Você está na página 1de 120

1ª Coletânea da

Academia Caxambuense de Letras

1ª Edição
São Paulo
2022
FICHA CATALOGRÁFICA

2
O QUE É UMA ANTOLOGIA

Antologia é o conjunto formado por diversas obras


(literárias, musicais ou cinematográficas, por exemplo) que
exploram uma mesma temática, período ou autoria.
Na literatura, por norma, as antologias são formadas por
diferentes textos (prosas ou versos) que são organizados dentro
de um único volume, formando uma coletânea (coleção) de
obras que abrangem um tema, período histórico ou autor
específico.
Por exemplo, uma antologia poética consiste na reunião
de vários poemas diferentes num único livro que, normalmente,
são selecionados individualmente pelo autor.
No entanto, como já foi previamente explicado, uma
antologia poética ainda pode apresentar a junção de poemas e
poesias de diferentes autores, desde que estas abordem um tema
em comum, por exemplo.
A primeira antologia que se tem registro é de autoria do
poeta grego Meléagro. No entanto, até meados do século XVIII
a palavra "antologia" não era utilizada para se referir às coleções
de textos literárias, mas sim termos como "florilégio",
"romanceiro", "silvas" ou "flores".

Fonte: Google

3
4
HOMENAGENS PÓSTUMAS

Em nome da Academia Caxambuense de Letras e de


meus colegas acadêmicos, presto, nesta edição, uma justa
homenagem aos nossos companheiros que já não estão entre
nós: Dr. Henri Moukhaiber Zhouri, Regina Maria Nogueira do
Sacramento, Rossini Jayme de Almeida Lima, Luiza Menezes
Figueiredo, Amélia Tété Balassiano, Júlio Nelson Tété da Silva,
Realina Barbosa Ferreira de Araujo, pessoas cujas vidas foram
de grande importância para nossa Academia.
A vida é feita de encontros e desencontros, de chegadas
e partidas. Eles partiram, encontraram a paz eterna, mas não
desapareceram para sempre, pois, através de nossas lembranças
e saudades, continuam sempre presentes. Somos a continuação
de seus ideais. Acredito que nos encontramos para que
pudéssemos nos enriquecer numa troca, não só de
conhecimentos, mas de experiências e sabedorias, vindas através
da vivência, do diálogo aberto e sincero que sempre aconteciam
em nossas reuniões e conversas particulares. Ainda estão vivas
a lembrança das risadas, do brilho nos olhares, dos sorrisos
acolhedores, das conversas, às vezes triviais, às vezes profundas.
Foi um privilégio conviver com pessoas tão especiais das quais
guardo ainda vívidas recordações.
De “tia” Luiza, assim chamada carinhosamente por
todos, guardo a vivacidade, inteligência, responsabilidade e,
apesar de sua idade, na casa dos noventa e silhueta frágil, tinha
um espírito forte e era dona de uma memória prodigiosa; de
Rossini Jayme, nosso querido Jayminho, e Tété Balassiano
ressalto as maravilhosas vozes que animavam nossas reuniões
com lindas canções; de Realina, a gentileza com que nos recebia
e seus belos poemas; de Maria de Lourdes, grande pesquisadora,
dona de uma grande inteligência, a alegria e o espírito jocoso,
sempre nos fazendo rir com seus chistes ; de Regina, Júlio
5
Nelson e Zhouri, apesar de nossa pouca convivência, guardo a
lembrança da vontade de colaborar, mesmo à distância.
A saudade estará sempre presente e, através dela, as
lembranças ficarão guardadas em nossos corações.

Maria do Carmo Figueiredo Paiva

6
INTRODUÇÃO

Sempre acontece o momento perfeito.


Agora foi o momento perfeito para dar forma a essa Coletânea,
há muito tempo sonhada e desejada por nós.
Como costumava dizer Lao-Tsé, o avô do Taoísmo "uma
jornada de mil milhas começa com um único passo".
Espero que todo leitor que aprecia a Arte que se pode obter com
o uso da Palavra, descubra a Beleza que o ser humano é capaz
de extrair de dentro de si mesmo.
Nada se improvisa na vida de uma pessoa, tudo se recria à
medida que se olha ao redor e se faz a transmutação consciente
no seu modo próprio de ver, ouvir e sentir.
Neste livro encontraremos poemas, contos e textos que vão nos
causar uma variedade de impressões, vão tocar gentilmente a
nossa sensibilidade, vão nos levar a um novo olhar para a vida
como se aventurássemos por caminhos desconhecidos.
Vamos caminhar pelas trilhas desta Coletânea:

..."o sabor da folha


esmagada no tempo
na paz do barro
quase húmus..."

"Na gangorra do tempo


me balanço
com as cordas do sonho"

7
"Faz tempo, muito tempo,
que senti felicidade
pois já não me lembro
qual era a minha idade"

"Mineiro é coisa chique


que vem apurando
de fora para dentro,
com jeitinho tímido..."

Garoa, palavra bonita!


chuva se esfacelando
em migalhas...

"o bouquet da tarde


fruto da confraria
do silêncio, mistério..."
..."a poesia, doce barquinho inocente...
arrosta perigos"...

..."Para voar não é preciso ter asas...


deixar que os desejos mais loucos"...

...Mal sabiam os humanos que as estrelas de onde vim,


eram partes de seus próprios corações"...

"O amigo novo


desafia você
a querer mais tempo de vida
para que se tornem
velhos amigos"

..."Quero um resto de fantasia


do brinquedo de antes"...

8
"Menino calado
O que sabe você?
Da vida... do tempo
Do amanhecer?"

Sempre que você tiver alguma dúvida sobre os milagrosos


efeitos do Belo sobre o ser humano, consulte o seu coração, onde
cada vazio espera ser preenchido.
Consulte também a sua consciência que espera ser preenchida
onde a fonte nunca se esgota.
Boa leitura!
Encante-se!

9
10
Sumário

O QUE É UMA ANTOLOGIA ................................................................. 3


HOMENAGENS PÓSTUMAS ................................................................ 5
INTRODUÇÃO...................................................................................... 7
CIDA RIGOTTI .................................................................................... 13
ESTHER LUCIO BITTENCOURT ........................................................... 28
GUIOMAR PAIVA............................................................................... 39
LEANDRO CAMPOS ALVES ................................................................ 47
MARIA CRISTINA MALLET PORTO ..................................................... 57
MARIA DO CARMO FIGUEIREDO PAIVA ........................................... 66
MARIA DO CARMO MAGALHÃES...................................................... 80
MARIA DO CARMO RODRIGUES ....................................................... 91
PAULO PARANHOS ......................................................................... 103
ROBERTA RIHÖLÈ FULANI ............................................................... 112

11
12
CIDA RIGOTTI
Maria Aparecida Beraldo Rigotti de Faria é o nome completo de
Cida Rigotti. Natural de Pouso Alegre, MG, reside há 16 anos
em Caxambu, Minas. Possui Licenciatura Plena em Língua e
Literatura Italiana pela Universidade Federal de Juiz de Fora.
Dedica-se também ao estudo do Inglês e do Francês. Gosta de
poesia, literatura, teatro, cinema e dança. Cursa Teologia
Católica pela Uninter. É membro efetivo da Academia
Barbacenense de Letras (cadeira 36, patrono Dr. João Beraldo)
e da Academia Caxambuense de Letras (cadeira 19, patrono
Carlos Drummond de Andrade). Publicou: João Beraldo,
Político e Poeta; Você quer ser minha mãe; Papai Noel
(português e italiano); Glória, o Édipo em D. Casmurro; Átomos
de Poesia. Foi colaboradora do “Anuário da Academia
Barbacenense de Letras” de Barbacena, MG. Assinou a coluna
Viva a Vida dos jornais “O Marquês”, da Unimed Marquês de
Valença, RJ e “O Paquetal”, da Ilha de Paquetá, RJ. Fundou e
dirigiu a própria firma cultural “Viva a Vida” em Juiz de Fora,
MG, com Jornal mensal e Saraus temáticos semanais.

13
A Dança
Cida Rigotti

A dança surge
do centro da Terra.
O Fogo serpenteia
a energia da criação.
O calor vibrante
do prazer, da emoção
ganha a força das Águas.
A dança vibra
na volúpia das ondas,
no canto das cachoeiras.
A dança agrada ao vento
e a música da alegria
se expande no Ar.
O bailado da vida
palpita nos sonhos
e a dança
nasce
em cada coração!

14
Ah! Mar!
Cida Rigotti

E lá se vai o homem
o desbravador,
o navegador,
a se aventurar
em seu minúsculo barquinho
de ideal construído.
Pesado de dor.
Leve de sonhos.
Bate seu coração
Com as ondas do mar!

E lá se vai o homem!
Destemido,
luta com *Adamastor.
Por *Vênus é protegido.
Pelas *ninfas é conduzido
à *Ilha dos Amores!
E, lá repousa o guerreiro,
para novas rotas
poder singrar!
O homem e o mar!
O mar e o homem
escrevem a história,
constroem o futuro,
descortinam o mundo!
O mar e o homem
brindam conquistas.
Navegam esperanças.
Choram infortúnios.
Ampliam horizontes.
Desfraldam poentes
de paz e bonança!
15
Ah, mar!
Na inquietude das ondas,
a força plena da vida!
Na inquietude da alma
O sonho da felicidade!
Amar!
Na arrebentação,
o mistério do mar, a magia,
o vigor, o poder, a tenacidade!
No coração do homem,
a inquietante paixão,
o querer, o lutar, o perseverar,
o navegar
em uma viagem
só de ida!
***
(* in Os Lusíadas de Camões)

16
Álbum da Infância
Cida Rigotti

A primavera se aproxima na dança do vento, ao som das folhas,


com o perfume das flores, o canto dos pássaros, o riso das
crianças. A felicidade brinca no ar, dizendo de mansinho aos
nossos corações que no turbilhão da vida só não nos é permitido
envelhecer. Não podemos correr o risco de “ficar como as
pessoas grandes que só se interessam por números” (*) a ponto
de não percebermos a magia da vida, a poesia de todo instante
impregnando de sensibilidade cada átomo do universo no
invólucro do amor.
“Se dizemos às pessoas grandes: ‘Vi uma bela casa de tijolos
cor-de-rosa, gerânios na janela, pombas no telhado...’ elas não
conseguem, de modo algum, fazer ideia da casa. É preciso dizer-
lhes: ‘Vi uma casa de seiscentos contos’. Então elas exclamam:
‘Que beleza!’ Mas nós, nós que compreendemos a vida, nós não
ligamos aos números! (*). Reservamos “um minuto para assistir
o pôr do sol (*), “ouvir estrelas”, contemplar a lua. Conservamos
em nós a “rosa” de nossa infância, protegendo-a dos “baobás”
das estruturas que destroem nossos jardins e “promovem a
guerra em nome da paz.”
A tecnologia só será, de fato, progresso quando estiver
conciliada com os anseios de liberdade. É preciso o resgate da
dignidade, da simplicidade, da sinceridade, da ternura inerentes
ao ser humano. Façamos um exercício de descoberta, uma vez
que “o essencial é invisível aos olhos” (*). Vamos abrir o álbum
da infância e libertar a criança aprisionada em nós. Livres,
redescobriremos a alegria. Voltaremos a soltar pipas, correr
descalços, brincar na chuva, querer sorvete, circo, parque de
diversões e a cantar viva a vida!
(*) In O Pequeno Príncipe de Saint-Exupéry.

17
Átomos de Poesia
Cida Rigotti

Na gangorra do tempo
me balanço
com as cordas do sonho!
***
A música em sua voz
me atrai, feito mariposa,
para a luz dos olhos seus!
***
Das asas das borboletas,
retirei as tintas
para escrever seu nome.
***
No cálice de seus beijos,
bebi o champanhe do desejo.
Me embriaguei de prazer!
***
O triste silêncio,
da casa vazia,
grita de saudade!
***
Nos perdemos
nas curvas da vida
rumo ao Infinito!
***
O vento, flautista desafinado,
soprava
pelas frestas de portas e janela!

