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1. Introdução
Este trabalho foi desenvolvido como parte da avaliação proposta dentro da disciplina
Legislação Trabalhista e Previdenciária, ministrada pelo Prof. Luis Alves de Freitas Lima,
em janeiro/2022, dentro do Curso de Pós-Graduação de Engenharia em Segurança do
Trabalho – Turma 32 – da Universidade de Fortaleza-Unifor.
Este tema merece um olhar mais atento por tratar-se de um assunto extremamente
relevante, repleto de peculiaridades e fonte de discussões polêmicas no seio das
organizações, bem como no meio jurídico, dentro da própria legislação trabalhista
brasileira.
O texto apresentado não tem a pretensão de tomar o perfil de um artigo científico.
Ocupa-se, tão somente, de um levantamento bibliográfico no sentido de costurar ideias
em torno da matéria proposta.
A ideia inicial para esta abordagem é, primeiramente, entender o significado dos
principais termos contidos no título que, a princípio, podem parecer um tanto óbvios:
insalubridade e periculosidade. Esta seria uma forma de tratar do assunto começando a
examiná-lo por partes e considerar o contexto delimitado por estes vocábulos. Uma
compreensão prévia destas palavras pode nos revelar caminhos mais seguros.
Em um segundo instante, faz-se necessário entender as origens históricas destes
protagonistas e saber como eles desembarcaram em nosso país e foram criando raízes
dentro das organizações. O passado, quase sempre, ajuda-nos a entender o presente.
Dando prosseguimento, tenta-se acender algumas luzes sobre o capítulo da
cumulação destes adicionais dentro do salário dos trabalhadores, tentando ver os dois
lados da moeda, bem como a questão da monetização dos riscos do trabalho em nosso
país.
Na sequência, o tema nos leva ao entendimento e o posicionamento destes aspectos
trabalhistas por parte de outros países.
Por fim, são apresentadas algumas opiniões pessoais com base nas leituras
realizadas.
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2. Insalubridade e periculosidade – o que estes termos têm a nos dizer?
De acordo com o Dicionário Michaellis, quando falamos em insalubridade estamos
tratando do caráter ou da qualidade de algo insalubre. Etimologicamente, o termo
provém do latim:
– in – prefixo que denota negatividade;
– salubris – “o que faz bem à saúde, salubre”; e, por sua vez, salubre , provém de
salus ou “saúde”.
Na esfera jurídica:
“Atividade insalubre é aquela prejudicial à saúde, que pode causar doença. Para que
seja caracterizada a insalubridade, o obreiro deve ficar exposto a agentes nocivos a sua
saúde, de forma que essa exposição seja acima dos limites de tolerância fixados em
razão da natureza e da intensidade do agente e do tempo de exposição; caso esta esteja
nos limites de tolerância, não há direito ao adicional”. (Direito.net)
Art . 189 - Serão consideradas atividades ou operações insalubres aquelas que, por
sua natureza, condições ou métodos de trabalho, exponham os empregados a agentes
nocivos à saúde, acima dos limites de tolerância fixados em razão da natureza e da
intensidade do agente e do tempo de exposição aos seus efeitos. (CLT)
O trabalhador exposto a condições insalubres pode vir a receber um adicional que
varia entre 10%, 20% ou 40% do salário-mínimo regional, conforme o grau de exposição
ao agente seja mínimo, médio ou máximo, respectivamente.
E, conforme o Art. 190 da CLT:
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I - inflamáveis, explosivos ou energia elétrica;
II - roubos ou outras espécies de violência física nas atividades profissionais de
segurança pessoal ou patrimonial. (CLT)
O trabalho exposto a condições de periculosidade assegura o direito ao recebimento
de um adicional de 30% sobre o salário-base do empregado.
O adicional de periculosidade é regulamentado pela Norma Regulamentadora nº 16
(NR 16), da Portaria nº. 3214/1978, do Ministério do Trabalho, com última atualização
em 09 de dezembro de 2019.
