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O CERRADO, O MUNDO GLOBALIZADO E A CRISE ECONÔMICA

MUNDIAL
Postado em 11 de agosto de 2011
http://gramaticadomundo.blogspot.com.br/2011/08/o-cerrado-o-mundo-globalizado-e-crise.html

Comecei esta semana a participação em uma disciplina nova no Instituto de Estudos


Sócioambientais da UFG, juntamente com outros colegas professores. O objetivo é
levar aos estudantes uma maior discussão sobre o Bioma Cerrado, e de como ele se
insere estrategicamente em um mundo globalizado, com uma crescente importância na
produção de alimentos e de luta pela conservação de uma rica, mas pouco conhecida,
biodiversidade. Como Núcleo Livre ela atinge alunos de várias áreas do conhecimento e
estaremos realizando pequenos seminários com vários professores expondo seus
conhecimentos a respeito do Cerrado, tendo como base o livro publicado pela Secretaria
Regional da SBPC-GO: Cerrados, olhares e perspectivas.
O objetivo é discutir questões que estão preocupando pesquisadores e ambientalistas,
mas que são pontuadas por fortes contradições, diante da própria característica
econômica que se fortaleceu no Estado de Goiás, ao longo das três últimas décadas.
Tudo isso, além de compreendermos o que é o Cerrado, e que riquezas naturais ele
ainda possui, no pouco que resta que ainda não foi ocupado pela produção agropecuária
ou pelo forte expansionismo das cidades, principalmente as médias, em cujo entorno se
amplia a capacidade produtiva do agronegócio.
Mas qual o interesse que o Cerrado desperta em um mundo globalizado? Não é difícil
chegarmos a identificar toda a riqueza estratégica que o Cerrado possui e a sua
valorização econômica, principalmente numa época que a produção de alimentos se
torna crucial em uma realidade em que parcela considerável de sua população, vivendo
nos países que compõe o chamado BRIC (Brasil, Rússia, Índia e China) se insere
rapidamente no mercado de consumo.
Os olhares das grandes corporações que atuam na produção de alimentos, de insumos e
produtos químicos (leia-se agrotóxicos), se arregalam para o Brasil, como um todo, mas
principalmente para essa região que se constitui em uma fronteira agrícola em expansão.
Agora em direção ao Tocantins, Maranhão, Piauí, nos rastro da Ferrovia Norte-Sul e,
em breve, da Leste-Oeste.
No entanto o mundo passa por um processo de ebulição que deixa várias interrogações,
para tentarmos entender o que pode ocorrer como conseqüência da grave crise que
atinge as maiores economias, tanto os Estados Unidos, como a União Européia.
Se de um lado temos os BRICs, com potencial de crescimento bastante acentuado e com
perspectiva de ampliação da sua capacidade de inserção no mercado consumidor de uma
população que ascende rapidamente, de outro os países com os PIBs mais elevados do
planeta se encerram em uma crise de proporções inimagináveis há alguns anos. A ponto
de uma nova sigla despontar, na contramão dos emergentes: PIIGS, identificando
Portugal, Irlanda, Itália, Grécia e Espanha. A semelhança com a palavra pigs, em inglês

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porcos, não é casual, surge como uma espécie de trocadilho em função da definição
pelas agências que avaliam os riscos das economias, cujos papéis passam a ser
caracterizados como “sujos”, em função das dúvidas sobre a capacidade desses países
honrarem suas dívidas. Neste caso o trocadilho não é proposital.
É com essas dúvidas que procuramos entender como estrategicamente o Cerrado vai se
inserindo nessa confusão capitalista. Por isso procurei inicialmente analisar a situação
em que se encontram os países com maiores economias (à exceção da China),
compreendendo que pela própria situação de um mundo completamente conectado, em
vários sentidos que essa palavra signifique, o agravamento dessa crise pode redefinir
estratégias de investimentos e alterar até mesmo a direção em que se darão as aplicações
dos recursos financeiros. E, naturalmente, por essa compreensão, dificilmente algum
país deixaria de ser afetado por uma recessão global.
Nos últimos anos o mundo se deparou com um desafio, muito além das preocupações
malthusianas, mas que nos força a relembrar das teorias de Thomas Malthus. A análise
que indicava a impossibilidade da humanidade poder garantir produção de alimentos
para uma população que crescia vertiginosamente, praticamente perde força quando
passamos a conviver com a capacidade tecnológica que o mundo alcançou por todo o
século XX, inclusive na possibilidade de produzir alimentos nas situações mais
adversas. Técnicas de lidar com o solo, inovações tecnológicas que aceleram o ritmo do
plantio e da colheita, insumos que aumentam a capacidade produtiva, e o crescimento
da indústria química utilizada no combate às pragas (para o bem ou para o mal, veremos
mais adiante), colocaram por terra boa parte das questões postas por Malthus.
Mas, por outro lado, há uma lógica que impede essa capacidade tecnológica de vir
suprir a contento a necessidade que existe em quase todos os continentes, mas
principalmente África e Ásia, de reduzir o número de indivíduos que vivem na mais
absoluta miséria e com boa parte deles, principalmente crianças, morrendo de
desnutrição. Não tem acesso aos alimentos básicos que possam garantir suas
sobrevivências.
Essa lógica é a maneira como o capitalismo transforma toda essa capacidade
tecnológica em potencial produtivo visando exclusivamente a ampliação dos lucros.
Assim, existe sim, uma enorme potencialidade decorrente de todas as inovações que
revolucionaram incessantemente os meios de produção, mas toda essa capacidade
termina servindo aos interesses mais gananciosos de acumulação e concentração de
rendas.
Produzir alimentos, principalmente as chamadas commodities, mercadorias que tem os
seus preços fixados no mercado internacional tem atraído muitos investidores.
Traduzindo em miúdos, são mercadorias, principalmente minerais e produtos agrícolas,
com pouca ou nenhuma industrialização, consequentemente com baixíssima agregação
de valor, permanentemente monitoradas pelas bolsas de valores.
Esses produtos agrícolas têm seus preços fixados em dólares em nível internacional,
com uma produção de larga escala, como característica principal o fato de serem

