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INSALUBRIDADE E PERICULOSIDADE

Aspectos da monetização do risco do trabalho no Brasil


e a questão da cumulação destes adicionais
Universidade de Fortaleza – Unifor
Pós-Graduação em Engenharia de Segurança no Trabalho
Disciplina: Legislação Trabalhista e Previdenciária
Professor: Luís Freitas
Aluno: Kleber do Nascimento Silva

1. Introdução
Este trabalho foi desenvolvido como parte da avaliação proposta dentro da disciplina
Legislação Trabalhista e Previdenciária, ministrada pelo Prof. Luis Alves de Freitas Lima,
em janeiro/2022, dentro do Curso de Pós-Graduação de Engenharia em Segurança do
Trabalho – Turma 32 – da Universidade de Fortaleza-Unifor.
Este tema merece um olhar mais atento por tratar-se de um assunto extremamente
relevante, repleto de peculiaridades e fonte de discussões polêmicas no seio das
organizações, bem como no meio jurídico, dentro da própria legislação trabalhista
brasileira.
O texto apresentado não tem a pretensão de tomar o perfil de um artigo científico.
Ocupa-se, tão somente, de um levantamento bibliográfico no sentido de costurar ideias
em torno da matéria proposta.
A ideia inicial para esta abordagem é, primeiramente, entender o significado dos
principais termos contidos no título que, a princípio, podem parecer um tanto óbvios:
insalubridade e periculosidade. Esta seria uma forma de tratar do assunto começando a
examiná-lo por partes e considerar o contexto delimitado por estes vocábulos. Uma
compreensão prévia destas palavras pode nos revelar caminhos mais seguros.
Em um segundo instante, faz-se necessário entender as origens históricas destes
protagonistas e saber como eles desembarcaram em nosso país e foram criando raízes
dentro das organizações. O passado, quase sempre, ajuda-nos a entender o presente.
Dando prosseguimento, tenta-se acender algumas luzes sobre o capítulo da
cumulação destes adicionais dentro do salário dos trabalhadores, tentando ver os dois
lados da moeda, bem como a questão da monetização dos riscos do trabalho em nosso
país.
Na sequência, o tema nos leva ao entendimento e o posicionamento destes aspectos
trabalhistas por parte de outros países.
Por fim, são apresentadas algumas opiniões pessoais com base nas leituras
realizadas.

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2. Insalubridade e periculosidade – o que estes termos têm a nos dizer?
De acordo com o Dicionário Michaellis, quando falamos em insalubridade estamos
tratando do caráter ou da qualidade de algo insalubre. Etimologicamente, o termo
provém do latim:
– in – prefixo que denota negatividade;
– salubris – “o que faz bem à saúde, salubre”; e, por sua vez, salubre , provém de
salus ou “saúde”.

Na esfera jurídica:
“Atividade insalubre é aquela prejudicial à saúde, que pode causar doença. Para que
seja caracterizada a insalubridade, o obreiro deve ficar exposto a agentes nocivos a sua
saúde, de forma que essa exposição seja acima dos limites de tolerância fixados em
razão da natureza e da intensidade do agente e do tempo de exposição; caso esta esteja
nos limites de tolerância, não há direito ao adicional”. (Direito.net)
Art . 189 - Serão consideradas atividades ou operações insalubres aquelas que, por
sua natureza, condições ou métodos de trabalho, exponham os empregados a agentes
nocivos à saúde, acima dos limites de tolerância fixados em razão da natureza e da
intensidade do agente e do tempo de exposição aos seus efeitos. (CLT)
O trabalhador exposto a condições insalubres pode vir a receber um adicional que
varia entre 10%, 20% ou 40% do salário-mínimo regional, conforme o grau de exposição
ao agente seja mínimo, médio ou máximo, respectivamente.
E, conforme o Art. 190 da CLT:

