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É comum olhar-se para a amizade entre sexos opostos com estranheza. Essa atitude é natural,
tendo em conta a sociedade e a cultura de que somos todos filhos em que a relação entre um
homem e uma mulher é sempre conjugal. Aliás é científico que "opostos atraem-se".
Na nossa sociedade, quando um homem tem uma amiga e vice-versa é motivo suficiente para
se fazer uma chuva de perguntas, inconscientes e inevitáveis, como: “será que vai durar? Não
estão a namorar e não se querem assumir? Ou conclusões do tipo: “não é possível, devem ser
namorados ou têm uma amizade colorida”. E o espetáculo continua, torna-se conversa da
esquina e dos bastidores.
Mas, indo à questão principal, se é possível haver uma "pura" amizade entre um homem e uma
mulher? A verdade é que, são vários os cenários que se desenrolam no relacionamento homem-
mulher, sobretudo, na origem e na evolução do mesmo. Aquele que já teve ou tem um/a amigo/a
sabe disso.
O primeiro cenário é aquele em que a amizade entre homem e mulher nasce do conformismo.
São várias pessoas que firmam uma amizade com alguém do sexo oposto com interesse de mais
tarde namorá-lo/a e acabam sendo amigos e a parte apaixonada fica com medo de estragar a
amizade. Então para não explodir a bomba, prefere ficar como fã e contemplador secreto. Esta
amizade é típica dos tímidos e pessimistas, que para evitarem o desconforto de tentarem,
fracassarem e viver com a rejeição por toda a vida, preferem se conformar. Todo o mundo sabe
qual é a sensação de não estar à altura de um desafio. A amizade serve aqui como um escudo
dos sentimentos, um mecanismo de defesa.
Em ambos os casos, descritos no parágrafo anterior, é uma amizade acidental que resulta de
frustração e muitas vezes se assenta no sentimentalismo. Por isso, há uma parte que está
envolvida demais na relação e mostra uma certa tendência possessiva, tal que sente ciúmes
quando não é dada a atenção que acha que merece.
O terceiro e último cenário é aquele de amizade pura, que formalmente se chama amor philia.
Neste, tipo de amizade, o/a amigo/a é considerado(a) como um(a) irmã (o) ou mesmo pai e ou
mãe, não deixando espaço para uma “relação íntima”. São amigos verdadeiros, visitam-se,
ligam um para o outro e às vezes conversam horas à fio; compartilham momentos, têm uma
linguagem própria, piadas que apenas eles entendem... Não estamos falando de irmãos da igreja
ou da relação fã-ídolo, falamos sim, de uma amizade incondicional, desinteressada, genuína e
sincera.
Talvez a pergunta legítima que surja no leitor seja “e a parte de opostos atraem-se?”. A resposta
é: continua existindo. É natural, que em alguma circunstância uma parte se sinta atraída por
outra, sobretudo, no início da relação (também é normal que nunca). Mas, a maturidade do
homem consiste em superar o natural. E é isso que eles fazem. Não se trata de anular ou
sublimar a atracção, trata-se de reconhecê-la como natural, assumi-la, solidarizar-se com ela, e
superar. Não é um exercício que se resolve num pestanejar. É um processo, às vezes, longo,
mas, que envolve o ser humano na sua globalidade.
Portanto, de acordo com esses cenários e outros que aqui não foram arrolados, acreditamos que
é possível uma amizade sã entre homem e mulher. Mas, para isso, precisa-se eliminar os
preconceitos que temos sobre esse tipo de amizade, sobretudo, a nossa visão rudimentar: o
homem olha sempre para uma mulher com desejo e a mulher encontra no homem a segurança,
e por isso não importa o que aconteça ou o que façam, no final termina na cama (namoro ou
amizade colorida), sem contar com as "teses científicas" que defendem que “sexo fortalece a
amizade”. Até porque existem amizades que terminam em relacionamento. Mas também
existem várias amizades de homens e mulheres que são sinceras e duradouras, o importante é
saber como lidar com as diferenças e respeitar o espaço do outro.