18
Doa-Ação
Cida Rigotti

O mendigo estendeu a mão.


Ninguém o socorreu.
Abrigou-se sob o teto da noite.
Aninhou-se na calçada.
Aconchegou-se no colchão das nuvens.
Cobriu-se com o manto das estrela.
A lua cheia ofertou-lhe
um prato de sonhos!
Amanheceu!!!
Amanheceu???
O corpo inerte foi entregue
em algum laboratório anatômico,
doando-se por inteiro
para o estudo da humanidade!

19
Dois Destinos
Cida Rigotti

Caminhávamos os dois
dentro da noite.
Eu chorando o amor perdido.
Ele buscando o amor querido.

Miseráveis os dois
dentro da solidão.
Eu embalando um amor sem fim
que explode no peito o coração.
Ele invejando um amor assim.

Sofremos os dois
dentro do inconsciente.
Eu relembrando o que vivi,
sem enxergar em outra direção.
Ele vivendo descontente,
sem poder me estender a mão.
Separamo-nos os dois
em triste despedida.
Eu parecendo Julieta
a suspirar por Romeu.
Ele, tal qual um Dirceu,
a esperar que a vida
lhe traga uma Marília!

20
Essência
Cida Rigotti

A força da vida
pulsa
em cada segundo
no ritmo
da esperança.
E essência do existir
descortina
o mundo interior.
Na tela do coração,
aquarelas são pintadas.
Os sonhos,
vestidos de rosa,
flutuam
no azul infinito.
A felicidade
habita
em cada estrela!

21
Maestros
Cida Rigotti

Sentir a vida,
cantando
nas partituras
dos acontecimentos,
nos faz maestros.
A música desprende-se
em solfejos de esperança.
As folhas do outono
bailam no compasso
do vento vespertino.
Na clave do Sol poente,
um mormaço de desejo
invade todo querer.
E,
A vida se renova
na sinfonia do amor!

22
O Campeão
Cida Rigotti

Era uma tarde preguiçosa de domingo. Uns quatro ou


cinco garotos, na faixa de oito anos de idade, jogavam bola na
praça do condomínio do prédio onde moravam. Bola vai, bola
vem... e tim bum! Entrou pela janela de um apartamento térreo...
Os meninos se esconderam, esperando pelo xingatório que não
houve. Dentro do silêncio, ouvia-se apenas o tum, tum, tum dos
coraçõezinhos medrosos. O “dono da bola”, um garotinho loiro
e atrevido, disse que iria tocar a campainha e buscar a “sua” bola.
Dito e feito.
Triiim, triiim...
— Já vou, já vou, espere um pouco...
Um senhor idoso, alto, um pouco encurvado, mas
deixando transparecer saúde e alguma forma física, abriu a porta.
— Pronto, garotinho, o que você quer?
— A minha bola. Eu vim buscar a minha bola!
— Bola? Mas que bola?
— Éééé, ela entrou pela janela... Eu quero a minha bola!
— Ora, garoto, entre e vamos procurá-la juntos.
— O senhor não vai me prender por causa da bola?
— Há, há... que é isso! Pode entrar.
Meio ressabiado, o menino entrou no apartamento,
olhando para dentro e para fora, morrendo de medo. Chegando
à sala – pequena, com apenas um sofá, uma estante, uma
mesinha de centro sobre o tapete roto – o menino deparou com
a bola sobre o sofá. Correu para pegá-la e dar o fora o mais
rápido possível. Na pressa, tropeçou no tapete, caiu e, ao
levantar-se, reparou estupefato que a estante possuía uma
verdadeira coleção de troféus.
— Quem ganhou tudo isso?

23
— Eu, quando era jovem...
— Cê joga bola em que time?
— Bem, esta é uma longa história... Eu já fui um jogador
de futebol de salão. Meu time era os “Rebeldes” e não perdia um
campeonato...
— Legal! Cê fazia muito gol?
— Sim, muitas vezes...
— Legal! O seu time num é o Flamengo?
— Bem, digamos que eu torça pelo Flamengo. Mas estes
troféus eu ganhei quando era jovem, em um time também jovem
que se acabou quando eu e meus companheiros ficamos velhos...
— Caramba! Cada troféu maior do que o outro. Cê dá
um pra mim?
— Dou no dia que você ganhar um campeonato.
— Mas a gente num tem time, a gente... a gente...
— Pois forme um time!
— A gente num tem camisa, num tem chuteira, num tem
meia, num tem técnico... A gente só tem a bola...
— Escute, garoto, quando as pessoas querem as coisas
de verdade tudo se torna possível, mesmo as mais difíceis, basta
você...
— Já sei, já sei... Cê é o nosso técnico, tá feito?
O ex-atleta, entre surpreso e feliz, se deixa levar pela
mãozinha firme do garoto que sai gritando porta afora:
— Ei turma, ei turma! Eu achei a bola e arranjei um
técnico, o Campeão!

24
Poesia & Vida
Cida Rigotti

“Uma esteira de espumas... - flores perdidas na vasta indiferença


do oceano. – Um punhado de versos... – espumas flutuantes no
dorso fero da vida!...” ( Castro Alves)
Lá se vai a poesia - doce barquinho – inocente, pura, destemida,
arrosta perigos, planta esperança. Aventureira, torna-se um
Fernão Dias!
Bandeirante, busca esmeraldas, mas parte de mãos vazias,
limpas. Irrompe pelo sertão, abre caminhos, expande fronteiras,
amplia horizontes, remove as nuvens, favorece a união.
Desbravando a terra, antevê o céu!
Alegre e simples, a poesia sustenta o canto da vida. Enxuga
lágrimas, cura feridas, atenua cicatrizes, rejuvenesce a alma,
celebra o amor.
Poderosa e justa, denuncia as arbitrariedades que aviltam os
direitos humanos. Empunha a bandeira da verdade,
desfraldando-a nos píncaros da paz, onde tremula altaneira e
livre, ensinando a arte de viver.

25
Resiliência
Cida Rigotti

Há uma força
Indomável
que me faz
caminhar,
que me faz
continuar,
que me faz
perseverar!

Há uma força
Adorável
que sustenta
meu ser,
embala
meus sonhos,
carrega-me
nos braços
em cada amanhecer:
Deus !

26
Roda Gigante
Cida Rigotti

A palavra
se fez ponte,
estabelecendo o diálogo.

O amor
se fez presente,
reatando os laços partidos.

A amizade
se fez paz,
apertando as mãos estendidas.

A lágrima
se fez luz
com o sorriso franco.

Deus
se fez presença
dentro dos belos olhos.

Alegres
brincam, suas meninas,
na roda gigante da vida!

27
ESTHER LUCIO BITTENCOURT
Esther Lucio Bittencourt, nascida Esther Maria Duarte Lucio
Bittencourt, em 13 de fevereiro de 1942. Trabalhou: Jornal Praia
Grande em Revista, Jornal do Brasil, O Fluminense,
Universidade Federal Fluminense, Correio da Manhã, revistas
Senhor, Leitura, O Cruzeiro, Inédito. Na Ediouro, até 2009 como
editora de áudio livros, como Grande Sertão-Veredas. Durante
os anos de repressão criou a feira do autor, em Niterói. Lança o
livro de contos No País das Palavras onde Moram os Homens
Mudos, em 1975 o romance Vicença Taborda, em 1980, o livro
de poesia Imaginário Eixo. Participou do livro Entre ouvidos:
sobre rádio e arte, organizado pela professora Lilian Zaremba,
lançado na 7ª Bienal do Mercosul, em 2010, patrocinado pela Oi
Futura. Em 2018 lança o livro de poesia "Oi!" e, em anos
anteriores, o livro de poemas " Varal de Possíveis" pela Saraiva.
Participa da Academia Caxambuense de Letras onde ocupa a
cadeira que tem como patrona Cecília Meireles.

28
SEM TÍTULO 1
Esther Lucio Bittencourt

Em julho brotam nas mangueiras


as flores das mangas voadoras
e Vera faz doce de ventania
em outubro/ novembro. caso agosto
não vente excesso de derrubar
as flores dos futuros frutos
só vente para cair mangas verdes
sem asas mas voadas pelo vento
que venta para levar o eco de vozes,
pólem, folhas amarelas, para os brotos
que virão em setembro no sul do planeta
primaverar os perfumes do que virá
ser doce azedo de ventania fervido no calor
do verão que virá em dezembro/ janeiro.

29
SEM TÍTULO 2
Esther Lucio Bittencourt

Ah patriazinha
que mata queima
esquarteja o amor
que tipo de coisa
é você sombria?
a lira assobia nos desvãos
da presidência irada
o que morreu em você
pátria do nojo hoje?
bananinas milicianos
fornecem a pauta do dia
ah! zinha. antes pátria amada
hoje por foices enxovalhada.
o que aquele lá manda
mata devora come
a xusma eufórica obedece
ah! patriazinha
tantos adjetivos só para dizer
teu chão eu repudio terra
de matadores canibais de almas
pátria valhacouto de soldados
vis de homens vis e mulheres vis
nada de pátria, nada de amada
um dia você foi Brasil.

30
SEM TÍTULO 3
Esther Lucio Bittencourt

Há um som de sol
em dó maior no pó
nas volutas do vento
no açúcar em cada grão
há um pingo excessivo
no ventar as folhas
cor de varrer o chão
há em algum lugar rios
cachoeiras e o sal
do mar leva caravelas
que queimam peles
peles que descascam
o duro aspecto real
há em algum lugar um local
onde a realidade é inventada
use maravilha ao caminhar.

31
SEM TÍTULO 4
Esther Lucio Bittencourt

O bouquet da tarde
fruto da confraria
do silêncio. mistério
da sombra em noite
fresca que carrega
a gota de chuva ascética
com aroma de solidão,
concerne a quem vive
o sabor de folha
esmagada ao tempo
na paz do barro
quase humus,
provável lama
possível brotação.

32
SEM TÍTULO 5
Esther Lucio Bittencourt

A quem amo e dói


que tiraria o penar
com carinho, pão
quente feito na pedra,
manteiga feita pela mãe,
(que juntava nata do leite)
cataplasma, xarope de agrião,
emplastro sabiá, basilicão,
emulsão de scoot,
tutano com pão,
geleia de mocotó,
canja de galinha,
banana assada
na beira do fogão.
quem dera poder curar
com a maravilha curativa
a quem amo e dói.

33
SEM TÍTULO 6
Esther Lucio Bittencourt

É este o junho que temos


o chumbo ocupa o céu, alma e mentes
é mês doente

há os anos, as paredes
e um veleiro sem equipagem
carrega mortos à sotavento

estas as mentiras nos olhos


dos eloqüentes; marulha
nos dedos temas inconsistentes

não o chão, nada de anteparo


o vento sem maldade
reorganiza mais mortes

é uma ecatombe , aqui, além


na luta entre partir e poder ficar
entre resistir mesmo sequelado

são estes os anos que temos


num Brasil negacionista
uma terra triste que não pode mais.

34
SEM TÍTULO 7
Esther Lucio Bittencourt

Querida, com que prazer te acordo


para avisar que o dia está fundado
tem pão para colher no jardim e leite
e o leite que precisa ser ordenhado

então, sob a trepadeira de castanhas


com o canto dos grilos e das sereias
entre galinhas seixos e carpideiras
tomaremos do leite e da fruta-pão

querida, se não nos apressarmos agora


o trem não nos espera. partirá na hora.
o cheiro da fumaça já lá vem nos trilhos

o suor dos suados vem aqui para fora


atenção, escuta: é um metralhar de tiros?
não. é um dia perfeito e não será sangrado.