De acordo com a CLT, Art.195, § 2º, a caracterização da insalubridade (e, também,
da periculosidade) far-se-á por meio de perícia a cargo de Médico do Trabalho ou
Engenheiro do Trabalho, registrado no Ministério do Trabalho e Emprego.
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• A criação da Organização Internacional do Trabalho (OIT), em 1919, como parte
do Tratado de Versalhes, que pôs fim à Primeira Guerra Mundial;
No Brasil, a revolução industrial teve seu início no final do século XIX e começo do
século XX, tornando-se um verdadeiro marco no que diz respeito aos aspectos
econômicos e sociais, e provocando um grande impacto na Saúde e Segurança no
Trabalho. O país dava os seus primeiros passos rumo ao crescimento, porém pagando
um preço alto por meio da saúde e da segurança dos trabalhadores.
1968 – no Governo de Artur Costa e Silva, período em que foi decretado o AI-5 e
lançada a política que deu origem ao chamado “milagre econômico”, engenheiros e
médicos começaram a ser nomeados para caracterizar a insalubridade nos locais de
trabalho;
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1978 – sob o Governo do presidente Ernesto Geisel, surge a NR-15 (Norma
Regulamentadora nº 15), Atividades e Operações Insalubres, que define o que deve
ser considerada atividade insalubre e está em vigor até hoje. A norma
regulamentadora foi originalmente editada pela Portaria MTb nº 3.214, de 8 de junho
de 1978, estabelecendo as “Atividades e Operações Insalubres”, de forma a
regulamentar os artigos 189 a 196 da Consolidação das Leis do Trabalho - CLT,
conforme redação dada pela Lei n.º 6.514, de 22 de dezembro de 1977, que alterou o
Capítulo V (da Segurança e da Medicina do Trabalho) da CLT .
No decorrer do tempo, os adicionais de remuneração para atividades insalubres e
periculosas foram parar no Art. 7º, inciso XXIII, de nossa Constituição Federal de 1988,
com a seguinte redação:
Art. 7 São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à
melhoria de sua condição social:
XXIII - adicional de remuneração para as atividades penosas, insalubres ou perigosas,
na forma da lei;
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Convenções 148 e 155 da OIT – que admitem a cumulação no caso de exposição
simultânea a vários agentes nocivos – prevalecem sobre o artigo 193, §2º, da CLT, por
serem mais recentes.
Diante do ordenamento jurídico atual em nosso país, foi estabelecida jurisprudência
sobre casos em que o trabalhador faça jus aos dois adicionais, simultaneamente,
cabendo a este o direito de optar pelo auxílio pecuniário que lhe parecer mais vantajoso.
Em 06/03/2020, foi publicado o acórdão do Tribunal Superior do Trabalho (TST) do
Incidente de Recursos Repetitivos que definiu que a legislação brasileira estabelece a
vedação ao pagamento cumulativo dos adicionais de periculosidade e de insalubridade.
No julgamento do Incidente, decidiu o TST fixar a seguinte tese:
“o Art. 193, § 2º, da CLT foi recepcionado pela Constituição Federal e veda a
cumulação dos adicionais de insalubridade e de periculosidade, ainda que
decorrentes de fatos geradores distintos e autônomos”.
Além da reafirmação da vedação à cumulação de adicionais no Art. 193, §2º, da CLT,
em decisão tomada pelo TST, transcreve-se, abaixo alguns fundamentos que embasam
esta decisão na visão da Confederação Nacional da Indústria (RT Informa Nº11, de
março/2020):
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• Segurança Jurídica
A decisão reafirmou que há lei e jurisprudência sobre a não cumulatividade
dos adicionais consolidados desde a promulgação da Constituição Federal de 1988
e da internalização das Convenções 148 e 155 da OIT. E, desde então, não houve
qualquer alteração legal ou no quadro social para justificar uma nova
interpretação da lei que simplesmente amplie a remuneração dos trabalhadores.