Art. 190 - O Ministério do Trabalho aprovará o quadro das atividades e operações


insalubres e adotará normas sobre os critérios de caracterização da insalubridade,
os limites de tolerância aos agentes agressivos, meios de proteção e o tempo máximo
de exposição do empregado a esses agentes.
O adicional de insalubridade é regulamentado pela Norma Regulamentadora nº 15
(NR 15), da Portaria nº. 3214/1978, do Ministério do Trabalho, com última atualização
em 09 de dezembro de 2019.
Por sua vez, ainda de acordo com o Dicionário Michaellis, quando falamos em
“periculosidade”, estamos nos referindo a algo que possui a qualidade ou o estado de
ser perigoso. O termo provém do latim:
– Periculum: “tentativa, risco, perigo”, da raiz PERI, “testar, tentar”;
Na esfera jurídica:
Art. 193. São consideradas atividades ou operações perigosas, na forma da
regulamentação aprovada pelo Ministério do Trabalho e Emprego, aquelas que, por sua
natureza ou métodos de trabalho, impliquem risco acentuado em virtude de exposição
permanente do trabalhador a:

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I - inflamáveis, explosivos ou energia elétrica;
II - roubos ou outras espécies de violência física nas atividades profissionais de
segurança pessoal ou patrimonial. (CLT)
O trabalho exposto a condições de periculosidade assegura o direito ao recebimento
de um adicional de 30% sobre o salário-base do empregado.
O adicional de periculosidade é regulamentado pela Norma Regulamentadora nº 16
(NR 16), da Portaria nº. 3214/1978, do Ministério do Trabalho, com última atualização
em 09 de dezembro de 2019.
De acordo com a CLT, Art.195, § 2º, a caracterização da insalubridade (e, também,
da periculosidade) far-se-á por meio de perícia a cargo de Médico do Trabalho ou
Engenheiro do Trabalho, registrado no Ministério do Trabalho e Emprego.

3. Onde e quando surgiu esta prática? – Um breve histórico no Brasil e no Mundo


Historicamente, quando em meados do século XVIII, a Revolução Industrial teve seu
início na Inglaterra, marcando a passagem do feudalismo para o capitalismo, ficou clara
a percepção de que as relações trabalhistas não seriam mais as mesmas e o mundo teria
seu rumo alterado em diversos aspectos.
Àquela época, era muito fácil encontrar trabalhadores (homens, mulheres e crianças
de muito pouca idade) trabalhando sob as mais diversas e desumanas condições
ambientais (baixa luminosidade, temperaturas extremas, sem ventilação e barulho
ensurdecedores das máquinas), jornadas de trabalho muito além das limitações físicas
pessoais, atrelados a salários indignos à condução de uma vida sustentável.
O quadro, que se configurava com a face mais terrível do capitalismo selvagem, criou
um terreno fértil para o surgimento de movimentos da sociedade e de grupos
organizados em busca de melhores condições dentro do trabalho.
Os mexicanos partiram na frente quando, em 1917, incluíram direitos trabalhistas
em sua Constituição, contemplando, também, a proteção contra acidentes de trabalho.
O intuito inicial de um adicional de insalubridade no salário dos trabalhadores era
proporcionar uma alimentação que suprisse as necessidades calóricas dos empregados.
No entanto, este expediente não retirava das empresas a responsabilidade de propor
condições mais adequadas para o trabalho. A princípio, doenças ocupacionais não eram
levadas em consideração no passado.
Duas importantes iniciativas que vieram somar esforços bastante significativos para
a vida do trabalhador, especialmente no que diz respeito às suas condições de liberdade,
proteção contra o desemprego, equidade, segurança, decência, condições justas e
dignidade, onde os aspectos deste estudo – insalubridade e periculosidade – encontram
lugar, são:

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• A criação da Organização Internacional do Trabalho (OIT), em 1919, como parte
do Tratado de Versalhes, que pôs fim à Primeira Guerra Mundial;

• A Declaração Universal dos Direitos Humanos (1948);

No Brasil, a revolução industrial teve seu início no final do século XIX e começo do
século XX, tornando-se um verdadeiro marco no que diz respeito aos aspectos
econômicos e sociais, e provocando um grande impacto na Saúde e Segurança no
Trabalho. O país dava os seus primeiros passos rumo ao crescimento, porém pagando
um preço alto por meio da saúde e da segurança dos trabalhadores.

