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AS MELODIAS DO
SILÊNCIO
1
FICHA TÉCNICA
Edição: Ntxuva
ISBN: 978-65-00-24997-2
Colaboração:
Télio Mbeve
Nunes Cristóvão
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Sobre Nós
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Índice
Dedicatória ......................................................... 5
Prefácio ............................................................... 6
O Poeta Exilado ................................................. 13
1.QUEM PECOU? ................................................... 14
Télio Mbeve ...................................................... 18
2.MARTA, A ESPOSA DO MARIDO DA NOITE ........ 19
3.DECEPÇÃO, MÃE VENDIDA ............................... 30
Helton Carlos Ubisse ......................................... 34
4.A DESVENTURA DA ILHA DE UMUMI ................ 35
Dom Dinís Mutuque........................................... 42
5.A VIGÍLIA INESPERADA ...................................... 43
Nunes Cristóvão ................................................ 53
6.ETERNAS SAUDADES, MEU AMOR .................... 54
Pedro Júlio Miranda .......................................... 66
7.DESGOSTOS DO PATRÃO .................................. 66
Fayed Camilo Zavale ......................................... 79
8.A JUVENTUDE DA PÉROLA ................................ 79
9.CASA AMADA...................................................... 87
Valdimiro José Paque ........................................ 94
10.A CIDADE PARA QUAL FUI EDUCADO ............. 95
RECOMENDAÇÃO PARA LEITURA… ................. 104
PRÓXIMOS LANÇAMENTOS ............................. 105
PARCERIAS ..................................................... 106
4
Dedicatória
Dedicamos
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Prefácio
Nas mãos do caro leitor, hic et nunc (aqui e agora),
jazem as Melodias do Silêncio. É isso mesmo, se a
melodia é unicamente possível na combinação de
diversos sons e vozes, então, nesta obra, o silêncio
canta e encanta. Aqui, o silêncio afirma-se até às
profundezas da sua essência, e,
concomitantemente, dá impressão de que
catapulta os limites da sua compreensão e acção.
Tradicional e naturalmente, o sossego, a quietude,
a calma, e a meditação são sinonímicos ao
silêncio.
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condições, o silêncio nunca mais vai ser igual a si
mesmo por que, no lugar da quietude vai nascer a
inquietude e em vez da paz interior brotará a
indignação. Desta forma, o silêncio aparece como
um nexum entre a visão da mente (o que os gregos
chamavam por ‘teoria’) e a visão da realidade
circundante (cosmovisão): a palavra e a acção são
presos no silêncio. Então, por mais paradoxal que
pareça, o silencio não sossega. Com efeito, ele
deve abrir a visão conjunta do mundo e da mente:
sim, o silêncio não só cega. Por isso, não adianta
recolher-se, fechar os olhos aos males e belezas do
mundo e meditar no escuro fantasmagórico: isso,
os cegos o fazem por natureza!
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literário, filosófico e académico (tradicional e
moderno), a humanidade auto condena-se ao
ativismo inconsciente: uma autêntica tragédia!
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rigoroso. Pois, há muita resistência,
manifestação, engenharia, enfim, muito barrulho
em silêncio. Para concordar com isso, basta ler
esta obra: um conjunto de lindas melodias que
mesmo não sendo ouvidas geralmente pelo
público académico continuam, com tal ousadia, a
consonar no silêncio as suas inquietações.
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mas levados pela intrepidez juvenil e académica,
oferecem as suas hipóteses para que os problemas
por eles mencionados sejam colmatados: o tal
nexum feito no silêncio entre a cosmovisão e a
teoria. O que leva à conclusão de que, depois do
silêncio, o desafio a seguir consiste em colocar na
prática o que foi matutado.
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POLIFONIA ANACÚSTICA
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Almejando por algum porto seguro
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AUTOR I
O Poeta Exilado
13
1. QUEM PECOU?
14
Meus amigos tinham sonhos mais possíveis,
muitos deles almejavam a engenharia de
construção Civil, agronómica e electrónica. Um e
outro, a arquitectura e medicina. Todas estas
utopias desvaneceram, e hoje uns se tornaram
professores, outros enfermeiros e outros ainda e
em menor número, funcionários dos caixas
nesses estabelecimentos comerciais.
15
tempo ele entendeu a razão da minha decisão e se
foi conformando.