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produzidos em grandes propriedades e quase sempre monoculturas. Seus preços são,
portanto, variáveis não somente em função da cotação do dólar, moeda padrão de
referência internacional, mas também porque termina também sendo submetidas às
oscilações das bolsas de valores, e, consequentemente, estão sujeitas às manipulações
tradicionais que ocorrem no mercado financeiro.
Obviamente, esses mecanismos que movem o sistema capitalista global, não possuem a
menor preocupação em transformar toda a capacidade tecnológica em investimentos
para conter o aumento da fome em várias partes do mundo, notadamente naquelas
citadas. Em alguns lugares, como na região da Somália e todo o seu entorno, a situação
aproxima-se de uma enorme catástrofe, com milhões de pessoas deslocando-se para
outras regiões e boa parte delas sucumbindo à fome e perdendo suas vidas nesses
trajetos.
Portanto, o interesse é meramente especulativo, com base na ganância e na garantia de
lucros crescentes, como de resto é a maneira como o sistema funciona. Isso significa
dizer que os investimentos possíveis de serem feitos obedecem à lógica do mercado
mundial, e, portanto, a crise econômica pode alterar os rumos do capital.
Mas é sempre bom considerar que o mercado de alimentos é potencialmente lucrativo,
ou, melhor dizendo, das commodities agrícolas, já não mais somente como produtos que
visem atender apenas às necessidades alimentares da população, mas também porque
boa parte deles passa a se constituir em matéria-prima para produção de energia, como
no caso da cana-de-açúcar (embora o etanol não seja ainda uma commoditie, o açúcar o
é), o milho e outros que podem passar também a serem produzidos com esse objetivo.
Além de boa parte da produção de soja atender ao mercado de ração para alimentar o
gado que em boa parte do mundo, principalmente Europa é criado em confinamento.
Isso implica em dizer que a crise econômica tende a ampliar a crise alimentar em
algumas partes do mundo, mas que a tendência deve se manter, de os investimentos
continuarem sendo feitos naqueles produtos marcados como commodities porque são os
que garantem mais divisas para os países como o Brasil e possibilitam maiores lucros a
quem investe no mercado de produtos agrícolas. Mesmo que isso signifique uma
crescente concentração de rendas, por serem produtos de baixo valor agregado. Para o
Estado Brasileiro o que mais importa é o fato de essa atividade ser a principal
responsável pelo superávit na balança comercial.
Como esse é um espaço com enorme potencial produtivo e com ainda uma área
cultivável imensa a ser explorada, se for desconsiderado, como tem sido, a importância
da biodiversidade, provavelmente poucas alterações acontecerão em relação ao
crescente interesse pela aquisição de terras em áreas desse bioma, como também na
Amazônia e na região de transição entre o Cerrado e a Caatinga. Essa nova fronteira
agrícola já atende pelo nome de MAPITOBA (Maranhão, Piauí, Tocantins e Bahia),
como dito antes, boa parte dela seguindo os trilhos das estradas de ferro.
Principalmente se a tendência for de uma prolongada queda nas bolsas de valores, e de
indefinições quanto à melhor aplicação que assegure os lucros fáceis do dinheiro

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especulativo. Então, como sempre ocorre historicamente, a aquisição de grandes
quantidades de terras passa a se constituir em um excelente investimento,
principalmente em regiões de expansão agrícola como o Cerrado.
Consequentemente os impactos que irão decorrer de tudo isso tende a ampliar o
processo de degradação ambiental e de aceleração da devastação desse bioma. Por mais
que as pesquisas desenvolvidas nas Universidades ou ONGs sérias focadas na enorme
contradição presente da expressão “desenvolvimento sustentável com preservação
ambiental”, possa estar indicando todo o rico potencial da biodiversidade do Cerrado, a
resposta para investimentos e o quantitativo de lucro que advirá em atividades
exploradas pelas populações tradicionais, não são suficientes para se contrapor à essa
lógica gananciosa e destrutiva.
Cabe a todos aqueles que vivem no Cerrado e os que estudam sua riqueza natural e
importância da sua biodiversidade, insistir em apontar os riscos que isso causa e a
possibilidade de futuramente boa parte do bioma se tornar improdutiva e desertificada.
O uso excessivo da água para irrigação, por exemplo, com a utilização de grandes pivôs
centrais, a esgotarem rios, córregos e lençóis freáticos, é um bom exemplo dos desatinos
que se cometem sem levar em conta os desgastes inevitáveis desses excessos, como por
exemplo, a salinização do solo.
Acrescente-se a isso os interesses que estão por trás desse modelo de produção agrícola.
Refiro-me agora às grandes disputas exercidas por corporações gananciosas, e
criminosas, que inundam o campo com produtos químicos responsáveis pela ampliação
dos casos de câncer no Brasil e no mundo. São os agrotóxicos, venenos que eliminam
pragas, mas que trazem junto um efeito perverso e profundamente destrutivo para as
pessoas e todo o meio-ambiente.
Essas corporações, em sua maioria multinacionais, usam de todos os tipos de praticas
deliquentes para burlar legislações e buscar apoio em setores políticos conservadores
com o intuito de conter proibições – como ocorre em outros países – mesmo para certos
produtos claramente comprovados como extremamente nocivos à vida humana.
Calcula-se que cada brasileiro, em média, por ano consuma em torno de 5,2 litros de
agrotóxicos.
E essas Corporações atuam não somente na área de alimentos, como é de suas
características, mas em outros setores geradores de disputas internacionais e guerras
como o petróleo, indústria farmacêutica e de produtos veterinários. São gigantes que
possuem fortes influências em poderosos Estados, principalmente os de suas origens,
como os Estados Unidos, Inglaterra, França, Alemanha etc. Muitas delas tem seus
produtos também fabricados aqui no Brasil, como Basf, Bayer, Syngenta, DuPont e
Monsanto.
Como defender o Cerrado em um tempo em que todos os olhares gananciosos e
geopolíticos estão voltados para esses imensos chapadões de uma paisagem que dá uma
impressão de pobreza, mas que esconde uma enorme riqueza? Se todas as
transformações que são visíveis nos Estados centrais, ou do imenso sertão brasileiro, se