“Os polos industriais se erguiam estruturalmente em galpões e locais improvisados


sem as mínimas condições de higiene e qualidade. As máquinas eram rústicas e de
grande porte, proporcionando condições inseguras para seus operadores. O uso
indiscriminado de produtos químicos e agentes de riscos ocupacionais, como poeiras
minerais e poeiras metálicas, expunham os trabalhadores sem a devida proteção a
ambientes que hoje são caracterizados como insalubres. Os resultados deste cenário
foram mortes, mutilações e adoecimentos dos trabalhadores”. (Conteúdo Jurídico)

1936 – o adicional de insalubridade foi criado no Governo de Getúlio Vargas, pela


Lei nº 185, de 14 de janeiro de 1936, nos seguintes termos:

Art. 2º Salário-mínimo é a remuneração mínima devida ao trabalhador adulto


por dia normal de serviço. Para os menores aprendizes ou que desempenhem
serviços especializados é permitido reduzir até de metade o salário-mínimo e para
os trabalhadores ocupados em serviços insalubres e permitido aumentá-lo na
mesma proporção.

1940 – Decreto-lei 2.162, de 1 de maio de 1940, primeiro diploma legal a instituir


a monetização do risco do trabalho, o qual estabeleceu em seu artigo 6º adicionais de
40%, 20% e 10% sobre o salário-mínimo, a título de insalubridade, de acordo com os
graus máximo, médio e mínimo;

1943 – a Higiene do Trabalho ganhou um capítulo específico com a criação


da CLT (Consolidação das Leis do Trabalho) no Governo de Getúlio Vargas pelo
Decreto-Lei nº 5.452, de 01 de maio de 1943;

1955 – no Governo de Juscelino Kubitschek surge o adicional de periculosidade


estabelecendo um acréscimo nos salários dos trabalhadores que exerciam atividades
em contato permanente com inflamáveis, em condições periculosas;

1968 – no Governo de Artur Costa e Silva, período em que foi decretado o AI-5 e
lançada a política que deu origem ao chamado “milagre econômico”, engenheiros e
médicos começaram a ser nomeados para caracterizar a insalubridade nos locais de
trabalho;

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1978 – sob o Governo do presidente Ernesto Geisel, surge a NR-15 (Norma
Regulamentadora nº 15), Atividades e Operações Insalubres, que define o que deve
ser considerada atividade insalubre e está em vigor até hoje. A norma
regulamentadora foi originalmente editada pela Portaria MTb nº 3.214, de 8 de junho
de 1978, estabelecendo as “Atividades e Operações Insalubres”, de forma a
regulamentar os artigos 189 a 196 da Consolidação das Leis do Trabalho - CLT,
conforme redação dada pela Lei n.º 6.514, de 22 de dezembro de 1977, que alterou o
Capítulo V (da Segurança e da Medicina do Trabalho) da CLT .
No decorrer do tempo, os adicionais de remuneração para atividades insalubres e
periculosas foram parar no Art. 7º, inciso XXIII, de nossa Constituição Federal de 1988,
com a seguinte redação:
Art. 7 São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à
melhoria de sua condição social:
XXIII - adicional de remuneração para as atividades penosas, insalubres ou perigosas,
na forma da lei;

