three movements
in Bulgaria, Macedonia and Bosnia and Herzegovina taking into
consideration some of the main factors and actors within the POS
approach to social movement studies, primarily the political systems in
the three states as main organizational fields for political parties and
other actors in the political system; the role of the political parties and
allies and opponents to the movements; the key role of the international
community in regards to the interaction with the social movements and
the main political parties; as well as the role of the most significant
media actors and their relationship with the movements.
.
* Ivan Stefanovski holds a LL.B. and LL.M. degree in Constitutional Law, both from the Ss.
Cyril and Methodius University in Skopje, Republic of Macedonia. At the beginning of his
career, he started working as a member of the junior teaching staff at the Justinianus Primus
Faculty of Law, giving classes and tutorials in Constitutional Law, Political Systems and
Political Parties and Interest Groups. Ivan later worked for several domestic and international
NGOs working on issues such as elections and electoral models, media law, human rights,
rule of law, freedom of information etc. He is a member of several international networks and
groups. Ivan started his PhD in Political Science and Sociology at the Scuola Normale
Superiore in 2014, working on influence of social movements over policy outcomes in
Southeast Europe, focusing on the cases of Macedonia, Bulgaria and Bosnia and Herzegovina
48
1. Introduction with the specifics of the three cases under
This work deals with the allies and study. Each country-oriented subsection
opponents of the three movements which elaborates on the relationships between
are under study, taking into consideration the movement actors, the main political
some of the main factors and actors parties, the international community and
within the POS approach to social the media. Furthermore, these
movement studies, primarily the political subsections highlight the most important
systems in the three states as main events which contribute to the respective
organizational fields for political parties outcomes in the three cases under study.
and other actors in the political system; Lastly, the final section of this paper is
the role of the political parties and allies devoted to the conclusions.
and opponents to the movements; the key
role of the international community in 2. The Political Systems as Organizational
regards to the interaction with the social Fields for Political Parties as Key Actors
movements and the main political parties; Macedonia and Bulgaria are defined as
as well as the role of the most significant unitary countries, while B&H is
media actors and their relationship with characterized by a unique constitutional
the movements. design developed by the international
community in the aftermath of the
The following section is focused on the Yugoslav wars. This resulted with a clear
political systems of the three states, government/opposition divide in the two
looking at the main differences regarding unitary countries, and a very complicated
their institutional setting, as well as the government-opposition relationship in
interaction between the key institutional B&H, which varied on state, entity and
actors. The main differences across states cantonal level. Furthermore, the multiple
are the unitary vs. complex/federal veto players in the BH constitutional and
institutional design which resulted with political system require a lot of
specific government-opposition compromise, fluctuating coalitions, but
relationships. also, it very often ends with endlessly long
blockades of the political processes in the
The third section of this work looks at the country
anchoring role of the international
community, especially in the case of During the Citizens for Macedonia (CfM)
Macedonia. Furthermore, this section platform activities and further during the
presents the main notions regarding the extensive political negotiations between
attitude of the international actors during the largest four political parties (VMRO-
the three waves of mobilization: The DPMNE85, SDSM86, DUI87 and DPA88)
strong involvement in the Macedonian there was a very clear pro/contra
case, the lack of interest in the Bulgarian movement divide. From the very
case, as well as the ambivalent and not beginning, the SDSM was a constitutive
very coordinated approach to the situation member of the CfM platform and had a
in B&H. partner relationship with the numerous
SMOs and individuals which were
The next section glances through the main involved89. At the end of the political
information regarding the media setting in negotiations, the SDSM stepped out from
the three countries, including their
considerably low levels of media freedoms
and freedom of speech. It points to the 85 Internal Macedonian Revolutionary
main characteristics of the relationships Organization – Democratic Party for
between the movement actors and main Macedonian National Unity
86 Social Democratic Union of Macedonia
media outlets.
87 Democratic Union for Integration
88 Democratic Party of the Albanians
The fifth section is divided into three 89 See interviews XX MKD – M.Z. and XX MKD
smaller subsections, each of them dealing – B.M.
49
the CfM coalition arguing that the party political party in power during the
should return to parliament and focus on protests, acted as a strong opponent to
implementation of the provisions agreed the movement, although making
upon in the Przhino Agreement 90. On the concessions to the activists, when this
other hand, the largest party in power, the was convenient for its public political
VMRO-DPMNE, was a clear opponent to support. This fluid constellation of
the movement activities, going to the relationships, in comparison to the
extreme of negating its existence and Macedonian case, to a certain extent
labeling it as clearly partisan activity by derives from the fragile position of the
the SDSM and clearly disregarding the Borisov cabinet, due to its nature of a
citizens which were largely involved91. minority government94. What remained an
Furthermore, the largest ethnic Albanian enigma was the very neutral position of
party in the country, the DUI, did not the Movement for Rights and Freedoms
directly confront the governmental (MRF), colloquially referred to as “the
challengers, but tacitly aligned with its Turkish Party”. Although in opposition, no
senior partner in the government, the clear support for the movement actors was
VMRO-DPMNE. This was more evident noticed or pointed out by the
during the political negotiations in interlocutors. The section devoted to the
Przhino. Lastly, the DPA, as a largest interactions between the friends and foes
ethnic Albanian party in opposition, of the Bulgarian protesters will further
remained almost completely silent during reflect on the complex relations between
the movement activities. What was very the key political parties and the
unusual was the covert allegiance to the governmental challengers.
largest party in power, the VMRO-
DPMNE92. The inter-party dynamics and Moving to the third country which is
their attitudes towards the CfM are under study, the very complex political,
thoroughly explained in the section ethnic and party relationships,
dedicated to allies and opponents in unexpectedly, created a very straight-
Macedonia. forward outcome regarding the positioning
of the political parties in regards to the
The first Bulgarian protest wave in 2013 movement actors. The largest political
saw very fluctuating dynamics in the parties in the state, the SDP95 and the
party-movement relationship, especially SDA96 in FB&H, and the SNSD97 in RS,
regarding the role of the largest party in although ethnically and territorially
opposition, the BSP. Many of the divided, aligned together against the
interviewees commented how the central protesters. From the first days of protest
left party played a very dubious role in Tuzla, Sarajevo and Mostar, the biggest
during this first wave of mobilization 93. On political parties began an orchestrated
the other hand, the GERB, as the largest attack over the governmental challengers,
some of the high public officials even
labeling them as thugs, criminals, drug
90 traffickers and scum98. The only
http://arhiva.sdsm.org.mk/default.aspx?mId=
55&agId=5&articleId=12321 (in Macedonian)
and http://fokus.mk/sdsm-se-zablagodari-i- 94 http://www.france24.com/en/20090727-
izleze-od-koalitsijata-graganite-za-makedonija/ borisov-lead-new-minority-government-
(in Macedonian) 95 Social Democratic Party
91 http://prizma.mk/blog-vo-zhivo- 96 Party for Democratic Action
Macedonian) 98 https://www.klix.ba/vijesti/bih/uzivo-
92 protesti-u-sarajevu/140207060 and
https://www.youtube.com/watch?v=GLFG6Y8 https://www.klix.ba/vijesti/bih/klix-ba-u-
E9YE zgradi-predsjednistva-bih-demonstranti-su-
93 Interviews XX BUL – B.P.I. and XX BUL – unistavali-i-svecani-salon/140208024 (in
D.D. Bosnian)
50
significant political party which declared foreign powers were one of the crucial
itself as “opposition”, was the SBB99 led by allies of the movement in Macedonia. This
security minister Fahrudin RadončiР. is mainly because both the governmental
Immediately after the protests exploded, challengers and Brussels and Washington
RadončiР aligned with the movement had very similar visions and standpoints
actors and strongly criticized the other regarding the future of the state. A
political parties in power100. In the country which is re-democratized, where
forthcoming period he was sacked from rule of law is reintroduced and whose
the ministerial position by the majority in urgent priorities are the Euro Atlantic
the Federal Parliament101. The section integrations. On the other hand, sporadic
dedicated to the context in which the Russian influence was also noticed during
allies and the opponents of the BH the contentious events. Expectedly,
protests operated, sheds deeper light on Moscow issued press releases backing the
how the party dynamics unraveled and regime of PM Gruevski and arguing
influenced the policy outcomes. redefinition of territories and borders in
the Balkans by their Western
3. The Crucial Role of the International opponents104. It must be noted that this
Community influence was relatively mild in
One of the factors which are largely comparison to the engagement by the
understudied in social movement Western diplomats. The crucial role of the
scholarship is the role of the international international community in regards to the
community in the contentious dynamics policy outcomes arising from the CfM are
between the challengers and the state. analyzed in detail in the section dealing
Traditionally, the foreign powers have with key external actors during the
played a key role in the state building movement in Macedonia.
process of the Balkan countries after the
fall of the Iron Curtain102. Within the three Conversely to the Macedonian case, the
cases under study, this is underpinned role of the international community
more in the cases of B&H and Macedonia. during the first wave of mobilization in the
contentious 2013 in Bulgaria was rather
The role of the international community limited. An apparent lack of interest by
was undoubtedly largest in the the major international players, may be a
Macedonian case, especially through the result of two main factors: the already
pressure exerted over the largest four completed Euro-Atlantic integration of
political parties during the Przhino Bulgaria, unlike the one of Macedonia and
negotiations. Within the plethora of B&H, as well as the fact that the three
international envoys which were engaged distributors of energy which dominated
during the protests in Macedonia, and the Bulgarian market, EVN, CEZ and
later, the political negotiations, the EU Energo Pro, are companies coming from
and the USA were the most visible ones 103. the EU. Ultimately, long-term decrease of
Fostering the political negotiations, the energy distribution prices would have
damaged the financial stability of these
companies which have their seats in EU
99 Union for a Better Future of B&H countries (Austria and Czech Republic)
100 Dnevni Avaz 09.02.2014 (in Bosnian) and employ a lot of citizens in their
101 https://www.klix.ba/vijesti/fahrudin- founding states. The inert position of the
radoncic-smijenjen-s-pozicije-ministra- international community is further
sigurnosti/140313073 (in Bosnian) elaborated in the section dedicated to the
102 Bieber, F. (2011). Building impossible
come-regime-change-ideas/ri7179 http://www.iri.org/sites/default/files/wysiwyg
118 https://www.occrp.org/en/blog/4012- /2015-07-
macedonia-a-tale-of-two-skopjes 13_survey_of_macedonian_public_opinion_june
119 http://prizma.mk/blog-vo-zhivo- _6-15_2015.pdf
makedonija-silna-miting-na-vmro-dpmne/ (in 122 Interviews XX MKD – B.M. and XX MKD –
Macedonian) Dj.H.
54
arguments, primarily the sentiments of witnessed the close cooperation between
the ethnic Albanian citizens, one would the citizens and the SDSM in terms of
expect that the DPA would be one of the human resources, funding, knowledge-
strongest supporters of the CfM, and sharing and values126. Furthermore, the
fiercely oppose the VMRO-DPMNE and crucial role that the political party had in
DUI led government. To the contrary, the enacting the laws deriving from the
DPA remained reserved and silent during Przhino Agreement, and which were to a
the protests, while tacitly supporting the large extent complementary with the
two ruling parties during the Przhino grievances of the citizens, once again
negotiations. One of the indicators which, depicted the close ties between the two
to a certain extent, unraveled the entities. The CfM was the only movement
unconditioned loyalty of DPA and its among the three which are under study,
leader was the released wiretapped which had a strategic partnership and
conversation between Menduh Thaci and cooperation with one of the biggest and
the former chief of the secret service and most influential parties within the three
first cousin of former PM Gruevski, Sasho respective political systems of Macedonia,
Mijalkov. In the phone conversation Bulgaria and B&H. This proved to be one
released by the SDSM, the wider public of the crucial factors which contributed
could hear Thaci saying to Mijalkov that towards the verification of the desired
he would be “loyal until his death”123! policy outputs and their further
Once again, the narrow business and implementation resulting with valuable
political interests prevailed over the policy outcomes.
democratization of Macedonia and the
protection of human rights of its citizens. The frequent press releases coming from
Brussels and Washington, as well as the
On the other hand, the largest party in numerous visits of high European and
opposition, the SDSM, who led the American officials aimed at putting
democratic opposition, was the greatest pressure over the Macedonian authorities
ally of the CfM. In the period preceding in order to release the authoritarian grip
the encampment in front of the imposed over their political opponents and
government, and almost during the entire the civil society. After the huge citizens’
period of protests, the SDSM and the gathering on 17 May and the setting up of
smaller political parties from the coalition the encampment in front of the
in opposition, were also constitutive government, followed by the huge rally
members of the CfM124. It was only when and counter-encampment set up by
the political negotiations were drawn to VMRO-DPMNE supporters, the
closure, that the political parties formally international community felt that political
stepped out of the movement because they negotiations must commence as soon as
were supposed to re-enter parliament and possible, in order to prevent violent
participate in the implementation of the contentious events. One of the key
provisions from the Przhino Agreement 125. informants further explained the caution
Many interlocutors, both coming from the of the international community regarding
side of the SMOs and the political parties, the political stability and security of
Macedonia:
“At the end of the 80s, President George
Bush senior asked his National Security
123
Council ‘Which is the lowest common
https://www.youtube.com/watch?v=GLFG6Y8 denominator for цmerica’s intervention in
E9YE the Yugoslav crisis?’ The analytical
124 http://plusinfo.mk/vest/25867/gragjanite-
services pointed out to him that the lowest
za-makedonija-povikaa-na-miren-protest-na-
17-maj (in Macedonian)
125 http://telma.com.mk/vesti/sdsm-ja-
napushti-koalicijata-gragjani-za-makedonija 126 Interviews XX MKD – B.K. and XX MKD –
(in Macedonian) I.T.
55
common denominator is Macedonia. Why? inability of the political leaders to find a
They evaluated Macedonia as the only common solution to end the political
Yugoslav republic with explosive powers. stalemate, furthermore urged the citizens
All the other had implosive characteristics. to take the streets and put pressure on
What does this mean? You can have a war the government, but also on the
in B&H for 10 years. It can be bloody and opposition, in order to start working for
tragic, but it is likely that it will not spill their wellbeing. During the peak of the
over the border with Croatia, not to speak crisis, when the protesters in front of the
of Vienna. They said that Macedonia had government started to become impatient
that explosive power and that this must not and slightly nervous, while the political
be allowed under any circumstances…”127 negotiations were going towards a dead
end, the US Assistant Secretary for
This is one of the reasons why the European and Eurasian Affairs Victoria
mechanism of international influence Nuland, landed in Skopje in order to
played such an important constitutive facilitate the talks and to help in bridging
part of the puzzle for acquiring policy the gap between the main political actors.
outcomes which would further secure re- After meeting the key stakeholders she
introduction of rule of law and respect of gave a statement underlining the
human rights in Macedonia. The alliance cooperation with the EU aimed towards
between the movement participants and putting Macedonia back on the road to
the Western international community also democratization:
arises from the complementary interests. “Now is the time to bring this crisis to an
Both parties pushed for westernizing of end. We the United States are very pleased
Macedonian society and for limiting the to be working with the European Union… to
authoritarian power of former PM try to bring the parties together around a
Gruevski’s government which throughout package of understanding that will allow
the years had removed the established Macedonia to get back on its chosen
checks and balances in Macedonia’s path”130.
political system.
Deputy Secretary Nuland obviously
From the very beginning of the political synchronized her visit to the country with
negotiations, numerous high officials from that one of the EU high officials, EU
the US Department of State and the EU Commissioner for Neighborhood Policy
Commission flew in Skopje, facilitating the and Enlargement Negotiations, and the
negotiations brokered by the official three MEPs from the European
representatives of the USA and the EU – Parliament, Richard Howitt, Ivo Vajgl and
H.E. Ambassador Jess Baily and special Eduard Kukan. Just one day after
representative Aivo Orav128. In the midst Nuland’s visit, Commissioner Hahn
of the years-long political crisis and just arrived in Skopje, while his three
several weeks before the protests erupted, colleagues from the EP arrived the
US Deputy Assistant Secretary for following day131. After the coordinated
European and Eurasian Affairs Hoyt Brian international pressure and facilitation, on
Yee, visited Macedonia and met the four 15 July 2015 the Przhino Agreement was
political leaders as well as other high
political officials in the country129. The
130
http://www.balkaninsight.com/en/article/nul
and-focuses-on-rule-of-law-in-kosovo-
127 Interview XX MKD – S.O. montenegro
128 131
https://ec.europa.eu/commission/commission https://ec.europa.eu/commission/commission
ers/2014- ers/2014-
2019/hahn/announcements/agreement- 2019/hahn/announcements/commissioner-
skopje-overcome-political-crisis_en hahn-visits-former-yugoslav-republic-
129 http://kurir.mk/en/?p=44396 macedonia-14-july_en
56
signed132 and the laws deriving from it “There is one thing which is very important
were promptly enacted in parliament and it needs to be understood. Russia,
during mid-September. both in Macedonia and throughput the
Balkans, is a tectonic power. Because it is
These events once again point to the tectonic, you do not see it on the surface. It
important role both of the international is not a matter you can spot above surface.
community and the political parties in It is a matter of mentality, a matter of
securing the policy outputs which were history, and a matter of real resources.”135
desired by the movement activists.
Although the role of the citizens was very In the aftermath of the political crisis, a
limited in acquiring the policy outputs, reporting endeavor by Macedonian,
they showed strong commitment to their Serbian and British journalists provided
goals during the implementation of the evidence that the Russian Federation,
outputs which resulted with the favorable accompanied by Serbian aides, tried to
policy outcomes. This strong international meddle in the internal politics of
presence was one of the important factors Macedonia. Based on intelligence and
which lacked in the Bulgarian and the BH counterintelligence reports, the journalists
cases. conclude that Russia’s approach to
Although Macedonia’s Western partners Macedonian politics had been “nakedly
were one of the key allies to the CfM partisan and the Kremlin has been a
movement, the entire international vociferous public supporter of VMRO-
community did not have a uniform and DPMNE”136. Still, summarizing the efforts
coherent standpoint regarding the political by the key international actors, with
crisis in Macedonia. The Russian regards to the policy outcomes following
Federation, which for years had been the CfM movement, one can conclude that
uninterested in the political developments the efforts by the Western partners in
in Macedonia, started issuing statements Macedonia proved sufficient, and
and press releases immediately after the managed to provide the movement
protests commenced, commenting that activists with enough impetus to secure
the anti-governmental protests had been their projected goals. Following the
orchestrated and “brutally managed from enacted documents in parliament deriving
outside”133. The Russian Minister of from the Przhino Agreement, the
Foreign Affairs, Sergei Lavrov, commented international community pressed for
that Russia is gravely alarmed by the minimum credible early elections which
meddling of the Western countries in the would largely depict the political will of the
internal affairs of Macedonia, and blamed citizens. Both the EU and the USA saw
the EU and the USA for trying to bring the legitimate elections as the most
down former PM Gruevski because he convenient tool to “level the field of
failed to support the sanctions against play”137 between the autocratic
Russia134. The traditional influence from government and the opposition.
the East, as a counterbalance to the one
coming from the West, was also stressed Lastly, this study reflects on the role of
by one of the interlocutors: the media during the CfM mobilization.
The movement operated in a very perilous
media environment which resulted with
132 http://europa.eu/rapid/press-
release_STATEMENT-15-5372_en.htm
133 135 Interview XX MKD – S.O.
http://www.novinite.com/articles/168689/Ru 136
ssia+Claims+Macedonia+Crisis+Managed+from https://www.occrp.org/en/spooksandspin/lea
+Abroad ked-documents-show-russian-serbian-
134 https://www.rferl.org/a/lavrov-says- attempts-to-meddle-in-macedonia/
macedonia-protests-orchestrated-from- 137 Interview XX MKD – Department of State
outside/27026904.html employee
57
many more opponents to the movement in elites. On the other hand, the pro-
comparison to the allies138. The opposition Sloboden Pechat reported on
Macedonian PBS, MRT, for years favored daily events connected to the movement
the ruling parties, and during the protests activities, but also published columns and
acted more as a government mouthpiece analyses by opposition-affiliated university
rather than an institution which should professors, artists and writers. This
inform the wider public of the daily resulted with a relative balance in the
events. Even fiercer opponents to the CfM sphere of the print media. Still, taking into
movement were the largest private TV consideration the difference in influence
stations which for years received and outreach between the electronic and
governmental funds in order to promote print media, one can easily conclude that
campaigns introduced by Gruevski’s the CfM movement had more media
government139. Only several smaller opponents in comparison to the number
private televisions with national coverage of allies in the media. Still, the strong and
objectively depicted the events during the stable partnership built with the largest
mobilization. The movement actors were political parties in opposition and the one
dominantly relying on social media and with the international community,
several news portals which were run by managed to neutralize the strong pro-
journalists which had previously been governmental media influence.
victims of the regime140. This media
setting mainly derived from the 5.2 The Friends and Foes of the Bulgarian
clientelistic relationship which the ruling Winter Protests: From Political Parties to
elite enforced in many social spheres 141. Politicized Media
The largest media outlets were more than Similar to the Macedonian constitutional
aware that any type of objective reporting and political setting, Bulgaria is also a
would deprive them from the large unitary state with a monocameral
amounts of money which were pouring legislature and a directly elected President
from the state directly on their of the republic. Although the evident
accounts142. horizontal separation of powers is a solid
prerequisite for a clear
The situation was much more balanced in government/opposition divide143, during
regards to the print media. Looking at the the first winter protests in 2013 Bulgaria
two newspapers with the highest was led by a minority government headed
circulation, Dnevnik and Sloboden Pechat, by PM Boyko Borisov from the GERB.
the pro-governmental Dnevnik was largely Although Borisov’s position was not as
ignoring the protests, reporting strong as the one of former PM Gruevski,
sporadically and without any systematic the presidency of Rosen Plevneliev was
overview of the events. Furthermore, this also backed by the GERB, while the City
newspaper regularly printed columns by of Sofia and a large number of
MPs from the ruling parties and analyses municipalities were also GERB-controlled.
written by university professors and The GERB was undoubtedly the greatest
experts which are very close to the ruling opponent of the Bulgarian protesters
among the political parties144, although,
the vast majority of movement activists
138 https://freedomhouse.org/report/freedom- and key informants didn’t really see any of
press/2015/macedonia the key players in the electoral arena as
139
true and sincere allies145.
http://www.rcmediafreedom.eu/Publications/
Reports/State-Media-Financial-Relations-in-
Macedonia-Media-Freedom-Curbed-with-
Public-Money
140 www.plusinfo.mk www.libertas.mk
www.a1on.mk etc. 143 http://www.parliament.bg/en/const
141 Interview XX MKD – P.B.C. 144 Interview XX BUL – B.S.
142 Interview XX MKD – S.O. 145 Interview XX BUL – V.G.
58
On the other hand, one of the covert representatives of the citizens which took
opponents to the Bulgarian winter the streets. One of the protesters coming
protests, coming from the side of the from the more left-wing – liberal strand of
political parties, was the MRF. This the movement, explained this reasoning of
Movement which is also known as the the political parties in opposition:
“Turkish Party”, didn’t openly criticize the “In my opinion, there was a big struggle
movement actors, but used its media between the political parties regarding who
power concentrated in the hands of the is going to dominate the protest. The entire
outspoken shady oligarch Delyan Peevski, opposition comprised of both bigger and
who is one of the most long-serving MPs of smaller political parties, but especially
the MRF, although still in his late 30s146. BSP, as the largest party in opposition, and
In the following rows of this section, which Ataka, which is a nationalist party, wanted
discuss the relationship between the to be the representatives of the protesters.
media and the protesters, the antagonism They reasoned in the following way ‘OKб
between Peevski’s media and the protest you are protesting against the governing
organizers is picturesquely presented. party, so we are the ones who sent you
there!’ Orб ‘We represent you in the
The most dubious role by the political National цssembly’…”148
parties which wanted to present
themselves as allies was played by the Unlike the Macedonian case, where the
biggest party in opposition, the BSP. One parties in opposition were stable and loyal
of the protest organizers vividly explained allies to the CfM movement, the Bulgarian
this insincere position: winter protest activists were surrounded
“To be honest, the largest party in by two-faced, opportunist political players,
opposition, the BSP, supported the protests. which were not sincerely interested in
Expectedly, they wanted to materialize on alleviating the socio-economic grievances
the moment of citizen dissatisfaction. We of the Bulgarian citizens, but were rather
immediately told them not to misuse the interested in securing a better result in
protest. They supported the mobilization, the forthcoming snap parliamentary
but only to the extent when it was elections. There were numerous actors
politically opportune for them. They worried which wanted to profit politically on the
for their own partisan interests. We told emerging popularity of the movement:
them bluntly that they are a product of the “There was also support from some smaller
Bulgarian Communist Party, and that there political parties that wanted to mobilize the
is no difference between them and the electorate in the wake of the elections, and
GERB, between Boyko Borisov and Sergei this is the only reason they supported us.