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deram às custas de grandes investimentos agrícolas, e com isso possibilitou um forte
crescimento econômico, como frear nos dias de hoje a continuidade de um processo que
se agigantou e ameaça a riqueza natural de um importante bioma?
Esse é um desafio que se apresenta para todos aqueles que são estudiosos do Cerrado,
mas que compreendem também todo o processo de desenvolvimento socioeconômico
de uma região até pouco tempo marginalizada. Um progresso também, notadamente
conseguido à custa de uma enorme concentração de riqueza, como decorrência do
modelo agrícola utilizado, que causou outros efeitos colaterais. Um deles, a expulsão de
quase toda uma população rural para as cidades, potencializando um crescimento
desordenado das mesmas e um cinturão de miséria em suas periferias responsáveis em
grande parte pelo aumento da criminalidade e do consumo de drogas que destrói o
futuro de boa parte da sua juventude e mantém as pessoas refém da violência e do
medo.
Assim, são as condições criadas pela acelerada penetração em direção ao heartland
brasileiro, desde a marcha para o Oeste na época varguista, até a instalação da capital
federal, seccionando o território goiano, e todo o projeto de integração nacional visando
o controle estratégico da grande Amazônia posto em prática por Juscelino Kubitscheck
no final da década de 1950.
Mas foi mesmo a revolução tecnológica na agricultura o principal responsável pela
transformação de um solo seco em terreno de ótimo potencial produtivo. Aliado à
característica climática sem muitas alterações, dividida em duas estações, a seca e a
chuvosa, propícia à atividade agrícola e à pecuária.
Desfazer essa visão do cerrado como meramente um território somente adequado à
instalação do grande agronegócio, e buscar outros caminhos alternativos de
desenvolvimento, que se preocupe com a conservação da biodiversidade é a tarefa do
momento da universidade, dos pesquisadores e de todos aqueles que lutam pela
exploração democrática e não destrutiva das riquezas que a natureza possui, em
benefício da maioria e em prol da construção de um mundo com outra compreensão a
respeito da vida.
Um outro mundo é possível, com a conservação da natureza e a preservação da vida.
Sem a ganância que está destruindo as sociedades atuais e nos afundando em uma crise
econômica sem precedentes.

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COMO SOBREVIVER A UM SISTEMA EXPANSIVO E
DESTRUTIVO:
MEU CETICISMO EM RELAÇÃO AO AQUECIMENTO GLOBAL,
DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL E O ACORDO DA COP-21

Creio que entender as contradições que movem essas discussões nos leva exatamente
para o ambiente que deve ser comum a todos aqueles que cursam relações
internacionais. Sem a compreensão do que há por trás dos discursos, das estratégias
adotadas por cada país, é impossível se fazer uma leitura adequada sobre as proposições
que resultam de dias de discussões entre chefes de estados, antecedidas por outras
significativas reuniões realizadas ao longo de meses de preparação desses grandes
eventos. O que se discute em relação às questões ambientais impactará no
desenvolvimento econômico de todos esses países, que, pela primeira vez chegaram a
estabelecerem um acordo vinculante, ou seja, que passa a agir como força de lei,
podendo levar os países signatários a sofrerem sanções caso descumpram o que foi
acordado. Isso é importante, naturalmente. Mas o que foi acordado, e que impacto isso
terá a partir de sua implementação daqui a quatro anos?
O que se debateu na COP21, em todo o seu processo de preparação, e não somente na
semana da reunião em Paris no mês de dezembro de 2015, precisa ser visto a partir dos
atores que estão envolvidos, desde chefes de estados, auxiliares diretos dessas
autoridades, diplomatas e, em paralelo, por milhares de organizações não
governamentais que, na maioria dos casos contrapõem-se às limitações nesses acordos,
porque o viés que cada uma das partes analisa é diferente. Para entender isso a
geopolítica é um instrumento adequado, na medida em que o seu estudo possibilita que
analisemos todas essas questões envolvidas na pauta da COP-21, sob um olhar
estratégico, e que, portanto, difere de país para país nos seus objetivos nacionais,
embora o foco seja único: os efeitos da ação humana na responsabilidade sobre o
aquecimento global e o futuro da humanidade. O acordo visa, enfim, impedir que a
temperatura da terra não suba, em média, mais do que 1,5º, cabendo a cada país assumir
o compromisso de adotar práticas sustentáveis e impedir desmatamentos a fim de
cumprir as responsabilidades individuais, e, ainda segundo o acordado, considerando-se
os diferentes graus de desenvolvimentos entre eles, com as exigências maiores cabendo
aos países mais desenvolvidos, mas não isentando nenhum da obrigação de tomar
também suas medidas.
Claro que foi um evento importante, e chegar ao acordo envolvendo todos os países é
algo inédito, nesses anos todos em que se repetiu esse mesmo encontro por outras vinte
vezes, sob a denominação de Conferencia das Partes (COP), mas abrigada na
Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre a Mudança do Clima (do original em
inglês United Nations Framework Convention on Climate Change - UNFCCC), tornou-
se um feito histórico.