4. Adicionais de insalubridade e periculosidade: a cumulação é possível?


Basicamente, a polêmica no que diz respeito à cumulação de adicionais de
insalubridade e periculosidade gira em torno do que dispõe o parágrafo 2º do artigo 193
da Consolidação das Leis do Trabalho, o qual não permite o recebimento simultâneo dos
dois adicionais.
No entendimento da 2ª Turma do Tribunal Superior do Trabalho (TST) estes
adicionais não são cumuláveis, reafirmando a jurisprudência pacífica da Corte.
Segundo a advogada Fernanda Rochael Nasciutti, da área de Direito Trabalhista
(BMA Advogados/RJ), esta decisão mostrou-se salutar por refletir a jurisprudência da
maioria dos tribunais trabalhistas, uma vez que a questão impacta sobremaneira o
passivo trabalhista das organizações que lidam com atividades que contemplam estes
adicionais. Considera que “a cumulação dos adicionais não se sustentava inclusive
porque, no fim do dia, o bem tutelado é o mesmo: a saúde e vida do trabalhador”.
Cabe ressaltar, ainda, que no caso específico do adicional de insalubridade, a NR15,
em seu item 3, dispõe que “no caso de incidência de mais de um fator de insalubridade,
será apenas considerado o de grau mais elevado, para efeito de acréscimo salarial,
sendo vedada a percepção cumulativa”. Em outras palavras, constatada a presença de
mais de um agente nocivo à saúde, deve-se optar pelo adicional relacionado ao agente
mais nocivo.
No entanto, outros tribunais, como o Tribunal Regional do Trabalho da 3ª Região
(TRT/MG), entendem que o trabalhador que realiza o seu trabalho com exposição a
riscos diversos (tanto a agente insalubre quanto a agente periculoso), teria direito a
receber os dois adicionais. O argumento utilizado baseia-se no fato de que as

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Convenções 148 e 155 da OIT – que admitem a cumulação no caso de exposição
simultânea a vários agentes nocivos – prevalecem sobre o artigo 193, §2º, da CLT, por
serem mais recentes.
Diante do ordenamento jurídico atual em nosso país, foi estabelecida jurisprudência
sobre casos em que o trabalhador faça jus aos dois adicionais, simultaneamente,
cabendo a este o direito de optar pelo auxílio pecuniário que lhe parecer mais vantajoso.
Em 06/03/2020, foi publicado o acórdão do Tribunal Superior do Trabalho (TST) do
Incidente de Recursos Repetitivos que definiu que a legislação brasileira estabelece a
vedação ao pagamento cumulativo dos adicionais de periculosidade e de insalubridade.
No julgamento do Incidente, decidiu o TST fixar a seguinte tese:
“o Art. 193, § 2º, da CLT foi recepcionado pela Constituição Federal e veda a
cumulação dos adicionais de insalubridade e de periculosidade, ainda que
decorrentes de fatos geradores distintos e autônomos”.
Além da reafirmação da vedação à cumulação de adicionais no Art. 193, §2º, da CLT,
em decisão tomada pelo TST, transcreve-se, abaixo alguns fundamentos que embasam
esta decisão na visão da Confederação Nacional da Indústria (RT Informa Nº11, de
março/2020):

• Ênfase na prevenção e na proteção à saúde do trabalhador, não na monetização


do risco
Outro aspecto de relevância na decisão foi que a afirmação de que o foco
da legislação é preventivo à saúde do trabalhador, e não na monetização dos
riscos. Reforçou-se, com isso, que o direito principal, garantido inclusive na
Constituição, é o direito à saúde. Assim, apenas supletivamente haveria o direito à
compensação monetária.
Destacou-se, também, que a Constituição em nenhum momento impede ou
restringe, especialmente por seu Art. 7º, XXII e XXIII, a vedação à cumulação de
adicionais estabelecida pelo Art. 193, §2º da CLT. Por isso, estando vigente lei que
veda a cumulação de adicionais, essa vedação deve ser respeitada.

• Convenções nº 148 e 155 da OIT não estabelecem cumulação de adicionais


O acórdão aponta também que as Convenções Internacionais da OIT (em
especial as de número 148 e 155) não fundamentam a pretensão de se estabelecer
a cumulatividade dos adicionais de periculosidade e de insalubridade, pois não
tratam desse ponto. Nesse sentido, ressalta a decisão que:
“as Convenções internacionais preocupam-se com a saúde do trabalhador
e a classificação de atividades. O enfoque é, portanto, nitidamente, preventivo,
para que a evolução tecnológica não torne, por exemplo, os limites previstos pelas
Normas Regulamentadoras brasileiras ultrapassados.” (trecho do acórdão do TST-
IRR-239-55.2011.5.02.0319, Ministro Redator designado, p. 33).

