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Resenha

Neste capítulo, vamos estudar a resenha, um gênero textual que faz parte da vida de todas as pessoas - no
caso da resenha crítica - e, especialmente, daquelas que cursam uma universidade - no caso da resenha
acadêmica.
A resenha crítica é um gênero de texto presente em jornais, revistas e publicações com temática voltada para
objetos culturais como filmes, shows, peças de teatro, exposições, livros, eventos. Apresenta informações
selecionadas e sintetizadas sobre o objeto resenhado, ampliando-se, no entanto, com comentários e avaliações a
respeito do mesmo tema, levando em conta o contexto e o público a que se dirige.
A resenha exerce uma importante função social: formar opinião e, até mesmo, delinear valores estéticos sobre
diferentes manifestações artísticas e campos do conhecimento. É um tipo de texto muito procurado pelos leitores
que consideram a opinião da crítica especializada antes de se decidir por um espetáculo, um livro, um evento, um
filme etc.
A resenha crítica pode limitar-se a um pequeno texto, mais superficial, ou aprofundar a análise avaliativa e
apresentar-se quase como um ensaio sobre a obra resenhada. De qualquer forma, caracteriza-se, sempre, por
conter informação e crítica avaliativas.
No conteúdo e na forma, as resenhas veiculadas pela mídia obedecem às expectativas do público a que se
destinam. Como em outros gêneros do discurso jornalístico, os recursos linguísticos empregados numa resenha
buscam chamar a atenção do leitor, despertar-lhe o interesse e fazê-la sentir-se envolvido pelo assunto e pelo
enfoque dado ao tema resenhado.
De modo geral, as resenhas não são tituladas com o termo "resenha” em revistas e jornais, mas estão em
seções com nomes sugestivos exatamente para captar o interesse do leitor, tais como "Mente Aberta” (da revista
Época), "Crítica” (inserida em Artes Plásticas, Teatro e Dança, Livros da revista Bravo!) e "Crítica” (do caderno
"Ilustrada", da Folha de S.Paulo). No caso de filmes, espetáculos, exposições ou eventos, as informações sobre local
e horário são indicadas para orientar os possíveis interessados.
Já a resenha acadêmica, publicada em revistas ou sites especializados, focaliza um livro ou um artigo
acadêmico e preserva as características gerais da resenha crítica: informação e avaliação. Apresenta, no entanto,
quesitos mais rígidos no que diz respeito à composição. Em geral, traz dados bibliográficos sobre o livro ou artigo
resenhados, bem como informações sobre o autor, o tema, a estrutura e o conteúdo do objeto resenhado, além da
análise crítica desse objeto. Como se destina a um leitor familiarizado com os conceitos e o vocabulário da área de
conhecimento abordada no artigo ou no livro, sua linguagem é técnica e objetiva.
Em revistas acadêmicas, utiliza-se o termo "resenha" para nomear as resenhas acadêmicas, por exemplo,
"Resenhas”: de Cadernos de Pesquisa da Fundação Carlos Chagas.

Exemplo de resenha crítica


Leia a resenha crítica abaixo, publicada na seção "Mente Aberta”, da revista Época. Depois, resolva as atividades
propostas.

LIVROS
Rodrigo Turrer
Sobre meninos e angústias

[§l] O escritor David Mitchell é aclamado na Inglaterra como um dos autores atuais que estariam reinventando o
romance. Seus experimentos em estilo foram comparados aos de outro revolucionário moderno, o americano
Thomas Pynchon. Assim como ele, Mitchell narra múltiplas histórias paralelas em intermináveis monólogos
interiores que exigem tenacidade do leitor para não se perder.
[§2] Seus três primeiros livros (Ghost-written, Number9Dream e CloudAtlas, nenhum traduzido para o português)
seguiram essa fórmula e renderam ao autor, de 39 anos, precoces indicações para importantes prêmios literários.
Em seu novo romance, Menino de lugar nenhum (Companhia das Letras, 470 páginas, R$ 58, tradução de Daniel
Pellizzari), Mitchell simplificou tudo. Em vez do fluxo de consciência, lugares extravagantes e narradores
esdrúxulos, o livro é um simples e pungente retrato das agruras da juventude.
[§3] Seu protagonista, Jason Taylor, tem 13 anos e mora numa minúscula e claustrofóbica aldeia do interior da
Inglaterra. Atormentado por uma gagueira crônica, pais briguentos e uma "aborrescente" irmã mais velha, Jason se
esforça para ser invisível. Faz longas e solitárias caminhadas para fugir de professores e colegas. Introspectivo,
James prefere tangenciar a vida e expelir sua angústia em forma de poemas datilografados. [§4] Munido de olhar
crítico e espírito zombeteiro, Mitchell dispara sarcásticos comentários sobre o comportamento da juventude. E, sem
malabarismos estilísticos, faz uma das melhores representações literárias do adolescente mergulhado em
questionamentos existenciais desde o Holden Caufield imaginado pelo escritor americano J. D. Salinger em O
apanhador no campo de centeio, de 1951.
TURRER, Rodrigo. "Sobre meninos e angústias'; em Época. São Paulo: ed. 461, 8 set. 2008, p. 152. © Rodrigo
Turrer/Editora Globo

Exemplo de resenha acadêmica


Leia a seguir a resenha acadêmica do livro Inimigos da esperança: publicar, perecer e o eclipse da erudição, de
Lindsay Waters, elaborada pela professora Ursula Blattmann, do Departamento de Ciência da Informação da
Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), especialista na área do conteúdo da obra resenhada.