16
Forma-se um educador em 1 ano? Gabriel formou-
se em 7, talvez digam que é porque a saúde é
sensível. E a educação? Não o é? Entrem vocês
numa sala de aulas e digam, por exemplo que:
1+1=2; Portugal foi colonizado por Brasil; acolá é
um pronome demonstrativo…e vejam no que vai
dar.
17
AUTOR II
Télio Mbeve
18
2. MARTA, A ESPOSA DO MARIDO DA NOITE
19
Os meus pais nasceram numa aldeia divinamente
tradicional, tudo era feito na base de tradição. O
meu pai era um dos grandes reis, daqueles que se
vestiam de peles de leão, assim se dizia quando o
saudassem “vida longa ao rei bravo, orgulho dos
antepassados” (é interessante o que se vive aqui,
faz-se tudo só para agradar aos mortos – nossas
estrelas) e, ele se sentia mais importante, mais
próximo dos deuses. A nossa sociedade é só
formada de homens. Mulheres são tidas como
“fumo”: nasceu, desapareceu. Nem são contadas
nas famílias. A minha mãe, segunda esposa do
meu pai, foi oferecida em troca de uma lata de
milho, para o consumo familiar, quando ela tinha
10 anos de idade.
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isso mesmo. Não sou viúva, não. Eu sou mulher
casada, mas com um morto. Um fantasma para
melhor dizer-vos. Um espírito é que é o meu
marido, meu marido da noite. Vocês não
imaginam o peso que carrego nas costas, as
“gozações” que sofro na sociedade. Vocês pensam
que não rezo? Que preciso de orações? Explico-
vos: eu sou crente, cristã-católica, por um tempo,
quase virei moradora do templo. Ficava lá, todo o
santo dia, de joelhos, rezando, pedindo a Deus
que me livrasse desse matrimónio obscuro. Sim,
eu queria divórcio do fantasma, mas parece que
Deus não apoia divórcios. Recebi todos os
sacramentos de iniciação cristã, até o matrimónio
que só durou 3 semanas. Pois, os maridos
escolhidos por mim, morrem misteriosamente.
Por exemplo, o último dos 4 que tive morreu por
falta de ar quando estávamos juntos na cama; de
repente sentiu-se sufocado e sem ar, e assim se
foi, é como se alguém lhe apertasse o pescoço e ele
gritava: por favor deixe-me respirar, deixe-me ir.
(lágrimas). Parece filme, mas é real.
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Já fui conversar muitas vezes com o padre Jaime.
Lembro-me de todos os seus conselhos: “reze
minha filha, reze! Tenha fé, confie em Deus” -
como se eu já não tivesse fé, e como se eu não
confiasse em Deus. Eu sempre acreditei em Deus,
até hoje acredito com todas as minhas forças e
reservas de esperança. Mas o meu problema não
é crise espiritual, é sim, real, concreto. Vocês não
imaginam o que é dormir sozinha e acordar
molhada, suada, e muito… (lágrimas), desculpa
por estar a chorar, é que, minha vida é um castigo.
Não há dúvidas que nasci entre as grades,
tristemente.
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uns por simples desaparecimento e outros pela
morte misteriosa, sei que tudo é por minha culpa.
O espírito pelo qual me baptizaram, logo ao nascer
não me quis ver com nenhum homem. É isso, sou
esposa do marido da noite.
23
conhecem a principal raiz deste suplício, por isso
não dizem nada. Vivem como se tudo estivesse
bem. Aliás, no mundo deles, até que está tudo
bem, pois conseguiram liquidar a dívida que lhes
podia custar tantas almas. Assim, eles me vêem
como salvadora, a minha única alma serviu de
oblação para tantas outras que podiam sucumbir
por causa deste calote. Mas que dívida é essa?
Também não sei, ninguém me quer contar, é por
isso que sofro tanto! Pensais que se eu conhecesse
a fonte do problema, o nó da corda, não
procuraria formas de me aliviar?
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eu tenho uma certeza: aqueles a quem os devia
chamar de pais, são apenas progenitores, fui
gerada com fins de negócio e aqui estou, sofrendo
por algo que nem entendo e existem várias outras
mulheres no mundo, sofrendo como eu. Sim,
existimos e, somos várias, (lágrimas…).