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• Segurança Jurídica
A decisão reafirmou que há lei e jurisprudência sobre a não cumulatividade
dos adicionais consolidados desde a promulgação da Constituição Federal de 1988
e da internalização das Convenções 148 e 155 da OIT. E, desde então, não houve
qualquer alteração legal ou no quadro social para justificar uma nova
interpretação da lei que simplesmente amplie a remuneração dos trabalhadores.
A posição tomada pelo TST em 2020 representa, assim, um divisor de águas sobre
as decisões futuras em que se apoiarão os tribunais brasileiros no que tange a este
assunto. Até então, o tópico era bastante controverso e, apesar de tudo, não deixou de
ser.

5. Monetização do Risco de Trabalho

Na esteira das discussões levantadas sobre a cumulação dos adicionais de


insalubridade e de periculosidade surgiu a preocupação com outro aspecto deriado: o
fantasma da monetização do risco de trabalho.
Do ponto de vista da Confederação Nacional da Indústria:
“A decisão e a tese jurídica obrigatória do TST são importantes para se evitar o
aumento da monetização de riscos. Essa monetização é negativa para todos os
interessados nas relações de trabalho, pois estimula comportamentos que visam apenas
ao recebimento de compensação monetária (acréscimo salarial), em detrimento ao que
deveria ser o foco da legislação: a redução ou a eliminação dos riscos inerentes ao
trabalho”. (RT Informa Nº11, de março/2020)
O simples acréscimo de adicionais ao salário nos casos em que o trabalho é exercido
em condições insalubres ou perigosas, monetiza os riscos, conforme percentuais
previstos nos artigos 192 e 193 da CLT. A não monetização seria, portanto, a ausência
de adicionais.
Para facilitar o entendimento de como o país encarou este modelo até aqui, vale a
pena observar o histórico de fases por que passamos, conforme descrito em Estudos de
Relações do Trabalho realizado pela CNI em 2016:

• 1ª Fase (1830 a 1950): a medicina do trabalho resumia-se à preocupação com o


atendimento dos empregados que assim necessitassem, sem qualquer interferência
sobre as causas de doenças ou acidentes relacionados ao trabalho, apenas remediando
os danos resultantes dos riscos. No Brasil, este momento se deu mais tarde, mas
encontra grande evidência na instituição da Portaria MTE n. 3.273/1972, que impôs a
obrigatoriedade do serviço médico.

• 2ª Fase (1950 a 1970): evoluiu-se para o reconhecimento da necessidade de as


empresas se responsabilizarem pela prevenção dos riscos e pela mudança do ambiente

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de trabalho de uma perspectiva multidisciplinar que conjugou conhecimentos de
medicina, de engenharia, e do que mais se mostrasse pertinente para limitar a exposição
do trabalhador aos riscos. A criação do instituto do Serviço Especializado em Engenharia
de Segurança e Medicina do Trabalho, ilustra esse movimento.

• 3ª Fase (1970/aos dias atuais): cresce a preocupação com a (não) monetização


dos riscos do trabalho, juntamente com a ampliação do exame dos riscos com alcance
global do ambiente de trabalho, em oposição à simples definição dos limites de
exposição da fase anterior. As Convenções da Organização Internacional do Trabalho –
OIT n. 1552 e 1613 , que tratam respectivamente da Segurança e Saúde dos
Trabalhadores e dos Serviços de Saúde do Trabalho, são reflexos dessa terceira fase,
que, no Brasil, teve como marco maior a própria Constituição Federal de 1988, bem
como as Leis n. 8.080/1990, n. 8.212/1991, n. 8.213/1991 – embora o Brasil, tenha se
limitado a problematizar o aspecto do exame global dos riscos, mantendo a
monetização.