Stanishev…чSP is one of those ‘players’ The only motivation was to ‘accumulate
that act as your friends, but they stab you political dividend’г There is a certain Slavei
in the back. To be honest, BSP created the Dinev, a mobster. At that time he was an
energy mafia. Realistically, they control the MEP. He contacted us in order to go to
green energy and all the projects which are Brussels and speak about the protest
closely connected to it. ”147 activities. He suggested this to us. There
was also one Meglena Kuneva from the
Both the BSP and another smaller right- reformist block. Furthermore, there was
wing nationalist party named Ataka, put one businessman which tried to infiltrate
in efforts to monopolize, to a certain us. His name is Mareshki. He is into the
extent, the protests. The two political pharmaceutical business. All of them
parties followed the logic taking into wanted to support us in order to take
consideration the fact that they are in advantage of the energy. Still, I cannot call
opposition; they are automatically them friends.”149
60
remained silent during the days of because there was no space to continue
contention153. The same can be concluded with the lack of coverage.”155
regarding the US Embassy in Sofia 154.
This once again reaffirms the difference in Another key informant, that is also a
the standpoint of the international university professor that sporadically
community, especially the USA and the deals with social movement studies,
EU as key international factors in the stressed the sensationalist role of the
region, in regards to the mobilizations in majority of media outlets. In the spirit of
Bulgaria and Macedonia. scandals, sensations and the quest for
As it was noted previously, the specific audience, the mainstream media
role that the media played during the transformed into one of the fiercest
protests in the three countries under opponents of the winter protests in
study, dominantly as opponents to the Bulgaria:
mobilizations, was one of the main “The media, back then, would not support
obstacles of the Bulgarian protesters in the movement. In fact, they would search
their quest for acquiring tangible policy for…you know…what usually media
outcomes which would have alleviated the like…violenceб bloodshedб those kinds of
socio-economic grievances of the citizens, things…and they had itг They had it on the
and further democratize Bulgarian night of 19 February when there was some
society. Being the worst in the EU when confrontation with the police between Orlov
media rights and freedoms are at stake, Most and the university building.”156
one could not have expected better from
media outlets being undermined by The protest organizers, as the most
political and business interests. publically visible faces, were continuously
under attack by the dominantly
One of the movement activists, that was government-affiliated media outlets, with
also a leader of one of the many strands of special emphasis on the televisions. The
the Bulgarian winter protests, discussed previous arguments stated by the
this media bias, but also pointed to the university professor were reconfirmed by
incentive which this unbalanced reporting one protest organizer which shared his
encouraged among the movement thoughts regarding the negative campaign
activists. Faced with the distorted that was launched against them, when the
mainstream media presentations, the Bulgarian government felt the threat
governmental challengers were forced to coming from the ordinary citizens:
launch a strong social media campaign in “When you start going against the
order to present the reality which was system…you know…I must say that the
unraveling on the streets: media played a very important role in the
“The reporting of the mainstream media entire process. Media in Bulgaria are
was as usual during these types of extremely dependent on business and
activities. It is always the same. Whoever politics. Commissioned texts, commissioned
governs, the largest media outlets try to be interviews, and commissioned
‘fair’ with themб so they didn’t really show provocations. Various TV stories,
any support. On the contrary, they wanted scandals…They totally distorted our
to hide what was really happening. That is claims. They never reported precisely what
why social media were crucially important we demanded, but were continuously
in order to tackle the efforts of hiding and searching for a scandal, for a feud. They
covering up what was really happening on were, simply, on the side of the
the streets. From that moment on, the problem.”157
largest media started to present the events,
http://www.izbori.ba/Finalni2010/Finalni/Na
rodnaSkupstinaRS/ZbirniRezultate.aspx
166 167Interview XX B&H – A.M.
http://www.izbori.ba/Finalni2010/Finalni/Sk 168 http://www.blic.rs/vesti/svet/lagumdzija-
upstineKantone/Default.aspx rusioci-drzave-kidnapovali-proteste/xbtmmnd
63
because I am who I am, a jerk, and I you decreased the salaries, we want your
prevented that from happening. In one resignation!’ I asked them how they
communication with the Reis Ul Ulema, planned this to happen. I can leave, but
when he called meб he asked me ‘Please someone elected in parliament should
don’t make concessions’г I told him ‘It replace me. I am fine with that. Then, I
doesn’t even come to my mind to make asked themб ‘You don’t expect me to leave
concessions, because I think that this will the keys here on the table and leave?’ ‘Yesб
lead us to become stateless. We are going this is exactly what we expect!’ Then I told
to lose the state!’ I still think that you them that they are the once who have a
cannot act like that, as the protesters problem with basic logicг I told them ‘Nowб I
acted…”169 think that it is time for you to leave, and
not me. You were my guests, I
Reflecting on the days of violence in accommodated you, and now it is time to
Sarajevo, former PM NikšiР also reflected leaveг’ They asked me whether I plan to
on the meeting he had with the citizens, address the people in front of the
when he welcomed them in his office. He governmentг I told them that I don’t plan on
underlined the lack of knowledge shown doing that. I told them that they were not
by the governmental challengers, and the the only citizens of this country, and that I
high level of arrogance and stubbornness am going to address all people tonight, I
with which they confronted him: am going to address the state and not just
“I welcomed the protestors in my premises them…”170
and asked them ‘Which are your
demands?’ They said that they wanted my The member of the B&H presidency
resignationг I said ‘OK! This government coming from the second largest political
will leave immediately after someone who party in the country, the SDA, Bakir
is elected by the parliament steps hereг’ юzetbegoviР, who is also the most
Then, they said that they wanted some influential member of the party and the
privileges of the officials to be abolished. I son of the former leader and first
said ‘Perfectб but those are already president of the country Alija юzetbegoviР,
abolished!’ We could not formally abolish also condemned the violence during the
the ‘separated life’ compensationб because first days of protest, but also tried to
we did not have the majority to do that. strengthen his political positions and
With the previous government, this those of the SDA, by generally blaming
‘separated life’ was around кее-600 BAM. SDP for the situation in the country 171.
Initially, we cut it buy half, and later we Still, glancing at the behavior of the SDA,
brought a governmental decision to make it it was also one of the biggest opponents to
symbolic 1 BAM. Why? If we abolish this the movement, especially when the
privilege illegally, the ministers were going cantonal governments ruled by their cadre
to sue us, and in the end, we were going to were at stake.
pay both the compensation and the court
expenses. In this way, we were legally One of the most ambiguous roles during
protectedг Thenб the citizens’ delegation the protest events was played by the SBB,
said ‘Really?’ I answered ‘Yesб really!’ ‘OK the party whose leader Fahrudin RadončiР
then. We want a decrease of the salaries of was the minister of security. He suddenly
the public employees!’ ‘Really? I wanted to fiercely attacked the largest two political
decrease the salaries for же% as well’б I parties, and openly aligned with the
replied. I was not allowed. I only managed citizens, mostly using the power of his
to agree a decrease of 4.5% with the trade daily newspaper Dnevni Avaz, which
unionsг I told them ‘You have a problem covered all the protests throughout the
here. You have to negotiate that with the
trade unionsб not with meг’ ‘OK thenб since
170Ibid
171 http://www.dw.com/bs/bih-%C5%A1ta-
169 Interview XX B&H – N.N. dalje/a-17418674
64
country daily, but also favored the SBB cooperate with political parties…not even
and its leader in the numerous columns with NGOs which were not up to their task.
and political analyses, which were I am not sure whether this was good or
produced172. Still, the governmental not… ”174
challengers did not perceive RadončiР as
an ally. On the contrary, they commented If one compares the role and the attitude
on his political opportune behavior, and of the international community in the BH
his attempts to hijack the movement: case, it lies somewhere in the middle
“The entire political elite were against us, between the Macedonian and the
of course. From the conservatives to the Bulgarian case. If in the first case, the
social democrats. I cannot remember that international community played a strong
someone publically expressed solidarity role pressuring the main political actors to
with the protesters… Radončić acted as a enact decisions in the favor of the citizens,
proper populist. Because it was election while in the latter, the main international
year, Fahro was trying to collect votes. He actors were rather passive and
wanted to leave an impression that Dnevni uninterested; the BH case was
Avaz reports objectively, although, all of us characterized by active international
know that it was not the case.”173 involvement which failed to produce any
tangible results. This epilogue can be the
One of the biggest shortcomings of the BH outcome of several factors, but one of
governmental challengers was the inability them is surely the very ambivalent
to create a strong alliance with some of attitude of the actors in the political
the largest and strongest political actors system. Both the biggest political parties,
in the political system. Apart from as well as the movement activists,
opposing the largest political parties, perceived the international community as
which to a certain extent is justifiable due an opponent. The parties perceived the
to their power-sharing on multiple levels, protests as internationally-driven, while
the protesters also rejected some smaller the governmental challengers didn’t really
and emerging movement-parties, which see any sincere efforts on behalf of the
could have been a reliable partner for international envoys.
building a stronger bottom-up coalition
which could have threatened the power One of the very resourceful key informants
structures. Several activists commented saw the international community as a
on these positions expressed by the partner of the BH movement. Still, their
movement activists: behavior in the past, which resulted with
“It is not completely true that all the B&H being an institutionally deadlocked
political actors were against the movement. state, governed by ethnocracy and
There were really a lot of people which partocracy, was the turning point which
were, and still are, politically active. For led to mistrust on behalf of the
example, the members of Nasha Stranka citizens175. Furthermore, the lack of
(Our Party, I.S.) wanted to join the protests decisiveness and coordination by the
and even offered their help, but they were international community provoked actions
explicitly told that we don’t want them to by certain embassies which did not
be part of our story. They are very active in produce much effect “on the ground”. One
Sarajevo and they work a lot. They are of the key informants comments on the
also politically legitimate. Although they unjustifiable steps by fractions of the
wanted to participate, they were not international community:
allowed. It was a decision brought in the “The ‘foreigners’ reacted in a strange
very beginning. That we do not like to manner. For example, certain embassies
tried to meet them (the protesters, I.S.) half
186 Della Porta, D. (2013). (SECOND TIME), p. Lastly, this chapter looked at the relations
956 between the crucial media actors and the
187 Ibid movement activists in the three countries.
68
Unlike the Macedonian case, where the
governmental challengers managed to
build, to a certain extent, a reliable
partnership with some of the smaller
media outlets critical to the government,
the Bulgarian protesters failed to secure
stable, and somewhat, credible
partnerships in the media sphere. This
resulted with limited visibility and no
substantial allies backing them in the
public sphere, which to a certain extent
triggered early mobilization and blocked
the path to securing tangible policy
outcomes. On the other hand, the
governmental challengers in B&H were left
with no proper allies in the media sphere.
Conversely to the Macedonian case where
the movement activists managed to secure
the allegiance of some of the relevant
media and facilitated their way to securing
favorable policy outcomes, the BH
governmental challengers were prevented
to reach the federal and state policy
arenas.
69
Bibliography
Agnone, J. J. M., (2007), Amplifying Public Opinion: The Policy Impact of the U.S.
Environmental Movement, Social Forces 85(4): pp. 1593-1620
Amenta E., (2006), When Movements Matter: The Townsend Plan and the Rise of
Social Security. Princeton, NJ: Princeton University Press
Amenta, E, Young M. P., (1999), Making an Impact: The Conceptual and
Methodological Implications of the Collective Benefits Criterion, in Giugni M.,
McAdam, D. and Tilly, C., (eds.), How Movements Matter: Theoretical and
Comparative Studies on the Consequences of Social Movements, Minneapolis:
University of Minneapolis Press, pp. 22–41
Amenta, E. and Caren, N., (2004), The Legislative, Organizational and Beneficiary
Consequences of State-Oriented Challengers, in Snow, D. A., Soule, S. A, and Kriesi,
H. (eds.), in The Blackwell Companion to Social Movements, Malden: Blackwell
Publishing Ltd., pp. 461-488
Amenta, E., Caren, N. and Olasky, S. J., (2005), Age for Leisure? Political Mediation
and the Impact of the Pension Movement on US Old-age Policy, American Sociological
Review 70, pp. 516–38
Amenta, E., Caren, N., Chiarello, E. and Su, Y., (2010), The Political Consequences of
Social Movements, Annual Review of Sociology 36, pp. 14.1-14.21
Amenta, E., Caren, N., Olasky, S. J. and Stobaugh, J. E., (2009), All the Movements
Fit to Print: who, what, when, where, and why SMO Families Appeared in the New
York Times in the 20th century, American Sociological Review 74, pp. 636–56
Amenta, E., Carruthers, B. G. and Zylan, Y., (1992), A Hero for the Aged? The
Townsend Movement, the Political Mediation Model, and U.S. Old-Age Policy, 1934–
1950, American Journal of Sociology 98: pp. 308–39
Amenta, E., Dunleavy, K. and Bernstein, M., (1994), Stolen Thunder? Huey Long’s
‘‘Share our Wealth,’’ Political Mediation, and the Second New Deal, American
Sociological Review 59: pp. 678–702
Amenta, E., Halfmann, D. and Young, M., (1999), The Strategies and Contexts of
Social Protest: Political Mediation and the Impact of the Townsend Movement,
Mobilization 56: pp. 1–25
Andrews, K. T. and Edwards, B., (2004), Advocacy organizations in the U.S. political
process, Annual Review of Sociology 30, pp. 479–506
Andrews, K. T., (2001), Social Movements and Policy Implementation: The
Mississippi Civil Rights Movement and the War on Poverty, 1965–1971, American
Sociological Review 66: pp. 21–48
Barnes, S. et al., (1979), Political Action. London/Newbury Park, CA: Sage
Baumgartner, F. and Jones, B., (1993), Agendas and Instability in American Politics,
Chicago, IL: University of Chicago Press
Beach, D. and Brun Pedersen, R., (2013), Process-Tracing Methods: Foundations and
Guidelines, Ann Arbor, MI: The University of Michigan Press
Beissinger, M. R. and Sasse, G., (2014), An End to “Patience”? The Great Recession
and Economic Protest in Eastern Europe, in Bermeo, N. and Bartels, L. M. (eds.),
Mass Politics in Tough Times: Opinions, Votes and Protest in the Great Recession,
Oxford: Oxford University Press, pp. 334-370
Berkowitz, W. R., (1974), Socioeconomic Indicator Changes in Ghetto Riot Tracts,
Urban Affairs Quarterly 10: 69-94
Bosi, L., Giugni, M. and Uba, K., (forthcoming)
Bosnia and Herzegovina – HDI Values and Rank Changes in the 2014 Human
Development Report, UNDP, 2014,
http://hdr.undp.org/sites/all/themes/hdr_theme/country-notes/BIH.pdf (last
accessed December 27th 2015)
70
Bosnia and Herzegovina Unemployment Rate,
http://www.tradingeconomics.com/bosnia-and-herzegovina/unemployment-rate
(last accessed December 27th 2015)
Bosso, F., (2014) Anti-Corruption Helpdesk – Providing On-Demand Research to Help
Fight Corruption, Bosnia and Herzegovina: Overview of Political Corruption,
Transparency International, Berlin
Broadbent, J., (1998), Environmental Politics in Japan. Cambridge: Cambridge
University Press
BTV Novinite, (2013), рганизаторката на протест срещу високите сметки за
ток - в ареста (The Organizer of the Protest against the High Electricity Bills –
Detained), http://btvnovinite.bg/article/bulgaria/organizatorkata-na-protest-
sreshtu-visokite-smetki-za-tok-v-aresta.html (last accessed December 27th 2015)
Burstein P., (1999), Social Movements and Public Policy, in Giugni, M., McAdam, D.
and Tilly, C., (eds.), How Social Movements Matter, Minneapolis, MI: University of
Minnesota Press: pp. 3-21
Burstein, P., (1985), Discrimination, Jobs, and Politics: The Struggle for Equal
Employment Opportunity in the United States since the New Deal, Chicago IL:
University of Chicago Press
Burstein, P., (1998), Discrimination, Jobs, and Politics, Chicago, IL: University of
Chicago Press
Burstein, P., Einwohner, R. L. and Hollander, J. A., (1995) The Success of Political
Movements: A Bargaining Perspective, in Jenkins J. C. and Klandermans, B. (eds.),
The Politics of Social Protest: Comparative Perspectives on States and Social
Movements, Minneapolis: University of Minnesota Press, 275–295
Burton, M. and Higley, J., (1987), Elite Settlement, American Sociological Review No.
52
Caiani, M., (2014), Social Network Analysis, in della Porta, D., (ed.), Methodological
Practices in Social Movement Research, Oxford, UK: Oxford University Press, pp. 368-
391
Citizens for Macedonia, http://17maj.gragjanite.mk/ (last accessed December 27th
2015)
Collier, D., (2011), Understanding Process Tracing, PS: Political Science and Politics
44, No. 4, pp. 823-830
Cress, D. M. and Snow, D. A., (2000), The Outcomes of Homeless Mobilizations: The
Influence of Organization, Disruption, Political Mediation, and Framing, American
Journal of Sociology 105: pp. 1063–104
Cunningham, D., (2004), There’s Something Happening Here: The New Left, the Klan,
and FBI Counterintelligence, Berkeley, CA: University of California Press
Dalton, R., (1988), Citizen Politics in Western Democracies. Chatham, NJ: Chatham
House
Darik News, (2013), Световните медии за оставката на Борисов (World Media on
чorisov’s Resignation), http://dariknews.bg/view_article.php?article_id=1043502
(last accessed December 27th 2015)
Daskalovski, Z., (1999), Democratization in Macedonia and Slovenia, South-East
European Review for Labor and Social Affairs 3/99
Davenport, C., (1995), Assessing the Military’s Influence on Political Repression,
Journal of Political and Military Sociology 23: pp. 119-144
della Porta, D. and Caiani, M., (2007), Talking Europe in the Italian Public Sphere,
South European Society & Politics Vol. 12, No. 1, March 2007, pp. 1-21
della Porta, D. and Caiani, M., (2009), Social Movements and Europeanization,
Oxford, UK: Oxford University Press
71
della Porta, D. and Diani, M., (2006), Social Movements: An Introduction, 2nd ed.,
Oxford, UK: Blackwell Publishing
della Porta, D. and Fillieule, O., (2004), Policing Social Protest. in Snow, D. A., Soule,
H. A. and Kriesi, H. (eds.), The Blackwell Companion to Social Movements. Oxford,
UK: Blackwell: pp. 217–241
della Porta, D. and Reiter, H., (eds.), (1998), Policing Protest: The Control of Mass
Demonstrations in Western Democracies, Minneapolis, MI: University of Minnesota
Press
della Porta, D. and Rucht, D., (1995), Left-libertarian Movements in Context:
Comparing Italy and West Germany, 1965-1990, in in Jenkins J. C. and
Klandermans, B. (eds.), The Politics of Social Protest: Comparative Perspectives on
States and Social Movements, Minneapolis: University of Minnesota Press, 229–272
della Porta, D., (2013), Repertoires of Contention, in Snow, D. A., della Porta, D.,
Klandermans, B. and McAdam, D., (eds.), The Wiley-Blackwell Encyclopedia of Social
& Political Movements, Malden: Blackwell Publishing: pp. 1081-1083
della Porta, D., (2014), Mobilizing for Democracy: Comparing 1989 and 2011, Oxford,
UK: Oxford University Press
della Porta, D., (ed.), (2009), Another Europe, London, UK: Routledge
della Porta, D., Massimiliano, A., Mosca, L. and Herbert, R., (2005), Transnational
Movements. Minneapolis, MI: The University of Minnesota Press
DeNardo, J., (1985), Power in Numbers: The Political Strategy of Protest and Rebellion.
Princeton, NJ: Princeton University Press
Diani, M., (2003), Leaders or Brokers? In Mario Diani and Doug McAdam (eds.),
Social Movements and Networks. Oxford/New York: Oxford University Press, pp.
105–22
Dolenec, D., (2013), Democratic Institutions and Authoritarian Rule in Southeast
Europe, Colchester, UK: ECPR Press
Donais, T., (2002), The Politics of Privatization in Post-Dayton Bosnia, Southeast
European Politics, Vol. III, No. 1, pp. 3-19
Earl, J., (2013), Repression and Social Movements, in Snow, D. A., della Porta, D.,
Klandermans, B. and McAdam, D., (eds.), The Wiley-Blackwell Encyclopedia of Social
& Political Movements, Malden: Blackwell Publishing: pp. 1083-1089
Earl, J., Soule, S. A. and McCarthy, J. D., (2003), Protests under Fire? Explaining
Protest Policing, American Sociological Review 69: pp. 581-606
Easton, D., (1957), An Approach to the Analysis of Political Systems, World Politics
Vol. 9/ Issue 3: 383-400
Eisinger, P. K., (1973), The Conditions of Protest Behavior in American Cities, The
American Political Science Review Vol 67, No. 1: pp 11-28
Eldredge, N. and Gould, S. J., (1972), Punctuated Equilibria: An Alternative to
Phyletic Gradualism, in Schopf, T. J. M., (ed.), Paleobiology, San Francisco, CA:
Freeman, Cooper: pp. 82-115
Federation of Bosnia and Herzegovina in Figures, UDK 311.314 (497.6), Institute for
Statistics of FB&H, Sarajevo, 2015, http://www.fzs.ba/Podaci/Brojke2014.pdf (last
accessed December 27th 2015)
Gallup Balkan Monitor, (2010), Insights and Perceptions: Voices of the Balkans,
available at http://www.balkan-monitor.eu/files/BalkanMonitor-
2010_Summary_of_Findings.pdf
Gamson, W. A. and Wolfsfeeld, G., (1993), Movements and Media as Integrating
Systems, Annals of the American Academy of Political and Social Sciences 528: pp.