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Arrependi-me de ter ido ao seu encontro para
desabafar. Certamente que existiam palavras
mais confortantes que aquelas por ela
pronunciadas. A minha progenitora, no fundo do
fundo, é uma boa senhora, o problema está na
nossa cultura machista. Onde a mulher é
simplesmente nada, uma serva fiel e obediente ao
marido. As mulheres são o que os maridos
querem, fazem o que os maridos dizem, e nada
mais. O meu progenitor a proibiu totalmente de
comentar comigo (nem em sonho) sobre este
calvário. Ela quer me contar, mas não deve e nem
pode. Agora dizei-me: a minha existência é um
fracasso ou eu é que sou um fracasso para esta
existência incerta e falsamente minha? Não é fácil.
Até digo, mais vale a minha progenitora que
partilha o seu homem, ao menos o conhece e o
sente de dia. Quanto a mim, nem sei o que dizer.
Estou condenada. Certamente que para mim não
pode existir um outro inferno mais agressivo que
este. Fui julgada e condenada bem antes de
nascer. Mas assim fico um pouco curiosa: assim
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que fui condenada ao nascer, serei libertada ao
morrer? Que a morte chegue logo, caso não, vou
ter que buscar um corta-mato. Já deveis saber,
nem todos os que se suicidam são psicopatas,
muitos deles estão a busca de paz e tranquilidade.
Este mundo já é difícil por si. Agora, imaginai com
o marido que só me visita de noite e mexe comigo
contra as minhas vontades.
27
atormentar, recusando-se a me ver com um
homem de carne e ossos.
28
Amigos, eu tenho 38 anos de sofrimento. Diria 38
anos de vida, mas não vos posso enganar, eu
nunca tive vida. Faz bom tempo que me dedico a
esta guerra, sozinha. Vós entendeis? Eu disse:
sozinha. Família nem se mete, amigas, todas
fugiram, pois não querem azar. Não querem ser
transmitidas esta má sorte. Não querem ser
cobiçadas por meu homem nocturno. Vejo o
mundo se desfazendo a meu redor. Alguns até
sentem pena, mas isso não me conforta. Eu queria
muito fazer parte deste mundo, dar o melhor de
mim, ser boa filha, boa irmã, virtuosa mãe e
esposa. Mas como vede, não tenho espaço para
nada disso.
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sou apenas uma mulher que lutou e achou
caminhos próprios para ser feliz e nada mais. E,
se achardes o meu corpo, por favor, o enterrai e
queimai a corda, a minha alma, com certeza, já
estará ao lado do genro dos meus progenitores.
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Mas “infeliz-lágrimas”, me foi tudo roubado, até o
corpo que me protege a alma, hoje é vendido à
gente estranha, para o consumo e benefícios de
alguns, uns tantos e poucos egoístas (que se
dizem meus filhos), traidores de suas raízes.
31
normais, todos os conceitos têm um antónimo; a
tolerância é um dos poucos conceitos com dois
antónimos, a intolerância e a indiferença. Nós
não somos tolerantes só quando deixamos os
outros fazerem o que desejam fazer; mas sim,
somos perfeitamente tolerantes quando não somos
indiferentes ao que os outros fazem ou deixam de
fazer” não basta dizer, “façam o que quiserem
como quiserem”, é necessário que haja uma
preocupação com o (in)sucesso dos actos do
outro.
32
espertos e deixam os irmãos com um estômago
vazio, um corpo desnutrido, um lar que, de lar só
o tem nome, pois o dicionário dá o significado de
ponte. Meus filhos são falsos. Digo isso na
qualidade de uma mãe rica, mas humilhada pelas
atitudes dos filhos. Já não choro lágrimas, pois
essas se esgotaram em cada dor sentida ao ver o
futuro dos meus filhinhos sendo trocado por 1
dólar americano, introduzido em bolsos sujos.
33
AUTOR III
34
4. A DESVENTURA DA ILHA DE UMUMI
35
uma tromba mal desenvolvida, e falava uma
língua desconhecida pelos Ilhéus, por isso
precisou de um tradutor, tarefa que foi incumbida
à Safira, menina que tinha frequentado a Escola
dos Padres. Acolhido com o característico afecto
dos “umumitas”, apesar da desconfiança por ser
estranho, ele foi conduzido até mim, que era o
Jovem Rei, sucedendo o meu recém falecido pai.