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Contudo, e aqui eu passo a explicar o meu ceticismo, considero ser absolutamente
difícil, para não falar impossível, que esses acordos venham a ser cumpridos, ou que
sejam suas razões apresentadas as verdadeiras a motivar as mudanças que, certamente,
irão acontecer. Eu diria que elas já estão acontecendo.
Minha abordagem é fruto de estudos que tenho feito ao longo de alguns anos, desde
quando comecei a abordar os problemas ambientais e a biodiversidade dentro dos
interesses geopolíticos das nações. Baseio-me para isso em algumas trabalhos que tem
sido fundamental na formação dessa visão, um ceticismo misturado com a crença de que
a humanidade pode superar esses desafios. Expresso essa crença na frase de Marx: “a
humanidade só se coloca tarefas que pode resolver, pois (...) a própria tarefa surge
apenas quando as condições materiais para a sua resolução já existem ou ao menos estão
em vias de se constituir”.
A CIVILIZAÇÃO CAPITALISTA
Parto do princípio de que mais do que propriamente uma crise ambiental, estamos
diante de uma crise sistêmica. Vivemos um período de transição, onde as forças
produtivas precisam, dentro da própria lógica capitalista, se transformar e atingir outro
patamar. Ao capitalismo está posto a tarefa de se reinventar, diante de uma crise
ambiental causada pelo esgotamento dos recursos naturais, não somente pela forma
predatória de destruição dos ambientes de onde se extraem matérias primas
imprescindíveis no processo produtivo, mas principalmente pela celeridade como isso
vem ocorrendo.
É inegável que a capacidade do planeta de prover recursos para servirem a ganancia
produtivista/consumista é a causa maior dos desastres ambientais e da escassez de
recursos, dentre eles o mais importante, a água.
Mas me recuso a ver isso como uma saída para conter o chamado aquecimento global.
Sei que muitos setores conservadores, inclusive dentre os do Partido Republicano dos
EUA, atacam a ideia de aquecimento global. Contudo, minha abordagem vai na
contramão do que pensam esses conservadores. Embora leigo no assunto, pois não é a
minha área de especialização, compreendo que há forte aquecimento causado pela ação
humana, tanto no desenvolvimento industrial desenfreado, com a queima de
combustíveis fósseis, mas que isso se reflete mais localmente do que globalmente.
Compreendo, inclusive, a opção feita pela lógica capitalista, com a realização desse tipo
de desenvolvimento ocorrer com a acumulo de centenas de milhares de pessoas vivendo
aglomeradas em metrópoles completamente impermeabilizadas. Pois é nelas que o
capitalismo se realiza.
Analiso todo o discurso do aquecimento global como uma estratégia que atende a
interesses geoeconômicos. Partindo de uma premissa aceita amplamente, porque já foi
difundida massivamente pela grande mídia e por setores postos a campo com esse
intuito, inclusive cientistas, sejam pagos pelas empresas ou até mesmo, de alguns bem-
intencionados dentro da Academia, de que a humanidade está a perigo em função do
descontrole causado pela emissão de gases de efeitos nocivos à camada de ozônio

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(embora haja setores que divergem de sua existência) e do aumento da temperatura
média global da terra. Um dos pontos do acordo da COP-21, o principal, visa limitar
esse aumento conforme já me referi anteriormente.
É evidente que há um quadro alarmante condicionado pela celeridade como se dá o
desenvolvimento das sociedades capitalistas nas últimas décadas. Apesar da crise que
abate o mundo desde meados da primeira década deste século, não houve redução
significativa do consumo, porque há uma substituição acelerada de novas mercadorias e
do surgimento de inovações que deslumbram os consumidores, endividados ou não.
Nem as questões ambientais tornaram-se a preocupação principal dos grandes
investidores. No estudo apresentado por Marques (2015, p 18), ele faz referencia a uma
pesquisa realizado no Fórum Social Mundial de 2015, em Davos. “A
PricewaterhouseCoopers sabatinou 1.322 dirigentes de empresas (...) A pesquisa mostra
que a principal preocupação dos entrevistados é a regulamentação da atividade
conômica (78%). Ao avaliarem quais devem ser as prioridades dos governos, apenas 6%
deles apontam o combate às mudanças climáticas”.
No entanto, e observando com um olhar estratégico, com o entendimento de como
funciona o sistema capitalista, a conclusão que chego é que há uma necessidade
sistêmica de alterar a matriz energética, por conta de diversos fatores, e de encontrar
outras formas de produzir novas mercadorias que possam driblar o esgotamento dos
recursos que até aqui foram a base da revolução industrial e tecnológica que marcaram o
século XXI. Esse para mim é o “X” da questão, a evidencia de que os recursos estão se
esgotando e alguns deles tornaram-se muito perigosos pela disputa geopolítica que os
envolvem.
Até o advento do capitalismo, todas as civilizações que se sucederam na
história mantiveram-se estreitamente ligadas a um determinado espaço
geoeconômico. A civilização capitalista, no entanto, desenvolveu-se desde
suas origens, sem vínculos naturais com um território delimitado, e procurou
expandir-se além de qualquer limite geográfico, acabando por ocupar o
mundo inteiro. Nesse sentido, ela foi a demonstração mais cabal da grande
ruptura na longa linha da evolução biológica: as forças naturais que haviam
engendrado a espécie humana passaram, desde então, a ser dominadas por
ela. A criatura assumiu o controle do processo criador. (COMPARATO,
2013, p. 19)

Portanto, muito mais do que a preocupação com a capacidade do planeta em suportar o