114-125
Gamson, W., (1975), The Strategy of Social Protest, Homewood, IL: Dorsey
Gamson, W., (1990), The Strategy of Social Protest, 2nd ed., Belmont, CA: Wadsworth
72
Ganz, M., (2000), Resources and Resourcefulness: Strategic Capacity in the
Unionization of California Agriculture, 1959–1966, American Journal of Sociology
105: pp. 1003–62
Gersick, C. J. G., (1991), Revolutionary Change Theories: A Multilevel Exploration of
the Punctuated Equilibrium Paradigm, Academy of Management Review 16: pp. 10-
36
Giugni, M., (1998), Was It Worth the Effort? The Outcomes and Consequences of
Social Movements, Annual Review of Sociology 24: 371-393
Giugni, M., Bosi, L. and Uba, K., (2013), Oxford Bibliographies in Political Science:
Outcomes of Social Movements and Protest Activities, New York, NY: Oxford University
Press
Giugni, M., McAdam, D. and Tilly, C., (1999), How Social Movements Matter,
Minneapolis, MI: University of Minnesota Press
Goldstone, J., (1980), The Weakness of Organization: A New Look at Gamson’s The
Strategy of Social Protest, American Journal of Sociology 85: pp. 1017–1042
Gurr, T. R., (1980), On the Outcomes of Violent Conflict, in Gurr, T. R. (ed.), in
Handbook of Political Conflict, New York: Free Press, pp. 238-294
Hall, P. A., (1990), Policy Paradigms, Experts, and the State: The Case of
Macroeconomic Policy-Making in Britain, in Brooks, S. and Gagnon, A. G., (eds.),
Social Scientists, Policy, and the State, New York: Praeger, 1990
Hayes, M. T., (1992), Incrementalism and Public Policy, New York, NY: Longmans
Hicks, A., (1999), Social Democracy and Welfare Capitalism: A Century of Income
Security Politics, Ithaca, NY: Cornell University Press.
Higley, J. and Pakulski, J., (1992), Revolution and Elite Transformation in Eastern
Europe, Australian Journal of Political Science Vol.27
Hirch, E. L., (1990), Sacrifice for the Cause: Group Processes, Recruitment, and
Commitment in a Student Social Movement, American Sociological Review 55: pp.
243-254
Howlett, M., (2002), Do Networks Matter? Linking Policy Network Structure to Policy
Outcomes: Evidence from Four Canadian Policy Sectors 1990-2000, Canadian
Journal of Political Science/Revue canadienne de science politique, Vol. 35, No. 2: pp.
235-267
Huber, E. and Stephens, J. D., (2001), Political Choice in Global Markets:
Development and Crisis of Advanced Welfare States, Chicago, IL: University of
Chicago Press
Hutter, S., (2014), Protest Event Analysis and Its Offspring, in della Porta, D., (ed.),
Methodological Practices in Social Movement Research, Oxford, UK: Oxford University
Press, pp. 335-361
ITUC Frontlines 2012 Report on Bulgaria, (2012), http://www.ituc-
csi.org/IMG/pdf/new_frontline_forum_2012_en.pdf (last accessed December 27th
2015)
Jenkins, J. C. and Perrow, C., (1977), Insurgency of the Powerless: Farm Worker
Movements (1946–1972), American Sociological Review 42: pp. 249–68
Jenkins, J. C., (1982), Why Do Peasants Rebel: Structural and Historical Theories of
Peasant Rebellion, American Journal of Sociology 88: pp. 487–512
Jesper, J., (1997), The Art of Moral Protest: Culture, Biography, and Creativity in
Social Movements, Chicago, IL: University of Chicago Press
Kitschelt, H. P., (1986), Political Opportunity Structures and Political Protest: Anti-
Nuclear Movements in Four Democracies, British Journal of Political Science 16: pp.
57–85
73
Klandermans, B., (1984), Mobilization and Participation: Social-psychological
Expansion of Resource Mobilization Theory, American Sociological Review 49: pp.
583-600
Kolekili, (2014), Tuzla’s Declaration of Citizens and Workers (Tuzla #1),
https://bhprotestfiles.wordpress.com/2014/02/07/declaration-of-citizens-and-
workers-in-tuzla-1/ (last accessed December 27th 2015)
Koopmans, R. and Statham, P., (1999), Political Claims Analysis: Integrating Protest
Event and Political Discourse Approaches, Mobilization Vol. 4, No. 2
Koopmans, R. and Statham, P., (2001), Migrant Claim-making in Germany, Great
Britain and the Netherlands, Revue Europeenne des Migrations Internationales 17(2):
pp. 63-100
Koopmans, R., (2002), Codebook for the Analysis of Political Mobilization and
Communication in European Public Spheres,
http://europub.wzb.eu/Data/Codebooks%20questionnaires/D2-1-claims-
codebook.pdf
Kriesi, H., (1989), The Political Opportunity Structure of the Dutch Peace Movement,
West European Politics 12, pp. 295-312
Kriesi, H., Koopmans, R., Duyvendak, J. W. and Guigni, M., (1995), New Social
Movements in Western Europe: A Comparative Analysis, Minneapolis, MI: University
of Minnesota Press
Leviev-Sawyer, C., (2013), чulgaria’s political crisis and the next election: Who will
win?, http://sofiaglobe.com/2013/02/20/bulgarias-political-crisis-and-the-next-
election-who-will-win/ (last accessed December 27th 2015)
Lindblom, C., (1959), The Science of Muddling Through, Public Administration
Review 19: pp. 79-88
Lindekilde, L., (2008), Mobilizing in the Name of the Prophet? The
Mobilization/Demobilization of Danish Muslims during the Muhammad Caricatures
Controversy, Mobilization 13(2): pp. 219-238
Lindekilde, L., (2013), Claims-making, in Snow, D. A., della Porta, D., Klandermans,
B. and McAdam, D., (eds.), The Wiley-Blackwell Encyclopedia of Social & Political
Movements, Malden: Blackwell Publishing: pp. 201-203
Lipsky, M., (1970) Introduction, in Lipsky, M. (ed.), Law and Order: Police
Encounters. New York: Aldine Publishing Company: pp. 1–7
Marusic, S. J., (2015), Macedonia Braces for Big Ant-government Protest,
http://www.balkaninsight.com/en/article/macedonia-braces-for-big-anti-
government-protest (last accessed December 27th 2015)
Marx, G. T., (1974), Thought on a Neglected Category of Social Movement
Participant: The Agent-provocateur and the Informant, American Journal of Sociology
80: pp. 402-442
McAdam, D., and Su, Y., (2002), The War at Home: Antiwar Protests and
Congressional Voting, 1965 to 1973, American Sociological Review 67: pp. 696-721
McAdam, D., McCarthy, J. and Zald, M. N., (eds.), (1996), Comparative perspectives
on social movements. Cambridge, UK: Cambridge University Press
McAdam, D., McCarthy, J. D. and Zald, M. N., (1988), Social Movements, in Smelser,
N. J. (ed.), Handbook of Sociology, Beverly Hills: Sage, pp. 695-737
McCammon, H. J., Sanders Muse, H., Newman, H. D. and Terrell, T. M., (2007),
Movement Framing and Discursive Opportunity Structures: The Political Successes
of the U.S. Women’s Jury Movements, American Sociological Review Vol. 72, October,
pp. 725-749
McCarthy, J. D. and Zald, M. N., (2002), The Enduring Vitality of the Resource
Mobilization Theory of Social Movements, in Turner, J. H., (ed.), Handbook of
Sociological Theory. New York, NY: Kluwer Academic/Plenum: pp. 533–565
74
McCarthy, J. D., Britt, D. W. and Wolfson, M., (1991), The Institutional Challenging
of Social Movements by the State in the United States, Research in Social Movements,
Conflicts and Change 13: pp. 45-76
McPhail, C., Schweingruber, D. and McCarthy, J. D., (1998), Policing Protest in the
United States: From the 1960s to the 1990s, in della Porta, D. and Reiter, H., (eds.),
Policing Protest: The Control of Mass Demonstrations in Western Democracies.
Minneapolis, MI: University of Minnesota Press: pp. 49–69
Mediapool (2013), Корупцияб обезверениеб патова ситуация (Corruption, disillusion,
standoff), http://www.mediapool.bg/koruptsiya-obezverenie-patova-situatsiya-
news206155.html (last accessed December 27th 2015)
Meighan, R., (2001), Education, in Clarke, P. B. and Foweraker, J., (eds.),
Encyclopedia of Democratic Thought, New York, NY: Blackwell Publishing: pp. 295-
302
Mueller, C., (1978), Riot Violence and Protest Outcomes, Journal of Political and
Military Sociology 6: pp. 49–63.
Neidhardt, F., (1989), Gewalt und Gegengewalt. Steigt die Bereitschaft zu
Gewaltaktionen mit zunehmender staatlicher Kontrolle und Repression?, in
Heitmeyer, W. K., and Sünker, H., (eds.), Jugend-Staat-Gewalt, Weinheim and
Munich: Juventa, pp. 233–43
Notarbartolo, N., (ed.), (2001), I giorni di Genova. Rome, IT: Internazionale
Oberschall, A., (1973), Social Conflict and Social Movements, Englewood Cliffs, NJ:
Prentice-Hall
Oliver, P. and Myers, D., (2003), “Networks, Diffusion, and Cycles of Collective
Action,” in Diani, M. and McAdam, D., (eds.), Social Movements and Networks.
Oxford: Oxford University Press, pp. 173–204
Opp, K. D. and Roehl, W., (1990), Repression, Micro-mobilization and Political
Protest, Social Forces 69: pp. 521-547
Petkova, M., (2013), Protests in Bulgaria and the New Practice of Democracy,
http://www.aljazeera.com/indepth/opinion/2013/02/201322163943882279.html
(last accessed December 27th 2015)
Piven, F. F. and Cloward, R. A., (1977), Poor People’s Movements: Why They Succeed,
How they Fail, New York, NY: Random House
Pizzorno, A., (1978), Political Exchange and Collective Identity in Industrial Conflict,
in Crouch, C. and Pizzorno, A., (eds.), The Resurgence of Class Conflict in Western
Europe. New York: Holmes & Meier: pp. 277–98
Polsby, N. W., (1984), Political Innovation in America: The Politics of Policy Initiation,
New Haven, CT: Yale University Press
Rucht, D., (1994), Modernisierung und Soziale Bewegungen (Modernization and Social
Movements, Frankfurt am Main: Campus
Sabatier, P., (1975), Social Movements and Regulatory Agencies, Policy Sciences 6:
301-42
Schmitter, P. and Karl, T. L., (1991), What Democracy юs…and Is Not, Journal of
Democracy, Volume 2, Number 3: pp. 75-88
Schneider, V., (2008), “Analysis of Political and Social Networks,” A seminar at the
SUM (Istituto Italiano di Scienze Umane), Dept. of Politics and Management,
University of Constanz, May 13, 2008
Schumaker, P. D., (1975), Policy Responsiveness to Protest-Group Demands, The
Journal of Politics Vol. 37, No. 2: pp. 488-521
Skocpol, T., (1992), Protecting Soldiers and Mothers: The Political Origins of Social
Policy in the United States, Cambridge, MA: Harvard University Press
75
Snow, D., Rochford, E. B., Worden, S. K., and Benford, R. B., (1986), Frame
Alignment Processes, Micromobilization and Movement Participation, American
Sociological Review 51: pp. 464-482
Stanchev, K, (2013), ротести и икономическо знание (Protests and Economic
Knowledge), http://ime.bg/bg/articles/protesti-i-ikonomiesko-znanie/ (last
accessed December 27th 2015)
Strah od tužbi zbog 'bijelog hljeba' (Fear from Lawsuits because of the Apanage),
http://balkans.aljazeera.net/vijesti/strah-od-tuzbi-zbog-bijelog-hljeba (last accessed
December 27th 2015)
Tarrow, S., (1989), Democracy and Disorder, Protest and Politics in Italy, 1965-1975,
Oxford, UK: Oxford University Press
Tarrow, S., (1993), Social Protest and Policy Reform: May 1968 and the Loi
d'Orientation in France, Comparative Political Studies 25: pp. 579-607
Tarrow, S., (1994), Power in Movement: Social Movements, Collective Action and
Politics. New York/Cambridge, Cambridge University Press
The Dynamics of Collective Action – DOCA project, (2009),
http://web.stanford.edu/group/collectiveaction/cgi-bin/drupal/ ((last accessed
December 27th 2015)
Tilly, C. and Tarrow, S., (2006), Contentious Politics, Boulder, CO: Paradigm
Tilly, C., (1986), The Contentious French, Cambridge, MA: Harvard University Press
Tilly, C., (1999), Conclusion: From Interactions to Outcomes in Social Movements, in
Giugni M., McAdam, D. and Tilly, C., (eds.), How Movements Matter: Theoretical and
Comparative Studies on the Consequences of Social Movements, Minneapolis:
University of Minneapolis Press, pp. 253–70
Tilly, C., (2008), Contentious Performances, Camridge, UK: Cambridge University
Press
Vrablikova, K., (2013), Public Opinion and Movements, in Snow, D. A., della Porta,
D., Klandermans, B. and McAdam, D., (eds.), The Wiley-Blackwell Encyclopedia of
Social & Political Movements, Malden: Blackwell Publishing: pp. 1022-1025
Vujeva, K., (2014), Class Struggle in Bosnia and Herzegovina: Casus belli for Major
Social Unrest in Croatia?, http://www.marxist.com/class-struggle-in-bih-casus-belli-
for-major-social-unrest-in-croatia.htm (last accessed December 27th 2015)
Zaller, J. R., (1992), The Nature and Origins of Mass Opinion, Cambridge, UK:
Cambridge University Press
Zwerman, G., Steinhoff, P. G., and della Porta, D., (2000), Disappearing Social
Movements: Clandestinity in the Cycle of New Left Protest in the U.S., Japan,
Germany and Italy, Mobilization 5, pp. 85-104
76
77
The Right to Truth and the Failure of
Seeking it
By Kristin Birkenzeller*
ABSTRACT
The paper is dealing with seeking truth after the Bosnian War. For this
reason, the relevance of truth, manifested in intergovernmental
agreements and legal acts, is presented. To find truth, there exist
different mechanisms, a crucial one is criminal prosecution of grave
breaches of international law through courts. Individual liability is
sought to establish by bringing the main perpetrators before judges.
Judicial procedures may initiate a corporative process of reconditioning,
reconciliation and pacification, nevertheless for such a long-term effort to
be successful, a bottom-up process, taking place simultaneously, is
needed. Establishing a truth commission is what can fulfil this purpose.
* Kristin Birkenzeller is studying law at the University of Cologne and has a Bachelor in
Political Science and Public Law from Friedrich-Schiller-University of Jena. Spheres of interest
are (domestic and international) transitional justice and politics of the Balkan countries.
78
For societies transitioning from conflict, it and what may be the long-term
is necessary to find truth about the things backlashes?
that happened. Truth is essential for
recovering, rebuilding social trust and A. The right to truth, its codification and
returning to peace, it is the crucial means application
for finding out the causes of inequalities A report of the UN Commission on Human
and discrimination, which underlay the Rights (UNCHR), a subdivision of the
conflict (Ni Aolain/ Haynes/ Cahn, 2011, Economic and Social Council (ECOSOC),
p.176ff). Finding truth includes delivered in 2005 an updated set of
investigations on different levels through principles for the protection and
different methods. While a truth process promotion of human rights through action
sets a symbolic mark of accountability, it to combat impunity
is enabling a state to receive back its (E/CN.4/2005/102/Add.1). Impunity was
legitimacy (Ni Aolain/ Haynes/ Cahn, defined as the (legal and factual)
2011, p.178). impossibility of bringing perpetrators of
violations to account because of a missing
There exist different ways to disclose and inquiry, which may have otherwise
process the past: One method is criminal effected accusations and reparations.
prosecution, another one the
establishment of a truth commission. The The principle 1 states the general
aim of a truth commission is to complete obligation of states, to take effective action
the picture of what has happened in a to combat impunity (…)р to foster the
systematic way, aiming to prevent inalienable right to know the truth about
recurrence in the future. Instead of past violations. Principle 2 outlines the
individual acts, the broader context inalienable right of every person and
should be analysed. Priscilla Hayner listed contributes to seek for truth “about past
five goals of truth commissions (vgl. events concerning the perpetration of
Hayner, Priscilla, 2011, p.20): heinous crimes and about the
- Discovery and acknowledging of circumstances and reasons that led […] to
past abuses […] those crimes”. яust a comprehensive
- Responding to victims’ needs exercise of this right serves to provide a
- Contributing to justice and real safeguard against recurrence, as it is
accountability complemented.
- Showing institutional
responsibility and recommending Already Geneva Convention IV from 12
reform August 1949, stated in Article 26 that
- Promoting reconciliation. each party to an international armed
conflict “shall facilitate enquiries made by
The aim of this work is to analyse the members of families dispersed owing by
process of seeking the truth after war in war”. The Additional Protocol to the
the territory of Bosnia and Herzegovina. Conventions from 1977 relates to the
The paper in organized in two parts. The regulations concerning the missing and
first part concentrates on the right to dead, and wants the parties to the conflict
truth, its codification in international law, to investigate “by the right of families to
its application and the relevance for the know the fate of their relatives”. There are
case at hand. The second part focusses on no direct regulations governing the
transitional justice in Bosnia and situation of non-international conflicts in
Herzegovina, looking at efforts done by the the Conventions or the Additional
International Criminal Tribunal for the Protocols, but other documents were
former Yugoslavia (ICTY). Why was there added during the decades. Relevant are
never a truth and reconciliation for example the so called ‘Guiding
commission established? In how far exist Principles on юnternal Displacement’ from
flaws in the process of seeking the truth 1998 which specify in 16(1) and 17(4) that
“all internal displaced persons have the
79
right to know the fate and whereabouts of were lastly known to be in the custody of
missing persons”. the army. The court found that the
The ‘right to truth’, recognized by several respondent government of Republika
national and international human rights Srbska had neglected its duty to obtain
bodies, has an individual and a collective information on the missing men to the
dimension. As an individual right it serves families. This treatment manifested an
the quest for truth and justice from “inhumane and degrading treatment” of
victims of severe human rights violations the families what states a violation of
like forced disappearances, torture or Art.3 ECHR (Groome, 2011, p.179).
extrajudicial executions, as for grave
breaches of humanitarian law, and their The HRCBiH established clarifications to
relatives. Besides, there is the right and determine who can be a subject to the
duty of the whole society to get sensitized violation of Art.3 ECHR. For this aim, the
for the happenings in there town, region court introduced two sets of factors, one
and country and the experiences of relating to the claimant, the other to the
victims. This collective dimension is respondent, to examine the legal
crucial for a society to recover and to owe situation. What is mattering in the
an awareness about the own history, interest of the claimant are factors like his
which is able to prohibit recurrence. The or her relationship to the missing person,
right to the truth was in some cases own efforts made by the claimant to
included in peace agreements. In the case investigate the fate of the missing ones or
of Bosnia and Herzegovina, the General a witnessed criminal background. The
Framework Agreement for Peace also categories mattering for or against the
contained a regulation which lead the respondent are inter alia engagement in
parliament to the adoption of a law giving investigative activities, the amount of
the families of missing persons the right to information disclosed and involvement in
know about the fates of their missing underlying crimes (Groome, 2011, p.180).
relatives. юt is now settled law that a state’s
continuing failure to investigate and
To apply the right to the truth against a disclose facts surrounding grave violations
state, courts referred to two categories of of human rights constitutes inhumane
protection, deriving from international treatment for the family of the victim and
treaties. On the one hand, there is the a continuing violation of their right to
obligation of a state to disclose the fate of protection from such treatment.
a person in its custody. If a state neglects
this obligation, it constitutes an The second foundation for a legally
inhumane and degrading treatment to the enforceable right to receive information
family members of the person missing about missing relatives, is laid down in
deriving from Art. 3 of the European the obligation of a state to judicial
Convention for the Protection of Human guarantees for victim’s relatives. The
Rights and Fundamental Freedoms failure of a state to adequately investigate
(ECHR). As a state is responsible to the disappearance and fate of victims
protect its citizen against inhuman and constitutes a violation of the right to a fair
degrading treatment, the failure to trial and judicial protection, guaranteed in
disclose manifests a continuous violation Article 13 of the ECHR. The HRCBiH
of protection of its own citizen against this determined the positive obligation of a
treatment. The Human Rights Chamber of state to actively investigate a matter,
Bosnia and Herzegovina (HRCBiH) applied falling under the scope of Art.8 ECHR
Art.3 ECHR following jurisdiction of the which constitutes the “right and respect
European Court of Human Rights for private and family life”. This
(ECtHR). The cases were brought to the argumentation goes also back to the
HRCBiH by families of missing persons jurisdiction of the ECtHR which held, that
from the city of Srebrenica, to seek it constitutes the breach of an active
information about their relatives, who obligation, if a state has information about
80
a missing person and refuses the indictments because of missing proof and
disclosure to family members upon evidence of their individual action
request (Groome, 2011, p.180). (Akman, 2008, p.130f).
Finding the truth by delivering insights in
things that happened and reveal those Additionally, there was the goal of the
responsible for the crimes, is believed to ICTY to bring about truth through fact-
enlarge the understanding of communities finding. For this purpose, different crimes,
and individuals of the causes of conflict. which had taken place on different sites,
Further, truth and awareness about past were investigated, recognized and
experiences are tools to change routines, acknowledged. Nevertheless, as it is the
institutions, behaviours and prevent nature of a tribunal, fact finding was
violations from happening again. Truth is “focussed on the behaviour of individuals”
crucial for the healing process and instead of the collective reappraisal
enables reconciliation by restoring the (Akman, 2008, p.132). This meant in
dignity of victims and reach safeguards concrete, the investigations concentrated
against impunity and public denial on the guilt of single officials rather than
(Gonzales/ Varney (2013), p.4). The next on uncovering the whole picture and
chapter will shed light on the details on systemic nature of deeds.
the work of the ICTY, the failure to The ICTY applied the principles of the
establish a truth commission and Geneva Conventions of 1949 and their
resulting lack of truth and justice. Additional Protocol on an inter-state
conflict and strengthened by this practice
B. Finding truth and justice the coverage of international law. Further,
the Tribunal considered mass rape as a
I. Prosecution war crime, and as an instrument of ethnic
To prosecute persons responsible for cleansing. By its jurisdiction the ICTY
serious breaches of international developed international customary law by
humanitarian law committed in the adding mass rape as a tool of genocide.
territory of the former Yugoslavia since But, more than one decade later, the legal
1991, the ICTY was put in power via framework in Bosnia and Herzegovina for
resolution 827 on 25 May 1993, adopted dealing with war crimes like sexual
by the Security Council (Statute of the violence and other crimes against
International Criminal Tribunal for the humanity is still incomplete (Amnesty
former Yugoslavia, Art. 1). Earlier, there International, 2014, p.6). While rape and
already had been UN resolutions which, sexual violence were used as instruments
unfortunately, had no effect on the war for ethnic cleansing, as the ICTY found,
parties, while the international audience the Dayton Agreement did not address
of this conflict, fed with media reports and gender-based crimes, which may have
pictures of horrible violence, shifted the focus in a higher sense to the
concentration camps and murder, victims (Moratti/Sabic-El-Rayess, 2009,
neglected to “run the risk of a military p.17).
intervention” (Basic, p. 360).