36
Dados a palavra para reagirem, os conselheiros
resistiram ferrenhamente ao acordo, para eles
traria uma maldição dos antepassados negociar a
terra pela qual tinham dado vida. Ouvindo isso, o
estranho não se deu por vencido, abriu a pasta e
tirou uma quantia enorme de dinheiro e afirmou
que, só por assinar, ficaríamos com a primeira
parte. Quando percebi a renitência dos
conselheiros, mandei que se retirassem. Usando o
juízo do bolso, cedi à tentação. Assinei os papéis
que trazia e fechámos o negócio.
37
estava sendo retardado, era pacato ainda
continuar gastando com aquela população
enquanto podia usar tudo sozinho.
38
Bang. Passei a frequentar cidades novas, ganhei
novos interesses e fiz negócios privados. Tive a
oportunidade de instalar palácios noutras cidades
e várias fontes de rendimentos, no estrangeiro.
Ainda que, na ilha, fizessem uma greve e me
depusessem eu já tinha um futuro garantido até
à milésima geração.
39
O Ómega do meu reinado foi o Alfa da nova era na
história dos ilhéus. Dias sombrios sobrevieram
àquela população que já estava à mercê da sorte.
Primeiro, desastres naturais, uma catástrofe atrás
da outra: tremores da terra, cheias, ciclones; de
seguida, os estrangeiros, ávidos pela riqueza,
contrataram carrascos para dizimarem a restante
população que sobrara da fúria da Natureza.
Notando a ineficácia do plano, que lhes gastava
algum dinheiro, aproveitaram-se, como sempre,
da fraqueza e pobreza do povo, aliciaram os jovens
e aquilo ficou um inferno.
40
dias. Todavia, a minha opulência durou pouco.
Muito cedo perdi a minha família e todos os meus
bens. Não consegui me adaptar àquela vida de
aparências. Agora estava num estado deplorável e
a minha consciência me torturava diariamente:
«os teus antepassados foram heróis, colocaram o
povo como a sua prioridade e não o seu ego, e tu
como chamas a ti mesmo? Vilão ou herói»?
41
AUTOR IV
42
5. A VIGÍLIA INESPERADA
43
celular. Longe de pensar ele começa com as suas
maravilhosas historietas sobre a Malvérnia que é
o destino dos três. Diz ele que desde os
primórdios da sua existência, a Igreja tem
exercido a sua missão primordial, que é anunciar
a Boa Nova de modo a dar luz aos que se
encontram na escuridão; alegria e paz aos
oprimidos; saúde aos doentes.
44
têm se distanciado do exercício do seu papel
social, o que se torna preocupante para uma
sociedade onde o homem tem necessitado da sua
acção.
45
princípios, underground que sou. Me aconchego,
peço a pasta que estava instalada nas mãos do
velho para pagar bilhete que o cobrador exigia. É
um cobrador muito pálido com cara de quem está
sem paz. Ele recebe e me dá o bilhete lamentando
a situação em que o comboio viaja sem
passageiros por conta da pandemia.
46
julgavam que os seus filhos, mesmo que não
fossem daquelas igrejas, pudessem vir a ser.
47
de batatas com ovo e um sumo que não consigo
notar o sabor.
48
Volvido um ano em que a pandemia tem assolado
todo o mundo, paralisando a economia e os
demais sectores sociais, nenhuma das igrejas
existentes naquela vila exerceu uma acção de
modo a ajudar os vendedores ambulantes e
proprietários de pequenas barracas, que viram
desde a chegada desta pandemia, a sua renda
mensal baixar. Outrossim, nenhuma delas tem
ajudado neste momento de dor e restrições, aos
pobres e incapacitados, o que se torna bastante
preocupante para o velho.
49
máquina faz um barulho tremendo que me admiro
como a moça ao lado consegue dormir. Espreito
pela janela e vejo uma placa com nome Chaves,
pergunto ao velho o porquê desses nomes
estranhos desde que começamos a escalar essas
matas desabitadas.
50
mensagens como bíblicas e não necessariamente
doutrinárias.
51
estejamos na penúria, enfrentando doenças ou os
demais problemas. Todo o fiel que se orientar
nessa linha, será, na vida espiritual, muito bem-
sucedido. Não se está afirmando aqui, que seja
fácil viver para Deus e com Deus, mas é um
desafio digno.