Cabe lembrar que, a Lei Orgânica da Previdência Social de 1960 reforçou a


monetização ao instituir a aposentadoria especial para aqueles que trabalhassem 15, 20
ou 25 anos em serviços considerados penosos, insalubres e perigosos, conforme
regulamentação do Poder Executivo.
Em 1968, quando o mundo já se encontrava em uma fase final da monetização do
risco de trabalho, nosso país dava apenas sinais de que tomaria o mesmo rumo. Havia
um indício de preponderância da prevenção dos riscos, bem como uma preocupação
sobre o fato de que estes adicionais poderiam ser questionados, levando em
consideração de que somente deveriam ser pagos caso não houvesse nenhuma forma
de eliminação das causas.
Transcorridos 10 anos, o país sofreu outro retrocesso com a Lei 6.514, de 22 de
dezembro de 1977, afirmando que os adicionais de insalubridade e periculosidade
deveriam ser pagos conforme os dispositivos contidos na Seção XIII – Das atividades
insalubres e perigosas – desta lei.
A Confederação Nacional da Indústria afirma que tendência verificada desde o início
dos anos 1990 é mais pela busca e pela preservação da qualidade de vida do
trabalhador, do que a busca pela contenção de riscos inerentes ao trabalho.
Para se ter uma ideia da relevância do problema, convém citar uma ocorrência
registrada em 2012, quando a 2ª Turma do TRT da 4ª Região reconheceu a condição de
monetização de riscos a que se prendem os adicionais, conforme acórdão a seguir:

“O pagamento de adicionais, em realidade, nem deveria existir, pois adotadas as


medidas de proteção e prevenção adequadas, os ambientes de trabalho seriam
sadios e seguros, ‘na medida do possível e razoável’, conforme a Convenção 155 da
OIT. Porém, o fenômeno da monetarização situa todo o sistema numa zona de
conforto que estimula, de um lado baixos investimentos para prevenção, pois a

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opção pelo pagamento dos adicionais é mais barata; e de outro a preferência dos
próprios trabalhadores de buscar atividades insalubres e perigosas para obter um
ganho salarial mais elevado. É evidente que ambas as situações são nefastas. Daí
que a maior oneração do gravame monetário é também uma forma pedagógica de
direcionar ao interesse pelo maior investimento em prevenção”.
O que se pode inferir da referida decisão é que:
“A monetização é uma política contraria a ideia de prevenção em segurança e
saúde no trabalho, o que se reforça com a cumulação, quando, na verdade, o melhor
seria buscar um afastamento dos aumentos salariais artificiais e uma aproximação
de políticas de educação e treinamento, bem como de prevenção, comprometendo-
se todos os interessados, empregador, empregado e Poder Público. Não obstante
compreenderem tal situação, a decisão citada acima, como também a já
mencionada jurisprudência minoritária do TST, optam pelo caminho mais fácil:
continuar com a monetização na expectativa de que a punibilidade tenha
eventualmente algum efeito sobre as causas do problema, sem considerar, por
exemplo, os graves e danosos aspectos previdenciários da questão, como por
exemplo os custos previdenciários com aposentadorias especiais. A intenção de
proteger o trabalhador da forma como ocorre hoje no Brasil certamente não se
cumpre. Interessante é que o mundo já mudou de estratégia e abandonou a
compensação financeira”. (CNI, 2016)
Enfim, se pretendemos chegar a um patamar melhor de aplicação de nossas leis
trabalhistas de uma forma mais justa para todos (Governo, Organizações e Sociedade),
precisamos observar, acompanhar, extrair lições e aprender com outros países mundo
afora.