desenvolvimento conforme implementado até agora, está a necessidade do sistema
capitalista se expandir permanentemente. Ora, não precisamos ser muito argutos para
identificar a forma de pressão que existe no mundo capitalista. Tanto se observarmos o
universo das grandes empresas, megacorporações que concentram investimentos
bilionários, como as políticas dos estados-nações e os mecanismos que fiscalizam suas
condições e capacidades de receberem investimentos.
Há uma pressão, natural, isso está dentro da lógica, por exemplo, de quem adquire ações
de uma grande empresa, para que esta se expanda ano a ano, e que seus lucros obtidos
em um ano sejam superados no ano seguinte. Não há a mínima possibilidade de um
acionista ficar satisfeito com a manutenção de ganhos, e pior ainda, com a redução
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deles. Essa forma de sempre expandir e buscar lucros incessantemente é a matriz que
faz do sistema capitalista absolutamente destrutivo.
Da mesma forma há uma pressão, igualmente natural, para que a cada ano o Produto
Interno Bruto de um país seja superior ao anterior. É a condição para que se possa
garantir o aumento de emprego, melhoria das condições de vida das pessoas e o atrativo
do capital externo, e, principalmente, a ampliação das riquezas, condições que podem
fazer com que esse país se coloque na lista dos mais bem-sucedidos e possa assim
conviver sem crises recessivas.
Vejamos, portanto, o quanto é contraditório a situação em que nos encontramos, todos
nós, cidadãos do mundo. Ao mesmo tempo em que acontecia esse grande debate sobre o
esgotamento dos recursos do planeta e o iminente colapso ambiental, exageros à parte, a
grande mídia, e os setores empresariais, se desesperavam com os parcos índices de
crescimento econômico contido nos Produtos Internos Brutos da maioria dos países.
Alguns, o Brasil incluído, e longe de ser o único, afinal exceção são os que conseguiram
manter PIB superiores, sofrem crises políticas e econômicas por não conseguirem
manter o ritmo de crescimento que vinham tendo nos últimos anos. E, mesmo diante
dessa realidade, e com uma forte pressão internacional para conter os desmatamentos, o
setor que apresenta um pequeno superávit é justamente aquele sobre o qual recai
pesadas críticas em relação à degradação ambiental: o agronegócio. Principalmente na
destruição de nascentes que afetam drasticamente os recursos hídricos e nos colocam
numa condição de alerta absoluto em relação à escassez e estresse hídrico.
Mas, contradições é o que mais existe, em meio a essa realidade que buscamos analisar.
Insisto em procurar detalhes que nos mostrem o outro lado das observações costumeiras
e corriqueiras nas mídias tradicionais.
A preocupação com o crescimento do PIB, em realidades como a nossa é justa, em
razão das desigualdades que nos cercam. E é esse crescimento que possibilita uma
política de estado voltado para solucionar gargalos em áreas que impactam, inclusive,
na própria questão ambiental, e que está diretamente relacionado com as condições de
vida da população mais pobre.
Diante do totem da taxa de crescimento do PIB, que adquiriu foros de dogma
religioso, a degradação dos ecossistemas (quando reconhecida) é ainda
considerada um “custo” ou efeito colateral inevitável e um problema
contornável graças a inovação tecnológica contínua, ganhos de eficiência,
aperfeiçoamento de protocolos de segurança e melhor gestão de risco.
Embora ilusória, essa crença na possibilidade de um crescimento econômico
contínuo é compreensível para os 91,6% da humanidade adulta desprovida de
tudo e sedenta de um mínimo de conforto material, posto que esses mais de
90% da humanidade adulta detêm apenas 16,7% da riqueza global (...). Mas,
definitivamente, o problema não está aqui: satisfazer as carências básicas
desses 91,6% da humanidade adulta aumentaria de modo irrelevante o
impacto humano sobre os ecossistemas ou mesmo o diminuiria. Por exemplo,
fornecer energia elétrica a 1,3 bilhão de pessoas, mesmo a partir de usinas
movidas a combustíveis fósseis, implicaria, segundo a AIE, um aumento de
apenas 0,8% do consumo desses combustíveis e um aumento de apenas 0,7%
nas emissões de dióxido de carbono. Até o final de 2015, haverá 2,7 bilhões

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de pessoas sem acesso à infraestrutura sanitária básica. Provê-las dessa
infraestrutura implicaria diminuição e não aumento, de seu impacto
ambiental. (MARQUES, p.17)

Como se vê, todo o alarido e o pandemônio criado em torno de uma crise ambiental,
que imporia por necessidade o controle do desenvolvimento, omite números que
desconstrói a razão principal que se esconde, inclusive, por trás de propostas
apresentadas como solução ao problema, como a de decrescimento.
O que existe por trás de todos esses acordos, na medida em que se ampliam pressões
disseminadas pela mídia, em certos casos como uma espécie de guerrilha midiática no
sentido de criar condições que favoreçam investimentos de corporações em
determinados setores, são interesses econômicos, que se manifestam até mesmo nas
alternativas criadas às crises apresentadas. A tentativa de se transformar o carbono em
mercadoria segue com outras nuances. Num primeiro momento tratou-se de se
estabelecer um mercado para os créditos de carbono, pelo qual potenciais poluidores,
grandes corporações transnacionais, poderiam adquiri-lo em ambientes ainda não
degradados, possibilitando dessa forma manter seus investimentos mesmo que
altamente poluidores. Agora trata-se de fazer com que o próprio carbono seja uma
mercadoria. Isso nos confirma, mesmo que sendo apresentado de maneira dissimulada,
que por trás de toda a saída para a crise exista uma estratégia de se ganhar mais
dinheiro. É o que se pretende com o acordo da COP-21. Eis aí a razão do consenso.
É possível ainda apresentar mais números que demonstram onde se encontra o epicentro
de toda essa crise e de um provável colapso ambiental, por essa razão vista aqui como
sistêmica. Ainda buscando no trabalho de MARQUES (2015, p,17) essas informações,
bem atualizadas porque sua publicação é do segundo semestre de 2015, é possível
verificar que onde se concentra a riqueza se encontra também os responsáveis por um
estilo de vida altamente degradante, seja do ponto de vista ambiental, como também
moral e social:
A riqueza da humanidade adulta (cerca de 4,7 bilhões de pessoas) é de 240,8
trilhões de dólares (2013). Mais de dois terços (68,7%) dos indivíduos
adultos situados na base da pirâmide da riqueza, possuem 3% (7,3 trilhões de
dólares) da riqueza global, com ativos de no máximo 10 mil dólares. No topo
da pirâmide, 0,7% de adultos possui 41% da riqueza mundial (98,7% trilhões
de dólares). Somados os dois estratos superiores da pirâmide – 393 milhões
de indivíduos ou 8,4% da população adulta – detêm 83,3% da riqueza
mundial.
(...)
Para satisfazer a avidez de 393 milhões de indivíduos – os 8,4% da população
mundial adulta detentora de 83,3% da riqueza mundial –, move-se a
economia do planeta, máquina produtora de crises ambientais, a começar
pelas mudanças climáticas: “os 500 milhões de pessoas mais ricas do mundo
produzem metade das emissões de CO2, enquanto os 3 bilhões mais pobres
emitem apenas 7%.