In 2015 the Bosnian War Crime Court
Main aims of the ICTY were overcoming decided for the first time to include
the shift from impunity to accountability financial reparations to a victim of rape in
and strengthening the rule of law. While times of war in the verdict. Afterwards
the ICTY wanted to set an example to the also local courts followed this jurisdiction.
world to achieve individual liability for In the past, victims were forced to file
crimes, the realisation of those aims was claims for reparations in civil proceedings
marked by dragging procedures and for a – on their own costs and under need to
long time, the missing ability to bring high reveal their identity (Binetti, 2015, p.1).
ranking officials to court. Beside the Reparations are a crucial instrument in a
persons in command positions, it was transitional justice process, they are
even harder to bring perpetrators to focused on the victims. Reparations may
81
provide acknowledgement of equal rights, and are essential for “breaking the walls of
a measure to justice and recovery, and denial by establishing the facts” (Morattiд
change existing gender inequalities Sabic-El_Rayess, 2009, p.21). While
(Binetti, 2015, p.2). Those effects may lead statistically the number of Bosnian Serbs
many victims to start procedures and denying the genocide in Srebrenica
change the public awareness for the topic, decreased, the process moves on slowly.
which is crucial for transitional justice. Further it has also destabilizing effects on
domestic institutions because it causes an
Another aim of the ICTY to give victims increase in ethnic tensions through
and their families a voice and bring justice bringing back old questions and iniquities
to individuals, this could be realised just in the minds and results in a glorification
within a small scope. Probably it is not of the accused perpetrators (Moratti/
possible after war, that any tribunal may Sabic-El-Rayess, 2009, p.21).
fulfil this task. In the case of Bosnia and
Herzegovina, there were alongside the While prosecution served the purpose to
ICTY also domestic bodies responsible for adjudicate the individual criminal
prosecution of crimes, in special the War responsibility of perpetrators, a judicial
Crime Chamber and the second instances process requires a careful examination of
courts of Bosnia. The War Crimes credible and reliable evidence (Groome,
Chamber was established in 2002 by the 2011, p. 186). In consequence, the judicial
national parliament and started working truth-seeking process concentrates on
in 2005. Even though this court was well individual indictments; and factors which
equipped, it had problems to cope with its aren’t relating to a specific perpetrator
huge workload. The second instances appearing in court, are disregarded. If
courts in the entities were poorly truth seeking takes place only by criminal
equipped, and not able to bring about this prosecution, the scope of truth is limited
task (Moratti/ Sabic-El-Rayess, 2009, (Groome, 2011, p. 187).
p.20).
1. Failure to establish a truth and
To conclude, the ICTY and domestic reconciliation commission
courts did indispensable work and Since the armed conflict was settled,
attained continued development of considerations of an establishment of a
international law, especially in matters of truth and reconciliation commission took
sexual violence. Victims of sexual violence place. Several commissions with a limited
are finally able to receive reparations from scope started their work on specific cases
their perpetrators through the verdict, with varying results. There was a
which has a strong impact in the process commission established for the
of individual and collective reconditioning. investigation of events in and around
Nevertheless, there are tasks which Srebrenica between 10th and 19th July
cannot be fulfilled within a solely legal 1995, this ad-hoc committee was set up
framework. For this reason, bodies by the government of Republic of Srpska
fostering a societal reconditioning are following strong international pressure.
imperative. Within its scope, investigations took place
on the genocide and the fate of missing
II. Collective Truth persons from the region (Binetti, 2015, p.
The society in the state of Bosnia and 22). The commission published a report
Herzegovina is still divided through a on its findings which lead to public
parallel history-telling, which has a strong apologies from the government of Republic
impact on presence and future. A crucial of Srpska to victims and their families
instrument, to make transitional justice (Binetti, 2015, p. 22).
successful, is to influence and clarify the
awareness on what really happened. Other efforts weren’t likewise successful.
Lawsuits in courts, in special those before While one commission was established in
the ICTY, created a huge public attention 2006 to investigate on the fate of
82
disappeared Colonel Avdo Palic, a former leaders, so they pledged for a system with
commander of the Bosnian Forces in the limited competences of the central
town of Zepa, calls for investigations on government, while “ethnic aspects of
other matters and a huge public debate governmental arrangements” were given
started, resulting in a new commission on high relevance – noticeable in the
the “Suffering of Sarajevo Citizens”, structure of the voting system and
initiated by the Council of Ministers in governmental positions (O’Brien, зеже,
BiH. These comprehensive investigations p.338).
didn’t achieve the needed success what Aiming to implement a form of a
was also due to differing political aims of consociational democracy, local power-
the actors and a lack of funds (Binetti, sharing arrangement should effectuate a
2015, p.22). cooperative and consensual style of
politics among the leaders of the three
The first attempt in 1997 to create a main ethnic groups. Following the ideas of
comprehensive, regional truth and Arend Lijphard of the late 1960s,
reconciliation commission (TRC) was ethnically divided societies can be
impeded mainly by the ICTY. The second stabilised through a joint rule and
attempt in 2001 to start a reconciliation decision-making by leaders of the specific
process and establish a truth commission ethnic groups (Lijphard, 1969, 216).
was supported by the government, the
international community and the ICTY, Problematic was in the case of Bosnia and
nevertheless the process failed in its Herzegovina, that the interests of the
beginning. The third attempt in 2006 was leaders of the different groups weren’t
led by the political parties of Bosnia and taken into account adequately.
Herzegovina, equipped with the task of Consequently, it was missed to set
drafting a law on the establishment, incentives of the ethnic leaders for finding
mandate and composition of a truth consensus and establishing an effective
commission (Ahmetasevic,/ Jelacic,(2006). common state (Tzifakis, 2007, p.86).
The law on the establishment of a truth
commission was part of a larger package The aim of the Dayton constitutional
of constitutional amendments to empower arrangements, to combine a consensual
national institutions. The drafting took democracy-model with features of
place behind closed doors, and lead to partition preserved the former war parties’
outcries in media and society, when these interest “to exploit the aforementioned
efforts became known – because of their power-sharing arrangements” (Tzifakis,
non-transparent and premature character 2007, p.87). This neglected focus on
(Djokic/ Ker-Lindsay, 2011). So far, there creating incentives of the leader to
hasn’t been a TRC in Bosnia and integrate into a consensual democracy
Herzegovina starting its work. model is one big factor which explains
missing incentives in fostering the newly
2. Reasons for the failure established state of BiH by supporting a
For understanding the failure of the truth-seeking process.
creation of a truth commission, one
crucial factor is the floor plan of the Beside that, representatives of the ICTY
political system and the power-sharing opposed the installation of a TRC, mainly
arrangements, manifested through the caused by the fear that it may undermine
Dayton Agreement. As within the Dayton efforts of the tribunal. One reason for the
peace accords the new constitution was fear was the assumption, that Bosnian
negotiated, the ethnic elites were still society and its political leaders would not
controlling resources and military – and favour it, because they were “not ready”,
wanted to keep their power and authority what “might prove counterproductive”
in peacetime (O’Brien, зеже, p.иин). (Basic, P.373) Furthermore,
Preserving autonomous power, was the representatives of the tribunal argued,
aim of the Bosnain-Serb and Croatian that the “possible mandate […] might
83
overlap in the nature of investigation” and
might bring witnesses and victims in a
situation choice and alternativity of
cooperation. Finally there was a concern
on diverging use of standards of evidence
and authority to interpret what has
happened (Basic, P.373).
C. Conclusion
The right to the truth is codified in several
international treaties and legal acts and
was applied in different procedures, that
is a huge accomplishment. International
and domestic courts play a crucial role in
the process of seeking truth about the
things that happened. It is crucial to
impede impunity and reach
accountability, in these affairs the ICTY
and its domestic counterparts played an
indispensable role. Nevertheless, the
scope of judicial prosecution for disclosing
the truth is limited. To acknowledge past
abuses, discover structural and
institutional causes of conflict and
integrate the needs of victims and their
families, another approach would have
been needed, to construct the floor plan of
a stable, prospective political system. This
paper included an analysis of causes for a
failure of a truth and reconciliation
commission, which may have been a tool
to achieve the mentioned aims, which a
tribunal cannot fulfil. The analysis
concentrated on two relevant obstacles to
the establishment of a truth and
reconciliation commission: Firstly, the
constitutional design of a consociational
democracy, which wasn’t able to create
incentives to the leaders of the ethnic
groups, to support the well-being of the
state of Bosnia and Herzegovina instead of
putting solely interests of the own group
in their focus. Secondly, for some time
also representatives of the ICTY were
impeding the establishment, fearing
rivalry, procedural barriers and alternative
interpretations.
84
Bibliography
Ahmetasevic, Nidzara/ Jelacic, Nerma (2006): Truth Commission divides Bosnia, in:
Balkan Insight, 31.03.06.
Akman, Beyazit (2008): Tribunal v Truth: ICTY and TRC in the Case of the former
Yugoslavia. In: Humsec Journal Issue 2.
Amnesty International (2014): Bosnia and Herzegovina. Impunity for past Human
Rights violations.
Basic, Sanela (2006): Bosnian Society on the Path to Justice, Truth and
Reconciliation.
Binetti, Ashley (2015): Gender-Sensitive and Transformative Reparations in Bosnia.
Georgetown Institute for Women, Peace and Security
Djokic/ Ker-Lindsey (2011): New Perspectives on Yugoslavia. Key Issues and
Controversies.
Gonzales, Eduardo/ Varney, Howard (2013): Truth Seeking. Elements of Creating an
Effective Truth Commission.
Groome, Dermont (2011): The Right to Truth in the Fight against Impunity. Berkeley
Journal of International Law, Vol.29 (1).
Hayner, Priscilla (2011): Unspeakable Truths. Transitional Justice and the Challenge
of Truth Commissions.
Lijphard, Arendt (1969): Consociational Democracy.
Moratti, Massimo/ Sabic-El-Rayess, Amra (2009): Transitional Justice and DDR: The
Case of Bosnia And Herzegovina, International Center for Transsitional Justice.
Ni Aolain, Fionnuala/ Haynes, Dina Francesca/ Cahn, Naomi (2011): On the
Frontlines: Gender, War, and the Post-Conflict Process.
O’Brien, яames C. (зеже)п The Dayton Constitution of Bosnia and Herzegovina. In:
Miller, Laurel/ Aucoin, Louis: Framing the State in Times of Transition: Case Studies
in constitution Making.
Statute of the International Criminal Tribunal for the former Yugoslavia.
Tzifakis, Nikolaos (2007): The Bosnian Peace Process: Power Sharing Approach
Revisited. In: PERPECTMES 28/2007.
E/CN.4/2005/102/Add.1
Economic and Social Council. Commission on Human Rights: Impunity. Report of
the independent expert to update the set of principles to combat impunity.
85
86
87
The protection of the witness as a risk for
the rights of defense in the criminal
procedure
By Natasha Todorovska*
ABSTRACT
* I am a PhD student candidate of criminal law at the Faculty of Law in the State University
Ss. Cyril and Methodius. I graduated Law and I finished my Masters in Law at the Faculty of
law at First Private University FON. I have passed bar exam. Currently I am working as a
teaching assistant, and I am focused on research in my field of study/interest. My research
field includes witness protection in Republic of Macedonia and impact of international
documents on the protection of witnesses. I have been part of training seminars and projects
as a participant and part of organizational committeeг цlso I’m author and coauthor of many
papers and publications.
88
Introduction fight against international organized
Emergence of new forms of crime and its crime; The Council's Framework Decision
organized structures imposed the on the Placement of Victims in the
necessity of intensifying the reform of the Criminal Procedure) and Documents of
penal legislation in the Republic of the Organization of the United Nations
Macedonia. The grounds for reform of the (Convention of the United Nations against
penal legislation is, by all means, transnational organized crime, Additional
observation of the basic freedoms and Protocol to the United Nations Convention
rights of the citizens of the Republic of against Transnational Organized Crime for
Macedonia stipulated in the Constitution the Prevention and Suppression and
and in the international agreements as Punishment of Trafficking in Persons,
well as creation of appropriate Especially Women and Children)
mechanisms for efficient elimination of the
organized crime and improvement of the The significance of "threat" and "risk"
efficiency and effectiveness of the criminal In general, the threat must beagainst the
procedure.The Law on Witness Protection witness’s lifeр it does not extend to his or
addressed the necessity of establishing a her well-being or property.A threat
legal frame which is to provide efficient assessment can be defined as the
protection of a person possessing investigative and operational techniques
information of significance for the criminal usedby law enforcement authorities to
procedure and whose life, health, freedom identify, assess and manage the risk and
or property has been threatened and potentialperpetrators of targeted violence
his/her close persons as well as the against a witness.
victims, if they appear in the capacity of
witnesses, and collaborators of justice. A distinction between “threat” and “risk”
should be made. A threat assessment
The necessity of adopting the Law on looks atwhether the life of the witness is
Witness Protection was overwhelming also in serious danger, and should address
for implementation of the provisions of issues such as:
many interlantional documents: (a) The origin of the threat (group or
Documents of the Council of Europe person);
Recommendation (REC (97) 13 of the (b) The patterns of violence;
Committee of Ministers of the Member (c) The level of organization and culture of
States concerning the intimidation of the threatening group (for example,
witnesses and the rights of the defense; streetgang, Mafia-type group, terrorist
Recommendation REC (2005) 9 of the cell);
Committee of Ministers of the States (d) The group’s capacity, knowledge and
Parties for the Protection of Witnesses and available means to carry out threats.188
Associates of Justice; Convention against
Action on Trafficking in Human Beings; A risk assessment examines the chances
Second Additional Protocol to the of the threat materializing and assesses
European Convention on Mutual how it canbe mitigated. The assessment is
Assistance in Criminal Matters; Penal conducted according to set standards and
Convention on Corruption and using a matrix.189Action is taken to reduce
Jurisprudence of the European Court of the probability of the threat being carried
Human Rights on the Protection of out, for example byusing unmarked cars
Witnesses), Documents of the European
Union (Convention on Mutual Assistance
in Criminal Matters between the Member
188Good practices for the protection of
States of the European Union Council;
Resolution for protection of Witnesses in witnesses in criminal proceedings involving
the Fight Against Organized Crime organized crime, United Nations Office on
Drugs and Crime Vienna, 2008, p.61
Council; Resolution for persons 189Kambovski V, “Organizedcrime”. Skopje: 2-
cooperating in the judicial a process in the August, 2005, p.227
89
to transport witnesses, resettling used as evidence in a court procedure or
witnesses temporarily or providingthem an administrative procedure, which
with new identities. The assessment is implies that the person has certain
conducted by the witness protection unit knowledge on the fact. What is relevant for
andis a key factor in providing tailor-made the offence is that the act of perpetration
protection to suit the needs of the prevents giving a statement in general or
witnesses.Throughout the programme and giving a true statement.194
even after its termination, it may be
necessary to carryout periodic threat Witness protection in the law on
evaluations in order to decide whether to criminal procedure
continue, upgrade, discontinueor reinstate The Law on Criminal
protection measures.190 Procedure195regulates the witness
protection during the criminal procedure
Witness protection in the and taking measures for witness
Macedonianpenal legislation protection during the criminal procedure.
Witness protection is regulated by the Witness protection during the criminal
Criminal Act of the Republic of procedure is carried out during the pre-
Macedonia, the Law on Criminal criminal and the criminal procedure 196.
Procedure; Law on Witness Protection; Uponproposal of the/ public prosecutor
Law on Interior; Law on Prevention of the court decides on the measures to be
Corruption; Law on Sanctions and the sub taken for protection of a threatened
laws regulating the witness protection. witness during the criminal procedure197.
95
authorized persons for enforcement of the
Law.
96
BIBLIOGRAPHY
Buzarovska G,“Procedural measuresto
protectwitnessesindomesticandcomparativelaw”г Skopje: Protection
ofwitnessesandcollaborators ofjusticefor victimsindomesticandinternational law-
the International Organization for Migration-IOMMissioninSkopje.
Budzhakoski S., “Criminal Law- generalpart”. Skopje: CSI Instituteof
Managementknowledge, 2008th.
Grozdanovska M.“Witness protectionп international aspects and the legislation in
the Republic of Macedonia”, Master’s paper, Faculty of Law “яustinian Primus”.
Kambovski V, "The second phaseof the reformof the criminallaw"Skopje:
Macedonian Reviewof Penal LawandCriminology, Year 11 No. 3 2004.
Kambovski V, “Organizedcrime”. Skopje: 2-August, 2005.
Kambovski V, “ Criminal Law – general part”. Skopjeп з-August S- Shtip, 2006.
Kambovski V, “Criminal Act, integral text-preface, short explanations and
glossary”, second edition, Official Gazette of Republic of Macedonia, Skopje,
2011.
Kambovski V. and Tupancheski N, “Criminal Law”. Skopjeп Ss. Cyril and
Methodius, Faculty of Law, Justinian "2011.
Kalajdziev G, “Witness protection in terms of human rights”. Skopje: Protection of
witnesses and collaborators of justice for victims in domestic and international
law-the International Organization for Migration - IOMisija in Skopje.
KalajdzievG.andBuzarovska G.,”Code of CriminalProcedure"Skopje:
Academic2011.
Good practices for the protection of witnesses in criminal proceedings involving
organized crime, United Nations Office on Drugs and Crime Vienna, 2008
Recommendation No. R (2005) 9 concerning protection of witnesses and
colaborators of justice, 20.04.2005.
Reports on witness protection, European Committee on Crime Problems (CDPC),
Strasbourg, 24 March, 1999.
Reports on witness protection, adopted by Committee Pc-Co, February 1000.
Law on Witness Protection, Official Gazette of Republic of Macedonia No.
38/2005&58/2005
Law on Classified Information,Official Gazette of Republic of MacedoniaNo. 09/04
Law on Criminal Procedure, Official Gazette of Republic of Macedonia No. 15/97,
Law on Amendments and Modifications to the Law on Criminal Procedure,
Official Gazette of Republic of Macedonia No.44/02, 74/04 and 83/08, and
67/09
Law on Prevention of Corruption. Official Gazette of Republic of Macedonia No.
83/04
97
98
99
Accommodating minorities in conflict
resolution: the case of the Maronites of
Cyprus
By Lorena Diz Conde*
ABSTRACT
* Lorena Diz Conde is finishing a Joint Master's Programme in Southeastern European Studies
at Karl-Franzens University of Graz and University of Belgrade. Previously, she graduated
from a BA degree in International Relations at Rey Juan Carlos University of Madrid. Her
study focuses on the Western Balkans region, and she is particularly interested in the fields of
human and minority rights, democratization and rule of law in post-conflict states, European
integration, transitional justice, and migration. Her current research for her MA thesis focuses
on the impact of EU-funded project on minority protection in Serbia in the process of European
integration.
E-mail: lorenadizc@gmail.com
100
I. Introduction: Cyprus conflict and the Constitution provided a 30 per cent quota
Maronite Community for Turkish Cypriots in the National
The current division of Cyprus into two Parliament and public administration,
different entities took place in mid-July along with a permanent veto power.
1974, when the Turkish Army invaded the
northern part of the island, following a The inter-communal violence among
coup d'état ordered by the military junta Greek and Turkish Cypriots that
that had been ruling in Greece since developed during the 1960s resulted in
1967. This coup d'état was intended to many failed peacemaking initiatives and
depose the Cypriot president Makarios III, the intensification of violent clashes
and replace him with a loyalist between both groups. President Makarios
government. However, since the III, as the representative of Greek Cypriots
independence of Cyprus from the United and Mr Rauf R. Denktash, on behalf of the
Kingdom in 1960, tensions between Greek Turkish Cypriots, met on several
and Turkish Cypriots had been escalating, occasions seeking an agreement and
leading to inter-communal violence, the settlement of the disputes that would
collapse of the constitutional order after satisfy both parts' demands. However, the
the withdrawal of Turkish Cypriots from course of events prevented a real
the state institutions in 1963, and the perspective for a long term resolution of
creation of enclaves of Turkish Cypriots. the conflict. The initiatives to end the open
armed violence between Greek and
Two main approaches dominated the Turkish Cypriots that outburst in
political scene in Cyprus, even before the December 1963 and to rebuild the
formal independence of Cyprus from the collapsed constitutional institutions failed,
UK: on the one hand, taksim advocates for and in March 1964 the United Nations
the division of the island between Turkish Peacekeeping Force for Cyprus215 was
Cypriots and Greek Cypriots, and it is established and has continued its mission
mostly followed by the former; on the to this day.216 The inter-communal
other hand, enosis, i.e. the formal union violence aggravated in 1967, following the
of Cyprus with Greece, has been largely coup d'état that took place in Greece and
advocated by Greek Cypriots. These two established a military junta government.
conflicting views have dominated the All the mediation attempts organized
inter-communal conflicts and negotiations under the auspices of the United Nations
since the 1950s. also failed.
The 1960 Constitution, which is part of The turning point in this conflict took
the Zurich Agreement that granted place in 1974, when Turkish armed forces
independence to the Republic of Cyprus, entered in the northern part of the island
established a bi-communal state of Greek as a reaction to the coup d'état instigated
and Turkish Cypriots, whose guarantors by Greece, which sought to achieve
are the United Kingdom, Greece and enosis. This event led to the de facto
Turkey. At that time, the population in division of the island and the suspension
Cyprus was made up by a 77.1 per cent of of the Constitution of the Republic of
Greek Cypriots and a 18.2 per cent of Cyprus in the northern part, controlled by
Turkish Cypriots,214 along with three Turkish forces.
main minority groups: Armenians,
Maronites and Latins, which were
integrated in the Greek institutions. The
Cyprus, 1881-жонз” (University of London, and юts Effects on Turkey’s Foreign Relations,”
1997), 153. Middle Eastern Studies 41, no. 3 (2005), 431.