A posição tomada pelo TST em 2020 representa, assim, um divisor de águas sobre
as decisões futuras em que se apoiarão os tribunais brasileiros no que tange a este
assunto. Até então, o tópico era bastante controverso e, apesar de tudo, não deixou de
ser.
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de trabalho de uma perspectiva multidisciplinar que conjugou conhecimentos de
medicina, de engenharia, e do que mais se mostrasse pertinente para limitar a exposição
do trabalhador aos riscos. A criação do instituto do Serviço Especializado em Engenharia
de Segurança e Medicina do Trabalho, ilustra esse movimento.
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opção pelo pagamento dos adicionais é mais barata; e de outro a preferência dos
próprios trabalhadores de buscar atividades insalubres e perigosas para obter um
ganho salarial mais elevado. É evidente que ambas as situações são nefastas. Daí
que a maior oneração do gravame monetário é também uma forma pedagógica de
direcionar ao interesse pelo maior investimento em prevenção”.
O que se pode inferir da referida decisão é que:
“A monetização é uma política contraria a ideia de prevenção em segurança e
saúde no trabalho, o que se reforça com a cumulação, quando, na verdade, o melhor
seria buscar um afastamento dos aumentos salariais artificiais e uma aproximação
de políticas de educação e treinamento, bem como de prevenção, comprometendo-
se todos os interessados, empregador, empregado e Poder Público. Não obstante
compreenderem tal situação, a decisão citada acima, como também a já
mencionada jurisprudência minoritária do TST, optam pelo caminho mais fácil:
continuar com a monetização na expectativa de que a punibilidade tenha
eventualmente algum efeito sobre as causas do problema, sem considerar, por
exemplo, os graves e danosos aspectos previdenciários da questão, como por
exemplo os custos previdenciários com aposentadorias especiais. A intenção de
proteger o trabalhador da forma como ocorre hoje no Brasil certamente não se
cumpre. Interessante é que o mundo já mudou de estratégia e abandonou a
compensação financeira”. (CNI, 2016)
Enfim, se pretendemos chegar a um patamar melhor de aplicação de nossas leis
trabalhistas de uma forma mais justa para todos (Governo, Organizações e Sociedade),
precisamos observar, acompanhar, extrair lições e aprender com outros países mundo
afora.
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aspectos em saúde e segurança ocupacional em alguns países selecionados por critérios
de tamanho, similaridade econômica e diversidade continental: África do Sul, Austrália,
Canadá, China, Espanha, Itália.
Os dados são de 2015, mas, ainda assim, é possível tem uma ideia clara sobre o
comportamento destes países perante o assunto em pauta, e perceber em que direção
sopram os ventos. Seguem, abaixo, os principais itens que serviram de comparação:
• Marco regulatório
• Deveres e responsabilidades de empregadores
• Dever de vigiar a saúde dos empregados
• Dever de vigiar o ambiente de trabalho e as práticas laborais
• Dever de fornecer equipamentos de proteção e de fiscalizar seu uso
• Deveres e responsabilidades dos empregados
Enquanto o mundo trabalha no sentido da prevenção com a respectiva redução
ou eliminação dos riscos, o Brasil transita na contramão, nadando contra a correnteza.
7. Conclusão
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Na esfera econômica, o que se verifica é uma repetição da história. É como se
estivéssemos ouvindo um disco arranhado, escutando quase sempre um mais do
mesmo, vivendo uma espécie de déjá vu (momento em que temos a nítida sensação de
que já vivemos algo parecido ou que já passamos por aquela situação antes). No
capitalismo instaurado, as empresas, naturalmente, tentam proteger e preservar seu
patrimônio, tentando a todo custo reduzir seus passivos trabalhistas.
Se é fato que a história é escrita por aqueles que detém o poder, a nossa continua
sendo escrita pelas minorias que se encontram na política e nas organizações
comerciais.