As corporações dominam o mundo. E os Estados agem de acordo com os interesses


dessas corporações. Seus dirigentes são obrigados a isso como decorrência da

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submissão tanto pelo poder que elas representam, como pela relação espúria gerada por
financiamentos de campanhas políticas, e isso não somente no Brasil, mas em qualquer
país do mundo regido por essa lógica.
CONCLUSÃO
O caminho que vemos ser pavimentado nesse momento, consolidado no acordo da
COP-21, é consequência de um período de crise sistêmica intensa e da necessidade do
capitalismo tomar outros rumos, da mesma forma que ocorreu em tempos anteriores,
indicados na história como primeira, segunda e terceira revolução industrial. Considero
que todas elas fazem parte de um mesmo processo, sendo, portanto, uma. Consequência
da necessidade de transformação tecnológica incessante dos meios de produção
capitalista.
As discussões em torno de energias alternativas direcionam o novo desenvolvimento
tecnológico em buscas de outras matrizes energéticas, principalmente solar e eólica,
mas não se prendendo somente a essas. Da mesma maneira, o discurso ecológico tende
a representar um novo filão de mercado, com a inserção de novos aparatos tecnológicos,
leiam-se mercadorias, adequadas a um “novo tempo”. Isso significará uma substituição
dos produtos atuais pelos novos, fazendo, dessa forma, com que as pessoas sintam a
“necessidade” de se tornarem ecologicamente corretas, adquirindo novos produtos e
garantindo uma retomada consumista com outro discurso. Algo parecido, mas com
menor dimensão, do que aconteceu com os produtos que continham CFC
(clorofluorcarboneto) levando a surgir novas linhas de mercadorias para substituir
aqueles, tornados obsoletos. Atualmente alguns cientistas já discordam que existissem
tais riscos.
Não se trata de negar as evidencias, e a própria realidade, que demonstram uma
degradação da natureza a partir do estilo de vida das sociedades capitalistas. Mas é
necessário mensurar bem e estabelecer uma diferença entre as condições em que vive
uma pequena parcela da população, que consome praticamente dois terços do que a
outra parcela consome. Esta, majoritária, mas cujas condições econômicas a levam a
consumir apenas um terço na comparação do total daquilo que é consumido pelos mais
ricos.
Qualquer política a ser desenvolvida pelos países, principalmente aqueles submetidos
por muito tempo à dominação colonialista, e depois pela dependência econômica e sob
controle das grandes corporações transnacionais, deve necessariamente, considerar esses
aspectos demonstrados em números que apresentam uma desigualdade absurda. A crise
que vivemos, muito antes de ser ambiental é política, sistêmica, e representa a falência
de um modelo que não cabe mais nas condições de existência do planeta terra. Precisa
ser substituído, não basta somente ser mudado para manter o poder de consumo sob
novas formas, no agrado daquela pequena parcela que controla, comanda e destrói o
ecossistema.
Referências
COMPARATO. Fábio Konder. A Civilização Capitalista. São Paulo: Saraiva, 2013

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DIAMONDS, Jared. Armas, Germes e Aço. São Paulo: Record, 2001.
________________. Colapso - Como as sociedades escolhem o fracasso ou o sucesso. São Paulo:
Record, 2005.
FOLADORI, Guilhermo. Limites do desenvolvimento sustentável. São Paulo: Ed. Unicamp, 2001
MARQUES, Luis. Capitalismo e Colapso ambiental. São Paulo: Ed. Unicamp, 2015
MARX, Karl. Contribuição à Crítica da Economia Política. São Paulo: Martins Fontes, 2011
SMITH, Laurence C. O mundo em 2050 - Como a demografia, a demanda de recursos naturais, a
globalização, a mudança climática e a tecnologia moldarão o futuro. Rio de Janeiro: Elsevier, 2011.

* Texto fruto de palestra intitulada “Desenvolvimento sustentável e as limitações do acordo sobre o clima
– COP 21, Paris 2015”, apresentada na 2ª Semana de Assuntos Internacionais, realizada pelo Centro
Acadêmico de Relações Internacionais da UFG, em 29 de janeiro de 2016.
* Publicado originalmente em “Territorial – Caderno eletrônico de textos”. ISSN: 2238.5525.
Link - http://www.cadernoterritorial.com/news/como-sobreviver-a-um-sistema-expansivo-e-destrutivo-
meu-ceticismo-em-relacao-ao-aquecimento-global-desenvolvimento-sustentavel-e-o-acordo-da-cop-21-
romualdo-pessoa-campos-filho/

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LÍQUIDO E CERTO: AS CONTRADIÇÕES QUE AFETAM O CERRADO
Publicado em 29 de julho de 2016
https://gramaticadomundo.blogspot.com.br/2016/07/liquido-e-certo-as-contradicoes-que.html

Os desafios que temos pela frente são colossais. Digo nós, pesquisadores de uma área
que carrega as mais perversas contradições. Entendam que busco nessa palavra o seu
sentido etimológico, compreendendo-a como desordem, aquilo que é feito em desacordo
com a regra e os costumes.
Mas a essência dessa contradição é que nos leva ao martírio quando a identificamos,
logicamente se nos situamos além da compreensão espacial, e entendemos como no
nosso tempo transmitem-se valores que invertem tradições, abolem-se costumes e
impõem-se aos mais jovens o desafio da contemporaneidade. A busca obsessiva por
qualidade de vida, consubstanciada na lógica consumista e nas paixões tecno-científicas.
Ao jovem, esse desafio é impossível de ser refutado. Mas cada um mantém dentro de si
a paixão pela lida na terra, o gosto pela cavalgada entre os capins, e o cheiro das
verdejantes poucas matas, misturado ao do esterco de gado que exala dos currais e
penetram pelas varandas das velhas cabanas de pau-a-pique. A sensação bucólica que
isso nos transmite deixa em nós, citadinos, um desejo de retornarmos aos tempos em
que carregávamos a tradição rural em nosso estilo de vida. Mas isso, vai se perdendo,
com o distanciamento cada vez maior das pessoas, apegadas ao urbano.
Numa rapidez estonteante, o Cerrado tem vivido essas contradições, não tanto como
ocorreu em outras regiões, onde as mudanças levaram séculos. A aceleração, motivada
por um sofisticado aparato tecnológico, químico, biológico, industrial etc., traduzido
numa devastação desenfreada e em uma alteração radical da paisagem. Em alguns
pedaços do Cerrado, as formações campestres, principalmente, são substituídas por
plantações de monocultura a perder-se de vista: soja, algodão, cana-de-açúcar, dentre
outras. Em alguns casos atingindo chapadões e topos de morros, situações em que
aparecem também a criação de gado bovino em centenas de milhares de cabeças por
descampados e pastagens donde antes encontravam-se vegetações típicas cerradeiras.
O contraponto se dá no esvaziamento de algumas cidades cujo entorno essas mudanças
não alcançam, com o deslocamento de parte da população jovem em direção às cidades
médias ou para as metrópoles.
Aquelas outras, por onde a “modernidade” passou, o crescimento populacional se traduz
no aparecimento das complexidades inerentes às dificuldades urbanas, na falta de
planejamento e na impossibilidade do poder público atender às demandas de uma
população que cresce célere e desordenadamente, atraída pelas oportunidades geradas
pelo agronegócio.
Essa contradição, não nos permite simplesmente analisar os problemas através de
concepções maniqueístas, nem muito menos anacronicamente. Em sendo assim, muito
mais do que a condenação sobre o estado de devastação a que o Cerrado está sendo
submetido, nós, pesquisadores, devemos também apontar alternativas que possam