35
SEM TÍTULO 8
Esther Lucio Bittencourt

A primeira bala entrou na perna


a segunda no joelho
a terceira foi no olho
e a quarta no umbigo
e ainda fiquei viva
para assuntar sobre
outras balas que sacudiam o corpo
e assim ainda viva continuei
a receber tiros de balas várias
dia após dia, minuto após segundo,
como você também, amigo,
somos peneiras de carne
alvos diários.

36
SEM TÍTULO 9
Esther Lucio Bittencourt

Que vozes são essas


que se deitam na minha cama
ainda escuro o céu?

você compra para mim


depois acerto, pode deixar
no almoço eu trago

vou descer, tomar um café


está muito frio, na padaria
ali da esquina, depois

quero pegar o cartório


abrindo para o inventário
da minha mãe, que deus a tenha

um pão na chapa com manteiga


um pedaço de goiabada no café
só para adoçar, um queijo

branquinho, não te ofereço


o café daqui pois todos dormem
ainda, nem pensei nisso, o costume

de ir na padaria olhar ss abelhas


nos doces, sentar com seu joão
saber da cidade, de ontem,

não é política nem futebol


mas de quem dormiu com quem.
shhhiii é melhor calar.
eu trago, pode deixar.

37
SEM TÍTULO 10
Esther Lucio Bittencourt

O poema começa síncope


Na minha lacuna, seu desespero
Começa e termina e vai
Em púrpura e som se almejando.

Na verdade, o poema não começa


Está latente na vertente da síntese
Como bilabiais cevando os dentes
Ou surto de sangue em veias vazias

O poema começa e termina


Na incisão precisa de meu traço
Na invenção que expõe cada pedaço
A está luz voraz, tão íntima.

38
GUIOMAR PAIVA
Guiomar de Paiva Brandão é natural de Caxambu, reside
atualmente em São Lourenço.
Participou de vários concursos nacionais e locais, ganhando o
Concurso João de Barro de Belo Horizonte com o livro infantil
“Giramundo”, recebeu a premiação no Palácio das Artes em
Belo Horizonte - MG. E o Prêmio APCA (Associação Paulista
de Críticos de Arte) com o livro infantil “Liga pra mim”,
recebendo o troféu de melhor autora infantil no Memorial da
América Latina em São Paulo, capital. Possui poesias publicadas
em várias Antologias Poéticas. Livro Quintais - Prêmio
Nacional da Poesia Escrita e Falada de Varginha-MG.
Guiomar é membro fundador da Academia Caxambuense de
Letras, membro da Academia Poços-Caldense de Letras e
pertence também à Sociedade Mineira dos Poetas Vivos e afins
do Rio Grande do Norte, Natal, Grupo Literário Fonte das
Letras, de São Lourenço, Academia Feminina Sul-Mineira de
Letras - AFESMIL, e do Grupo Prosa e Verso.

39
Restos
Guiomar Paiva

Quero um resto de lucidez,


na loucura de um desejo.
Um resto de azul,
no meio da tempestade.
Um resto de ternura,
no silêncio do prazer.
Um resto de água,
na sede do deserto.

Quero um resto de brilho,


no final de um túnel.
Um resto de alegria,
pro final da festa.
Um resto de trégua,
na guerra do dia a dia.

Quero um resto de fé,


no desespero da revolta.
Um resto de perdão,
na ofensa de quem magoa.
Um resto de certeza,
na alegria de quem volta.
Um resto de utopia,
pro alimento de quem voa.

Quero um resto de adeus,


nos olhos de quem fica.
Um resto de ousadia,
nos passos de quem vai.

40
Um resto de esperança,
na carência de quem não tem.
Um resto de verdade,
no vazio de quem não é.

Quero um resto de fantasia


do brinquedo de antes.
Um resto de memória,
pra bagagem de depois.
Um resto de ingenuidade,
pra que a magia aconteça.
Um resto de ilusão,
pra que o sonho permaneça.

Quero os restos, não de sobras,


mas resto-sinal do que é inteiro,
intenso e maior.

41
Morada das Palavras
Guiomar Paiva

Achei morada de palavras


em meu corpo:
A razão mora no cérebro.
O vento, nos pulmões.
A consciência, na mente.
A emoção, na voz.
As lembranças, no olfato.
A liberdade, na alma.
A vaidade, nos cabelos.
A intromissão, no nariz.
A intenção, no coração.
A dor, no peito.
A fé, no espírito.
Filhos, no útero.
A paixão, nas veias.
A bondade, nos gestos.
O desejo, no corpo
O prazer, na língua.
O encantamento, nos olhos.

A raiva, no fígado.
A mágoa, no estômago.
A vontade, nos músculos.
A música, nos ouvidos.
O deserto, nos ossos.
O oásis, nos rins.
O aplauso, nas mãos.
A inveja, nos cotovelos.

42
A direção, nos pés
A calúnia, nos intestinos.
A perda, nas entranhas.
Deus, em cada célula!

43
Velhos e Novos Amigos
Guiomar Paiva

O velho amigo
Viveu e guardou
Todos os seus segredos.
Ele sabe as histórias
De cada esquina,
As estradas percorridas,
As perdas e ganhos,
As mudanças.

O velho amigo
Ouve os seus casos
E se, a sua memória falhar,
Ele completa com detalhes
De cada personagem,
Costura o assunto
Com a linha do mesmo tom.

O velho amigo
Já chorou com você
E riu demais.
Ele está tatuado na memória
E atado às lembranças do coração,
Ele sabe, ele viu, ele se lembra,
Ele estava lá.

O velho amigo
Encenou as mesmas peças
Do teatro da sua vida.
O seu texto, ele sabe de cor

44
E, se acaso você esquece a sua fala,
Ele assume, dá sentido
E o enredo se fecha!

O velho amigo
Conjuga com você
Todos os verbos em todos os tempos
Passado, presente e futuro.

O amigo novo
É um presente inesperado
Está assim com você,
Em construção.

O amigo novo
Traz de volta
O encantamento,
A novidade,
A escolha,
A admiração
E o desejo de se revelar.

O amigo novo
Desafia você
A querer mais tempo de vida
Para que se tornem
Velhos Amigos!

45
Cadeira de Balanço (À minha avó)
Guiomar Paiva

Cadeira de balanço
ausente... vazia.
Num leve balanço
que é só nostalgia.
Cadeira que faz saudade
mais e mais, dia a dia...
Cadeira feita de silêncio
e de uma certa lembrança,
de uma criança grande...
de uma grande criança!
Cadeira de balanço
movendo-se num lamento
Ouço... e me calo,
foi balanço do vento.

46
LEANDRO CAMPOS ALVES

Leandro Campos Alves foi presidente da Academia


Caxambuense de Letras 19/21, e é Doutor Honoris Causa em
Literatura.
O escritor Leandro é possuidor de diversos títulos e
membro de várias Academias de Letras pelo Brasil e no exterior,
sendo ele possuidor de um currículo invejável, recheado com
diversas obras, prêmios e trabalhos internacionais, venceu a
dislexia e o preconceito, deixando fluir de seu grafite poesia e
contos que encantou o mundo!
Autor do poema épico “O Viajante” reconhecido
oficialmente pelo livro dos recordes em 2018, como o maior do
Brasil, podendo ser considerado também como o maior poema
mundial da Literatura Portuguesa, com mais de 10.875 versos e
2.022 estrofes.

47
Oração a família
Leandro Campos Alves

Faz tempo, muito tempo,


que senti felicidade.
Pois já não me lembro,
qual era a minha idade.

É bom e não nego,


viver está realidade.
Que faz crescer o ego,
de um pai de meia idade.

Filhos são sempre eternos,


dádivas da obra de Deus.
A Ti sou servo terno
por ter orgulho dos meus.

Obrigado pela oportunidade,


de orar em agradecimento.
Minha fé em fidelidade,
a Ti elevo em pensamento.

48
Ser Pai...
Leandro Campos Alves

Ser pai é falar não,


mesmo dizendo sim à realidade.
É ter compreensão,
ao demonstrar imparcialidade.

Ser pai é ter seriedade,


e sentir chorar a alma,
ao falar com autoridade,
demonstrando frieza e calma.

Ser pai, é ser do filho amigo,


mesmo que por minutos,
torne seu maior inimigo.

Ser pai é eternizar a vida,


estando todos juntos,
ou na própria despedida.

49
Ladrão de Sonhos
Leandro Campos Alves

Não me lembro o ano que aconteceu, mas lembro


perfeitamente que era época de Natal e que eu devia ter meus
oito ou nove anos de idade. Idade de sonhos e ilusões, de
acreditar no mundo e nas história impossíveis.
Nesta época em questão, lembro-me bem que era véspera
de natal, e que todos meus amigos contavam que deixavam na
véspera do dia vinte e cinco de dezembro uma meia pendurada
próximo a árvore de natal, ou na janela de quarto que dormiam
para que o Papai Noel pusesse o presente dentro dela.
Muitos adultos também me falaram esta mesma história,
a história que somente as crianças que eram obedientes e
respeitavam seus pais durante o ano inteiro, ganhavam do Papai
Noel um presente no dia de Natal, era só por uma meia na janela
acompanhado com um bilhete avisando ao Papai Noel o que
gostaria de ganhar.
Nossa situação econômica não era muito boa na época,
lembro de algumas dificuldades e de presenciar algumas
conversas entre meus pais pelos cantos da casa, falando da falta
de dinheiro.
Mas criança sempre é criança, e sonhos... São sempre
sonhos.
Embriagados pela atmosfera natalina, eu não tinha
dúvida que o Papai Noel não negaria meu pedido, e me daria um
presente, pois o que eu mais sonhava era com uma bola de
futebol, não importava o material que era feito, eu apenas queria

50
um bola para brincar com os amigos de futebol ao cair da tarde
em nossa rua.
O dia vinte quatro de Dezembro chegou, e com ele
aumentavam a minha alegria e entusiasmos, tinha certeza que
ganharia do bom velhinho meu presente tão esperado.
Pus minha melhor meia pendurada à beira da janela, e
brigando com o sono eu esperava o Papai Noel entrar em meu
quarto, as horas passavam e nada de ver o bom velhinho.
Com o entrar da madrugada fui vencido pela noite e caí
no sono, afinal, eu ainda era uma criança cheia de grandes
sonhos e com o sono ainda maior.
Não consegui ver a chegada do meu querido Papai Noel.
Nos primeiros raios do sol acordei ansioso e louco para
ver meu presente, pois tinha posto minha melhor meia
pendurada na janela, havia deixado meu bilhete pedindo ao bom
velhinho meu presente, tudo conforme me falaram.
Além disso! Eu tinha certeza que durante aquele ano eu
não fui um filho ruim, então o presente certamente eu receberia.
Ofegante como nunca, pulei da cama correndo em
direção a janela para pegar minha bola de futebol, mas minha
euforia se transformou em silêncio, meu sorriso em choro,
minha felicidade em desilusão.
Parado, estático, sem respirar e pensativo ali fiquei por
horas, acho eu...
Com o passar das horas intacto no meu lugar, ouvi os
primeiros movimentos da casa. Meus pais e meus irmãos
acordaram, e com eles a minha vida começou perder o sentido,
os sonhos a virarem pesadelo.
51
Logo senti o calor materno por atrás de mim com um
longo abraço, ouvi sua voz me perguntando o porquê do meu
silêncio?
Mãe é sensitiva, logo ela observou que meu silêncio era
de desilusão, meus olhos vermelhos lagrimejavam o sentimento
de minha alma.
Por algum instante eu não ouvia a indagação de minha
mãe, mesmo ela repedindo por várias vezes, ali eu fiquei em meu
mundinho de criança, quieto. Isolado. Solitário.
Foi quando ela me sacudiu e perguntou novamente.
“— Filho, por que você está em silêncio? Por que estas
lágrimas em seu rosto?”
Ao ouvir sua pergunta acordei de meu estado de
desilusão, o que era silêncio se transformou e choro profundo, a
dor da alma pura de uma criança se transformou em choro e
desilusão; e a desilusão? Em realidade.
Naquele momento comecei a contar minha história.
“— Mãe, meu choro é por que Papai Noel está bravo
comigo.
— Eu acho que sempre fui um bom menino e filho, rezo
todas as noites pro meu Anjo da Guarda, e por que Papai Noel
esqueceu de meu presente?
— Eu só queria um bola para jogar com meus amigos.”
Minha mãe com a alma partida, viu minha tristeza e
minha pequena meia pendurada na janela, com a voz meio
tremula parecendo segurar o choro ela falou:

52
“— Não filho, você não é ruim, o Papai Noel gosta muito
de você, mas o que aconteceu foi por minha culpa.
— Veja...
— Eu esqueci de costurar sua meia, provavelmente o
Papai Noel pôs o seu presente na meia, mas o ladrão de presentes
passou aqui e roubou o seu presente através do furo.”
Naquela noite alguma coisa em minha vida de criança
aconteceu.
Pois perdi a inocência ao sentir a dor no coração de
minha mãe, ao ouvir ela tentando dar aquelas explicações, meu
mundo de ilusões foi se desfazendo.
Descobri então que Papai Noel não existia, e o real
motivo de não ganhar nenhum presente, era a dificuldade
financeira que passávamos naquela época.
Minha tristeza por achar que não merecia o presente do
Papai Noel, por ser um mal menino transformou-se, pois
descobri a crueldade de um mundo chamado necessidades.
O ladrão de presente, não roubou somente meu presente,
roubou minha inocência, minha felicidade, meus sonhos.
E o Natal?
Perdeu seu brilho, junto a minha inocência.

53
“Minha Minas Gerais”
Leandro Campos Alves

Mineiro é coisa chique, que vem apurando de fora para


dentro, com um jeitinho tímido, logo revela sua simplicidade e
acolhimento.
No sotaque digo e ainda atrevo em afirmar, que mineiro
é culto de nascença, seu sotaque e jeitos, ditos um pouco
preguiçosos porque engole as palavras e encurta o diálogo, que
é longo de nascença, reflete a inteligência desse povo mineiro.
Das extremidades territoriais, os mineiros levam o
sotaque paulista no sul, misturado com o sotaque carioca no
sudeste, ou quem sabe com o capixaba que tem em Guarapari a
sua praia mais mineira do Brasil.
Subindo ao norte vem a Bahia, que deixa o sotaque bem
caprichoso, que eu mesmo achei ser baiano.
Mas em terra longa como as Gerais, o mineiro se mistura,
puxando o amor pelo sertanejo de Goiás, São Paulo então volto
a raiz, do dialeto sulista desse estado de graças, que puxa o “R”
na pronuncia dessa minha Minas de poli línguas de suas
extremidades.
Mas ah! Minha Minas Gerais... De um povo amável e
acolhedor, que entra em seu seio, na trilha dos bandeirantes a
caminho do ouro, prata e diamante, que deixa nesse percurso a
influência das línguas externa, e encontra a essência de seu povo
verdadeiro.
Sotaque manso e desconfiado, que traz o “sô” como
pronome de respeito.

54
O ali do mineiro é uma légua Paulista.
O trem bão não é locomotiva.
A moça sô, não está sozinha.
Um cadinho pode ser um pouquinho.
Como também oceis não é um grupo de seis, mas quem
sabe uma multidão.
Quando cansa da caminhada, pede para perar um tiquim.
Adoro o mineiro, principalmente na hora do café, que
tem o docindileiti, cafezim com broinha de fubá ou com
biscoidipuvio. Não sei se conhecem, mas adoro o franguim com
quiabu, nem me fale do torresmi bem fritim, e no cair da noite,
nada melhor do que o mingau de mio com couve bem picadim.
Esse é o coração do mineiro, bem no centro da Gerais,
que olha o semáforo vermelho e péra um tiquim, quando abre o
amarelo logo o motorista prestenção sô, no verde então, o
mineiro cauteloso agora podii.
Não tem despedida mais amável, que o “tchau procê”, e
no encontro mineiro sai o primeiro verbete, “uai? Comé qui cê
dá?” Mas logo a hospitalidade mineira toma conta pelo seu
carinho, tanto amor que num dê conta de revelar, mas como bom
mineiro, peço que prestenção sô, pois falaremos igualzim ao
coração de Minas, que é muito sabido na sua fala, que come
pelas beiradas de mansim, e quando se encontra sem caminho,
descobre que cê tá lascado sô, sem saber oncotô, e nem
proncovô, o mineiro sai de fininho, talvez com fome vai cumê
um trem, para matar a quifomqueutô, num quidito nessa
conversa? Pois digo como mineiro, que você pode acreditar só
um cadim.

55
Ah! Minha amada Minas Gerais, que pulsa o coração de
Belzonti, e não minto que falamos des jeitn mesmo, mas é bão
demias sô, ter a nossa personalidade própria.
Ah! Minas que amo, que está nu coração dagen, mas
engana quem pensa que mineiro é assim, somos o sonho da terra,
o fruto do amor, o abraço acolhedor, de um povo quieto, que
presta muita atenção, para não sair falando besteiras, sem ter
razão.
Se as frases curtas é a expressão do povo Mineiro, diga
João Guimarães Rosa, ou quiçá, Carlos Drummond de Andrade,
podendo também falarmos de Fernando Sabino, a felicidade de
ser mineiro e trazer contigo o sotaque apaixonado de uma terra
persona.
Ah! Minha Minas Gerias que amo demais, que originou
de uma miscigenação, de vários estados, povos e nação, se
baiano cansado é mineiro, minas é o berço dessa nação de
múltipla cultura em sua miscigenação.

56
MARIA CRISTINA MALLET PORTO
Estudou Psicologia e Administração de Empresas na PUC-SP.
Autodidata em Estudos de Filosofias Orientais. Atuou no mundo
corporativo por 25 anos, no segmento de Publicações para TI e
Telecom. Gestora de Projetos Editoriais e Promotora de Eventos
Culturais e Literários. De 2002 a 2017 foi co-proprietária de uma
Livraria Casa de Estudos e Núcleo Terapêutico, em São Paulo.
Em 1978, iniciou seus estudos em Astrologia, e desde 2002
facilita Palestras, Cursos e atende como Astróloga Integrativa,
com foco em autoconsciência e autodesenvolvimento.
Atualmente estuda Antroposofia.

57
Das estrelas eu vejo
Maria Cristina Mallet Porto

Das estrelas eu vejo uma imensidão, um Espaço infinito,


uma escuridão,
Das estrelas eu vejo outras estrelas, astros, asteroides,
planetas!
Das estrelas eu vejo distante, lá na ponta de uma Galáxia,
um pontinho azul, tão pequenininho...
Vou pulando de estrela em estrela, até chegar perto!
Conforme me aproximo, aquele pontinho distante, vai
crescendo, e sinto um imenso desejo de desvendar aquela esfera
azul, que me parece cheia de mistérios, tantas são as diversas
formas que se apresentam!
Meu coração bate mais forte e escorregando pelos raios
solares, aterrisso no alto de uma imensa montanha. Olho ao
redor e vejo mares, rios, montanhas, rochas, grutas, desertos,
florestas, animais diversos, e lá bem longe, o que chamam de
Humanidade! Seres Humanos! Fico curioso e vou naquela
direção! Parecem interessantes, fazem várias coisas, cada um em
um lugar, falam diferentes idiomas, roupas distintas, hábitos
locais, caminhos diferentes.
Lembro que este pontinho azul, no canto da Galáxia
chama-se Planeta Terra! A humanidade que lá habita, ouvi dizer,
tem um potencial maravilhoso, uma essência criativa mas que na
maioria dos casos, ainda dorme! E o que vejo me assusta, pois o
Planeta está em alerta e parece que está difícil o acordar, o
despertar e o agir desta humanidade, supostamente inteligente,
mas com pouca Consciência! Percebo que fazem um movimento
que beneficia a poucos, cada um para si mesmo e poucos para
todos. É claro que cada um precisa cuidar de si para ser uma
célula saudável, neste corpo planetário, que pulsa por todos!

58
Mas, além de si, tem o coletivo e o planetário, como um único
corpo, orgânico, em constante mutação! Por ora, poucos
compartilham entre si, e ainda parecem brigar! Não percebem
que o Planeta chora? Que as pessoas precisam uma das outras?
Que são muitos os talentos e que se forem unidos terão muito
mais força e resultado para todos? Impressiona-me este cenário
que clama por entendimento, compreensão, e união! Bastaria
abrirem os corações, estenderem as mãos, e dialogarem na
Verdade, sem competição, mas cooperação, trocarem o ganha-
perde, pelo ganha - ganha, para que o menos se tornasse mais.
Então, uma inspiração me toca! E se pudéssemos fazer
com que esta humanidade levantasse a cabeça do próprio
umbigo, olhasse para a frente, o outro, e depois para as estrelas?
Quem sabe descobririam que o Universo é muito maior, o
Propósito é muito maior, a Vida é muito maior? Vou voltar pelo
mesmo raio de luz por onde vim, voltar para minha estrela de
origem e contar o que vi. Quem sabe possamos, cada um de nós
das estrelas, colocar uma chispa viva, no coração de cada Ser
Humano, que acenda imediatamente a Centelha que lá repousa?
Sabemos que nestes corações já foi plantada a semente do Amor!
Então com Esperança, quem sabe esta chispa possa acender a
chama!
Vamos, vamos fazer isto JÁ! O tempo urge, antes que
não haja mais tempo! O tempo do não-tempo precisa agir! Assim
fizemos, e pedimos uma vez mais para Aquele que nos doou o
Amor, acionasse o impulso da Vontade e da Força em todos os
Seres!
Foi assim então, que por Amor, uma vez mais, a Luz se
fez, e aquele pontinho azul pequenininho e distante tornou-se
brilhante, imenso, dourado, um verdadeiro Sol irradiando Vida,
Gratidão e Paz! Mal sabiam os humanos que as estrelas de onde
vim, eram parte de seus próprios corações e que esta Luz, assim
como Eu, sempre estivemos lá!
59
E pra onde estamos indo?
Um chamado Para a Vida!
Maria Cristina Mallet Porto

Estamos dormindo, pensando estar acordados?


O Ser Humano é surpreendentemente complexo.
Em seu aspecto mais profundo traz uma essência repleta
de potencialidades, que deveriam ser expressas ao longo da
existência. Em alguns casos estas sementes encontram terra
fértil, são cultivadas, e florescem. Em outros, a terra é mais árida
e as sementes podem até secar. Claro que não é tão simples, pois
são muitas as variáveis. Existe um universo causal, os cenários,
mas na essência de cada um existe um ponto vital, que é a
vontade de brotar! Este impulso, a vontade, vem de um lugar que
para nós parece desconhecido, mas que nos inspira, impulsiona
e sustenta. É neste lugar especial e silencioso dentro de nós, que
devemos repousar, em busca das respostas que procuramos para
dar significado à nossa existência. É neste lugar que podemos
nos encontrar a nós mesmos e fazer o caminho de volta para esta
essência perdida, dormida, sonhada.
A grande questão é que vamos criando um sistema
pessoal para dar conta do mundo. Um mundo que nos quer como
ele quer e acredita. Um mundo que muitas vezes nos faz crer que
ele é real e para sempre. E para responder a estas expectativas e
cobranças, vamos nos afastando do nosso centro interno. E
assim vamos ficando partidos, separados de nós mesmos e
passamos a ver o mundo assim: em polaridades, partido e
separado. Desta forma, sob este ponto de vista, fomos criando
um mundo insustentável em si mesmo, pois o que está separado
não está inteiro, unificado, consistente. Como placas tectônicas
que se rompem, criam falhas e provocam terremotos, tsunamis,
catástrofes irreversíveis.