52
AUTOR V
Nunes Cristóvão
53
6. ETERNAS SAUDADES, MEU AMOR
54
batalhadoras da aldeia começam a mexer o
esqueleto nos seus afazeres, mas o dia de hoje me
confunde, pois, a casa tornou-se mais frágil, os
meus dias de vida parecem poucos; os
passarinhos não chilreiam; o vovó Chivambo não
lhe vejo passar para a caça, como de costume;
nem a vovó Nwajani com seu netinho hoje vão
para machamba.
55
parede e a sigo até perto da cadeira que logo me
serve de encosto até ganhar uma estabilidade e,
finalmente sento-me à mesa, puxo a primeira
esferográfica mais próxima, e por sinal, esta não
teve a sorte de escrever um teste sequer ou exame
numa sala de aulas, apenas limitou-se a conhecer
a Universidade e a servir de mais um acessório no
meu kit escolar. Tiro uma folha da resma que
ganhei da mana Clotilde e rabisco para a pessoa
que mais amo neste mundo. A minha alma está
perturbada como quem está a descer ao abismo
dos mortos, ligo o meu aparelho de áudio, o vulgo
G-box, que tem sido a minha melhor companhia,
e começo então a escrever:
56
Estou com saudades de nós. Ainda me lembro
do nosso último abraço, de rostos volvidos
numa máscara; teria te dado o beijo ómega,
mas não foi possível, mesmo assim estou feliz,
porque o abraço da pessoa certa cura as
feridas da alma, é o que dizem e eu assino por
baixo.
57
Escrevo-te esta carta, não só porque o meu
teste deu resultado positivo a COVID-19, mas
também porque depois que as telefonias
móveis fizeram um comunicado informando
aos seus clientes e a comunidade em geral, que
foram forçados a encerrar os seus serviços
devido aos ciclones: Idai, Keneth, Danilo,
Chalane, Eloise, Joshua e Guambe, tornou-se
difícil a comunicação telefónica. Então este é
o único meio possível para falar contigo, aliás,
falar para ti.
58
pelo MISAU; e estes vendavais não dão
esperança de que o amanhã será melhor. Eu,
porém, acredito que um dia as coisas ficarão
bem para alguns, mas a minha situação é
lastimável. Já agora, como vou reforçar as
portas, as janelas e o tecto, se a casa é de pau-
a-pique com tecto de capim!?!?
59
ponte sobre o rio Save? Não sabemos até
quando a situação vai-se estender, talvez até
lá eu já não esteja aqui.
60
tomavam ukanyi e a doença lhes dizimou
como se fossem galinhas no pináculo de New
Castle.
61
humanidade. Agora entendes por que não
cedia abrir a minha vidinha solitária para
ficar contigo? É te ter e a vida nos separar.
62
estar aí para me contares as histórias mais
triste da tua vida e eu te enxugando as
lágrimas, te falando aquelas palavras doces
que te trariam um sorrisinho no rosto, ou
ainda estaria aqui lendo o Sétimo Juramento
da Paulina Chiziane enquanto tu te deitas.
Talvez ainda estaria a te contar as lindas
histórias da minha infância, ainda
estaríamos juntos rindo da nossa vidinha.
63
final de contas tu mereces muito. Tua história
me impressiona e é possível terminar de
escrevê-la da melhor forma.
64
Termino a minha missiva com as lágrimas
passeando nos meus olhos caindo sobre o papel.
E puxo a latinha que servia de cofre que usamos
para jogar as moedas todas as vezes que um de
nós cometia uma gafe ao falar ou usasse um
palavrão ou ainda se falasse calão.
65
AUTOR VI
7. DESGOSTOS DO PATRÃO
66
promessas que me emocionaram a sujar o dedo
por ti. Só se fascina, na verdade, quem se demite
da memória: para ti, promessa deixou de ser
dívida para ser suporte de ascensão ao império.
No fundo, trata-se de ser promessa de ti e nunca
ter promessas contigo. O que não sabes é que já
faz tempo que carrego a vida embrulhada em
andrajos, suporto agruras que se tornaram tão
familiares que o próprio conforto. Por isso, não
tenho medo de quais sejam elas, apenas uma dor
se faz sentir, uma espécie de navalha a trinchar-
me as veias quando vejo que essa nossa agrura é
pela miséria que se traduz no que falta nas
paragens da urbe.
