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Seminário Teológico Interdiocesano São Pio X Maputo

Cadeira de Antropologia Teológica

Estudante: Fijamo Manuel

Tema: A Criação e a Ecologia Integral

1. Conceptualização dos conceitos: Criação e o conceito Ecologia

1.1 Criação é toda acção criadora e a revelação de Deus (BAUER, 1985: 232).

1.2 Ecologia é uma ciência que estuda as relações dos seres vivos entre si e com o meio
ambiente em que se inserem (CHARÃO, 1990: 1155). Com esta afirmação não há
dúvida que falar da ecologia é falar efectivamente da relação entre o homem e a
natureza. Todavia, ao falarmos da criação implicitamente estamos a falar da ecologia,
visto que tudo está intimamente relacionado.

Entretanto, não se pode compreender o homem fora do ambiente em que o circunscreve,


partindo do pressuposto de que o tempo e o espaço não são independentes entre si; por
isso que Ladaria afirma que “Deus criou o Homem e lhe conferiu a responsabilidade e,
liberdade de levar bom termo o mundo” (cfr. LADARIA, 2016: 42), embora tenham
suas criatividades, estas não devem se distanciar da vontade de Deus; para dizer que é
fundamental que o Homem estabeleça uma relação eficaz com a Natureza. Visto que,
estamos incluídos nela e somos parte dela, razão pela qual em Gn 2,7-8 se pode ler:
“após Deus ter criado o Homem, não o deixou fora da natureza mas sim dentro dela e o
deu a responsabilidade de cuida-la”; daí que não se pode considerar a natureza como
algo separado do Homem.

Todavia, as razões, pelas quais a natureza se contamina, exigem uma análise do


funcionamento da sociedade, da sua economia, do seu comportamento, das suas
maneiras de entender a realidade, visto que não cabe a outrem tomar conta dela a não
ser ao próprio homem que está dentro dela1. Ademais, para Papa Francisco, não há duas
crises separadas: uma ambiental e outra social; mas uma única e complexa crise sócio-
ambiental. Face a isso, para combater as tais crises, há necessidade de combater a
pobreza, devolver a dignidade aos excluídos e, simultaneamente cuidar da natureza;
natureza esta que segundo Ladaria, é fruto, e liberdade do amor de Deus criador 2.

1
Cfr. FRANCISCO, Carta Encíclica Laudato Si’ (24 de Maio de 2015), 139.
2
Cfr. FRANCISCO, Carta Encíclica Laudato Si’ (24 de Maio de 2015), 145.
Outrossim, Papa Francisco alega que «a vida é um caminho comunitário onde as tarefas
e as responsabilidades se dividem e compartilham em função do bem comum, não há
espaço para a ideia de indivíduo separado da comunidade ou de território»
(FRANCISCO, 2020: 20) ou seja, enquanto o homem viver em comunidade ele tem a
responsabilidade de cuida-la.

2. Ecologia cultural

Ao se falar do património natural, Papa Francisco não fica isento à ameaça do


património histórico, artístico e cultural; ele parte do pressuposto de que a partir do
momento em que se cuida da natureza implicitamente se está a cuidar da história, da
cultura, do lugar e acima de tudo da identidade original da pessoa. Por isso, «a ecologia
envolve também o cuidado das riquezas culturais da humanidade» (FRANCISCO,
2015: 143). Isto é, a linguagem técnico-Científica deve dialogar com a linguagem
popular.

Entretanto, o diálogo não deve apenas limitar-se nos momentos do passado mas também
a relação do homem vivo com o meio ambiente, obedecendo a complexidade das
problemáticas locais. Assim como «a vida e o mundo são dinâmicos, também o cuidado
do mundo deve ser flexível e dinâmico» (FRANCISCO, 2015: 144). Para dizer que o
desenvolvimento de uma determinada população depende necessariamente do contexto
social e cultural. Ou seja, não se pode impor a qualidade de vida à um indivíduo fora do
seu mundo de símbolos, hábitos e costumes de cada grupo social.

Desta feita, há necessidade de educar o homem dentro do seu ambiente cultural. Porque
a terra para um homem não é um bem económico, mas dom gratuito de Deus e dos seus
antepassados que nela descansam, um espaço sagrado com o qual precisam de interagir
para manter a sua identidade e os seus valores.