60
Acreditamos que o impermanente é eterno e muitas vezes
que o eterno não existe.
Mas não tenho a intenção de escrever o caos. Apenas
trazer a grande questão: estamos despertos ou dormindo? O que
queremos enquanto Humanidade? Onde e como queremos ser e
estar? Um chamado para a Vida! Somos co-criadores, co-
responsáveis e co-regentes de nossas escolhas e caminhos.
Vamos nos re-integrar enquanto Ser Humanos, com a
humanidade em nós, com a natureza em nós, com o pensar, o
sentir e o agir que se expressam através de nós! Ser o que viemos
para SER! A Vida é uma dádiva, um presente! Ainda é possível
corrigir a rota, desfazer os equívocos, evitar o colapso. Podemos
ainda resgatar o respeito, a ética, a ação correta!
E que o Amor prevaleça em nós e entre nós, hoje, a cada
instante, com a consciência de que a linha da eternidade é um fio
que tecemos a cada passo que damos aqui e agora!

61
O tempo
Maria Cristina Mallet Porto

Tempo é um recorte no fio da eternidade!


De tempos em tempos, a vida se manifesta nas mais
diversas formas, e se tem um tempo para expressá-la. Tempo
precioso, que voa, que passa tão rápido, que quase não temos
consciência dele. Ele nos dá a oportunidade de escolher,
experimentar, conhecer, aprender, brincar, dançar, sorrir, chorar,
realizar, compartilhar, de amar e de tantos mais verbos criados
no próprio tempo!
Tempo é uma medida de sabedoria! Ele nos desafia a
atravessar ao longo de seu traço com passos firmes, mesmo que
às vezes nossos pés escorreguem nas curvas da ilusão.
Tempo não é dinheiro! Que desrespeito! Tempo é valor!
Tempo é precioso! Só o reconhecemos já na maturidade, quando
em tese não teremos mais tanto tempo! Na infância, na
juventude, o tempo parece eterno, é como se tivéssemos todo o
tempo do mundo! Ao longo da caminhada, começamos a nos dar
conta de sua finitude neste aqui e agora! Sim, porque em algum
momento deste tempo, vamos embora. Em algum momento esta
oportunidade findará! E para os que buscam respostas,
entendimento e o despertar deste sono profundo, surge a
pergunta. Como tenho usado esta medida de tempo, pela qual
caminho?! O que realmente importa? O que vou deixar e o que
vou levar comigo em minha mala de partida? É claro que
aprender a matéria e através dela é o que viemos fazer. Mas não
para a matéria como um fim em si mesma, mas como um meio
de experiência do Ser que nos habita!
O que mais me intriga hoje, é como desperdiçamos o
tempo, por não nos termos dado conta de sua importância e ao
mesmo tempo do quanto é volátil, apesar de tentarmos tocá-lo o

62
tempo todo. Quanto tempo perdemos com coisas que não nos
levam a lugar algum. Quanto tempo escorre de nosso sentir, por
não vivermos inteiramente nossos momentos, relacionamentos e
o nosso estar no mundo! Andamos descalços na areia e muitas
vezes nem percebemos seu calor, sua textura, sua receptividade
aos nossos pés! Pouco estamos presentes naquilo que fazemos!
Se nos déssemos conta de que cada momento é realmente único,
nos apropriaríamos melhor do nosso tempo, o que acredito, nos
daria melhor qualidade de vida e mais plenitude! Hoje, para
muitas coisas talvez não haja mais tempo, mas quero tê-lo a meu
favor e fazer dele meu grande aliado, enquanto aqui estiver.
Quero me aprimorar, fazer o meu melhor, ser útil, servir no que
me for possível, mas ao mesmo tempo, já olho para este fio da
eternidade, continuação de minha morada, até o próximo
recorte!

63
A travessia dos anos 60 ao século XXI
Maria Cristina Mallet Porto

Queria tanto vir aqui para falar de coisas leves como beleza,
alegria, harmonia, paz! Queria tanto trazer encantamento com
minhas palavras, poética, inspiração. Sou de uma geração que
viveu Beatles, Woodstock, Pink Floyd, a Jovem Guarda, os
Festivais da Record, a Bossa Nova, como não dizer, Tom,
Vinícius, Chico, Elis, Milton, Caetano, Secos e Molhados, Rita
Lee. Geração que assistiu maio de 68 na França, as mães da
praça de maio na Argentina, a chegada do homem à lua, a
mobilização pelas diretas-já. Filmes como “2001, Uma Odisséia
no Espaço”. Vimos Gandhi, Martin Luther King, Mandela. Estes
são alguns exemplos de fatos que vivemos e que o tempo não
apagou de nossa memória. Quebramos inúmeros paradigmas
para que a mulher pudesse se expressar e ocupar seu espaço!
Derrubamos o muro de Berlim! Tudo isto pra dizer que faço
parte de uma geração que sonhava e atuava por um mundo
melhor. E o que seria um mundo melhor? Ah! Um mundo mais
justo, equânime, em equilíbrio. Um mundo onde a humanidade
fosse realmente Humana, fraterna, solidária. Um mundo, onde
cada um buscasse ser uma pessoa humana melhor, e despertasse
para o fato de que a Inteligência, a Força, a Sabedoria, atuam
através de nós, não apenas para nós, mas sim a serviço do bem
comum. São virtudes e condições que pertencem a esferas
superiores e nós, os humanos, deveríamos expressá-las para
elevar nossa condição de seres chamados inteligentes. Somos o
único reino portador de Consciência e ela é a possibilidade, que
nos faz diferentes dos demais. Não posso dizer que não
conseguimos. Conquistas foram feitas. Estamos numa longa
travessia. Demos um salto quântico em vários aspectos. Muitas
palavras se tornaram expressão de um novo tempo. Atualmente

64
se fala em Cultura de Paz, onde o diálogo, a escuta ativa, a
empatia, a inclusão, a mediação são atitudes de linhas de frente.
Ecologia pessoal, social e ambiental são fundamentais para uma
sustentabilidade sistêmica. Em um mundo de dualidades, onde
fomos educados para escolher entre isto ou aquilo, crenças
rígidas, fomos estimulados a fazer escolhas radicais. Tudo o que
divide, parte, separa, precisa ser olhado com cuidado. A quem
interessa dividir, partir, separar? O Amor traz o ensinamento da
União, da Unicidade. Neste momento, muito importante sairmos
da visão dual, irmos a um andar acima, olhar de um outro lugar,
e perceber o quanto os valores ficaram invertidos. Um bom
exemplo desta inversão é uma sociedade que chama o natural de
alternativo, e assume o químico como natural. Muitos equívocos
e distorções nos afastaram da nossa essência! Gostaria que
minhas palavras soassem como um convite! Não é utopia,
ideologia, é esperança. É acreditar que é possível. É ter um
propósito que possa colaborar para a realização daquele mundo
que sonhávamos e que ainda pode existir. Um resgate, em uma
oitava superior, incluindo os novos aprendizados. Depende de
cada um e de todos nós. Que tal nos darmos as mãos? Como
disse Beto Guedes, “vamos precisar de todo mundo, um mais um
é sempre mais que dois!” Somos co-construtores, co-
responsáveis, co-atuantes de nossa realidade. Para onde
queremos ir? Estamos no século XXI . E não é ficção! Entrar
neste caminho seria como falar de alegria, vida poética, a
harmonia que expressa a verdadeira beleza! Como cantou Elis:
“Eu quero ver a Esperança de óculos”.

Maria Cristina Mallet Porto

65
MARIA DO CARMO FIGUEIREDO
PAIVA
Maria do Carmo Figueiredo Paiva, nascida em Caxambu, Minas
Gerais. Formada em Letras com Francês pela Faculdade de
Filosofia Ciências e Letras da Fundação Universidade de
Itajubá. Especialista em Alfabetização pela UFRJ, em Produção
Textual e em Literatura Infanto-Juvenil pela UFF. Lecionou
Francês, Língua Portuguesa, Literaturas: Portuguesa e Brasileira
e Didática da Língua Portuguesa. Desenvolveu atividades
extracurriculares: Oficina da Palavra e jornal falado e escrito na
Escola Experimental Avenida dos Desfiles (CEMADE). Foi
membro da Equipe Técnico-pedagógica de Língua Portuguesas
da Secretaria Municipal do Rio de Janeiro, onde participou da
elaboração do Currículo de Língua Portuguesa. Ministrou cursos
e palestra sobre Metodologia da Língua Portuguesa em cidades
de diversos estados do Brasil. Co-fundadora da Academia
Caxambuense de Letras.Membro do grupo”Prosa e Verso” de
Itanhandu MG. Publicações: Estudo de texto: Estrutura,
mensagem, re-criação(2 vol), Descobrindo o Sabor do Texto (8
vol), Brincando com Passado- Presente- Futuro ( 2 vol).
66
Um Sonho quase Real
Maria do Carmo Figueiredo Paiva

Acariciada pelo Sol da manhã, observo, da varanda, a


beleza do dia que inicia. Meus olhos passeiam, preguiçosos, ora
pelo céu azul ora pelo campo verde, onde pasta, tranquilamente,
um cavalinho.
Como que pressentido o meu olhar, ele levanta a cabeça
e, sacudindo a longa crina dourada, inicia um verdadeiro
espetáculo circense.
Empina, balança as patas no ar e gira o corpo com uma
graça infinita. Em seguida, trota garboso, para e olha para mim,
como a dizer: — “Eu me exibo só para você.” Logo retoma sua
marcha cadenciada e majestosa. Dá pulos, gira e sacode a crina
ao vento.
— Venham ver o cavalinho! Ele é tão lindo! Chamo em
vão. Ninguém me ouve.
Eu me debruço, então, no parapeito a fim de observar
melhor o lindo animal, sentindo não poder compartilhar tanta
beleza.
De repente, minha imaginação voa e eu me vejo no circo,
montada no cavalinho, exibindo-me para o público no picadeiro.
Enquanto ele trota, eu me equilibro, graciosamente, ora num pé,
ora no outro, como se dançasse. O público aplaude
entusiasmado. Até o palhaço faz mesuras e bate palmas. Eu
sorrio feliz.
Eis que uma voz me desperta de meu devaneio.
— Você chamou?
Deixo o maravilhoso mundo do circo. Olho para o
campo, onde o cavalinho, cansado talvez de se exibir, voltara a
pastar tranquilamente na manhã ensolarada.
— Não foi nada, respondo. E fico com uma sensação de
irrealidade, como se tudo tivesse sido apenas um lindo sonho.

67
Retalhos
Maria do Carmo Figueiredo Paiva

Sou uma colcha composta


por retalhos e remendos.
pedaços de minha vida
costurados com capricho.
Cada pedacinho de pano,
conta um pouquinho de mim,
da minha história.
coisas que vivi, alegrias
e tristezas que senti.
As fases boas são retalhos
de um colorido vibrante,
as não tão boas, têm cores
mais desmaiadas.
Os retalhos escuros são
símbolos da perda e da dor,
costurados com vermelho
sangue, vindos do coração,
onde um Deus, misericordioso,
cerziu, com muito carinho,
pedacinhos brancos de
aceitação e paz.

68
Voo
Maria do Carmo Figueiredo Paiva

Para voar, não é preciso ter asas.


É só ter imaginação e sonhar.
Deixar que os desejos mais loucos
e camuflados se libertem e voem.
Não os aprisione,
deixe-os partir
e voar alto.
Só quem sonha aprende a voar.
Experimente. Feche os olhos
e pense em algo bom que deseja.
Solte o corpo,
vem comigo
e eu lhe ensino
a voar.