6. Estratégias utilizadas em outros países – O que o mundo tem a nos ensinar?

A Confederação Nacional da Industria (CNI), em 2016, desenvolveu um estudo


de relações do trabalho que resultou na obra intitulada “INSALUBRIDADE E
PERICULOSIDADE NO BRASIL: A MONETIZAÇÃO DO RISCO DO TRABALHO EM SENTIDO
OPOSTO À TENDÊNCIA INTERNACIONAL”.
O trabalho demonstra com muita propriedade, entre outros tópicos, como os
países contornaram o pagamento de adicionais ou similares pelo trabalho em situações
de risco , afastando tanto da legislação como da prática nacional, esta situação nefasta.
A bem da verdade, esses países superaram o estabelecimento de incremento
salarial por trabalho em atividades insalubres ou perigosas em prol de estratégias
focadas na prevenção e/ou redução dessas situações.
A título de ilustração, o Capítulo 5 foi extraído na íntegra da publicação da CNI e
colocado como anexo da presente atividade. O capítulo traz um resumo dos principais

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aspectos em saúde e segurança ocupacional em alguns países selecionados por critérios
de tamanho, similaridade econômica e diversidade continental: África do Sul, Austrália,
Canadá, China, Espanha, Itália.
Os dados são de 2015, mas, ainda assim, é possível tem uma ideia clara sobre o
comportamento destes países perante o assunto em pauta, e perceber em que direção
sopram os ventos. Seguem, abaixo, os principais itens que serviram de comparação:

• Marco regulatório
• Deveres e responsabilidades de empregadores
• Dever de vigiar a saúde dos empregados
• Dever de vigiar o ambiente de trabalho e as práticas laborais
• Dever de fornecer equipamentos de proteção e de fiscalizar seu uso
• Deveres e responsabilidades dos empregados
Enquanto o mundo trabalha no sentido da prevenção com a respectiva redução
ou eliminação dos riscos, o Brasil transita na contramão, nadando contra a correnteza.

7. Conclusão

Estamos vivendo em um mundo onde muitas situações acontecem e se


estabelecem e, por vezes, não se sabe o porquê ou não se buscou descobrir alguma
razão plausível que explicasse sua continuidade.
No caso específico dos elementos aqui estudados – insalubridade e
periculosidade – envolvendo os aspectos da monetização do risco do trabalho no Brasil
e a questão da cumulação destes adicionais, uma das primeiras perguntas que vem à
mente é: por que este modelo se perpetua no Brasil?
Poderíamos considerar diversos fatores que contribuíram e ainda contribuem
para “justificar” o patamar em que nos encontramos. A partir de uma observação
minuciosa da história social, política e econômica de nosso país, podemos levantar
hipóteses com um grau de confiabilidade bastante elevado para tentar responder a esta
pergunta. Lembrando que estas esferas estão intimamente interligadas e em busca
dinâmica e constante pelo equilíbrio de forças.

Em diversos momentos históricos, os legisladores tomaram pra si a


responsabilidade de driblar situações de insalubridade e periculosidade, atrelada à
insatisfação coletiva dos trabalhadores, institucionalizando uma compensação
financeira como medida. Não havia uma intenção clara de eliminar toda e qualquer
situação que pudesse prejudicar a saúde dos trabalhadores ou isentá-los de um risco de
vida. Esta visão inicial torta sobre a situação ensejou o tratamento do mal não
combatendo as causas, e sim as consequências.

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Na esfera econômica, o que se verifica é uma repetição da história. É como se
estivéssemos ouvindo um disco arranhado, escutando quase sempre um mais do
mesmo, vivendo uma espécie de déjá vu (momento em que temos a nítida sensação de
que já vivemos algo parecido ou que já passamos por aquela situação antes). No
capitalismo instaurado, as empresas, naturalmente, tentam proteger e preservar seu
patrimônio, tentando a todo custo reduzir seus passivos trabalhistas.

Se é fato que a história é escrita por aqueles que detém o poder, a nossa continua
sendo escrita pelas minorias que se encontram na política e nas organizações
comerciais.

A terceira esfera, a sociedade e sua classe de trabalhadores, embora em maior


número de indivíduos, sofre ao longo do tempo em termos de falta de organização,
conhecimento e, consequentemente, força. Os sindicatos vêm ano após ano perdendo
este poder de representatividade e de negociação.