101
The conflict would develop in the following Therefore, this minority group has been
decades leading to the current situation of affected by the outcomes of the conflict in
a divided island with dozens of non-solved a very particular way, mostly due to their
problems, including refugees, land historical presence in a defined area of the
ownership, exclusion from formal island, but also due to the particular
representation in state institutions, socio- ethno-cultural characteristic of this
economic challenges, among many others. minority, as we will explain in the
These are direct consequences of the following chapters.
division of the territory into two different
entities, the Republic of Cyprus, which The Cyprus conflict is a complex topic
has fully international recognition, and that involves many factors and actors,
the Turkish Republic of Northern Cyprus both internally and internationally. This
(TRNC), self-declared in 1983, only essay will introduce the problem of
recognized and supported by Turkey. This refugees in a divided island by analyzing
conflict has continued for more than 40 the specific case of the Maronites of
years without a successful resolution, Cyprus. The aim of this essay is to analyze
even though several initiatives and peace how the Maronite community has been
talks have been held. affected by the conflict and how this
One of the reasons that may explain the community is tackling with their
deadlock in negotiations for more than 4 particular situation. Moreover, we will also
decades is the absence of an open violent address the political role of the
conflict between Greek and Turkish community in the peace talks, their
Cypriots after the division of the island, proposals and demands.
which has led to the definition of the
Cypriot conflict as a comfortable II. The impact of the Cyprus conflict in the
conflict.217 The lack of deadly victims does Maronite community
not encourage the negotiating parts to The Maronites of Cyprus are the biggest
reach an agreement any time soon, minority group in Cyprus. They are an
however, the large number of refugees has ethnic, religious and language minority
been the most visible outcome of the that has been present in the island since
division of the island, having a great the 7th century, originating from the area
impact in the socioeconomic development of today's Lebanon and Syria, where they
of Cyprus. maintain strong ties. The Maronite
identity is particular in the Cypriot
The Maronites of Cyprus are a minority context: they consider themselves
group that has been present in the island Cypriots, constitutionally Greek, and
since the 7th century. As it has already Catholic with the center of their faith in
been pointed out, they constitute one of Lebanon (Maronite Patriarchate of
the three minority groups in Cyprus, Antioch). Moreover, they speak a unique
along with Armenians and Latins. language, known as Cypriot Maronite
Historically, they have been settled in the Arabic (CMA or Sanna, "our language"),
north-west of the island, and by 1960s which is officially considered a severely
they were present in four main villages: endangered language, according to
Ayia Marina, Kormakitis, Asomatos, and UNESCO, since 2002.218
Karpasha. These villages are under TRNC
territory in the current division of Cyprus.
218 Marinela Karyolemou, “The Demographics
102
Therefore, they have a "dual"
The Maronite community was historically representation, as Cypriot citizens and as
settled in a very specific area in the members of the Maronite community.
northern part of Cyprus, in the Kyrenia
district. In the 1960s only four Maronite One of the distinctive features of the
villages remained: Kormakitis (which is identity of the Maronite community of
considered the centre of the Cypriot Cyprus is their unique language, which is
Maronite culture and used to house half severely endangered. The Cypriot Maronite
of the Maronite population), Karpasha, Arabic is a language with strong Arabic
Asomatos and Ayia Marina. At that time, and Aramaic influences that has been
the Maronite community numbered about spoken by this community since their
4200 people. 219 arrival to Cyprus and has been orally
transmitted to the following generations.
As it has already been pointed out, However, after the division of the island
according to the Constitution, the and the military occupation of two of the
Republic of Cyprus is a bi-communal state Maronite villages, a great part of the
with two recognized communities: Greek community was forced to leave to the
Cypriots and Turkish Cypriots. The southern side of the island, where they
Maronites are recognized in the have settled all over the territory, without
Constitution of the Republic of Cyprus as a particular city or village where they
a religious group, but they had to choose would concentrate. This had a great
which constitutional community they impact on the transmission of the
would join. Their decision in 1960 was to language to the younger generation of
become part of the Greek Cypriot Maronites, who have been raised in Greek
community, due to their belonging to majority municipalities and use Greek
Christianity. The Constitution of the language on a daily basis.
Republic of Cyprus recognizes three
religious groups220 and defines their right Nowadays CMA is commonly spoken by a
to be represented in the Greek Communal small number of Maronites in Cyprus,
Chamber.221 After 1974, the Parliament of where Greek and Turkish are the official
the Republic of Cyprus became unilateral, languages. Most of the speakers are the
and the Maronite community is elderly living in Kormakitis, and some of
represented by their own Parliament the Maronites that gather in the different
Representative, who is not allowed to vote, clubs that were created after the exodus,
but can intervene in matters directly such as the Kormakitis Club in Nicosia.
affecting the Maronites. This may be seen Most of the younger generations cannot
as discriminatory or as a privilege, speak CMA anymore as a consequence of
because Maronites are also entitled to vote the strong ethnic assimilation that is
ordinary members of the parliament. taking place into the Greek Cypriot
society, mostly through education and
mixed marriages.222 It is estimated that
only 900 out of 4200 Maronites223 can
219 Caesar V. Mavratsas, “The Armenians and speak CMA nowadays.
The Maronites of Cyprus: Comparative
Considerations Concerning Ethnic In an attempt to revive the language,
Assimmilation,” in Mediterranée: Ruptures et
many initiatives have emerged, including
Continuités. Acts of the Colloquiumin Nicosia,
20-22 October 2001, University Lumière-Lyon 2, the codification of the language,
University of Cyprus (Lyonп Maison de l’Orient
et de la Méditerranée Jean Pouilloux, 2003),
207. 222 Mavratsas, “The Armenians and The
220 “Constitution of the Republic of Cyprus” Maronites of Cyprus: Comparative
(1960), art. 2. Considerations Concerning Ethnic
221 “Constitution of the Republic of Cyprus” Assimmilation,” зек.
(1960), art. 109. 223 Ibid., 207.
103
associations teaching CMA to young Turkish armed forces prevents the
generations, and the use of CMA in successful protection of the language.
cultural activities organized by the Nevertheless, the community is taking
Maronite community. The main steps forward and it is actively involved in
motivation for the revival of the language the codification and standardization of the
is historical and cultural, not its language, meaning the compilation of the
usefulness. grammar and vocabulary, which is crucial
for producing textbooks and teaching
For a long time, the Cyprus government material.226
was reluctant to recognize and protect the Before the division of the island, the
CMA, as the Maronite community was ethnic distribution of the population was
considered merely a religious minority, mixed, especially in the cities, with some
whereas their language was disregarded. enclaves of Turkish Cypriots that emerged
This fact was largely criticized by as a consequence of the inter-communal
academics and the Committee of Experts violence. Thus, Turkish and Greek
of the European Charter for Regional or Cypriots were present throughout the
Minority Languages, who exposed that the whole island, with areas of higher
lack of protection contributed to the predominance of one or the other group,
disappearance of this endangered but no possibility to divide them
language.224 The government of Cyprus geographically. As a consequence of the de
used to categorize CMA as a dialect of facto division of the island in 1974 and
Arabic, rejecting any need for protection of the establishment of the Turkish Republic
the language. However, Alexander Borg, of Northern Cyprus (TRNC) in 1983, large
the foremost expert in this language, population displacements took place.
argues that it is not a dialect, but a Greek Cypriots were forced to move to the
language itself, that requires official south, whereas Turkish Cypriots
recognition and protection to guarantee its displaced to the self-proclaimed TRNC in
survival.225 the northern third of the island. The
figures about the number of Greek Cypriot
In 2008, the Maronite community created refugees vary between 160,000 and
the "Committee of Experts for the 200,000, meaning that at least a third of
Codification of Cypriot Maronite Arabic" the community became internally
and the "Platform for the Revitalization of displaced persons (IDPs).227 On the other
the Cypriot Maronite Arabic" who try hand, approximately 48,000 Turkish
through different initiatives to revive the Cypriots moved to the north as refugees,
language. Moreover, they managed to put making up around a 40 per cent of the
pressure on the government of the community.228
Republic Cyprus to include the CMA on
the application of Part II of the European After the division of Cyprus, the remaining
Charter for Regional or Minority four Maronite villages (Ayia Marina,
Languages (ECRML) in November 2008, Kormakitis, Asomatos, and Karpasha)
which guarantees official recognition and were geographically integrated in the
protection. However, the resources northern third of the island under Turkish
devoted to this protection and the occupation. This event led to the
achievements have been certainly limited.
The government of the Republic of Cyprus
argues that the occupation of the 226 Committee of Experts of the ECRML,
traditional Maronite villages by the “Application of the Charter in Cyprusп юnitial
Monitoring Cycle” (Strasbourg, 2006), para. 71.
227 Michalis Stavrou Michael, Resolving the
224 Costas M. Constantinou, “Why Does the Cyprus Conflict: Negotiating History (New York:
Government Refuse to Protect Cypriot Maronite Palgrave Macmillan, 2009), 130.
Arabic,” CyprusMail, 2008. 228 Fiona Mullen, “How Many Refuges Are
225 Ibid. There in Cyprus,” InCyprus, 2016.
104
displacement of a large number of community from complete assimilation in
Maronites, who dispersed throughout the the Greek Cypriot society.232
Republic of Cyprus, i.e. the southern part Most of the internally displaced persons
of the island. Two of the traditional "no longer have humanitarian needs and
Maronite villages, Ayia Marina and have largely integrated in the places they
Asomatos, remain Turkish military camps have settled"; however, "they are still
still today. Karpasha is also under unable to take back possession of the
Turkish military control; however, some of property they left behind, or return to
its residents are allowed to live there. their homes".233 This is a visible problem
Finally, Kormakitis, has no such status, in any community in Cyprus, including
and it is far easier for its residents to the Maronites.
resettle there if they wish.229
Nevertheless, it is important to point out
However, some people decided to stay in that the Maronite community of Cyprus
the villages, even if they risked to be has also been granted a "special" status,
deprived from basic civil and political as the authorities of the TRNC recognized
rights as well as support in their daily life their distinctiveness from the Greek
from the government. Although most of Cypriots and have been treated differently
the population of Kormakitis left to the in some matters. For instance, the
south in 1974, around 130 people Maronites were allowed to cross the Green
remained. In 2003, the mean age of the Line even before its opening in 2003, so
population of Kormakitis was seventy- they could visit their relatives in the
three for men and seventy-five for villages.234 Moreover, those living in the
women.230 north have Turkish Cypriot residence
permits and right to property. However,
At the moment, around 200 Maronites, those who left the villages after the
mostly pensioners, live in Kormakitis and division of the island are deprived from
Karpasha, out of which a hundred their right to property, as they are their
resettled there recently following a new Greek counterparts. Thus, "when a person
support scheme announced by the dies, if there are no heirs living in the
Republic of Cyprus to encourage the north the family cannot inherit the
enclaved to return to their villages in the property, which is confiscated by the
north.231 As C.V. Mavratsas points out, for authorities. Similarly, when persons die,
older Cypriot Maronites, preserving a their families cannot return to settle in the
sense of Maronite distinctiveness is seen north".235 However, some advancement
primarily in reference to their return to has taken place in the last decade and
the Maronite villages in the northern part some properties in Kormakitis, Karpasha
of the island. They strongly argue that and Ayia Marina have been given back to
coming back to their traditional villages is their owners.
the only option they have to save their
Villages in the North (Updated),” CyprusMail “Cyprusп Lack of Political Settlement Prevents
Online, 2017. the Displaced from Fully Enjoying Their
230 Mavratsas, “The Armenians and The Property Rights” (Geneva, зеем), м.
Maronites of Cyprus: Comparative 234 Parliamentary Assembly of the Council of
105
Moreover, there are two representatives of
the Maronite community in the TRNC To sum up, the Maronites of Cyprus have
administration (one appointed by the been severely affected by the conflict in
Cypriot government and the other by the Cyprus and the division of the island,
Turkish Cypriot administration), who have which is compromising the very existence
civil functions but do not have the powers of their community. Their forced
of mayors".236 Therefore, we can conclude displacement to the southern part of the
that some individual rights (health, island and their geographical dispersion
education, freedom of movement, freedom has led to a great amalgamation with the
of communication and freedom of Greek Cypriot community. Moreover, they
religion237) of the Maronites are more or have been deprived from their properties
less protected, even within the TRNC, but in the villages where they have been
their community rights are systematically historically present. Furthermore, despite
ignored. the important damage that the conflict
has inflicted in the Maronite community,
One of the main concerns for the survival they have systematically been left aside in
of the Maronite community is their the peace talks and the initiatives for
progressive assimilation in the Greek conflict resolution.
Cypriot society. On the one hand, the
Maronite youth is mostly educated in III. Conflict resolution: what can be done?
Greek schools. There is a Maronite school Demands of the Maronite community and
in Nicosia that opened more than 15 years perspectives for a comprehensive
ago; however, less than a hundred resolution protecting minority groups
children attend this school and are The Cyprus Problem, as it is widely known
obliged to follow the Greek curricula. in the island, has been present for longer
Therefore, education on the Maronite than 50 years already without
culture and language must be carried out perspectives for a long term agreement
in extracurricular hours, a fact that deters that would settle down disputes. The new
the young generations to get involved in generations have been raised in a
their community. On the other hand, comfortable conflict that prevents their
there have been an increasing number of willingness to reconcile with a community,
mixed marriages with Greek Cypriots, with which they have never lived together.
leading to the integration to the Greek Therefore, the longer time it takes to
community of the children and the disuse establish common initiatives for conflict
of CMA in the family communication. resolution, the fewer opportunities to
achieve a successful long term agreement
This assimilation is having a strong that would settle down disputes once and
impact in the identity of young Maronites. for all.
As Caesar V. Mavratsas points out, "for
some, the Maronites are a different nation, As it has been already highlighted in the
clearly demarcated from the Greeks; for introductory chapter, many peace
others, the only factor differentiating the initiatives have taken place since the early
Maronites from the Greeks is their 1960s in order to find an agreement that
faith".238 Nevertheless, this community is would settle the inter-communal conflict
strongly attached to Cyprus and consider between Greek and Turkish Cypriots.
themselves Cypriots. Different models have been proposed as
alternatives to the bi-communal state
established in the 1960 Constitution.
236 Ibid., para. 20. Departing from the idea that Enosis is no
237 Ibid., para. 13. longer a viable option for Greek Cypriots,
238 Mavratsas, “The Armenians and The there are three main models in
Maronites of Cyprus: Comparative consideration for the resolution of the
Considerations Concerning Ethnic
Assimmilation,” зел.
106
Cypriot conflict: a consociationalist state, to the already agreed settlement
a federal state, or a two-state solution. parameters" of the High Level
Agreements.242 Currently, the talks cover
Shortly after the division of Cyprus in the following issues: property, governance,
1974, the two sides of the conflict economy, territorial adjustment, security
succeeded to reach the 1977 and 1979 guarantees and the harmonization with
High Level Agreements that would become the European Union. 243 Out of these
the guidelines for the following issues, the most problematic subject in
negotiations. According to these the negotiations has been the property, as
agreements, "the objective of the it is needed to establish comprehensive
negotiations is to form a bi-communal, bi- criteria "to settle relevant property issues
zonal federation that will be based on the through three agreed remedies:
political equality of its two constituting compensation, exchange of relevant
communities".239 Therefore, "such a properties and restitution, taking into
settlement must exclude union in whole account the rights of current users of
or in part with any other country or any properties, as well as the rights of the
form of partition or secession".240 previous property owner".244 This is a very
challenging effort to accomplish after a
The following negotiations have been long time since the outburst of the conflict
conducted under the United Nations and the mass movement of people.
Secretary General's good offices and
mediation roles. The attempt that came However, minorities have become invisible
closer to a solution was engendered under in the conflict due to the Greek Cypriot
Kofi Annan's mandate in 2004. The agreed and Turkish Cypriot inter-communal
solution was voted in referenda by each issues, and have been left aside in the
community. It was accepted by a 64.9 per peace talks and the initiatives for conflict
cent of Turkish Cypriots, but rejected by a resolution. The Maronite community is
75.8 per cent of Greek Cypriots.241 Shorty actively involved in cross-cultural
after, the Republic of Cyprus became part activities which intend to bring new
of the European Union, a fact that may impetus to the process of reconciliation
explain the overwhelming rejection to the and peace-building. An interesting
Annan Plan by Greek Cypriots that initiative where the Maronite community
perceived an increase in their bargaining is involved is "The Religious Track of the
power in future agreements. Cyprus Peace Process", a peace-building
initiative under the Auspices of the
The negotiations that have taken place Embassy of Sweden which includes the
after the rejection of the Annan Plan have religious leaders all the communities of
not achieved any prospect agreement. Cyprus, including the three minorities,
However, some hope emerged after the who are committed to work together for
Joint Declaration issued in February human rights, peace and reconciliation. 245
2014, which intends to "inject new
impetus to the process and add substance As we have already pointed out, the
Maronites have their own representative
in the Parliament of the Republic of
Cyprus. The role of this representative is
239 M. Ergün Olgun, “Cyprusп Towards a
Settlement,” Foreign Policy юnstitute, зежл,
http://foreignpolicy.org.tr/cyprus-towards-a-
settlement/. 242 Olgun, “Cyprusп Towards a Settlement.”
240 United Nations Security Council, 243 Patrick Wintour, “Cyprus Peace Talksп All
“Resolution оио” (жоой), para. з. You Need to Know,” The Guardian, 2017.
241 Theodore Chadjipadelis and Ioannis 244 Olgun, “Cyprusп Towards a Settlement.”
Andreadis, “Analysis of the Cyprus 245 “The Religious Track of the Cyprus Peace
107
to be the connection between the Maronite decision making process on local
community and the Cyprus government. matters and anything important for
The representative is elected on a five-year the development of the community. 250
term and has the right to express the will This is important and necessary for
and views of the community on any the economic development of their
matter which concerns it, but he doesn't lands. Moreover, they request a
have the right of speech and vote in the "special status arrangement" in order
House of Parliament.246 to guarantee the protection of their
The former Maronite Parliament particular identity at the local level.251
Representative, Antonis Haji Roussos Thirdly, they claim for "the
actively sought for the inclusion of the consideration of individual political
Maronite community in the peace talks rights of Maronites in conjunction to
taking place and issued a declaration, their property and territorial
which included five claims to be claims".252 They argue that the
considered in the possible political political, property and territorial rights
rights over their villages", as a communal constitution.
measure to counteract the Fourthly, they also request "the
assimilation that the community has resettlement of the Maronites in their
experienced after their inclusion in the villages", which includes the
Greek Cypriot community in the 1960 guaranteed access to those villages
Constitution, which does not consider under military occupation.
the Maronites a national group, but a Furthermore, they express their wish
religious association. 247 They argue for the incorporation of their villages to
that the restoration of the status of an eventual Greek Cypriot Federal
Maronites as national community will State.253
guarantee the survival of the Maronite Finally, they demand their access to
Secondly,
community of Cyprus.248 "political representation in both the
they request "the regional and the federal structure of
reinstatement and the clustering of governance, and the right to
the Maronite villages and the return of participation, vote and veto on matters
all Maronite properties to their legal that directly affect Maronite
owners".249 Thus, the Maronite community"254, which should be
community wants to reach a single guaranteed by the Constitution
local authority in their four traditional adopted after the eventual resolution
villages as a way to include all of the conflict.
members of the community in the
The model eventually chosen for the
conflict settlement is not particularly
relevant, as far as it integrates and
246 “The Role of the Representative of the
Maronite Community,” n.d., protects the minority groups living in
http://www.maronitesofcyprus.com/index.php Cyprus. Nevertheless, the Maronite
?option=com_k2&view=item&layout=item&id=1
52&Itemid=830&lang=en.
247 Antonis Haji Roussos, “The Claims of the
108
community would accept any solution to culture and language. However, the
the Cyprus conflict, even if their claims community would need financial
are not considered. However, it is a resources to rebuild the destroyed homes
responsibility of both parts of the and infrastructure necessary for the daily
negotiations to reach a solution that life in the villages, which should be
would include the minority groups and provided by the governmental
would not compromise further their structures.257 Nevertheless, after more
existence. than 40 years, the voluntary resettlement
of a large number of Maronites is not very
Therefore, if a solution is not reached soon probable. Many of them will try to recover
and the current situation does not their properties, but due to the lack of
improve any time soon, the Maronite infrastructure and opportunities, they will
community is condemned to disappear. As most likely stay in the Republic of Cyprus.
C. M. Constantinou points out, "the non-
recognition of the ethnic character of IV. Conclusion.
certain Cypriot minorities creates serious The conflict that has been present in
difficulties for the protection of their Cyprus since its independence from the
cultural difference and thus also for the United Kingdom in 1960 has largely
survival of these communities as distinct affected the social relations and the
groups".255 economic development of the island. The
division of the island between Greek and
However, there is some cause for hope in Turkish Cypriots was the outcome of more
the near future. The initiatives taken by than a decade of inter-communal violence
the community in the last years have and the collapse of the constitutional
succeeded in bringing back some families, system. One of the most visible
and the current population in the villages consequences of such territorial division
is 320 people. Moreover, the Maronite was the mass displacement of people from
authorities are trying to encourage one side of the border to the other, leaving
entrepreneurship and tourism in order to behind properties that were taken by
attract young Maronite families to the authorities without any kind of
villages. compensation. The problem of refugees
has affected all the communities living in
Furthermore, recently the Turkish Cypriot Cyprus, but we argue that the
authorities have announced that 4,000 consequences on the Maronite community
Maronite refugees will be allowed to return have been devastating.
to their villages, although they did not
specify when this measure will be The division of Cyprus in 1974 and the
effectively implemented.256 This military occupation of three out of four of
announcement certainly brings hope to the traditional Maronite villages forced the
the Maronite community, which will be displacement of most Maronites to the
able to return to their villages and rebuild southern side of the border, where they
the community and daily activities, which have dispersed all over the territory
are crucial for the preservation of their controlled by the Republic of Cyprus. Very
few, mostly old people, stayed in the
occupied territory. This fact has led to the
progressive assimilation of the Maronite
255 Costas M. Constantinou, “Cyprus, Minority
Politics and Surplus Ethnicity,” in The community in the Greek Cypriot society,
Minorities of Cyprus: Development Patterns and as they have adopted Greek as the
the Identity of the Internal-Exclusion, ed.
Andrekos Varnava, Nicholas Coureas, and
Marina Elia (Cambridge Scholars Publishing,
2009), 6. 257Evie Andreou, “Government Scathing over
256 Eroglu, “Maronites to Return to Villages in Move to Open up Maronite Villages,”
the North (Updated).” CyprusMail Online, 2017.
109
language they use in their daily life, and existence of this community in the near
inter-ethnic relationships are common future.
practice. Therefore, it can be argued that
securing the return to the villages is the
only option to save both the Maronite
identity and their unique language, which
should be considered cultural heritage of
Cyprus.
110
BIBILIOGRAPHY
242–59. Palgrave Macmillan, 2011.
Andreou, Evie. “Government Scathing over Move to Open up Maronite
Villages.” CyprusMail Online, 2017.