69
Outubro
Maria do Carmo Figueiredo Paiva

Vem ver. A Primavera chegou,


quietinha, em setembro, para
mostrar-se esplendorosa em outubro.
Os dias estão mais claros,
o sol mais brilhante.
Perceba o ar mais leve,
impregnado por doces aromas.
Sinta o perfume das flores
das mais variadas cores.
As abelhas, com leves zumbidos,
colhem o néctar para abastecer
suas colmeias. Ouça o melodioso
canto dos pássaros que se acasalam
e constroem seus ninhos.
Deixe-se invadir pela energia
que brota de toda parte,
gerando uma inexplicável alegria
que invade os corações.
Bem-vindo, Outubro!!
Salve Primavera!!

70
Manhã de sol
Maria do Carmo Figueiredo Paiva

O Sol da manhã me aquece a pele.


Uma brisa suave acaricia tudo por onde passa.
Da espreguiçadeira, onde me encontro,
observo o vôo das abelhinhas que,
em alegre zumbido, beijam as flores,
colhendo o néctar com que fabricam o mel.
Fecho os olhos, ouvindo o canto harmonioso
dos pássaros e uma estranha leveza
toma conta de todo meu ser,
enchendo-me de paz e alegria,
por, simplesmente, estar viva,
desfrutando de tanta beleza.

71
Mãos dadas
Maria do Carmo Figueiredo Paiva

Há dias, li um texto sobre o Valor das Mãos,


em que um avô observava as mãos e refletia sobre elas.
Ao lê-lo, me dei conta de que pouco olhamos para elas.
Percebi, então, como são importantes e o quanto podem fazer
por nós.
São ferramentas que geram sustento, podem edificar ou destruir,
abençoar, saudar comunicar em diferentes situações.
Unidas e elevadas, são súplica, de polegar levantado,
concordância, apoio.
Para o mudo, ela é palavra, para o cego, através do tato, a visão.
Há mãos que ferem e causam dor, mas há mãos suaves que
acariciam, curam, amenizam dores e mágoas com gestos de
ternura.
Mas não há nada que se compare ao prazer de caminhar, na vida,
de mãos dadas, sentindo o carinho e apoio do(a) companheiro(a)
escolhido(a).

72
Florescer
Maria do Carmo Figueiredo Paiva

Ah, Primavera...
Que bom que nos trouxeste
esse encantamento de cores:
o verde luminoso da grama, das folhas
que enfeitam as árvores,
o multicolorido das flores,
o canto dos pássaros
que comemoram tua chegada.
Tudo isso faz florescer, em nós,
a vontade de dançar, de
cantar a alegria de viver,
a gratidão pelo Criador que
nos presenteia, todos os anos,
com esse festival de beleza.

73
Ler
Maria do Carmo Figueiredo Paiva

ler é descobrir...
sonhar...
descortinar horizontes...
viajar sem sair do lugar,
interpretar, não só palavras,
mas outros textos, como:
situações,
rostos...
identificar alegrias
e tristezas,
só de olhar.
Ler é viver,
Vivemos lendo

74
Libertação
Maria do Carmo Figueiredo Paiva

Aprisionada em meu mundo interior,


eu clamo por liberdade.
Sinto-me como um pássaro
preso em uma gaiola.
Não consigo viver assim
Preciso ser livre, voar,
conhecer outras paragens,
bater asas, visitar jardins floridos, pairar sobre as águas dos
rios, do mar
que refletem o azul do céu
Alimentar-me de belezas
que alegram meu coração.
Ah! Sinto que minha libertação está próxima.
Bem-vinda, imaginação!
Já posso voar.

75
Clamor de um Rio
Maria do Carmo Figueiredo Paiva

Quando nasci, brotei da terra


a 2.600 metros de altitude,
na bela Serra da Mantiqueira.
Era um filete de água
Cristalina e transparente
Corria tranquilo,
descendo a serra,
Cercado de matas verdejantes.
Na descida, fui recebendo afluentes,
Outros filetes, também, transparentes.
E, crescendo em volume,
Copiei o verde das matas
E me batizaram Rio Verde

Às vezes, me jogava, com alegria,


sobre as pedras do caminho,
me transformando em pequenas
Cachoeiras de branca espuma.
Em meu caminhar,
passo por cidades,
onde crianças brincavam,
felizes, em minhas águas.
Digo brincavam, porque
minhas águas de um verde
translúcido e luminoso,
hoje estão escuras, barrentas,
poluídas pelo homem
que não se importa
Com a minha agonia.

76
As crianças já não me alegram com seus gritos e risadas.
E eu choro e clamo por socorro.
Quando será que me ouvirão?

77
Magia do Amor
Maria do Carmo Figueiredo Paiva

Quando você me envolve


em seus braços, com paixão,
acorda casa célula do meu ser.
Meu corpo todo vibra,
nossos corações batem
no mesmo descompasso,
num frenesi de desejo e paixão.
Depois desses momentos inebriantes,
Quando me aconchego, novamente em seus braços,
sinto-me como um pássaro,
que após um longo
e exaustivo voo, se recolhe
num ninho de amor para
relaxar e descansar em paz.

78
Outono
Maria do Carmo Figueiredo Paiva

Bem-vindo, outono, estação do recolhimento, desapego,


amadurecimento.
As plantas recolhem-se, preparando-se para doar seus frutos e
vão, aos poucos, deixando amarelecerem e caírem suas folhas,
formando um tapete colorido sob os pés dos passantes.
Assim como as frutas que amadurecem e adquirem um sabor
doce e suave nessa estação, as pessoas mais velhas, no outono
da vida, tornam-se mais doces, pacientes, dispostas a ouvirem e
aconselharam os filhos, netos e amigos, doando a sabedoria e
vivência que vêm com o amadurecimento

79
MARIA DO CARMO MAGALHÃES
Maria do Carmo Magalhães Lahmann nasceu em Caxambu,
Minas Gerais, em 16 de julho de 1944. É formada em Pedagogia
com pós-graduação "latu sensu" em Psicopedagogia pela
Universidade Estadual de Minas Gerais-Faculdade de Filosofia,
Ciências e Letras de Varginha MG, onde foi professora de
disciplinas pedagógicas. Em sua monografia pesquisou sobre o
tema: Deficiência Visual: impedimento para a autorrealização
ou falta de oportunidade. O que é verdade? O que é preconceito?
Dedica-se atualmente ao estudo e compreensão do Budismo e
Taoísmo. Du Carmo, para os amigos, sente o Tao em tudo que é
compreensível e não compreensível.

80
Sem Título
Maria do Carmo Magalhães

Quem traduz
a chama
que em mim
não se apaga?
Cada fagulha
freme
de dor,
de alegria.
A luz ébria
chora e canta.
Multiplos rumores
transcendendo
a própria vida!
Momento impreciso
errante como o vento
morrendo
no próprio nascedouro.

81
Paz para meditar!
Maria do Carmo Magalhães

Através das ramas


vi a noite começar.
Na litania,
tu bem sabes,
escapa o desnecessário,
a mágoa,
o pranto,
o destino
e tudo foge
menos triste,
sem estardalhaço.
E onde fica a colheita
errante,
dolente,
fluida e bela,
sazonal,
comida para o vento?
Cada momento
é breve,
impreciso.
Ah...
a vantagem da leveza(!)
és sempre outro.

82
Com as devidas correções:
Maria do Carmo Magalhães

Mais um dia que se vai,


o sol transmonta
em silêncio,
gentilmente cedendo espaço
a milhares
de outras luzes.
Que nudez produzem as sombras
que se recortam
no chão...
Parecem-me irreais
esses mosaicos
formando figuras engraçadas!
O vento
me bate à porta
inocente,
perverso.
Volto
ao meu quebra-cabeça
deixando lá fora
as asas.

83
Sem título
Maria do Carmo Magalhães

Nada te será tirado


se deixares no caminho
tua carga.
Leva o pôr-do-sol que viste,
a folha solta pelo vento,
o canto do rio e regatos,
as criaturas inocentes,
a gravitação dos astros
e tudo que existirá
num mapa
nunca antes desenhado.
Leva teus sonhos
em busca de outros ares.
Que Deus possa acreditar
que ficaste leve, mais leve.

84
Tudo tem seu tempo
Maria do Carmo Magalhães

assovia o vento
vindo de longe, a e
de muito longe...
sopro a sopro
desamarrando os galhos.
Ninguém na rua deserta
ouvindo quando venho à tona,
um único rumor de vida,
salvo de todos os naufrágios.
Vento bordando, invisível
compassivo e calmo,
Iluminuras
nas breves tardes
de inverno.
Só o meu silêncio se estende
trazendo tudo
que me falta.

A tudo que nasce, a tudo que irradia, a tudo que se refaz, ainda
que sofregamente, o meu verdadeiro sentimento de admiração!

85
Sem título
Maria do Carmo Magalhães

Na casa antiga,
o vento ficou amarrado
no buraco da janela carcomida.
O ladrido do cão perdido,
rendido na solidão
longamente foi ouvido.
Esses sons da madrugada
desatam emoções contidas,
moto-contínuo cronometrado
cada vez mais solitário.
Resta o silêncio
da lua,
da rua,
da nuvem.
A compaixão
dormiu comigo
lado a lado.

86
Sem título
Maria do Carmo Magalhães

Pousa a manhã
no vão da telha
com luz e cântico
romântico.
A rua desperta
de seu breve cochilo.
Abrem-se janelas,
a lida recomeça.
Com que paciência
o tempo tange
o humano rebanho!

87
Sem título
Maria do Carmo Magalhães

Algumas estrelinhas de hoje


fizeram a cama
sobre o meu telhado.
Eram tão pequeninas
que pouco ou quase nada
palpitavam.
Entretanto,
ainda assim,
quase isentas
de fulgores,
fizeram-me inventar
novos versos,
variações,
e um novo coração.

88
Sem título
Maria do Carmo Magalhães

Aves passeiam no céu


com o rabo do olho
de olho na rua
mirando o gato
que tira soneca
na rua deserta.
De repente
quem diria(!)
sapatos ringindo
na rua desperta,
criança pulando!
Todos querem
partir, chegar,
não importa
o lugar.
Motu contínuo,
nada deve ficar.

89
Sem título
Maria do Carmo Magalhães

A cada palavra
antecede um silêncio.
Em cada silêncio
preexiste a palavra

O rastro das letras


modela as palavras.
Nasce a escritura,
a fala,
o poema.

No coração da noite
ou no claro do dia
a palavra é errante,
misterioso frêmito,
intérprete da vida.

90
MARIA DO CARMO RODRIGUES
Maria Do Carmo Rodrigues, natural de Visconde do Rio
Branco-MG, nascida em 16 de Julho de 1959, filha de Vitalino
José Rodrigues e Nelsina de Almeida Rodrigues. É mãe de
Aline, Weber e Cinthya. Formada em Matemática pela UNIG-
RJ, em Biologia e Pedagogia pela UNINCOR - Três Corações-
MG. Fez Pós-graduação em Psicopedagogia Institucional com
Ênfase em Inclusão Social pela UNIPAC; em Educação
Empreendedora pela UFLA; Educação Ambiental pela UFSJ e
também fez Pós-graduação em Alfabetização e Letramento pela
UFOP. Membro da Academia Caxambuense de Letras em 2006
e ocupa a cadeira 12 - Patrono, o Professor Fabiano Viotti. É
membro da Sociedade Brasileira dos Poetas Vivos e Afins
(Pouso Alegre-MG). Tem trabalhos publicados em jornais da
região e revista Amigos da Natureza. Foi Secretária Municipal
de Educação em Caxambu na gestão 2009/2012. Foi Presidente
da Academia Caxambuense de Letras no biênio 2016/2018 e
vice-presidente no biênio 2019/2021.