67
qualidade) e, o patrão, só sabe que existem os
produtos sem se importar com os detalhes. Agora
me pergunto sobre a veracidade daquela
afirmação: 'vós sois o meu patrão'. Será que não é
o inverso? Parece que somos mais empregados
que patrões.
68
A empresa possui mercadorias, não em poucas
estatísticas, que estão caducadas; por um lado
são as procissões de veículos cansados e abatidos
rumo aos bairros e sem esperança de chegarem
com mais vida. Lançam-se aos becos das estradas
receosos e pensado se não lhes será a última vez
antes de serem mandados ao cemitério. Quantos
cemitérios há por aí, onde jazem veículos que
ainda poderiam ganhar a ressurreição no terceiro
dia? Entre os que ali passam, uns os olham com
piedade comentando ao relento sobre a
manutenção que poderiam receber para uma
salvação; outros, porém, têm olhos de subtracção
à posse individual. Por outro lado, são as gigantes
bocas que nascem por onde aqueles fazem
procissão. E da forma como nascem parece-me
estarem convictos de embelezarem as estradas. Se
não for o caso, alguém está convicto por eles de
tal maneira que lhes assegura uma vida longa.
69
do TPM e dos teus patrões, lhes impõem a uma
dança ao som repulsante com um único acorde e
letra sem sentido. Quando a chuva saúda aquela
zona os amadores das redes sociais
desnacionalizaram os patrões de Nkobe. Ainda
por cima lhes consideram atrasados da civilização
das vias de acesso. Até pensaram em instalar
fábricas de construção de estradas, quem sabe em
poucos dias evoluiriam como os outros patrões.
70
espremidos, reverenciam os ouvidos ao grito de
ordens do cobrador, que convida os patrões aflitos
a uma furiosa disputa de quem entra primeiro:
71
A mercadoria passa então a transportar as almas
dos patrões de uma ponta a outra da cidade, como
se não bastasse a essas pobres almas o horror de
serem engolidas pelos veículos. A agonia ainda era
maior dentro deles. Misturados entre almas dos
patrões havia os enxotadores demónios que se
aproveitavam da superlotação para abusar das
patroas, era ocasião de satisfazer os anseios
carnais psicologicamente; outros formados em
subtracção dos bens alheios não desperdiçavam a
ocasião para executar os seus serviços. Ainda por
contrapeso a dança dos coocupantes de lá pra cá
e vice-versa, pisando e empurrando a torto e a
direito.
72
CV, que contém habilidades impossíveis ou que
contratado não mostra em prática, não devia ser
contratado nem sequer permitido renovar o
contrato. Ora, é especialista em construção de
estradas, hospitais, escolas; ora tem dez anos de
experiência no fornecimento dos meios de
mobilidade. Mas, nem dois anos têm de trabalho.
73
acalmassem os alarmes e calassem as apreensões
dos murmúrios da futura mudança dos
empresários.
74
lágrimas aos olhos, num misto de raiva e
impotência. Como é possível? Mas quem podia
explicar aquele sofrimento, doce sabor de
amargas expectativas? Os patrões se inquietavam
com aquela desobediência da sorte, o mais
abominável abandono. Traiçoeira esta, quando
segurada com as duas mãos escapa entre os
interstícios dos dedos. É uma comoção tão ruim,
tão triste que mata lentamente. Tudo isto é tão
profundo, tão verdadeiro que nenhuma mentira o
poderia esquivar.
75
controlo do andamento dos mesmos. É quase uma
miragem falar do supervisionamento. Nunca
controlar alguém da “elite endinheirada”, pois
sempre faz tudo bem arrumadinho, só deita o que
não se encaixa na ordem da sua conta.
76
Gosto de assumir esse facto e de reconhecer que
lhes admiro o cultivo de penas pela sua gente. Mas
é preciso que deixemos de traçar destinos
risonhos que nos esperam cheios de lendas de
sofrimento. Não é exacto dizer que os subsídios
traem a empresa. Os subsídios são coerentes,
seguem a lógica implacável de seus interesses. Se
traição houve, deve ser atribuída aos mentores
que os expropriaram o seu gosto e despejaram os
restos. Como podemos falar das melhores vias e
transportes suficientes quando os matamos nos
desvios? Ou não são os desvios que justificam as
vias esburacadas e a disputa de ser transportado?