Resenha de livro: WATERS, Lindsay. Inimigos da esperança: publicar, perecer e o eclipse da erudição. Tradutor: Luiz
Henrique de Araújo Dutra. São Paulo: Unesp, 2096, 95 p. ISBN 85-7139-687-6

[§l] Lindsay Waters, editor da Harvard University Press, apresenta, neste ensaio, provocações aos acadêmicos no
sentido de buscar a qualidade e não a quantidade das publicações, sejam estas livros ou artigos científicos.
Apresenta a questão básica: por que alguém iria querer falar, escrever ou publicar se não fosse ousar propor
questões fundamentais para fomentar reflexões.
[§2] A tradicional linha adotada por muitas editoras e autores entre o "publicar ou perecer" gera muitos livros e
artigos de péssima qualidade e um ciclo vicioso de publicações no cerne acadêmico. Editores, bibliotecários e
colegas pressionam o(s) autor (es) a escrever (em) mais com menos. As editoras acadêmicas passaram a ser
gerenciadas com foco na lucratividade e não mais na busca da qualidade de conteúdos. Atendem a cultura global
da massificação em detrimento da qualidade. Na p. 12 o autor instiga o leitor: "Quando os livros deixam de ser
meios complexos e se tornam, em vez disso, objetos sobre os quais quantificamos, então se segue que todos os
outros assuntos que as humanidades estudam perdem seu valor".
(§3] Descreve o panorama das editoras referente à inflação quantitativa de novos títulos lançados pelas grandes
editoras universitárias. Essa "perversão das universidades" está no contexto produzido pelas agências de
financiamentos, por exemplo, quando perguntam quanto um docente publica por ano; em produzir marcas para as
instituições de ensino - sistema desvairado de produção de celebridades (p. 18); na aceitação de conteúdos
avaliados pelos pares (colegas) sem aplicar critérios de avaliação adequada; em glorificar as publicações ao invés
do ensino e escrita sérios. Sintetiza o problema (p. 25) na "insistência na produtividade, sem a menor preocupação
com a recepção do trabalho. Perdeu-se o equilíbrio entre esses dois elementos - a produção e a recepção". (§4]
Ferramentas de gestão engessam as editoras científicas. O processo começou no início da década de 1960, pela
burocracia interna (os administradores buscam trabalhar com clareza e simpliCidade), seguido do impacto sobre o
corpo docente das universidades, com o intuito de aparentar inovação e crescimento gerados por números
inflacionados. Conforme Lindsay Waters (p. 21), os vilões seriam "aqueles que empregam as técnicas de
administração de empresas e invadem a casa do intelecto, assim como os vendilhões invadiram o templo".
(§5] Questiona: o que fazer com aqueles livros que ninguém lê ou compra? Apresenta os dados oriundos do
levantamento das bibliotecas acadêmicas (Survey of the Academic Libraries) nos Estados Unidos, em 2002,
pautado no artigo de Rick Anderson (p. 35), que aponta que o declínio na aquisição de material impresso é
acentuado nas bibliotecas: entre 2000 e 2001 foi de 6%, e em 2002, de 8%. Especificamente na Associação de
Editores Americanos, os livros de capa dura apresentam um declínio de 20% entre junho de 2001 e junho de 2002.
Cria-se a cultura de proliferação de bases de dados nas bibliotecas e a morte precoce dos livros nas estantes, até
mesmo uma relação de indiferença ao material impresso atendendo diretamente os perfis de administradores e
bibliotecários preocupados em reduzir apenas as coleções por meio de metros de estantes.
(§6] A crise da contabilidade acadêmica permeia a relação das editoras, bibliotecas e universidades. Quem ganha
com as relações de poder e com gestores que visam quantificar apenas números de publicações?
[§7] Ê preciso ter tempo para fazer as leituras e leituras das leituras; torna-se crucial pensar entre beneficiar o
individual ou o coletivo; em compreender como declinaram e quase desapareceram o conteúdo do trabalho e o
juízo acadêmico. Ê tempo de valorizar livros e bons acervos, exigir melhores conteúdos e estética.
[§8] O autor coloca palavras provo cativas para desencadear reflexões pertinentes e urgentes no universo da
academia e do mercado editorial. Intercala com maestria exemplos teóricos aliados à prática do editor. Nas
entrelinhas pode-se compreender o academicismo vazio emergente, mas cheio de forma na promoção do status
quo acadêmico (na luta da preservação da própria espécie).
(§9] A leitura dessa obra é indica da a todos preocupados com as mudanças culturais e organizacionais, com o
excesso de informações, e com a busca da qualidade nas publicações. Ê essencial que professores universitários,
pesquisadores, estudantes e bibliotecários envolvidos no processo de publicação e na recepção de obras
entendam quando menos significa mais.
Ursula Blattmann
BLATTMANN, U. Revista ACB: Biblioteconomia em Santa Catarina.
Florianópolis: v. 12, n. 2, jul./ dez. 2007, p. 352-4.

Referência Bibliográfica

GOLDSTEIN, Norma et al. O texto sem mistério: leitura e escrita na universidade. São Paulo:
Ática, 2009, p. 113-124.

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