Chadjipadelis, Theodore, and Ioannis Andreadis. “Analysis of the Cyprus
Referendum on the Annan Plan.” Aristotle University of Thessaloniki, зеем.
Committee of Experts of the ECRML. “Application of the Charter in Cyprusп
юnitial Monitoring Cycle.” Strasbourg, зеел.
Constantinou, Costas M. “Cyprus, Minority Politics and Surplus Ethnicity.” юn
The Minorities of Cyprus: Development Patterns and the Identity of the Internal-
Exclusion, edited by Andrekos Varnava, Nicholas Coureas, and Marina Elia.
Cambridge Scholars Publishing, 2009.
———. “Why Does the Government Refuse to Protect Cypriot Maronite
Arabic.” CyprusMail, 2008.
Constitution of the Republic of Cyprus (1960).
Eroglu, Tahsin. “Maronites to Return to Villages in the North (Updated).”
CyprusMail Online, 2017.
Göktepe, Cihat. “The Cyprus Crisis of жолм and юts Effects on Turkey’s
Foreign Relations.” Middle Eastern Studies 41, no. 3 (2005).
Haji Roussos, Antonis. The Claims of the Maronites of Cyprus in a
Forthcoming Political Settlement of the Cyprus Problem (2015).
юnternal Displacement Monitoring Centre. “Cyprusп Lack of Political
Settlement Prevents the Displaced from Fully Enjoying Their Property Rights.”
Geneva, 2007.
Karyolemou, Marinela. “The Demographics of the Cypriot Maronite
Community and of Cypriot Arabic Speakers.” юn Empowerment through
Language Revival: Current Efforts and Recommendations for Cypriot Maronite
Arabic, edited by Brian Bielenberg and Costas M. Constantinou. Oslo:
International Peace Research Institute, 2010.
Loizides, Neophytos. “Challenging Partition in Five Success Stories.” юn
Resolving Cyprus: New Approaches to Conflict Resolution, edited by James
Ker-Lindsay. London: IB Tauris, 2005.
Mavratsas, Caesar V. “The Armenians and The Maronites of Cyprusп
Comparative Considerations Concerning Ethnic Assimmilation.” юn
Mediterranée: Ruptures et Continuités. Acts of the Colloquiumin Nicosia, 20-22
October 2001, University Lumière-Lyon 2, University of Cyprus. Lyon: Maison
de l’Orient et de la Méditerranée яean Pouilloux, зееи.
Michael, Michalis Stavrou. Resolving the Cyprus Conflict: Negotiating History.
New York: Palgrave Macmillan, 2009.
Mullen, Fiona. “How Many Refuges Are There in Cyprus.” InCyprus, 2016.
Olgun, M. Ergün. “Cyprusп Towards a Settlement.” Foreign Policy юnstitute,
2016. http://foreignpolicy.org.tr/cyprus-towards-a-settlement/.
Parliamentary Assembly of the Council of Europe. “Rights and Fundamental
Freedoms of Greek Cypriots and Maronites Living in the Northern Part of
Cyprus,” зееи.
Southcott, Mary. “Updating Our Thinking on Cyprus.” юn Resolving Cyprus:
New Approaches to Conflict Resolution, edited by James Ker-Lindsay. London:
IB Tauris, 2005.
111
“The Religious Track of the Cyprus Peace Process,” n.d.
http://www.religioustrack.com/about.html.
“The Role of the Representative of the Maronite Community,” n.d.
http://www.maronitesofcyprus.com/index.php?option=com_k2&view=item&l
ayout=item&id=152&Itemid=830&lang=en.
United Nations Security Council. Resolution 186 (1964).
———. Resolution 939 (1994).
Verropoulo, Georgia. “The Demography of Cyprus, 1881-жонз.” University of
London, 1997.
Wintour, Patrick. “Cyprus Peace Talksп All You Need to Know.” The Guardian,
2017.
112
113
The Unfinished Promise of the
Philippines Peace in Mindanao
by Rukmani D. Bhatia*
ABSTRACT
* Rukmani D. Bhatia is the Research Coordinator for Freedom of the Press and
Freedom in the World at Freedom House, managing the portfolios for the Americas,
Asia, MENA, and sub-Saharan Africa regions. She previously served as the Special
Assistant to the USAID Assistant Administrator for Europe and Europe during the
Obama Administration. Prior to her political appointment, Rukmani served as the
inaugural Hillary R. Clinton Research Fellow for Ambassador Melanne Verveer at the
Georgetown Institute for Women, Peace & Security. She has published extensively on
democracy and human rights issues as well as women’s political participation in post-
conflict nations. She has conducted fieldwork in the Balkans, the Philippines, Kenya,
and Guatemala. She holds a master’s degree from Georgetown’s School of Foreign
Service and a bachelor’s degree from Wellesley Collegeг The views expressed in this
article are her personal views.
114
Brief Background on the Conflict in Resentment between the Moro and
Mindanao Christian communities, and division
The conflict in the southern Philippines between the Moro communities in
region of Mindanao was one of main Mindanao and the central government of
conflicts in the Philippines followings its Manila built following a series of events. In
independence in 1946. The Moro conflict жолн, the “яabidah massacre” occured
is recognized as a push by the where Moro commandos were slaughtered
communities of the Muslim majority by the Armed Forces of the Philippines
regions of the the southern Philippines for (AFP).263 The massacre was seen by the
self-determination; a conflict driven by Moro community to be evidence that the
differences in culture, ethnicity and Christian government was failing to
religion.260 The seeds of discord that protect Muslims while also actively
sprouted into conflict extend far back to seeking to oppress the Moro minority
the Spanish colonial era of the 16th communities in the Philippines.264 The
century, where intermittent warfare incident was a watershed moment in the
created divisions between Catholic and Moro community, where decades old
Muslim communities.261 In the early 20th ambitions of independence were
century the U.S., then a colonial power in unearthed and desire for an independent
the Philippines, incorporated Mindanao Minadanao emerged.265 The following year
into the Philippine state, and passed emerged the the Bangsa Moro Liberation
legislation that dispossessed Muslim- Organization (BMLO), reviving the
owned land.262 This is the narrative secessionist movement. In 1971, the
employed by separatist rebel groups to BMLO morphed into the Moro National
use an ethno-national struggle to justify Liberation Front (MNLF); the MNLF
their insurgencies. However, this became the main Moro separatist group
perspective provides only a partial picture representing communities in Mindanao in
of the dynamics of conflict; it overlooks the 1970s. In response to the insurgency,
the issues of class division and economic martial law was declared by the Marcos
exclusion. regime; dissidents saw severe crack downs
and between 1972 and 1976, ferocious
war broke out in the southern Philippines.
Graham Brown, "The Long and Winding Road: The Peace Process in Mindanao,
Philippines," in IBIS Discussion Paper (Institute for British-Irish Studies: University
College Dublin, 2011).
Peter Chalk, "Separatism and Southeast Asia: The Islamic Factor in Southern
Thailand, Mindanao, and Aceh," Studies in Conflict & Terrorism 24, no. 4 (2001).
Carmela Fonbuena, “MюLF, Maute Group Battle for Legitimacy,” Rappler, 2017.
Joseph Hincks, What the siege of a Philippine city reveals about юSюS’ deadly new
front in Asia,” Time, May 25, 2017.
K. Che Man, Muslim separatism : the Moros of southern Philippines and the Malays of
southern Thailand, South-East Asian social science monographs (Singapore ; New
York: Oxford University Press, 1990)
Thomas M. McKenna, "Governing Muslims in the Philippines," Harvard Asia Pacific
Review 9, no. 1 (2007).
Ploughshares, "Philippines - Mindanao (1971 - first combat deaths),"
http://www.justice.gov/sites/default/files/eoir/legacy/2014/02/25/Philippinesmm
_Mindanao.pdf.
Nathan Quimpo, "Options in the Pursuit of a Just, Comprehensive, and Stable Peace
in the Southern Philippines," Asian Survey 41, no. 2 (2001).
Salvatore Schiavo-Campo and Mary Judd, "The Mindanao Conflict in the Philippines:
Roots, Costs, and Potential Peace Dividend.”
Lambang Trijono and Frans de Djalong, The making of ethnic and religious conflicts in
Southeast Asia : cases and resolutions (Yogyakarta, Indonesia: CSPS Books, 2004).
118
119
The link between globalisation and
gender equality
By Ema Talam*
ABSTRACT
* Ema Talam holds Master’s degree in Economics from Faculty of Economics of University of
Ljubljana and чachelor’s degree in the field of management from School of Economics and
Business of University of Sarajevoг Ema’s Master’s thesis explored the link between ethnic
tensions, unemployment and income and was titled: The link between ethnic tensions and
unemployment in multiethnic countries: The case of Bosnia and Herzegovina. Ema has
received several awards for her accomplishments during the studies: Award for academic
achievements of Faculty of Economics of University of Ljubljana and Golden Badge of
University of Sarajevo. Ema attended large number of extra-curricular activities and
educational seminars during her studies, such as International Summer School 2014 of
University of Oslo attending the course Human rights, Graz International Summer School
Seggau 2013 and Ljubljana Summer School 2012.
120
Introduction explain different segments of globalisation.
Globalisation is a phenomenon that exists Part two looks at the KOF Globalisation
for centuries and even millennia. However, Index and Gender Inequality Index and
in certain segments, it has gained a examines whether the countries that are
significant momentum during the past few more globalised also appear to be more
decades. At the same time, gender equal in terms of gender equality.
inequalities exist and persist. Although it Acknowledging that this comparison is not
can be widely discussed that reasons for sufficient to claim with certainty that the
the existence of inequalities (i.e. difference link exists and to what extent, part three
in skills, or education) do not hold true gives a detailed overview of the existing
any more, we are still witnessing their research evidences that linked gender
existence. The negative impacts of gender equality, discrimination and globalisation,
inequalities on the society and its by introducing both theoretical
development are understood to the great phenomenon, their descriptions and
extent and often discussed. Lot of effort explanations and a spectre of empirical
has been done to ensure equality in all evidences.
aspects of life. Treaties were adopted and
ratified by many countries in the world to Globalisation
combat discrimination against women, There are many different definitions of the
among which the most important one is term “globalisation”. Some of them are
CEDAW – Convention on the Elimination broad and encompass many different
of All Forms of Discrimination against aspects of globalisation, whereas others
Women. Many international trade focus on just one. One of the most
agreements include different clauses in comprehensive definitions of globalisation
order to ensure equality and combat is the one provided by Urzua (2000):
discrimination. “Globalisation is a multi-dimensional
286 http://globalization.kof.ethz.ch,
283 http://globalization.kof.ethz.ch http://hdr.undp.org/en/composite/GII
284 Gender Inequality Index values range 287 Coutries ranked as the least globalised as
127
BIBLIOGRAPHY
Data
1. KOF Globalisation Index http://globalization.kof.ethz.ch
2. Gender Inequality Index http://hdr.undp.org/en/composite/GII
Presentations
ж. Maurizio Bussolo, ‘Globalization (Trade) and the wellbeing of (poor) women and children’,
The World Bank,
http://web.worldbank.org/WBSITE/EXTERNAL/TOPICS/EXTGENDER/0,,contentMDK:230
55474~pagePK:210058~piPK:210062~theSitePK:336868,00.html
з. Stephanie Seguino, ‘Gender, distribution and growth in developing countries’, The World
Bank (2011),
http://web.worldbank.org/WBSITE/EXTERNAL/TOPICS/EXTGENDER/0,,contentMDK:230
55474~pagePK:210058~piPK:210062~theSitePK:336868,00.html
128
129
The right to public interest information
under regional human rights law: a
comparison of the European and the Inter-
American approach
By Marjolein Schaap-Rubio Imbers*
ABSTRACT
130
Introduction rights instruments and the extent to
which the two Courts offer further or less
A society that is not well informed is not a protection. Additionally, this research
society that is truly free304 maps the extent to which there is
normative interaction between the ECtHR
Former International Court of Justice and the IACtHR in the development of the
judge Weeramantry wrote in 1995 a novel right to public interest information. The
article in which he reasoned that the right research will do so in two interrelated
to public interest information 305 is a new steps. Firstly, in Section one this research
human right.306 He saw sufficient evidence discusses the content and scope of the
to conclude that the right to information right to public interest information and
was not solely a privilege but it is a right how the right is interpreted and (further)
however that: developed by the IACtHR and the ECtHR.
…its concept and procedures have yet to Sections two and three explore the
be developed considerably but the first characteristics of the normative
broad brush strokes delineating the right interaction identified, who interacts with
have appeared on the canvas of human whom and to what extent?
rights.307
Right to public interest information
Although there is no explicit provision The right to public interest information is
recognizing a right to public interest discussed in light of its legal basis, the
information, the right by now has a firm holder of the right, the scope of the right
basis in international (human rights) law. and concomitant duties for authorities,
The Inter-American Court of Human the procedure to request information, and
Rights was one of the first to recognize a lastly, the limitations to the right. The
strong right to public interest different elements of the right to public
information.308 The European Court of interest information were identified on the
Human Rights has only recently basis of an extensive legal survey
recognized a general right to public conducted of the relevant human rights
interest information, albeit of more limited instruments. Accordingly, the following
nature. This research compares the paragraphs set out what the general
approaches of the two regional human standard is across the human rights
rights courts and identifies the general instruments and reference is made to the
standard across the international human case law of the ECtHR and the IACtHR to
illustrate their respective position.
Legal basis
304 IACHR, advisory opinion, OC-5/85, §70. Even though, there is no explicit legal
305 Note that Weeramantry referred to the term
provision stipulating a right to public
governmental information. In this research the interest information in international
term a right to public interest information will human rights treaties, the right is
be used instead of the more commonly used recognized by various treaty monitoring
state-held information or government-held bodies. The legal basis for the right lies in
information. The latter terms seem to indicate - the provision of freedom of expression,
falsely - that other informational rights do not which can be traced back to Article 19 of
deal with information held by authorities. the 1948 Universal Declaration of Human
306 G. Weeramanty (жоой) ‘Access to Rights.309 Both the American Convention
information: A New Human Right. The Right to on Human Rights (ACHR) and the
information’ Asian Yearbook of International European Convention on Human Rights
Law 99-125.
307 Idem 111.
308 IACtHR, Claude‐Reyes et al. v. Chile, 309 UN General Assembly, Universal Declaration
Judgment, of Human Rights, 10 December 1948, 217 A
Series C No. 151(September 19, 2006), §77. (III).
131
(ECHR) recognize a right to public interest the right to public interest information
information, although the scope of the into the freedom to seek information. As
right differs. The Inter-American Court of the following paragraphs will show, this
Human Rights has read a right to access difference in reasoning has implications
to public interest information into Article for the content and scope of the right to
13 ACHR (the right to seek, receive and public interest information.
impart information).310 Other organs of
the Organization of American States (OAS) Defining public interest information
have similarly recognized a right to public The right to public interest information
interest information for individuals. 311 The contains two components, (1) the
ECtHR has recognized a right to public information is in the possession of public
interest information312 in light of Article authorities and (2) the information is of
10 ECHR (the right to receive and impart public interest.
information), albeit only under particular
conditions.313 The Court reasons that the 1. Public authorities
right to public interest information forms Both the ECHR and the ACHR recognize a
part of the right to receive information.314 right to information held by public
Interestingly, the Inter-American Court of authorities. The concept of public
Human Rights, the Human Rights authorities is defined broadly. All
Committee and the African Commission branches of state (governmental,
on Human and Peoples’ Rights have read legislative and judicial bodies) constitute
public authorities. Thus, all authorities
exercising administrating powers similarly
constitute public authorities However,
310 IACtHR, Claude Reyes v Chile, Ser. C. No. several treaty regimes exclude legislative
151 (Sept 19, 2006), §77. and judicial authorities as duty bearers of
311 See e.g. Inter-American Juridical the right to access information. 315
Committee, Principles on the right to access to 2. Information of public interest
information, CJI/RES. 147 (LXXIII-O/08); The second component is that the
Inter-American Commission on Human Rights, information held by public authorities is
Annual Report of the Special Rapporteur for of public interest. The question is therefore
Freedom of Expression (2003) Inter-Am. CHR which information falls within the ambit of
OAS Doc. OEA/SER.G, CP/Doc. 3790/03, at the right to public interest information?
8. Both within the OAS316 and the COE 317 a
312 ECtHR, Magyar Helsinki Bizottság v
Hungary §156.
313 Article 10 (European) Convention for the
315 See e.g. with regard to the Council of
Protection of Human Rights and Fundamental
Europe, Committee of Ministers
Freedoms, ETS no 5, 213 UNTS 222, 4 Nov.
recommendation No. r (81) 19 On the Access to
1950 [ECHR].
314 For instance, in the explanatory note to the Information Held by Public Authorities, (25
November 1981), 340th Meeting of Ministers’
CoM Recommendation Rec (2002) the
Deputies, Appendix 1, principle 1; Committee
Committee also notes:
of Ministers Recommendation Rec (2002) 2 on
… that Article жо of the Universal
Access to Official Documents, at 2 (1).
Declaration on Human Rights and Article
316 Inter-American Commission on Human
19 of the International Covenant on Civil
Rights, Annual Report of the Special
and Political Rights appear to grant a wider
Rapporteur for Freedom of Expression, (Aug
right of access to official information than
29, 2003) at 8.
the European Convention on Human
317 In the Council of Europe the focus is on
Rights as these provisions also contain a
access to documents instead of access to
right seek information.
information: Committee of Ministers
Recommendation Rec (2002) 2 of the
Committee of Ministers (21 February 2002) at Recommendation Rec (2002) 2 on access to
10. official documents, definitions, provision 1.
132
broad definition is adopted which type of [T]he public interest relates to matters
information is included.318 For example, which affect the public to such an extent
the OAS Model Law on Access to that it may legitimately take an interest in
Information states that public interest them, which attract its attention or which
information includes ‘all information in concern it to a significant degree, (…)
possession of public authorities, including matters which are capable of giving rise to
all information which is held or recorded considerable controversy, which concern
in any format or medium’.319 an important social issue, or which
involve a problem that the public would
However what constitutes public interest have an interest in being informed
information is decided on a case-by-case about.322
basis. For instance, the IACtHR in the
Claude Reyes v Chile case concluded that The ECtHR determined, for instance, that
the information to which access was documents at the Ministry of the Interior
requested was of public interest as: regarding the functioning of the State
…it related to the foreign investment Security Services in Hungary in the 1960s
contract signed originally between the were considered to be of public interest. 323
State and two foreign companies and a Hence, it is difficult to deduce
Chilean company (which would receive the generalizable criteria for each situation to
investment), in order to develop a forestry determine the public interest nature of the
exploitation project that caused information, instead a contextual analysis
considerable public debate owing to its is required on a case-by-case basis.
potential environmental impact.320
Thus, the parties involved with the Who has a right to request for
contract and the subject of the contract information?
were considered relevant factors to This research identified two different
determine whether the information was of approaches as to who has a right to the
public interest. Furthermore, the reasons information. Firstly, the general standard
provided for asking the information, to identified across the human rights treaties
hold the authorities to account for a is that it is a right for everyone (i.e. no
proper exercise of power, was considered interest to be stated). Secondly, the
of relevance.321 The ECtHR held in Magyar deviating (or less progressive) standard is
Helsinki Bizottság v Hungary that what that the right to public interest
constitutes public interest information is information exist only for those involved
depended on the circumstances of the with the legitimate information gathering,
case, but that as a general guidance: such as social watchdogs. This is also
Article 1(2)(b)of the COE CETS 205 Convention 322 ECtHR, Magyar Helsinki Bizottság v
on access to official documents (2009, not yet Hungary, §162.
entered into force). 323 ECtHR, Kenedi v. Hungary, App No
318 See also Bishop, Access to information, at 31475/05 (May 26, 2009), §43; However in the
75. case of Sdruženi Jihočeské Matky vг Czech
319 General Assembly of the OAS, Model Inter- Republic (no. 19101/03, 2006, admissibility
American Law on Access to Public Information decision) the Court stated that there is a limit
AG/RES. 2607 (XL-O/10) (October 8, 2010); to public interest information and that article
Inter-American Commission on Human Rights, 10t:
Annual Report of the Special Rapporteur for … should not be interpreted as
Freedom of Expression, (Aug 29, 2003) at 8;
guaranteeing the absolute right to have
Inter-American Juridical Committee,
Principles on the right to access to information, access to all the technical details relating
CJI/RES. 147 (LXXIII-O/08), principle 1 & 3. to the construction of a power station as,
320 IACtHR, Claude Reyes v Chile, §73. … such data should not be of general
321 Ibid., §73. public interest.
133
where the approach of the ECtHR and the
IACtHR differs the most, the ECtHR Contrary to the IACtHR, in the case law of
adopts the latter approach and the the ECtHR, the reason for which
IACtHR the former. information is requested does matters.329
The European Court of Human Rights
The Inter-American Court of Human recognizes a right to public interest
Rights held in Claude Reyes v Chile that information under limited circumstances
authorities should provide access to only. In Magyar Helsinki Bizottság v
public interest information requested and Hungary, the Court confirmed its previous
that authorities may not make the access case law and held that it does matter who
conditional upon proof of interest or requests public interest information and
personal involvement.324 The rationale is for which purpose.330 The Court draws an
that information held by public analogy with the ECtHR’s long-established
authorities is information gathered or practice of according special protection to
produced for the people, and that, the press in a democratic society by
therefore, the information belongs to the restating that the gathering of information
people.325 The Court’s approach has been was an essential preparatory step in
reaffirmed widely by other OAS organs. 326 journalism and an inherent, protected
A similar approach is adopted by the part of press freedom. Accordingly, the
Human Rights Committee327 and the Court recognizes an implied right of
African Commission on Human and access to public interest information for
Peoples’ Rights.328 the media. It is in this light that the Court
examines whether the person seeking
access to the information in question does
324 IACtHR, Claude Reyes v Chile, §77; IACtHR, so with the intent to inform the public in
Case of Gomes Lund et al. v. Brazil (Guerrilha the capacity of a public “watchdog.” 331
do Araguaia), judgment (November 24, 2010) However, the question is who receives
Series C No. 219, §197. such special protection. Previously, the
325 IACtHR, Claude Reyes v Chile, §77.
яuridical Committee’s Resolution CяюдRES.жйм Information in Africa (2007). Articles 2(a), 12(1)
(LXXIII-Oден) on “Principles on the Right of of the Model Law on Access to Information for
Africa (2011),
Access to юnformation”р зееж Annual Report of
http://www.achpr.org/instruments/access-
the Special Rapporteur for Freedom of information/.
Expression, §182003 report of the OAS Special 329 Note that even though the Court held in
Rapporteur on the Situation of Freedom of Claude Reyes v Chile that no interest needed to
Expression in Haiti, §28; Annual report of the be stated, the Court emphasized that the
Inter-American Commission on Human Rights, information was of public interest and that the
2003 report of the Inter-American Special information was needed to examine whether a
Rapporteur, (August, 29, 2003), at 7-8; 2003 state body acted appropriately. IACtHR, Claude
Report of OAS Special Rapporteur on the Reyes v Chile (2006), §73.