77
empresa. É urgente desabafar a carência dos
transportes e vias de acesso que estão a ser
degolados pelos desvios cruéis que dominam a
empresa.
78
AUTOR VII
8. A JUVENTUDE DA PÉROLA
79
nome de jovem entre os membros da sociedade na
qual me encontro inserido. A juventude,
diferentemente de outras fases, convida-nos a
fazer um caminho de pura aventura na qual o
Homem jovem tem como objectivo, a descoberta
de si mesmo. Este processo de autodescoberta,
pode ser influenciado por vários factores, de entre
os quais: económicos, sociopolíticos e culturais.
80
uma cátedra naquela Universidade que, por sinal,
é a maior do país.
81
outras acusações que fazem pensar que a
juventude do preto e branco era bem-educada e
que os desmandos habitavam no não existir.
82
showmícios com o único objectivo de conquistar a
simpatia da população, maioritariamente jovem; é
a única época em que os senhores políticos
aproximam-se de nós; é tempo de festa, panfletos
coloridos de variados tamanhos e qualidades
beijam muros e postes sem discriminação trazem
alegria; corpos que só farrapos lambiam passam
a conhecer vestes novas, capulanas, camisetas e
bonés tudo novinho apesar de terem lá
estampadas, cabeças de variados tamanhos…,
enfim parece festa de carnaval daquelas que só se
vêm na televisão. São ouvidos discursos afiados,
penetrantes como uma flecha… estes senhores
que prefiro tratá-los de senhores fazedores de
promessa ou fazedores de sonhos, têm uma lábia
que faz ir a mais bela das cidades do mundo
àqueles que os dão ouvidos, parecem dominar o
hipnotismo, pena que os sonhos acabam logo que
despertamos, neste caso acabam logo que o povo
deposita o voto na urna e os resultados das
eleições são divulgados.
83
Depois disso só resta contar os sonhos e, esse
papel cabe aos jovens, pois as crianças ocupam-
se das brincadeiras e os mais crescidos estão
calejados pela mesmice e buscam ocupação no
senta baixo ou num biscate… Os jovens dizem: -
Sonhamos com uma educação de qualidade,
escolas apetrechadas, mais Universidades e
professores bem formados, pois esses itens
constituem o ponto zero para a formação de
jovens íntegros, justos e responsáveis, pois a
educação é o caminho mais seguro para alcançar
um status que permite a qualquer um viver
dignamente. Ao investir-se na educação dar-se-ia
um grande passo rumo ao desenvolvimento
colectivo.
84
que, morreu no papel usado para imprimir o
discurso.
85
onde está amarrado” e parece que só se lembram
das promessas feitas outrora quando o mandato
já está a minguar.
86
como um impasse para justificar a preguiça, mas
sim com o desejo de melhorar as condições
actuais desta nossa pérola.
9. CASA AMADA
87
dizer ainda sobre a cancão, mas não me sinto
digno de falar dela com bastante autoridade,
deixando que os historiadores o façam,
discorrendo os degraus do tempo, indo à busca do
papel da canção na luta de libertação nacional.
88
patente no Hino nacional, nos últimos tempos
vem sendo reduzido a nada, fazendo das
significâncias da canção do Hino, um grão de
açúcar que se mistura a areia da praia, pois vários
são os acontecimentos que vêm manchando a
nossa exaltada pátria amada, que vem sendo
manchada por casos de mortes sem explicação,
raptos; o terrorismo como o prato do dia; a
corrupção como sobremesa, entre outros
acontecimentos que vêm obrigar-nos a fazer «um
antes e depois» da nossa pátria amada.
89
era liberdade, mas aos poucos somos
aprisionados pelo medo. O medo de falar e
denunciar as injustiças que nos aprisionam, por
isso vamos perdendo a força de gritar e pedimos
que nos seja restituída a liberdade sem que
ninguém seja privado do direito a vida.
90
democrático, em que o povo tem o poder de decidir
o seu próprio futuro, mas esta capacidade de
decisão é arrancada do povo e, caso algum
espertinho ou um grupo de espertinhos tente
mudar a trajectória dos acontecimentos é logo
silenciado. Em lugar da glória, vem a infâmia que
dia após dia vai ganhando seu lugar na pátria
amada.