3. Ecologia da vida quotidiana

Feita uma abordagem em relação a ecologia integral e cultural, Papa Francisco não
deixou de lado a questão da ecologia da vida diária que para ele, envolve o cuidado
diário da própria dignidade humana independentemente das condições económicas, o
homem sempre cuidou do seu habitate com alegria, cordialidade e da amizade das
pessoas, uma ecologia humana3. Isto é, um sentimento de comunhão e de pertença.
3
Cfr. FRANCISCO, Carta Encíclica Laudato Si’ (24 de Maio de 2015), 148.
Entretanto, para que haja uma ecologia eficaz é importante que todos tenham em conta
que cada indivíduo tem a responsabilidade de cuidar da “casa comum”, porque segundo
Papa Francisco, a falta de habitação numa determinada região contribui negativamente
para a questão da ecologia humana (cfr. FRANCISCO, 2015: 151-152).

Entretanto, «a ecologia humana implica também a capacidade de puder criar um


ambiente mais dignificante, isto é, a relação necessária da vida do ser humano com a lei
moral inscrita na sua própria natureza» (cfr. FRANCISCO, 2015: 155). Segundo Bento
XVI existe uma “ecologia do homem”, porque também o homem possui uma natureza,
que deve respeitar e não pode manipular como lhe apetece. Nesta linha, é preciso
reconhecer que o nosso corpo nos põe em relação directa com o meio ambiente e com
os outros seres vivos. Contudo, cuidar do nosso corpo supõe cuidar do ambiente, daí
que há necessidade de cuidar da “casa comum” como sendo um dom gratuito de Deus.

4. O princípio do bem comum

A ecologia humana é inseparável da noção de bem comum, princípio este que


desempenha um papel central e unificador na ética social, tudo em vista à perfeição quer
individual quer do grupo.4 Visto que todos fazem uma sociedade, o bem comum
pressupõe o respeito pela pessoa enquanto tal na sociedade, com direitos fundamentais e
inalienáveis orientados para o seu desenvolvimento integral, tendo sempre presente a
justiça distributiva e a inviolabilidade da mesma. Entretanto, é a responsabilidade do
Estado estabelecer directrizes claras que possam defender e promover o bem comum, e
permitir que cada indivíduo se senta membro integrante da sociedade com direitos e
deveres.

5. A Justiça intergeneracional

Após uma abordagem sobre o bem comum, importa chamar atenção à questão da
solidariedade intergeneracional; o meio ambiente como um dom de Deus não deve ser
vista como uma propriedade individual mas sim, deve ser transmitida de geração a
geração, ou seja, se a terra nos é dada gratuitamente, não podemos pensar apenas a
partir dum critério utilitarista de eficiência e produtividade para lucro individual, mas
deve ser vista como uma propriedade que está a mercê de todos até das próximas

4
Cfr. CONCÍLIO VATICANO II, Constituição Dogmática Gaudium et Spes (7 de Dezembro de 1965),
26.
gerações5. Razão pela qual Borrego vai dizer que «o cuidado da Terra é para o homem
uma obrigação moral. Certamente tão importante e necessária como o cuidado com a
vida e com a vida humana, e o seu respeito desde o primeiro começo» (BORREGO
1999: 18). Isto é, não se trata duma atitude opcional, mas duma questão essencial de
justiça, pois a terra que recebemos pertence também àqueles que hão-de vir.

Papa Francisco chama a consciência de que não devemos optar por uma ecologia fixista
ou opaca, mas sim, a mais abrangente onde envolve todos, incluído os que ainda estão
por nascer6. A ser assim, é a nossa responsabilidade pensarmos nas nossas acções e nos
efeitos que advêm, porque o cuidado da ecologia não deve ser responsabilizado a uma
minoria mas a todos que nela habitam, exige-se acima de tudo a cooresponsabilidade.

BIBLIOGRAFIA

BAUER, Johannes B., Dicionário de Teologia Bíblica, Editora Loyola, I, 4ᵃ Edição, São
Paulo 1985.

BORROGO, Carlos, 200 anos que mudaram o mundo: O cristianismo e uma nova
solidariedade do ambiente, Agência Ecclesia, Lisboa 1999.

CONCÍLIO VATICANO II, Constituição Dogmática Gaudium et Spes (7 de Dezembro


de 1965).
CHARÃO, João Bicotte, Enciclópedia Verbo Luso-brazileira de Cultura, Editora
Verbo, Edição Século XXI, Lisboa 1990.
FRANCISCO, Laudato Si’ (24 de Junho de 2015), Sobre o cuidado da casa comum.
___________ Querida Amazonia (2 de Fevereiro de 2020), Ao povo de Deus e a todas
as pessoas de boa vontade.
LADARIA, Luis F. Introdução à Antropologia Teológica, Editora Loyola, 7ᵃ edição,
São Paulo: 2016.

5
Cfr. FRANCISCO, Carta Encíclica Laudato Si’ (24 de Maio de 2015), 159.
6
Cfr. Ibidem. números 159-160.

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