Situation of Freedom of Expression in Panama, 330 ECtHR, Magyar Helsinki Bizottság v
§128. Hungary, §156.
327 HRCee, Toktakunov v Kyrgyzstan, §6.3; 331 Idem, §168; ECtHR, Youth Initiative for
note that this phrase is exactly the same as the Human Rights v. Serbia - 48135/06 (25 June
phrase used in the Claude Reyes v Chile case 2013), §20; See for further case law confirming
of the IACtHR (compare §77) which preceded this line of reasoning of the ECHR, ECtHR [GC]
this case by several years. Animal Defenders International v. the United
328 African Commission on Human and Kingdom, (April 22, 2013), 48876/08, §103;
Peoples' Rights Declaration of Principles on ECtHR, (TSAZ) v. Hungary 37374/05 (merits)
Freedom of Expression in Africa, (2002),
(April 14, 2009) §36; ECtHR, Jersild v.
principle IV. The African Commission on
Human and Peoples’ Rights, Resolution no 167 Denmark, (September 23, 1994) Series A no.
Securing the Effective Realization of Access to 298.
134
Court had established that NGOs as social maximum disclosure.338 The Inter-
watchdogs should be offered such American Court of Human Rights held in
protection.332 Similarly, the Court Claude Reyes v Chile that the right of the
recognized the crucial role of academic individual to seek public interest
researchers and authors of literature and information entails that the state has a
accorded them special protection.333 The positive obligation to provide the
ECtHR does not rule out future categories; requested information unless legitimately
for instance, ‘bloggers and popular users restricted.339
of the social media’ might warrant similar
protection under Article 10 in the The approach by the European Court of
future.334 Human Rights is less straightforward. The
Court held there is a corollary positive
Interestingly, other organs of the Council obligation for authorities to disclose public
of Europe do embrace a wider substantive interest information requested, albeit only
right and recognize a right for everyone to under limited circumstances.340 In
request public interest information. 335 A ECtHR’s case law, it always has been a
1981 recommendation of the Committee of central question whether Article 10 can be
Ministers provided already that ‘[e]veryone interpreted as including a positive
within the jurisdiction of a member state obligation for authorities to disclose
shall have the right to obtain, on request, information upon request by individuals.
information held by the public Already in 1987, the Court established in
authorities.'336 The COE Convention on Leander v Sweden that ‘the right to
Access to Official Documents also freedom to receive information prohibits a
recognizes the right to seek public interest Government from restricting a person
information for everyone, with no interest
to be stated.337
338 OAS Declaration of Principles on Freedom
The obligation for authorities to of Expression (2000), principle 4; 2004 Joint
disclose information Declaration by the UN Special Rapporteur on
This research stipulates that there is a Freedom of opinion and Expression, OSCE
general standard to disclose public
Representative on Freedom of the Media and
interest information requested unless one
OAS Special Rapporteur on Freedom of
of the limitation grounds apply. In other
Expression, (December 6, 2004); Inter-
words, there is a presumption of
American Commission on Human Rights,
disclosure. Various OAS bodies have
Annual Report of the Special Rapporteur for
declared that the right to public interest
information is guided by the principle of Freedom of Expression, (Aug 29, 2003), at 8;
IACHR, Office of the Special Rapporteur for
Freedom of Expression, A Hemispheric Agenda
for the Defense of Freedom of Expression,
332 E.g. ECtHR, OVESSG v Austria,39534/07 OEA/Ser.L/v/II/CIDH/RELE/INF.4/09
(November 28, 2013). (February 25, 2009) §15.
333 ECtHR, Kenedi v. Hungary, 31475/05 (May 339 IACtHR, Claude Reyes v Chile, §77.
recently confirmed that this view is still Rapporteur on Freedom of opinion and
authoritative for the Court in interpreting the Expression, OSCE Representative on Freedom
right to public interest information as of the Media and OAS Special Rapporteur on
established under article 10 ECHR, §156. Freedom of Expression; Report of the OAS
342 ECtHR, Leander v Sweden §74; Guerra and
Special Rapporteur for Freedom of Expression,
others v Italy, §53. Inter-American Commission on Human Rights
343 ECtHR, Magyar Helsinki Bizottság v 2009, chapter IV, The Right of Access to
Hungary, §156. Information, §26-28; Inter-American Juridical
344 See Youth initiative for Human Rights v
Committee, Principles on the right to access to
Serbia where the ECtHR concluded that the information; article 5 COE Convention on
Serbian intelligence agency’s ‘obstinate Access to Official Documents.
reluctance’ to comply with the order of the 349 See e.g. principle 5, Principles on the Right
recommendation No. r (81) 19, Appendix 1, 371IACtHR, Claude Reyes v Chile, §77.
principle VIII; Inter-American Juridical 372 COE Parliamentary Assembly,
Committee, Principles on the right to access to Recommendation No. 582 (January 23, 1970);
information, principle 8; 2009 Report of the Committee of Ministers, Declaration on the
OAS Special Rapporteur for Freedom of Freedom of Expression and Information (April
Expression, §26. 29, 1982); Recommendation No. R (2002)2.
139
Claude Reyes v Chile case by the IACtHR, Concluding, the approach of the ECtHR
and the various non-binding documents and the IACtHR towards foreign case law
produced within the context of other is quite comparable in these two cases.
Council of Europe organs. Thereafter, the However, in general, the Inter-American
Court discussed the relevance of these Court of Human Rights appears to refer
instruments and case law within the more often to other instruments and case
merits phase, something that is rare in law in its judgements than the European
the context of the ECtHR. The Court Court of Human Rights.
explained the methodology used to Normative interaction within a human
interpret article 10 ECHR, it relied on rights organization
articles 31-33 of the Vienna Convention Normative interaction cannot only be
on the Law of Treaties (VCLT). 373 The detected by searching for explicit
Court extensively discussed its own case references to foreign cases or instruments
law on the matter, but also relevant in judgments. This research identified
developments within and outside the another form of normative interactions or
Council of Europe, including the travaux influence. Through the years and across
preparatoires of the ECHR, case law of the various documents from various
other human rights bodies; and organs of the Organization of American
conducted a comparative analysis of States and of the Council of Europe,
relevant domestic legislation. The Court, similar language can be found. For
relying on article 31(3)(c) of the VLCT, instance, even though the first case
examined whether there was an emerging (Claude Reyes v Chile) recognizing a right
consensus at the international level and at to public interest information was only in
the national level which should be taken 2006, in the various non-binding
into account when clarifying the scope of instruments of organs of the OAS, the
a Convention provision.374 In this context, right to public interest was already
the ECtHR referred to the Claude Reyes v acknowledged, stipulating a general right
Chile case of the IACtHR and the case law belonging to everyone guided by the
of the UN Human Rights Committee to principle of maximum disclosure. Further,
emphasize that they both recognized a on various occasions the OAS Special
right to public interest information. Rapporteur on the right to information
However, the HRCee case law was has adopted joint declarations with
considered to be particularly relevant as: Special Rapporteurs of other human
For the UN bodies, the right of public rights organizations, affirming the joint
watchdogs to have access to State-held position.377 Whereas the other organs of
information in order to discharge their the OAS further support and strengthen
obligations as public watchdogs, that is, the position of the IACtHR., with the
to impart information and ideas was a European Court of Human Rights it is a
corollary of the public’s right to receive bit more complicated. For instance, the
information on issues of public concern.375 Committee of Ministers of the Council of
This reasoning is similar to the ECtHR’s Europe adopted already in 1981 a
reasoning for according a right to limited recommendation stipulating a right to
public interest information. The Court access public interest information for
concluded that it was not ‘prevented’ from everyone.378
reading a right to access public interest
information into article 10 ECHR.376
377 2006 Joint Declaration by the UN Special
Rapporteur on Freedom of opinion and
Expression, OSCE Representative on Freedom
of the Media and OAS Special Rapporteur on
373 Magyar Helsinki Bizottság v. Hungary, §118. Freedom of Expression.
374 Magyar Helsinki Bizottság v. Hungary,§ 124. 378 Council of Europe, Committee of Ministers
375 §143. recommendation No. r (81) 19 On the Access to
376 Ibid, at 148. Information Held by Public Authorities,
140
popularis. As a result, NGOs and members
Consecutive recommendations affirmed of the general public are not in position to
this position and further defined the scope enforce those human rights obligations
and content of the right to public interest that are owed to the public. This does not
information.379 In these documents, per se imply that members of the general
references are made to other public do not have such right, rather that
developments, including the юACtHR’s it is difficult to enforce the right at the
case law on the matter. Similarly, the international level.
2009 COE Convention on Access to
Information (not yet in force)380 does Overall conclusions
acknowledge the right of everyone to This research has set out the content and
access public interest information and scope of the right to public interest
embraces the principle of maximum information as recognized by the Inter-
disclosure. In the explanatory report to American Court of Human Rights and the
the convention, explicit reference is made European Court of Human Rights.
to the Claude Reyes v Chile case as a Remarkably, although there are some
proof of a broader consensus that a right essential differences between the two
to public interest information exists.381 approaches, there is a large degree of
normative agreement of the elements of a
The discrepancy between other organs right to public interest information. When
and the ECtHR’s approach could be comparing the various judgments and
explained on the basis of the different non-binding documents from other organs
mandate and role that both organs have of the OAS and COE, the similarities in
within the organization. While a court is language and overlap between the norms
limited to deal with the cases brought to identified is striking. This demonstrates
them, within their competence and that the norms do not operate in a
jurisdiction, and other organs function at vacuum and that accordingly the context
more diplomatic level and are therefore is relevant for both the practitioner and
more able to make rather general the academic. First, the context matters to
statements beyond jurisdictional and determine the precise content and scope
substantive interpretation questions. of the right to information. For example,
Therefore, whenever one wants to map the what constitutes public interest
normative influence of certain regimes or information is determined on a case-by-
its case law, it is important to take the case basis. Similarly, the legality,
broader context into account. Strict necessity and legitimacy of limitations to
admissibility criteria might result into a the right to public interest information is
body of case law which gives a bit determined on a case-by-case basis, the
distorted picture. The ECtHR has, for legal norms only set the outer parameters.
example, a strict victim requirement, Second, whenever one studies normative
which includes a prohibition of actio interactions between courts or other
(quasi)judicial bodies a contextual
analysis is required to understand the
(November 25, 1981), 340th Meeting of position of a Court within its organization,
Ministers’ Deputies, Appendix ж. its interpretation methodology, and its
379 Committee of Ministers Recommendation approach towards external sources. For
Rec (2002) 2 on Access to Official Documents. example, one should keep in mind that a
380 Note that the COE Convention would be the lack of explicit references does not entail
first binding instrument in which the general per se that there was no form of
right to public interest information is interaction. Courts might have a different
stipulated, in comparison to the IACtHR style of drafting their judgments. Courts
interpretation of reading it into article 13 might have different motives for referring
ACHR. to case law of other courts depending on
381 Explanatory Report to the COE Convention the context of the case. They may rely on
on Access to Information, II. other case law to (further) legitimize their
141
interpretation, while in other situations,
preference could be given to maintaining a
clear line of jurisprudence within a Court
and therefore paying less (explicit)
attention to external sources. Without a
contextual analysis, or contextual
sensitivity, wrong conclusions can easily
be drawn in these cases.
142
BIBLIOGRAPHY
C.A. Bishop, Access to Information as a Human Right (El Paso: LFB Scholarly
Books
of Human Rights in the Light of the Rule Of Law’ (зеео) з(и) Erasmus Law Review
я. Klaaren, ‘The Human Right to юnformation’ inп A. Bianchi and A. Peters (eds.)
International law and politics 843
Rapporteur for Freedom of Expression (2003) Inter-Am. CHR OAS Doc. OEA/SER.G,
IACHR, Annual Report of the Office of the Special Rapporteur for Freedom of
Expression,OEA/Ser.L/v/II/CIDH/RELE/INF.4/09 (February 25, 2009)
Expression. Chapter III (The Right to Access to Public Information in the Americas).
OEA/Ser.L/V/II. Doc. 69 (Dec. 30, 2011)
IACtHR, The Word “Laws” in цrticle ие of the цmerican Convention on Human Rights.
IACtHR, Claude Reyes v Chile, Ser. C. No. 151, (19 sept 2006)
Advisory Opinion, OC-6/86 of May 9, 1986. Series A No. 6
Council of Europe
143
Council of Europe, Committee of Ministers recommendation No. r (81) 19 On the
Access to Information Held by Public Authorities, (25 November 1981), 340th Meeting
of Ministers’ Deputies, Appendix ж
Committee of Ministers Recommendation Rec (2002) 2 on Access to Official
Documents
Council of Europe, Committee of Ministers, Recommendation no. жи (зеее) ‘on a
European Policy on access to archives’ (13 July 2000)
ECtHR, Jersild v. Denmark, (September 23, 1994) Series A no. 298; ECtHR, Stoll v.
19101/03, 2006, (admissibility decision)
ECtHR, Di Sarno and others v Italy, (Application no. 30765/08) (10 January 2012)
ECtHR [GC] Animal Defenders International v. the United Kingdom, (April 22, 2013),
ECtHR, Youth Initiative for Human Rights v. Serbia - 48135/06 (June 25, 2013)
Appl. No. 48876/08
Human Rights Committee, General comment no. 34: Article 19, Freedoms of opinion
African Commission for Human Rights, Media Rights Agenda and others v Nigeria
(2013)
African Commission on Human Rights and Peoples, Interight and others v Mauritania
Freedom of Expression in Africa, ACHPR/Res. 62 (XXXII) (Oct. 2002)
The African Commission on Human and Peoples’ Rights, Resolution n o 167 Securing
(2004)
144
2006 Joint Declaration by the UN Special Rapporteur on Freedom of opinion and
Expression, OSCE Representative on Freedom of the Media and OAS Special
Rapporteur on Freedom of Expression
145
146
147
Book Review: ‘Globalising Transitional
Justice: Contemporary Essays’ by Ruti G.
Teitel, Oxford University Press. 2014.
By Helga Molbæk-Steensig*
ABSTRACT
148
Introduction reviewing the change the field has gone
Since Teitel published ‘Transitional through since the late 1980s and
яustice’ in зеее, the field – then described especially since the year 2000. It starts
as a legal field ripe for interactions and out with the essay with the same
interdisciplinary cooperation with other namesake as the book itself ‘Transitional
fields – has moved in an even more яustice Globalised’ from зеен, which
interdisciplinary direction, encompassing presents broad tendencies in the fields
aesthetic, economic, social and response to political events in the post
humanistic fields as well as the field of Cold-war period. Following this
law, and utilising ground-up theorising introductory essay, the book has four
and constructivist approaches along the parts, Overview, Roots, Narratives, and
way. This development appears to be the Conflict, Transition, and the Rule of Law.
starting point for Teitel’s new зежй
’Globalising Transitional яustice’. The new Overview
volume takes stake of the current “One cannot help but be struck by the
academic, political and practical field of humanist breadth of the field, ranging from
Transitional Justice, and sets out to re- concerns in the fields of law and
coin the terminology once again: jurisprudence, to those in ethics and
economics, psychology, criminology, and
“Ifб beforeб the centrality of the transitional theologyг” 384
problem was the predecessor regime and
its excesses, and the related aim— The first part of the book has just one
constitution-style delimitation of state essay ‘Transitional яustice Globalized’. юn
power—now, the challenge of this essay, originally published in 2008,
contemporary transformation is that it Teitel reviews the political focus on the
engages directly nonstate actors at all academic field, and how it has changed
levels … In an increasing number of weak the questions the field asks, and the
and failed statesб … the overriding goal is results it hopes to achieve. It is a
the assuring of a modicum of security and historical account of the conflicts and
the rule of law that, even without other thus post-conflict efforts that took place
political consensus, one might say, has from the end of the Cold war until the late
become a route to contemporary 2000s.
legitimacyг”382
She notes that transitional justice was
In a rather refreshing manner, Teitel originally conceived to attempt to
asserts no negative judgement on the understand the post-communist
sprawling field that has moved far from transitions in the former Soviet Union in
her initial delimitation, but rather aims to the early 1990s, and that the theory
recalibrate, re-assess, and reset the gold further developed in the meeting with
standard for the academic introduction to other kinds of transition. The end of the
the field of transitional justice. illiberal South American transitioning
regimes, of the South African apartheid
The new book is, however, not a regime, and the reckonings after the
monograph, nor the textbook style crimes against humanity in Rwanda and
introduction to Transitional justice that Sierra Leone, each represented different
transitional justice teachers and challenges. Finally, the development in
instructors have been yearning for.383 It is local transitional justice efforts and hybrid
rather a compilation of Teitel’s previously courts in the post Yugoslavian states is
published essays on Transitional justice – noted as contributing a significant
political focus on transitional justice and
149
meriting a change in the approach of the understandings academic and political, 388
academic field.385 and can as such be viewed as a
conceptual history analysis in category
The first essay repeats several of the with Koselleck, Schulz-Forberg, Kølvraa
points furthered in the introduction, and and others.
specifically notes how the initial debate of
impunity versus justice led to a demand Debating the use of criminal proceedings
for judicialisation in a positivist tradition. in transitional justice
This is countered by transitional justice юn ‘The Universal and the Particular in
institutions, such as the ICTY having to юnternational Criminal яustice’ from жооо,
some extent replaced strict positivism Teitel debates the apparent dichotomy
with a more teleological approach to between the individualisation of guilt and
transitional justice in which criminal the crimes against a collective – a group-
justice is not merely an end in itself, but identity of one sort or the other.
should also serve a broader goal of Individualisation of guilt is both the form
contributing to peace and prosperity in of international criminal justice and to a
the region.386 degree, the point of it. Teitel cites the
prosecutor for the ICTY on this
In short, the first part of the book “[a]bsolving nations of collective guilt
presents the strong connection there is in through the attribution of individual
transitional justice between political goals, responsibility is an essential means of
institutional solutions, and academic countering the misinformation and
thought and theorising. The initial essay indoctrination which breeds ethnic and
sets the tone for a book that updates the religious hatredг”389 The argument
definition of transitional justice, from a expressed initially at Nuremberg and
legal discipline to a cross-disciplinary perfected at the ICTY is that
endeavour and normative goal undertaken individualisation of guilt contributes to
by states, international institutions, peace by ending the need for group
courts and civil society as well as vengeance.
academia.387
In this article, Teitel challenges this
Roots notion, because she notes that it is
The second part of the book, Roots, has difficult to decipher individual motive as is
two articlesп ‘The Universal and the traditional in criminal proceedings in
Particular in International Criminal cases where there are crimes against
яustice’ published in жооо, and humanity. Because often, there is none.
’Transitional Justice: Post-War Legacies’ The acts are political and collective, not
published in 2006. individual.
This part of the book explores the “ […] the insistence on proof of individual
connection between international criminal motive can be misleading, as it obscures
law and transitional justice. ’Transitional the extent to which persecutory policy is a
Justice: Post-War Legacies’ returns to the social and above all political construct”г 390
famous Nuremberg trials and reviews how
the trials can be a starting point for With this rationale, the foundation for the
transitional justice studies. It has a focus problem and the cause of the crime, the
on how the trials have influenced current political narratives and collective
characterisations are not addressed. In
150
her 1999 article, it is yet unclear how this ‘narratives’ deal with the narratives on
insight can contribute to transitional transitional justice rather than the
justice efforts and the goal of peace or narratological efforts that are part of
justice. modern and contemporary transitional
justice storytelling and truth-telling.
юn the зеел, ’Transitional яusticeп Post-
War Legacies’, Teitel continues this Genealogy – the narrative of progression
discussion with a specific focus on the in transitional justice
Nuremberg trials. She touches upon the The 2003 article on the genealogy of
question of how to establish guilt for transitional justice policies suggests three
crimes committed by a modern main phases in the development of the
bureaucracy,391 and arrives at a hybrid field. The first phase developed in the
solution utilised by post war Germany and post-war periods after the First World War
evident in contemporary and the Second World War. This phase
recommendations on transitional justice: had a strong emphasis on individual
Individual criminal responsibility to avoid responsibility while the post-crime justice
group vengeance, conceived under the moved from the national to the
shadow of the Versaille failure after the international sphere.
First World War, and collective
responsibility of institutions. The second phase is described as
following the Cold War moment and it
The collective responsibility was delivered a broader view of transitional
established in post-war Germany as a de- justice, which included truth and
nazification of the bureaucracy that reconciliation as key terminology and
carried out the crimes of holocaust. This normative notions of forgiveness and
is mirrored in contemporary transitional storytelling as central goals. In a
justice as vetting and lustration genealogical sense, the second period
mechanisms as well as institutional suggested progression.
reform. Which in turn deals with the
dilemma between the need to remove "There is a complicated relationship among
elements from the civil service the cannot transitional justice, truth, and history. In
claim individual integrity, and the need for the discourse of transitional justice,
experience and continuity in the civil revisiting the past is understood as the
service. This is especially difficult when way to move forward. There is an implied
dealing with the end of an illiberal regime. notion of progressive history."392
392 Ibid. 61
391 Ibid.: 35 393 Ibid.: 64
151
“As a genealogical perspective illustrates, perhaps because of its timing in the midst
interest in the pursuit of justice does not of the conflict rather than afterwards –
necessarily wane with the passage of time. sitting on a large amount of
This may be because transitional justice documentation on the crimes committed
relates to exceptional political conditions, during the wars in the Balkans in the
where the state itself is implicated in 1990s, and as such could act as a catalyst
wrongdoing and the pursuit of justice for truth-telling and establishment of new
necessarily awaits a change in regime" 394 narratives. She also notes, however, that
the collective nature of the narrative and
In the midst of war – a narrative of timing the individual nature of criminal justice
in transitional justice created tension and kept the ICTY from
The second article, the 1999 'Bringing the fulfilling this role wholeheartedly. 396
Messiah through law' also deals with the
timing of transitional justice. Specifically Positioning – a narrative of transitional
in questions why the ICTY was created in justice as political endeavours
1993, in the midst of the war, rather than The third article in the ‘Narratives’ part of
at the end of the war. On the one hand, the book, the ‘Transitional яustice as a
the timing of the court suggests the new Liberal narrative’ from зеез explores the
normative goal of transitional justice symbolic significance of post-conflict trials
efforts – to further peace. On the other and asks whether transitional justice is
hand, the creation of the court can be always about furthering a new liberal
viewed as a small effort by an order.
international community that failed to
further peace politically or militarily. In an “The point of departure in the transitional-
almost pre Second World War legal justice debate is the presumption that the
philosophy, the ICTY can be viewed as an move toward a more liberal, democratic
effort to create peace through law. political system implies a universal norm.