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garantir um desenvolvimento equilibrado com a necessidade de conter a total destruição
desse que é um dos maiores biomas brasileiros, com uma rica biodiversidade, ainda
existente até os dias atuais.
As águas do Cerrado e a Segurança Alimentar Mundial
Algo, contudo está fora da ordem. Nos últimos tempos tem sido bastante diversificada,
e em número consistente, as pesquisas sobre o Cerrado. Importantes estudos nos
aproximam das belezas de um bioma que carrega em si uma espécie de quebra de
paradigmas, quando o assunto é a análise da paisagem. Solo seco, aparentemente
empobrecido, árvores tortas e de troncos ressecados, frutos estranhos (até que os
provemos), contrastando com uma estranha beleza de flores exóticas e de cores fortes.
Algumas pequeninas ao serem ampliadas expõem uma espetacular imagem, que
transmitem uma sensação de prazer, ao ver coisas tão belas entremeadas em
contradições.
Como sobrevive o bioma? Tanto quanto os demais, e a natureza em si, a fonte de toda a
vida reside na água, sem ela é impossível sobreviver. Os lugares são diversos em suas
características, e neles tudo que se desenvolve e compõe sua natureza depende da
disponibilidade dos recursos hídricos. E toda a adaptação dos seres vivos que habitam o
lugar e desenham a natureza decorre da maneira como eles terão acesso a esse líquido
vital.
Segundo Porto-Gonçalves,
O exemplo dos cerrados (savanas) do Planalto Central Brasileiro é um caso
emblemático das implicações socioambientais das demandas por água que se
vêm colocando em todo o mundo com a expansão da economia mercantil
nesse período neoliberal. A água, como se infiltra em tudo – no ar, na terra,
na agricultura, na indústria, na nossa casa, em nosso corpo –, revela nossas
contradições socioambientais talvez melhor que qualquer outro tema. Afinal,
por todo lado onde há vida há água (2006, p. 428).

No entanto, pouco se analisa, quando se pesquisa e descreve o Cerrado, sobre como esse
bioma é capaz de sobreviver se, além da destruição de sua flora e fauna, esgotarem-se
os seus recursos hídricos. Na verdade pouco se tem falado da água do Cerrado. A
impressão que fica é de ser esse um bioma exótico cujas águas desaparecem nos seis
meses seguintes à estação chuvosa. Sim, pois essa é outra característica, o fato de as
estações climáticas no Cerrado não obedecerem à lógica determinada nos estudos dessa
área. Então temos muita chuva no verão e sol quente no inverno, embora Primavera e
Outono componham um cenário de beleza exposta no colorido das flores que brotam de
árvores retorcidas, ou enormes, cujas folhas, em algumas delas desaparecem para dar
lugar aos galhos floridos, como no caso dos Ipês que alteram a paisagem do Cerrado na
transição entre o Verão e o Inverno.
Mas não é bem assim. Ao contrário do que se imagina, embora bem servido
hidrograficamente, o Cerrado tem características peculiares adaptativas a essa aparente
irregularidade climática comparativamente a outros biomas. Raízes mais profundas e
verticalizadas levam suas plantas a buscarem água nas profundezas subterrâneas, em

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aqüíferos ou lençóis freáticos, possibilitando a elas sobreviverem a uma escassez de
chuvas que pode durar seis meses.
A paisagem altera-se rapidamente, paripasso com expansão da fronteira agrícola
ampliando a capacidade de produção e a produtividade no Cerrado. No entanto, a
possibilidade de aumentar a produção de toneladas de grãos, com o uso descontrolado
da água para irrigar grandes plantações, podem causar não somente o esgotamento de
córregos e rios, como também a redução desses depósitos hídricos subterrâneos.
Bem servido por uma rica hidrografia, fundamental para a formação das principais
bacias hidrográficas do país, o Cerrado é considerado como um imenso reservatório
hídrico que o insere no objetivo geoeconômico central de um sistema de produção de
toneladas de alimentos para atender à demanda da economia mercantil não somente no
Brasil, mas por todo o mundo. Contudo, o percentual hídrico utilizável visa
especialmente atender as atividades agrícolas e industriais, principalmente por meio da
irrigação, técnica utilizada para a ampliação da produção de alimentos, destacadamente
em regiões que têm como características a baixa fertilidade e a alta acidez, como no
caso dos latossolos aqui predominantes, que correspondem a 46% da área do bioma.
Segundo Castilho e Chaveiro,
Em extensão, o domínio do Cerrado é o segundo maior do Brasil. Sua área
original era de dois (2) milhões de quilômetros quadrados. Abrange grande
área da região Centro-Oeste brasileira como também partes do Norte,
Nordeste e Sudeste. O clima é subtropical, semiúmido com duas estações
definidas: uma úmida (verão chuvoso) e outra seca (inverso seco). O solo, em
grande parte é deficiente em nutrientes, porém rico em ferro e alumínio.
Esses fatores, sobretudo o clima, influenciam um tipo de vegetação
peculiar (2010, p. 38).