O contexto social, político e econômico pelo qual temos passado, envolvendo um


longo período de ditadura e culminando na democracia nos moldes que temos hoje,
ainda não foi suficiente para corrigir mazelas históricas deste tipo. Assistimos à criação
de um “mal necessário” – a monetização do risco de trabalho – que se encontra
engessado não só dentro das leis trabalhistas, mas, sobretudo, na consciência da classe
trabalhadora.

O trabalhador brasileiro foi “induzido”, digamos assim, a enxergar os incentivos


salariais, não como uma preocupação de seus superiores com sua vida e com sua saúde,
até porque os valores agregados em nada minimizam as condições adversas a que se
submetem ou em nada recuperam a saúde ou uma vida perdida. Na realidade, ele vive
uma ilusão de um salário melhor ou de uma aposentadoria precoce, mesmo que tenha
que pagar com a própria vida para consegui-los.

O que precisamos, afinal, para enfrentar uma situação como esta engendrada no seio
da sociedade, das organizações e dos poderes públicos em favor de uma condição
melhor para as partes envolvidas, sobretudo para o trabalhador, pilar importante nesta
construção?

Não é uma tarefa fácil, visto que muito do que existe atualmente precisaria ser
desmontado e reconstruído. A princípio, seria necessário o reconhecimento da face
perversa da monetização do risco de trabalho dentro desta estrutura tripartite.
Entender que, além da monetização não reconhecer e não estimular devidamente
investimentos em prevenção, ela preserva uma cultura de busca por atividades
perigosas e insalubres por parte do trabalhador que possam agregar algo a mais ao seu
salário no final do mês. Uma reforma trabalhista que contasse, sobretudo, com uma
participação significativa da sociedade, e não apenas de representantes do governo e
das organizações. Caso contrário, o modelo tenderia a continuar desequilibrado e
preservaria o status quo atual.

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A canção “Vai passar” composta por Chico Buarque no início de 1984, durante a
campanha pelas Diretas, retrata muito bem um quadro que infelizmente ainda se
repete...
“Num tempo
Página infeliz da nossa história
Passagem desbotada na memória
Das nossas novas gerações...
Dormia a nossa pátria mãe tão distraída
Sem perceber que era subtraída
Em tenebrosas transações”

O presente nos mostra que este tempo não passou e que continuamos a viver
no passado. Os filhos da pátria ainda “erram pelo continente, levando pedras feito
penitentes, erguendo estranhas catedrais” e se contentando com direitos minúsculos.

Enfim, nem tudo está perdido. Apesar dos pesares, podemos considerar diversas
alternativas que não foram aventadas no passado (ou se foram, não seguiram adiante,
morreram no mundo das ideias). Dispomos de diversos modelos internacionais para nos
guiar por caminhos melhores e mais justos. Modelos que apregoam uma revisão e uma
prevenção contínua e constante do ambiente de trabalho de uma forma contextual e
ampla. Basta-nos arregaçar as mangas e começar a arrumar a casa.

8. Fontes de pesquisa

As seguintes fontes foram acessadas no período de 19 a 21/01/2022.

• Boletim de Notícias Consultor Jurídico: ConJur - Opinião: Periculosidade e


insalubridade não são cumulativos
• CLT: Art. 193 Consolidação das Leis do Trabalho - Decreto Lei 5452/43
(jusbrasil.com.br)
• Constituição Federal: Art. 7, inc. XXIII da Constituição Federal de 88
(jusbrasil.com.br)
• Convenções OIT: Convenções (OIT Brasilia) (ilo.org)
• Decreto-Lei nº 5.452, de 01 de maio de 1943: DEL5452 (planalto.gov.br)
• Dicionário Jurídico: Adicional de insalubridade - Dicionário jurídico - DireitoNet
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• Origem das Palavras: insalubre | Palavras | Origem Da Palavra
• Sobre a cumulação: ConJur - Convenções da OIT permitem acúmulo de adicionais
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(portaldaindustria.com.br)
• USP – Material de Apoio às Disciplinas: LEGISLAÇÃO: CLT - ARTS. 189 a 194
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