Instead, my remarks here propose an
“If the ICTY’s lack of political authority alternative way of thinking about the law
undermines its efforts to achieve and political transformation. In exploring
pacification through deterrence and to an array of experiences, I will describe a
accomplish reconciliation through the distinctive conception of justice in the
creation of historical narratives, perhaps context of political transformationг”397
the relationship of the ICTY to peace might
be conceptualized along different lines. Teitel notes that the act of individualising
Those who created the ICTY spoke guilt, as is a precursor for transitional
feelingly of the expectation that justice criminal trials, is an expression of
international criminal justice would a liberal understanding of society. The
establish a form of individual responsibility of the individual for crimes
accountability that would break “old cycles of the regime furthers an almost
of ethnic retribution” and thus advance existentialist understanding of personal
ethnic “reconciliationг” They propounded a responsibility despite collective pressures.
traditional account of liberal legalism, in Meanwhile, the extensive use of amnesty
which the punishment of the law would and forfeiture of punishment, suggest that
hold individuals responsible, so as to limit the criminal proceedings have a symbolic
and displace private vengeanceг”395 nature rather than a punitive nature.
In this essay, Teitel also touches upon the In periods of political upheaval, legal
development, that the ICTY ended up – rituals offer the leading alternative to the
152
violent responses of retribution and general note, they all concern the
vengeance. The transitional legal response conceptualisation of ‘transition’, ‘justice’
is deliberate, measured, restrained, and and ‘transitional justice’. Thus, the first
restraining, enabling gradual, controlled article deals with the use of transitional
change. As the questions of transitional justice in ongoing conflicts and the risk of
justice are worked through, the society endangering peacebuilding by engaging in
begins to perform the signs and rites of a adjudication in the midst of conflict. It
functioning liberal order.398 notes how humanitarian intervention and
transitional justice have common goals
In an almost Durkheimian way, Teitel and philosophical basis, but how they
argues that the criminal proceedings may also conflict in terms of timing.
against the individual has the purpose of
freeing the successor regime from the “цs the trend toward juridicization
criminal legacies of the earlier state. 399 continues apace, contemporary
While that is certainly not a liberal adjudications of international
method of transition, the end result can humanitarian rights violations serve as
be liberal change when the individual both a basis of, and a constraint upon,
trials are used to further collective humanitarian interventionг”401
narratives of change and reconciliation
across old divides. The second article conceptualises
transitional justice in relation to jus post
The main contribution of transitional justice bellum and notes that there is a need for
is to advance the construction of a both, because transitional justice has a
collective liberalizing narrative. Its uses are broader perspective than the restorative
to advance the transformative purpose of nature of jus post bellum. Specifically,
moving the international community, as contemporary conflicts take place in a
well as individual states, toward space where humanitarian intervention is
liberalizing political change. 400 an option, and this expands the need and
use for international justice, to before,
Conflict, Transition, and the Rule of law during and after conflict, and with a
The third and final part of the book is also broader pragmatic view towards peace
the lengthiest. It is comprised of five and human security.
articles. The first from 2еек, ‘The Law and
Politics of Contemporary Transitional “There is a new relationship between the
яustice’. Hereafter, ‘Rethinking яus Post three strands of the law of war. The
Bellum in an Age of Global Transitional justification for war, especially where
яustice’ from зежи. Third, ‘Transitional humanitarian justice considerations are
Rule of Law, chapter in Rethinking the prominent, sets the stage for higher
Rule of Law after Communism’ from зеек. expectations of humanitarianism, both in
Fourth, ‘The Alien Tort and the Global relation to how war is waged and in the
Rule of Law’ from зеек, and finally responsibilities of the victors post-
‘Transitional яustice and the conflict."402
Transformation of Constitutionalism’ from
2011. The third article continues the
conceptualising debate, by constructing
As is suggested by the title of the third transitional justice within the framework
part of the book, the themes of the articles of the rule of law. Essentially asking
span a broad range of topics, but on a whether transitional justice represents a
kind of extraordinary jurisprudence as
153
opposed to the rule of law or whether it on the state. If the classic understanding of
has the potential of closing a temporal the role of the state is to protect its citizens,
legality gap in much the same way via its central control of use of force, then
international law and humanitarian law these contemporary instances point to
attempts to close a legality gap in relation instances where there has been a loss of
to space and conflict. It also repeats large such control.405
parts of 2002-article on liberal narratives
of transitional justice, specifically the Epilogue – a conclusion
point about the constructing and The book ends with a short epilogue,
symbolic-ritualistic role of law in concluding on the previous essays, which
transition.403 for the most part ask more questions than
The fourth article compares the they answer. Therefore, the conclusion
constructs of transitional justice and also reflects what kind of supra-questions
international universality with the the decade and a half worth of essays
American statute that allows aliens to asked:
bring tort claims to U.S. courts. The
limitations of this statute to cases with a “The questions that lie at the heart of the
significant connection to the U.S. is also global paradigm, such as of what the
debated in relation to the transitional relationship ought to be of the local to the
justice nature of the statute.404 international, as the experiences of the last
decade reflect, cannot be answered in a
The final article, originally published as a categorical way. We currently lack and
chapter in the seminal work on urgently need to have a meaningful
comparative constitutional law by understanding of “complementarityб””406
Ginsburg and Dixon, deals with the
construction of transitional justice in The book ends on a note about the future.
relation to constitutionalisation. Considering how the development of the
Specifically, the essay continues the judicial as a potent international tool for
temporal discussion on the dichotomy democratisation and the introduction of
between the inherent impermanence of the rule of law, among other things
transitional justice measures, and the through the mechanisms of transitional
institutionalisation of the field, effectively justice, has politicised the judicial, which
making the measures permanent, on will create new challenges in the future.
occasion directly in the new post-conflict
constitutions or in the “The turn to international law and
constitutionalisation of international law. judicialization is often seen as anti-
The article also debates the unit of political, when in fact the international
analysis. What happens when transitional criminal tribunal’s statutes are themselves
mechanisms are made part of identity often justified in broader terms of political
construction, for example in the accession goals such as peace and security,
process for the Balkan states to the EU, especially so of tribunals convened during
which include transitional justice goals conflict with particular aims in mind. As
and measures? The article questions how such, the legitimacy of the international
transitional justice can be used in an judiciary will be implicitly relativizedг” 407
environment where the state is not the
centre of analysis. Since this book review has the benefit of
being three years into the future from
The very problem of justice is being when Teitel published the book in 2014,
reconceptualized, and it no longer centers
154
we can conclude that she was certainly
right about the attempts to relativise the
judicial, both internationally, within
transitional justice and in established rule
of law states. One has to look no further
than Great Britain’s threats to leave the
European Convention on Human Rights,
Milorad Dodik’s proposed referenda on the
legitimacy of the Bosnia and
Herzegovinian Constitutional Court, or the
American President Donald Trumps
repeated fights with the judicial branch of
his government, to see the relativizing of
international, transitional and established
national judicial in action.
155
156
157
158
159
160
161
Assunto Especial
Dossiê Especial Covid-19 – Volume II
1 Orcid: <http://orcid.org/0000-0003-2954-9067>.
2 Orcid: <http://orcid.org/0000-0002-2349-0167>.
3 Orcid: <http://orcid.org/0000-0002-1143-4213>.
4 Orcid: <http://orcid.org/0000-0002-8787-4119>.
ABSTRACT: The Covid-19 pandemic triggered the most diverse changes around the world. In Brazil, the
disputes caused by MP 926/2020 establish a favorable scenario for the alteration of the institutional
design of federalism, historically centralized in the Union. In this sense, this article proposes to research
the real institutional change of brazilian federalism before and during the pandemic. Therefore, the
theoretical framework of neoinstitutionalism of North, Brinks and Levitsky, that conceive institutions
as “rules of the game”, was used in an original way, in order to investigate the formal institutional
arrangements and informal (re)design of the federative pact, with identification of its players and
incentive mechanisms. The article also contextualizes the peculiarity of the institutional challenge of
the federation in Brazil, compared to the american experience, to highlight the uniqueness of the new
decentralized institutional design in the pandemic. In the end, it identifies the learning for member
states and raises questions about the survival of this post-pandemic game rule.
INTRODUÇÃO
O contexto atual de pandemia reiterou desastres e mudanças. Pos-
suindo uma saliente taxa de transmissibilidade, o novo coronavírus é hoje
considerado uma ameaça mundial. Os países ao redor do globo enfrentam
crises de saúde pública; o Brasil, no entanto, apresenta turbulências também
em outros sistemas, entre eles o sistema político. Ainda que os conflitos po-
líticos sejam inúmeros, é possível ressaltar as agitações em torno do pacto
federativo brasileiro.
A Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico
– OECD (2020, p. 9-10) afirma que a situação de emergência levou go-
vernos subnacionais5 do mundo todo a realizarem medidas de contenção,
muitas vezes além das suas responsabilidades. Diante da pandemia e da
inércia problemática da União, os Estados-membros da Federação brasileira
passaram a demandar por uma legítima concretização da autonomia fede-
5 Aqui no Brasil o termo “subnational governments” se refere aos governos estaduais, municipais e do Distrito
Federal que integram o pacto federativo.
6 “PE restringe circulação de pessoas e implanta rodízio de veículos no Recife e mais quatro cidades.” (G1,
2020)
7 Em reportagem do portal de notícias UOL (2020), empresários afirmam que “o trabalhador deveria ter mais
medo de perder o emprego do que de ficar doente”. Nas redes sociais, o Presidente Bolsonaro afirma que as
medidas de restrição são “protótipos de ditador” (UOL, 2020).
8 “Reconociendo que, en determinadas circunstancias, con el objeto de generar adecuada distancia social,
puede resultar de hecho imperativa la restricción del pleno goce de derechos como el de reunión y la
libertad de circulación en espacios tangibles, públicos o comunes que no sean indispensables para el
abastecimiento de insumos esenciales o para la propia atención médica.” (CIDH, 2020, p. 6)
9 O Ministro Ricardo Lewandowski (STF) deixa evidente a relevância desse julgado para a concretização do
pacto federativo, afirmando que a Corte “revalorizou o federalismo brasileiro ao decidir que a União, Estados
e Municípios têm competência comum” (STF, 2020).
10 Juízes e Desembargadores, agindo de modo compatível à interpretação do Supremo, também contribuíram
para esse reforço. É o caso do portal de notícias UOL: “Baseada em decisão do STF, Justiça proíbe aula
presencial em escola militar”. Segundo o Desembargador Rogério Favretto, o “STF determinou ao governo
federal que respeite as determinações emanadas dos demais entes federativos” (UOL, 2020)
Fonte: Os autores.
11 O STF, ao afirmar que a interpretação da MP 926 deve ser realizada à luz da Constituição, reforçou as regras
do jogo formal das competências estaduais e municipais no enfrentamento ao Novo Coronavírus. Desse
modo, a antiga centralização fática forte (informal) foi fragilizada, tornando-se fraca. Identificou-se, assim,
uma mudança institucional real para uma descentralização formal forte na pandemia, com o reforço da regra
constitucional do pacto federativo.
12 Os interesses da classe empresarial, comercial e do público eleitor gravitam em torno da abertura do comércio
e possuem fundamentação nos danos econômicos sofridos com o fechamento. Segundo CNN (2020), durante
a pandemia “mais de 600 mil pequenas empresas fecharam as portas”.
13 “In programmatic environments, voters commit to candidates first and have no enforcement mechanism
to guarantee that candidates will deliver their promised policies. Typical understandings of representation
rely on enforcement through repeated and frequent elections – politicians who do not deliver will soon lose
reelection bids.” (Desposato, 2006, p. 60)
14 A reprovação aumentou de 38% para 43%, mas a aprovação à gestão do atual Presidente, na comparação
com o levantamento telefônico do final de abril, ficou estável em 33%. Dados da avaliação do governo de Jair
Bolsonaro em 25 e 26/05 de 2020 (Avaliação, Datafolha, 2020).
15 Saad-Diniz e Urban (2020) constataram a existência de um contraste entre as medidas determinadas pelo
ex-Ministro da Saúde Luiz Henrique Mandetta e as subsequentes atitudes do Presidente da República.
Bolsonaro ignorava as descobertas científicas que eram contra suas crenças, priorizando, assim, a economia
em detrimento da contenção do vírus. Essa disputa presente na esfera federal culminou com a demissão
do Ministro Mandetta e a posterior nomeação do Nelson Teich, retirado pouco tempo depois, por razões
semelhantes. Atualmente, a direção do Ministério da Saúde é exercida interinamente por um militar.
Dadas tais turbulências na esfera federal, a tomada decisões relativas ao isolamento social, assim, partem
majoritariamente das Secretarias de Saúde, ou seja, na esfera descentralizada.
CONCLUSÃO
Da análise desenvolvida, foi possível identificar a mudança institucio-
nal em curso no federalismo brasileiro, com a transição da regra do jogo de
uma descentralização formal fraca e centralização fática forte no período
pré-pandemia para uma descentralização formal forte e centralização fática
fraca durante o contexto da pandemia da Covid-19, o qual teve início em
2020. Toda investigação neoinstitucional é situada de forma contextual, no
tempo e no espaço, enriquecida com os dados disponíveis sobre os incen-
tivos institucionais e o papel dos atores e das organizações envolvidos, que
poderão ser atualizados em pesquisas, que se sucedam.
REFERÊNCIAS
AFONSO, J. R. R. Os Estados e o Federalismo brasileiro. 1º Webinário COMSEFAZ
e IDP. Disponível em: <youtube.com/watch?v=0XaJ0msBkkM>. Acesso em: 23 jul.
2020.
ARCHEGAS, J. V.; KREUZ, L. The “Constitutional Military Intervention”: Brazil on
the Verge of Democratic Breakdown. Verfassungsblog on Matters Constitucional,
[s.l.], 4 jun. 2020. Disponível em: <https://verfassungsblog.de/the-constitutional-
1
Mestrando em Direitos Humanos da UNICAP em programa de Mestrado-Sanduíche na
UNISINOS, sob a orientação do Prof. João Paulo Fernandes de Souza Allain Teixeira e da
Profª. Fernanda Frizzo Bragato. Email: danielromaguera@hotmail.com
2
Professor Adjunto do Centro de Ciências Jurídicas da Universidade Federal de Pernambuco
(CCJ/UFPE), Professor do Programa de Pós-Graduação em Direito da Universidade Federal de
Pernambuco (PPGD/UFPE), Professor da Universidade Católica de Pernambuco (UNICAP),
Professor do Mestrado em Direito da Universidade Católica de Pernambuco (UNICAP),
Coordenador do Programa de Pós-Graduação em Direito da UNICAP. Doutor e Mestre em
Direito pela Universidade Federal de Pernambuco (UFPE).
3 Mestre e Doutora em Direito pela Universidade do Vale do Rio dos Sinos, com período de
estágio doutoral na University of London (Birkbeck College) (2009) e pós-doutorado na
University of London (School of Law - Birkbeck College) (2012). Atualmente é professora do
Programa de pós-graduação e graduação em Direito da Unisinos e Coordenadora do Núcleo de
Direitos Humanos da Unisinos.
ABSTRACT:
The decolonial perspective search for pluralism in the
production of knowledge which implies a break from
Eurocentric construction of knowledge. Therefore positions
itself critically in relation to the traditional narrative of
historicism that resulted in the civilizing ideal professed in a
more orthodox reading of Human Rights. From this perspective
the article proposes on one hand relate the underlying humanist
ideology on the discourse of Human Rights with Eurocentrism.
On the other hand take the thread of decolonialism in a critical
historiography line exposing possibilities that were or have been
concealed hidden and destroyed by traditional rationality in
construction of the discourse of human rights ruled by historicist
logic of progress. This implies to retake and problematize
colonial resistance and examine how far out hidden, repressed
and disguised in this discourse.
KEY-WORDS: Human Rights. Descolonialism. Eurocentrism.
Coloniality.
INTRODUÇÃO
Este artigo pretende abordar criticamente a ideologia humanista dos
direitos humanos, em relação à expansão colonialista, o eurocentrismo e o
domínio do terceiro mundo pelo continente europeu.
4
Expressões como essas nos permite constatar que a história é construída pelo vencedor. Fator
indicativo do eurocentrismo, em que a produção do saber está atrelada a civilização europeia.
Atenta-se a crítica feita ao historicismo por Foucault, pois “(...) não há sujeito neutro. Somos
forçosamente adversários de alguém”. (FOUCAULT, 2000, p. 59)
5
Neste ensaio a expressão “colonização de mundo” é utilizada para representar a lógica de
operacionalidade da dominação suportada pelo eurocentrismo, atualmente, relacionada aos
direitos humanos, que implica em reconhecer sua estrutura ontológica de definição de mundo.
6
The history of human rights has made resistance to domination and oppression their main end.
However from early modernity onwards, natural rights underpinned the sovereignty of the
modern state. This trend has been strengthened in post modernity and human rights have
become the moral order of a new empire under construction. (MELBOURNE UNIVERSITY
LAW REVIEW, 2002, p. 445)
7
“A doxa é um ponto de vista particular, o ponto de vista dos dominantes, que se apresenta e se
impõe como ponto de vista universal; o ponto de vista daqueles que dominam dominando o
Estado e que constituíram seu ponto de vista em ponto de vista universal ao criarem o Estado.”
(BOURDIEU, 1996. p. 120)
8
(...) the modern free subject is the result of slave trading and colonialist practices.
(BARRETO, 2013, p. 27)
9
Praticas vedadas nas potências civilizadas, são escancaradas nas áreas oriundas do processo de
colonização (prostituição, exploração sexual, uso de drogas, festas...), é o paraíso do pecado
para os moradores do céu.
10
“(…) as such a connection is made, it is evident that the hegemonic theory of human rights is
the offspring of a particular perspective grounded on a historical and geographical context.”
(BARRETO, 2013, p. 05)
11
A destacar obras que revelam a tradição narrativa dos direitos humanos atreladas ao
Eurocêntrico: A era dos direitos (BOBBIO, 2004); The philosophy of right (HEGEL, 1967);
Filosofia dos direitos humanos. (BIELEFELDT, 2000); A afirmação histórica dos direitos
humanos (COMPARATO, 2007).
12
De autoria da Professora Bragato, veja artigos em que trata de concepções contra-
hegemônicas acerca dos direitos humanos, ao fazer resgate de pensadores desconsiderados pelo
epicentro europeu: Contribuições teóricas latino-americanas para a universalização dos
direitos humanos. Revista Jurídica (Brasília), v.13, p.11 - 31, 2011; Raízes históricas dos
direitos humanos na conquista da América: o protagonismo de Bartolomé de Las Casas e da
Escola de Salamanca. Cadernos Camilliani, v.12, p.29 - 42, 2011; A contribuição do
pensamento de Felipe Guaman Poma de Ayala para repensar o discurso hegemônico dos
direitos humanos In: A Realização e a Proteção Internacional dos Direitos Humanos
Fundamentais - Desafios do Século XXI. ed.Joaçaba : Ed. UNOESC, 2011, p. 581-596.
13
No caso do direito, destaca Bauman a racionalidade legitimadora do campo jurídico,
privilegia-se o porta-voz que é europeu: (...) deu aos encarregados dos papéis intelectuais o
direito (e o dever) de dirigir-se à nação em nome da razão, situando-se acima das divisões
partidárias e dos interesses materiais sectários. E também vinculou ao seu pronunciamento a
veracidade e a autoridade moral exclusivas que só uma posição de porta-voz pode conferir.
(BAUMAN, 2010. p. 40)
14
What is needed then is a new kind of imperialism, one acceptable to a world of human rights
and cosmopolitan values. We can alerady discern its outline: an imperilism which, like all
imperialism, aims to bring order and organisation but which rests today on the voluntary
principle. (COOPER, 2002)
15
O poder de constituir o dado pela enunciação, de fazer ver e fazer crer, de confirmar ou de
transformar a visão do mundo e, deste modo, a ação sobre o mundo poder quase mágico que
permite obter o equivalente daquilo que é obtido pela força (física ou economica), graças ao
efeito específico de mobilização, só se exercer se for reconhecido, quer dizer, ignorado como
arbitrário. (BOURDIEU, 2006, p.14)
16
Para Derrida, o État Voyou, Rogue State, ou Estado Vadio é: “(...) o Estado que não respeita
os seus deveres de Estado diante da lei da comunidade mundial e as obrigações do direito
internacional, o Estado que ultraja o direito – e que troca do Estado de direito.” (DERRIDA,
2005, p. 33) E, o que poderia ser uma surpresa, mas não é, que segundo Derrida os Estados
Unidos da América é o maior Rogue State, afinal exerce a razão do mais forte em oposição ao
discurso prevalente, quando não contempla seus interesses.
17
For a judicious witness to the vicissitudes of the human rights saga they are not simply “a
Western concept”. As historical evidence shows, the Occident has been also an enemy―the
deadliest?―to their existence. As much as the West has produced treatises, manifestos and
legal documents that enshrine rights, the Occident has also been the perpetrator of large scale
and unspeakable crimes such as that of colonialism―an age long “violation of human
rights”―as well as the Nazi atrocities. (BARRETO, 2013. p. 18)
18
There is no power relation without the correlative constitution of a field of knowledge, nor
any knowledge that does not presuppose and constitute at the same time power relations.
(FOUCAULT, 1979, p. 27)
19
Referência ao texto de Enrique Dussel, intitulado “Las casas, Vitoria and Suárez, 1514-1317”
que integra a obra: “Human Rights from a Third World Perspective: Critique, History and
International Law”, organizada por José-Manuel Barreto.
20
(...) since the very beginning of modernity, at different times and in different places, the ideas
of natural rights and human rights have been seized upon by colonized peoples to oppose
imperialism and abusive national regimes, a cultural and political endeavor that already
constitutes a five centuries long tradition. (BARRETO, 2013, p. 19)
21
One of the key tenets of the historiography of rights in this horizon of understanding is the
idea according to which the history of human rights in modernity starts with the Conquest of
America. (BARRETO, 2013, p. 20)
22
This is evident in the notion of ‘transmodernity’, an idea formulated by Enrique Dussel in
order to go beyond ‘postmodern’ theory—a critical perspective that aims at transcending
modernity from within and that, in doing so, remains a Eurocentric critique of modernity.
(BARRETO, 2013. p. 34)
23
The geopolitics of knowledge is a contextualist epistemology in as much as it finds in politics
and history the grounds of knowledge. However, the geopolitics of knowledge does not locate
the source of “truth” in a socioeconomic framework with implicit national borders, but in the
milieu of the history of the modern world considered as a whole—it departs from the history of
world capitalism or, what is the same, modern imperialism, ie the history of the relations
between empires and colonies since the late Fifteenth century. (BARRETO, 2013, p. 03)
24
This distinct historical and geopolitical background can modify the terms, concepts and
agenda of the theory and practice of human rights. The interpreter is also conscious of the fact
that her perspective—that of the Third World—stands at variance with another perspective—
that of Europe. The critique occurs in this shifting of viewpoints, which at the same time creates
the conditions for attempting a novel and independent approach to the tradition of natural and
human rights, as well as for making possible a dialogue between these two points of view.
(BARRETO, 2013, p. 07)