91
Pensando...
Maria do Carmo Rodrigues

Um dia,
Quem sabe...
Te encontro
Te olho
Desejo.

Percebes
Se aproxima
Me abraça
Me afaga
Me beija
Te quero, feliz!
Te amo!

92
Venha!
Maria do Carmo Rodrigues

Chega aqui
Bem pertinho de mim!
Venha buscar qualquer coisa
Arranje um pretexto para chegar
Venha!
Venha sentir o meu calor
E aquele amor, que eu
Guardei para lhe dar!
Venha se permitir, dar-se por inteiro.
Tenho pra você um amor verdadeiro!
Venha! Venha amar!
Nem que seja por um segundo
O maior amor do mundo
Venha! Nesse momento tão especial
Para ser um amor sem igual
Venha!

93
Meu pensamento
Maria do Carmo Rodrigues

Meu pensamento,
Sempre acaba encontrando-o
Naquela imagem que
Guardei pra mim.

Ele é desobediente,
Vai aonde você estiver
Se ajeita... acomoda no seu peito,
Sente o aperto do seu abraço...
Apaixona-se, sempre
Leva-me até você.

Meu pensamento
Quando está em você... é seu.

94
Cena de puro amor
Maria do Carmo Rodrigues

Alguém já viu esta cena?

Ela passa na tela do tempo,


Tem a mágica do cinema
Tem como o teto o firmamento
O enredo está escrito no vento.

Enquanto a chuva cai... fina, fininha...


Refazendo a cortina do cenário,
Carícias e beijos ardentes,
Olhares e palavras confidentes,
São cenas daquele momento.

Na praça de uma pequena cidade,


Ao lado de um monumento sagrado
Que se remete ao Cristo no calvário,
Abençoado é aquele momento!

95
Quero você assim!
Maria do Carmo Rodrigues

Quero você assim,


Bem pertinho de mim,
Com amor de querubim.

Um amor sereno,
Um lugar pequeno,
Um segredo qualquer
Para sentir-me mulher.
Um palpitar no coração
Para aumentar a emoção
Um beijo eloquente
Que arde na pele da gente.

Um pedido, um sussurro
Para o lugar ficar mais seguro.
Um carinho bem de levinho
Que atiça por dentro, devagarinho
Você inteiro
Pode ser em janeiro
ou fevereiro.
Mas quando vier,
para ser sua mulher
tem que ser assim
bem pertinho de mim
Com um amor de querubim.

96
Silêncio da noite
Maria do Carmo Rodrigues

Noite calada, intensa!


Só meu pensamento
circunda pelo quarto.
Procuro você.
Seus olhos ... luz.
Procuro seu corpo... calor
que é amor
Sua mão... segurança de lhe
ter
Procuro o pulsar de suas veias...
o viver
Ao seu lado,
Em tempo qualquer
Onde estiver...
lá estarei
Apenas quero lhe encontrar
Onde você está?
Noite calada, intensa!

97
Toda manhã
Maria do Carmo Rodrigues

O dia se levanta...
Com cheiro de orvalho
Na folha da hortelã,
E com os primeiros raios de sol
Desabrocha a flor da manhã

O sol vem chegando


mansinho
Seus raios entram pela fresta
da janela,

Sorrateiro aos meus ouvidos


Murmura
E preciso abrir a janela,
devagarinho.

Canta o sabiá, é despertar!


Acorda o sol, para aquecer o ar
Vem com o vento a brisa do além-mar
Desabrocha a flor, para o perfume exalar.
E todo amor de Deus para encantar!
E assim acorda meu corpo
Meu coração, meu pensamento
Com uma vontade imensa de te amar!

98
Quando te vejo?
Maria do Carmo Rodrigues

Sempre!
Me vês no sol, na água, no vento, na terra, no firmamento.
Me vês no calor do teu corpo
Na força do teu abraço.
Me vês habitando a tua boca
No sabor do teu beijo
Me vês agora vibrando de contentamento...
Me vês no afago inesquecível das tuas mãos,
Me vês na poesia
Ao acordar, no amanhecer do dia.
Me vês no ontem, no hoje, no amanhã
Na tarde que prenuncia a noite ou na manhã da primavera.
Me vês naquela lua
Que circundava a torre da capela
No último degrau da escadaria...
No desejo, na fantasia.
Me vês assim
Cantando, versando a poesia que mora dentro de mim.
Me vês quando quiseres!

99
Eu e você
Maria do Carmo Rodrigues

Apago a luz
Estamos juntos
Eu e o silêncio!
Tão só,
Que permite meu pensamento circundar o espaço.
O mundo... a escuridão. Viajo no silêncio em busca de você,
Com sede do seu amor.
Vejo você...
Numa penumbra que me acalma,
Imagino todas as confidências,
Os sussurros, as carícias.
Imagino todas as peripécias de um amor arrebatador...
Não basta aquele pedaço de mundo...
Busco você em outras paisagens,
Busco você em outros momentos
Outro mundo da imaginação...
Envaidecida em tê-lo, só meu,
Adormeço
Embalada pela sua busca,
Nos braços do silêncio
Ouvindo a música longínqua
Que você cifrou pra mim,
Naquele silencioso momento...
Único
Do eu e você.

100
Há um segredo bem maior...
Maria do Carmo Rodrigues

Na manhã que acorda,


Tremendo de frio...
No coração que se entrega,
Num instante... vazio!
Há um segredo bem maior....
Na tarde que arde
Em labareda sem par,
Na noite que chega,
Saudando o luar!
Há um segredo bem maior...
No dia que finda,
Sem tempo, calado,
No momento mais lindo,
Do beijo roubado!
Há um segredo bem maior...
Nos olhos chorando,
Pela cousa mais linda...
Nos amantes se entregando,
Num desejo infindo!
Há um segredo bem maior...
Na flor que se abre,
Na aurora do dia...
No suspiro profundo
Do último segundo!
Há um segredo bem maior...
Nas frases perfeitas
Do livro do amor,
Nas páginas da vida
De um escritor!

101
Um dia quem sabe?
Maria do Carmo Rodrigues

Um dia, quem sabe?


Descubro você!
Fitando seus olhos
Desvendando seu ser!

Vou logo habitar, o vazio da sua alma


Que aflita, sem calma parece sofrer!

Mergulhar no seu âmago,


Revirar sem apresso
As entranhas calcadas
Encontrar seu avesso!

Buscar para você, o eco perdido


Que o grito contido, não gritou por você.

Me banhar no perfume do seu frasco lacrado


Que por falta de abrir, nunca foi exalado.

Trazer pra você, o brilho da estrela


Que em noite nublada, ficou resguardado.
Provar na sua boca, o gosto insosso
Do beijo que nunca foi dado.
Secar com prazer, a lágrima caída, do rosto cansado,
De um amor não vivido,
Mas no corpo marcado.

Um dia quem sabe! Eu descubro você!

102
PAULO PARANHOS
Cadeira no 7
Patrono: Diogo de Vasconcelos
Presidente da Academia Caxambuense de Letras: 2008-2010
Nascido na cidade do Rio de Janeiro, é cidadão caxambuense.
Bacharel em Direito e em Museologia. Licenciado em História
e em Letras. Mestre em História. Pós-graduado em Revisão de
Textos. Membro efetivo do Instituto Histórico e Geográfico de
Minas Gerais, da Academia Teresopolitana de Letras, da
Academia Luso-Brasileira de Letras, do Instituto Genealógico
do Sul de Minas Gerais. Autor de 35 obras, dentre as quais: Os
lindes das Gerais: formação do território sul das Minas Gerais;
História de Caxambu para jovens; Pelos caminhos de Caxambu:
história dos personagens que deram nome às ruas da cidade;
Terras Altas da Mantiqueira: caminho do ouro das Minas
Gerais; São Jerônimo: um historiador da Igreja na Antiguidade
Tardia; Hildegarda de Bingen, mística santa.
103
O Teatro em Caxambu
Paulo Paranhos

No dia 12 de outubro de 1954 foi fundado o


Departamento de Teatro do Clube Recreativo Atlético
Caxambuense (CRAC), numa iniciativa de Luiz Silveira,
Manoel Santos e Naif Rafael. Este último, por sinal, foi quem
me deu todas as informações sobre a trajetória daquela
companhia amadora de teatro e que tanto encantou, divertiu e
emocionou não só o público de Caxambu como, principalmente,
os turistas que para aqui acorriam entre 1954 e 1960.
Dentre tantos que participaram daquele grupo, também
se destaca o apoio técnico às apresentações: Cerny
(contrarregra); Oto Roza (sonoplasta); Gino Peterle e José
Silveira (cenógrafos); Duarte Brochado (guarda-roupas); Álvaro
Ramos e José Rosa (eletricistas); Noé Sacchi Gomes, Aluisio
Menezes e José da Rocha (maquinistas); Silvia Figueiredo,
Silvio Ferreira e Cacilda Marques (maquiadores). Luiz Silveira
era o Diretor do Departamento de Teatro e Diná Menezes a
subdiretora do Departamento Feminino.
A partir de sua criação, dezenas de peças de renomados
autores nacionais e internacionais foram levadas a efeito, com
destaque para a comédia em 3 atos “Cala a boca, Etelvina”, de
Armando Gonzaga; “Morre um gato na China”, uma divertida
comédia em 3 atos do afamado novelista Pedro Bloch.
No período de outubro de 1954 a outubro de 1955 foram
montadas 11 peças, sendo 33 representações (3 de cada peça).
Naif Rafael (então tesoureiro do grupo e ator) em 25 de outubro
de 1955 expressava o agradecimento do grupo teatral ao então

104
Presidente do CRAC, Walter Toledo Menezes, que acreditou e
incentivou essa significativa célula de cultura na cidade de
Caxambu. Da mesma forma, ao Governador eleito do Estado de
Minas Gerais, Dr. José Francisco Bias Fortes, que, estando em
Caxambu com a família, prestigiara o espetáculo “O divino
perfume”, de Renato Vianna, encenado em 24 de outubro
daquele ano.
A peça “Deus lhe pague”, de Joracy Camargo, foi por
diversas vezes interpretada, da mesma forma que “O último
Natal”, de Amaral Gurgel, um “verdadeiro cavalo de batalha”,
na expressão de Naif Rafael.
Dentre os atores mais constantes do grupo teatral
estavam o próprio Naif Rafael, Luiz Silveira, Genilda Peterle e
Americana Silveira, esta, segundo o próprio Naif, com talento e
beleza incomuns. Admirados pelo público da cidade, como
também, e principalmente, pelo público em trânsito nos hotéis
de Caxambu, o Grupo de Teatro do CRAC foi alvo de aplausos
e elogios os mais diversos, mesmo porque encenava peças,
inclusive, para eventos especiais ocorridos na cidade, assim
como Convenções do Rotary Clube e a 5ª Semana do Cinema
Brasileiro, aqui acontecida em abril de 1956. Isso mesmo!
Caxambu já sediou a Semana do Cinema Brasileiro, evento que
após alguns anos transferiu-se para a cidade de Gramado, no Rio
Grande do Sul.
Encenando grande número de peças entre os anos de
1954 e 1960, o grupo mereceu aplausos acalorados das mais
variadas plateias. Exemplo disso, quando da realização da 5ª
Semana do Cinema Brasileiro, em abril de 1956, aqui estiveram
personalidades marcantes do cinema e do teatro brasileiros.