O que precisamos, afinal, para enfrentar uma situação como esta engendrada no seio
da sociedade, das organizações e dos poderes públicos em favor de uma condição
melhor para as partes envolvidas, sobretudo para o trabalhador, pilar importante nesta
construção?
Não é uma tarefa fácil, visto que muito do que existe atualmente precisaria ser
desmontado e reconstruído. A princípio, seria necessário o reconhecimento da face
perversa da monetização do risco de trabalho dentro desta estrutura tripartite.
Entender que, além da monetização não reconhecer e não estimular devidamente
investimentos em prevenção, ela preserva uma cultura de busca por atividades
perigosas e insalubres por parte do trabalhador que possam agregar algo a mais ao seu
salário no final do mês. Uma reforma trabalhista que contasse, sobretudo, com uma
participação significativa da sociedade, e não apenas de representantes do governo e
das organizações. Caso contrário, o modelo tenderia a continuar desequilibrado e
preservaria o status quo atual.
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A canção “Vai passar” composta por Chico Buarque no início de 1984, durante a
campanha pelas Diretas, retrata muito bem um quadro que infelizmente ainda se
repete...
“Num tempo
Página infeliz da nossa história
Passagem desbotada na memória
Das nossas novas gerações...
Dormia a nossa pátria mãe tão distraída
Sem perceber que era subtraída
Em tenebrosas transações”
O presente nos mostra que este tempo não passou e que continuamos a viver
no passado. Os filhos da pátria ainda “erram pelo continente, levando pedras feito
penitentes, erguendo estranhas catedrais” e se contentando com direitos minúsculos.
Enfim, nem tudo está perdido. Apesar dos pesares, podemos considerar diversas
alternativas que não foram aventadas no passado (ou se foram, não seguiram adiante,
morreram no mundo das ideias). Dispomos de diversos modelos internacionais para nos
guiar por caminhos melhores e mais justos. Modelos que apregoam uma revisão e uma
prevenção contínua e constante do ambiente de trabalho de uma forma contextual e
ampla. Basta-nos arregaçar as mangas e começar a arrumar a casa.
8. Fontes de pesquisa
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• Lei 2573, de 15 de agosto de 1955: Portal da Câmara dos Deputados
(camara.leg.br)
• Lei 6.514, de 22 de dezembro de 1977: L6514 (planalto.gov.br)
• Lei nº 185, de 14 de janeiro de 1936: Portal da Câmara dos Deputados
(camara.leg.br)
• Monetização do Risco de Trabalho:
Insalubridade e Periculosidade no Brasil: a Monetização do Risco do Trabalho em
Sentido Oposto à Tendência Internacional - Conexão Trabalho - Uma nova
Relação Trabalhista (portaldaindustria.com.br)NR15: Microsoft Word - NR-15
(atualizada 2021).docx (www.gov.br)
• Monetização: O adicional de insalubridade e a monetização do risco à saúde do
empregado - Jus.com.br | Jus Navigandi
• NR16: NR 16 - ATIVIDADES E OPERAÇÕES PERIGOSAS (www.gov.br)
• Origem das Palavras: insalubre | Palavras | Origem Da Palavra
• Sobre a cumulação: ConJur - Convenções da OIT permitem acúmulo de adicionais
• Sobre a cumulação:
RT informa N. 11 marco - Incidente de uniformizacao de jurisprudencia TST sobre
nao cumulacao de adicionais de insalubridade e periculosidade.rev.pdf
(portaldaindustria.com.br)
• Sobre a cumulação:
TST reafirma a impossibilidade de cumulação dos adicionais de insalubridade e
periculosidade - Conexão Trabalho - Uma nova Relação Trabalhista
(portaldaindustria.com.br)
• USP – Material de Apoio às Disciplinas: LEGISLAÇÃO: CLT - ARTS. 189 a 194
(usp.br)
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