91
Colhe os frutos do combate pela paz
Cresce o sonho ondulando na Bandeira
E vai lavrando na certeza do amanhã.
Infiltrou-se um inimigo no meio de nós pior que o
colono. Ele vai dividindo Moçambique e aos
poucos vai ganhando espaço. É o problema do
tribalismo que trás consigo o egoísmo e separação
e faz de nós Homens desunidos, onde a falta de
partilha vai fazendo de uns, muito ricos e de
outros, muito pobres. Os frutos do combate pela
paz aos poucos vão sendo substituídos por balas
e tanques de guerra que, a pouco e poucos, estão
tomando posso do que é comum na província
nortenha de Cabo Delgado, onde diariamente
várias famílias são obrigadas a se deslocarem de
suas zonas de origem e de conforto para um lugar
incerto e sujeitos a fazerem dos bichos do mato,
seus travesseiros. Os sonhos tornam-se escassos,
pois a cada dia, a incerteza do amanhã nos rouba
o sono que nos faz sonhar.
92
Pelos montes, pelos rios pelo mar
93
AUTOR VII
94
Nos anos 2016 e 2017 foi, respectivamente, Vice e Director
Executivo da ACAFIL (Academia Filosófica), uma
agremiação e revista de promoção académica, que se ocupa
no debate e reflexão de situações que inquietam a sociedade.
No Seminário Teológico fez parte do Nureteo [Núcleo de
reflexão teológica], onde integrou a equipe de redacção, que
prepara revistas frutos das palestras promovidas pela
agremiação.
95
estou sempre na dianteira. Estou a viver mais de
cinquenta anos adiantados, depois de ti. O que
vivo, como vivo, o lugar onde vivo viverás tu
cinquenta anos depois. Estou lá graças aos meus
parentes, os meus antepassados. A ti sinto muito,
pois só saberás do que sei cinquenta anos mais
tarde. Não obstante, tens sorte e a possibilidade
de saber através do meu informe. Ainda é sorte
tua pois tudo quanto vivo, cá neste mundo dos
cinquenta, saberás antes de aqui chegares, o bom
e o errado para viveres a teu critério.
96
um com os seus meios, o que nos une é a
demanda. Enquanto uns têm como o meio a
ciência religiosa, outros usam a ciência política e
outros ainda, pelos jogos da sorte [Internet - que
só existe na nossa cidade], há ainda outros que os
se utilizam da economia; na verdade tudo o que
procuramos é de valor.
97
povos. Esse é o nosso ser aqui na cidade dos
cinquenta.
98
tenha outra regra que a demanda; esta é a cidade
santa, mas cheia de infiéis; Não te preocupes, é o
que eu vivo não tu! Quiçá vivas nela lá para
cinquenta anos depois da tua cidade.
99
dormimos melhor. Quero dizer: alguns de nós,
pois alguns da pequena localidade chamada
Diagráfike pouco sabem de viver bem; eles
continuam a morrer novos por falta de médico;
continuam a padecer da mesma fome de ontem.
100
presidente que construa vias de acesso e cobre
caro pelo uso, sem mantê-las; escolas que tornem
ignorantes os filhos dos cidadãos.
101
Voskós pregue a felicidade. Aliás, nos termos do
sábio da Cidade dos cinquenta soa o seguinte:
‟pedem aos cidadãos para que morram primeiro e
serem felizes depois; ou melhor promete-se um
futuro melhor para adiar a felicidade. Esses
cidadãos nunca são felizes! Embora no paraíso a
vida seja feliz, seja das melhores, na cidade dos
cinquenta, parece que saímos cedo; vamos mais
depressa. para lá da vida no futuro. Eu nem
gostaria de chegar lá primeiro, pior se for por
conta dos outros.
102
encontrei ódio, guerra e desrespeito como meios
para a demanda. O meu pai mandou-me para
uma comunidade religiosa para aprender a
caridade como forma de estar no mundo, mas no
mundo dos cinquenta só encontrei misantropia
como regra de vida.
103
RECOMENDAÇÃO PARA LEITURA…
O Último mudo
Osvaldo dos Anjos
Efeitos da Quarentena
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meu tempo
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