105
Gilda de Abreu e Vicente Celestino naquela ocasião
foram enfáticos: Encontramos no Teatro do CRAC um grupo de
artistas que nos emocionaram profundamente pela disciplina e
entusiasmo que se sentia durante toda a bela peça ontem
representada. É por isso que deixamos aqui impresso o nosso
grande entusiasmo.
Outro expoente do cinema nacional, Anselmo Duarte, na
mesma ocasião e pela mesma peça encenada – “Os transviados
ou o Último Natal”, de Amaral Gurgel –, assim se manifestou:
Assisti à representação da peça “Os transviados” pelos artistas
do CRAC. Um espetáculo digno da plateia mais exigente, pois
os artistas que tive a imensa satisfação de ver representando são
melhores que muitos profissionais e dignos do aplauso do
público mais exigente do Brasil. A esses rapazes que dirigem o
CRAC e aos magníficos artistas os meus mais sinceros
parabéns. Nessa oportunidade, o grupo teatral se fez representar
por Luiz Silveira, Francisco Castilho, Diná Menezes, Manoel
Santos, Americana Silveira, Naif Rafael e Duarte Brochado.
Considerada um outro “cavalo de batalha” a peça
“Irene”, de Pedro Bloch, foi encenada por diversas vezes em
ambiente doméstico e em outros locais, assim como em Cruzília,
Baependi, Lambari e São Lourenço. No entanto, dignas de nota
foram as apresentações em Caxambu em duas oportunidades: a
primeira delas, no dia 28 de outubro de 1956, homenageando
Eliza Guedes e Alda Mello, ambas por terem conquistado o
título de “campeãs mineiras de tênis”, nas modalidades simples
e dupla feminina; a segunda, nos dias 29 e 30 de janeiro de 1957,
em benefício da construção do monumento ao Cristo Redentor

106
no alto do Morro do Caxambu. Em ambas as representações, a
equipe teatral era secundada no ponto por Salma Sarkis.

A peça “Irene”, vendo-se em cena


Álvaro Clébicar, Americana Silveira e Diná Menezes

Genolino Amado foi outro grande autor teatral que


honrou com o seu nome peças encenadas pelo grupo amador do
CRAC. Nascido em Sergipe, membro da Academia Brasileira
de Letras, foi um dos mais afamados teatrólogos brasileiros do
século XX, apresentando um consagrado programa na Rádio
Nacional intitulado “Crônica da Cidade”. A peça “Avatar”, de
sua autoria e escrita em 1948, é uma comédia em 3 atos,
inspirada num conto de Theóphile Gauthier, sendo na ocasião de
sua estreia o papel de Lúcia – a personagem principal da peça –
interpretado pela talentosa Alice Silva.
“Compra-se um marido” também merece registro:
comédia em 3 atos, de autoria de José Wanderley, várias vezes

107
encenada, merecendo o aplauso acalorado de veranistas e
residentes de Caxambu. A foto a seguir mostra uma cena do 2º
ato, estando presentes na mesma Álvaro Clébicar, Genilda
Peterle e Naif Rafael.

A presença do teatro em nossa cidade, nos chamados


“Anos Dourados” da cultura brasileira, foi uma agradável
realidade, devendo-se mencionar o apoio incondicional sempre
emprestado por Júlio Pereira, então proprietário do Hotel
Caxambu, não fosse ele um ex-ator do cinema português, tendo
atuado com grande destaque no longa metragem “Camões”,
produzido no ano de 1946, interpretando um dos amigos de Pero
de Andrade Caminha.
Lembramos, também, por dever de justiça, de outros
artistas que representaram no grupo teatral do CRAC, para que
a posteridade reconheça o esforço e o valor de cada um deles:
Álvaro Ramos, Dóra Luz, Elba Brochado, Elza Dauanny,
Genovena Máximo, Ilma Ferraz, Lúcia Magalhães, Maria do

108
Carmo, Marília Caldas, Nilza Menezes, Paulo Sacramento,
Rilma Viotti e Ubirajara Mosqueira, além da competente
participação de José Pereira Dantas como cenógrafo, garantindo
a todos os espetáculos uma qualidade digna das grandes casas
teatrais de outras praças.
Além das peças assinaladas anteriormente, dignas de
nota são: “Cala a boca, Etelvina”, uma comédia de Armando
Gonzaga; “Retalho”, um melodrama em 3 atos traduzido por
Dário Nicodemi; “O Isidoro”, comédia em 3 atos, de João
Garrucha; “Morre um gato na China”, comédia em 3 atos, de
Pedro Bloch; “Se Anacleto soubesse”, comédia em 3 atos, de
Paulo Orlando; “Aconteceu naquela noite”, em 3 atos, de autoria
de J. Wanderley e D. Rocha; “O diabo enlouqueceu”, comédia
de Paulo Magalhães, em 3 atos; “Apuros de um coronel”,
comédia em 2 atos, de autoria de Teixeira Pinto; o afamado
“Deus lhe pague”, do consagrado dramaturgo Joracy Camargo e
a internacionalmente conhecida “Casa de Bonecas”, do
dramaturgo norueguês Henrik Ibsen, que mereceu, após a sua
apresentação, o seguinte comentário do então Presidente do
Conselho Deliberativo da Associação Paulista de Imprensa:
Nada mais fácil do que elogiar o grupo de teatro amador do
CRAC nesta apresentação. Seus intérpretes deram uma
demonstração de conhecimento de teatro que muitos
profissionais gostariam de possuir. Posso afirmar, dentro da
experiência que possuo, que os amadores do teatro de Caxambu
farão sucesso em qualquer cidade onde o teatro seja mais
difundido. Desejo felicitar o CRAC e, em particular, o diretor
artístico, Júlio Pereira, a quem se deve, como é óbvio, muito
desse sucesso, senão todo.

109
Wilson Grey, um dos mais conceituados atores
nacionais, também esteve em Caxambu, por ocasião da 5ª
Semana Nacional do Cinema, e, na oportunidade, deixou
gravado o seu depoimento com relação ao teatro do CRAC:
Assisti à representação dos artistas amadores do grupo
C.R.A.C. em companhia dos meus companheiros do Rio e
confesso sem querer agradar que fiquei verdadeiramente
impressionado com a representação desses jovens que merecem
toda admiração não só do povo local como de toda cidade onde
a cultura penetrou. Termino pedindo a Deus sinceramente que
ajude estes jovens já que as nossas autoridades não o fazem.
Wilson Grey, cujo nome verdadeiro era Wilson Chaves, nasceu
no Rio de Janeiro em 1923 e ali faleceu em 1993; foi o ator
brasileiro com a maior filmografia, construída em mais de 40
anos de trabalho, e tem seu nome inscrito no Guiness Book.
Em 1956, também por conta da já mencionada Semana
Nacional do Cinema, um outro famoso casal daria suas
impressões sobre o teatro amador do CRAC: a consagrada
acordeonista Adelaide Chiozzo e seu marido, o musicista Carlos
Mattos, que assim se expressaram sobre o nosso grupo teatral:
Vivemos a grande satisfação de assistirmos à peça Irene.
Satisfação esta causada pelo desempenho dos artistas que dela
participaram. Fazendo votos de crescente êxito em suas
representações futuras, aqui deixamos nossas assinaturas,
assinaturas estas portadoras dos melhores votos de boa sorte.
Carlos Mattos nasceu no Rio de Janeiro em 1926 e ali faleceu
em 2006; era violonista e professor de violão; Adelaide Chiozzo
nasceu na cidade de São Paulo em 1931. Participou de grande
número de filmes da extinta Atlântida, quase sempre na

110
companhia de Oscarito, Grande Otelo, Ivon Curi e Eliana.
Adelaide participou de algumas novelas na televisão, sendo o
seu último trabalho em “Feijão Maravilha”. Recebeu da Revista
do Rádio o título de “Namoradinha do Brasil” (muito antes de
Regina Duarte, diga-se de passagem).
Também dignos de notas foram os depoimentos
consignados pela professora de teatro da Escola Celestino da
Silva, do Rio de Janeiro, Juranda das Dores Gomes; da
professora Yara Perdigão-Drapier, de São Paulo e do casal
Arthur Donato e Hermínia Faro Donato, que passaram as suas
bodas de 35 anos de casamento em Caxambu: É
verdadeiramente encantador encontrar-se n’um meio fraco de
recursos, o ânimo entusiasta de um grupo de estudiosos para a
realização de um templo de arte como o que nos foi dado
apreciar no espetáculo desta noite. Sobre este casal, ainda cabe
uma anotação: o grande escritor Pedro Nava, em sua obra Chão
de ferro, lembrou, através de um dos seus personagens, sua
intimidade com o general Silva Faro, pai de Arthur Donato,
traçando uma bela estampa da moça: Hermínia tinha olhos de
água-marinha.
Grandes nomes, grandes atrações, inegáveis e
inquestionáveis participações artísticas, tudo isto foi o reflexo de
uma Caxambu de tempos passados, passados...

111
ROBERTA RIHÖLÈ FULANI

Roberta Nogueira da Silva Oliveira (Roberta Rihölè Fulani -


@robertariholefulani) é caxambuense, licenciada em Letras e
Filosofia (UNINCOR/ UNINTER), especialista em Terapia
Floral (IBRA), pós-graduada em Design Instrucional para EaD
Virtual (UNIFEI), MBA em Diplomacia e Relações
Internacionais (UNINTER). E, no momento, é bacharelanda de
RI nessa última. É professora efetiva da SEE – MG, onde leciona
nas séries finais do Ensino Fundamental. Estuda e pesquisa
assuntos referentes à diáspora africana e à sua ancestralidade.
Escreve e faz revisões desde adolescente, tendo textos
publicados pela Revista Nosso Amiguinho (Casa Publicadora
Brasileira) e várias mídias sociais. É membro efetivo da
Academia Caxambuense de Letras desde 2015 e ocupa a Cadeira
de número 15, patronímica de Joaquim Gonçalves Lêdo.

112
A calçada
Roberta Rihölè Fulani

riscada
de amarelinha
as pedrinhas
pulando
em cada
quadro
de giz
(ampulheta
infância
a marcar) ...
E nossos pés
_ crianças
em
pleno
voo
até chegar
no CÉU.

113
Dessa vez...
Roberta Rihölè Fulani

Ele deu pulos


De polichinelo,
brincou de cantigas,
passar anel...
E adoçou as línguas
no beijo
que enfim aconteceu.
Então...
Mais outro travesseiro,
amor crescendo
para ser inteiro.
Foi assim.

114
Na chávena
Roberta Rihölè Fulani

O líquido.
No bule, mais cores.
A língua, o gosto,
o gesto...
Sabores tantos
por sentir.
É sede
é fome
desejo
é gosto
querer
um tanto
é gozo
enfim.

115
Pari luxúrias
Roberta Rihölè Fulani

Pari luxúrias
quis ter você.
Abri meu ventre à prece
de tocar
minh’alma na sua
e os seus lábios
nos meus.
Lancei conjuros
e me joguei na reza
de amoramigo,
abrigo
em versos seus.

116
Sempre Alice
Roberta Rihölè Fulani

— Ela acordou?
— Sim... E nem se levantou.
— Será que ela já sabe...
— Não sei.
— ... que não é esse um país de maravilhas?
— Não há coelho para contar.
— Nem chapeleiro e nem xícara de chá.
— Há vozes que se calaram.
— E quantas outras por calar?!
— Talvez ela não saiba.
— Alice onde está?
— Ela não sabe.
— E não quer acordar.
— Não sabe.
— Deixe Alice.
— Será?
— É preciso deixá-la.
— Ela está só.
— Deixe Alice! Ela tem a chave.
E só ela tem
um caminho
de volta.

117
Tenho nove anos...
Roberta Rihölè Fulani

Minha cadeira de escola balança


para lá e para cá.
Para cá e para lá.
A mochila não cai,
a cadeira não cai.
Por dias, semanas...
Para cá
e para lá,
eu não caio.
Para cá e para lá.
Eu não caio.
Tenho nove anos.
E tempos depois,
EU
me levanto!

(Sobre isso e o que veio antes e depois.)

118
119
120

Você também pode gostar