O Cerrado, tanto em relação à correção tecnológica de seu solo, como a capacidade


hídrica que dispõe, torna-se o Bioma mais sujeito a esses investimentos. Por isso, nos
últimos meses têm aumentado consideravelmente o número de investidores,
corporações, e até mesmo países, interessados em adquirir terras no Brasil, diante da
importância geopolítica que vai adquirindo a produção de alimentos. Em especial, o
Cerrado, por todas essas possibilidades, encontra-se na lista das regiões que mais tem
despertado esses interesses.
É importante destacar, diante desses novos investimentos, que o processo de ocupação
do Cerrado, na década de 1970 teve a participação importante do governo japonês, que
formou uma parceria com o governo de Goiás através do Projeto Nipo-Brasileiro de
Desenvolvimento do Cerrado (PRODECER), em parceria com a Japan International
Cooperation Agency (JICA). Conforme Barreira e Chaveiro,
No caso do PRODECER, a disputa pelo comércio de grãos entre EUA e
Japão lançou o governo japonês para interferir no sistema produtivo do
Cerrado. (...) Embora o processo tenha transformado o Cerrado num citurão
produtivo importantíssimo, principalmente para a balança comercial do país,
ao gerar bens de exportação, houve uma concentração de terras, um aumento

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da desigualdade e uma concentração espacial, parcialmente fundada na
urbanização desigual que espelha um território urbanizado e cheio de
problemas.

O PRODECER não acabou, apesar dos problemas que o atingiram, principalmente em


função do endividamento de agricultores (DINIZ, 1999) .Mas ele já se encontra em sua
IV etapa, dependendo ainda para seu prosseguimento da quitação dessas dívidas,
recorrente ainda ao PRODECER II, sendo essa uma condição imposta pelo Governo
Japonês. Não foi possível encontrar dados recentes sobre o andamento dos pagamentos
das dívidas, referentes também ao PRODECER III.

O Cerrado na Geopolítica dos alimentos

Tem crescido aceleradamente o interesse por investimentos em terras no Bioma


Cerrado, não somente em Goiás, mas estendendo-se em direção a uma nova fronteira
agrícola, já denominada, MATOPIBA (Maranhão, Tocantins, Piauí e Bahia).[1] Em sua
maior parte o ambiente a ser ocupado é composto pelo Bioma Cerrado, numa área de
transição para a Amazônia.
Mas, o diagnóstico é preciso, embora às vezes usado de maneira catastrófica: o domínio
do Cerrado está sob forte ameaça de extinção, paradoxalmente em função de uma
riqueza que, há algumas décadas, poucos acreditavam existir sob os galhos secos e
retorcidos de um ambiente incógnito. Quanto às soluções, embora viáveis, dependerão
da maneira como os estudos e as pesquisas influenciarão os setores públicos e privados,
bem como das possibilidades de promover um desenvolvimento socioambiental que não
abdique da capacidade de manutenção da vida na Terra.
A contradição maior, que aflige aqueles que pesquisam o Cerrado, mas que tem uma
visão da importância crescente que toma nos dias atuais a produção de alimentos no
mundo reside no fato de ser este um bioma, por excelência, adequado a tornar-se a
maior região de produção agrícola do Brasil, pela sua topografia, pelas correções
tecnológicas em seu solo, e pela capacidade hídrica, mas ao mesmo tempo correr o risco
de ver desaparecer toda a sua rica biodiversidade.
Lester R. Brown, presidente do Earth Policy Institute, aponta alguns dos problemas
gerados pela crescente demanda de alimentos no mundo:
A duplicação dos preços mundiais dos grãos desde o início de 2007 foi
impelida principalmente por dois fatores: o crescimento acelerado da
demanda e a dificuldade crescente de expandir rapidamente a produção. O
resultado é um mundo que parece chocantemente distinto da generosa
economia mundial de grãos do século passado. Como será a geopolítica dos
alimentos numa nova era dominada pela escassez? Mesmo neste estágio
inicial, podemos ver ao menos os contornos gerais da economia alimentar
emergente.

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Do esgotamento de lençóis freáticos à erosão de solos e às consequências do
aquecimento global, tudo significa que a oferta mundial de alimentos
provavelmente não acompanhará nossos apetites coletivamente crescentes.
Com a elevação das temperaturas, os lençóis freáticos estão diminuindo na
medida em que os agricultores bombeiam em excesso para irrigação. Isso
infla artificialmente a produção de alimentos no curto prazo, criando uma
bolha dos alimentos que estoura quando os aquíferos são esgotados e o
bombeamento é necessariamente reduzido à taxa de recarga.
(...) à medida que terra e água se tornam mais escassas, que a temperatura da
Terra sobe e a segurança alimentar mundial se deteriora, está surgindo uma
geopolítica perigosa de escassez de alimentos. A apropriação de terra, de
água, e compra de grãos diretamente de fazendeiros em países exportadores
são hoje partes integrantes de uma luta pelo poder global para segurança
alimentar (BROWN, 2011).

Isso dá uma dimensão dessa enorme contradição. O desafio, então, que nos cerca
consiste em não somente apontar os problemas gerados por uma exploração excessiva
do Cerrado, mas também como torná-lo potencialmente explorável no quadro de uma
crescente escassez de alimentos no mundo, conservando ao necessário a sua
biodiversidade.
A água, nesse aspecto, torna-se o elemento crucial a ser preservado. Embora pouco
identificado em muitas pesquisas sobre o Bioma Cerrado, esse líquido constitui-se no
principal suporte para dar garantias de manutenção da biodiversidade e, ao mesmo
tempo, da produção de alimentos.
Contudo, a rapidez com que tem se dado as exigências para ampliação em uma escala
crescente da quantidade de produtos agrícolas para atender a demanda do Brasil e do
mundo, levará a um esgotamento não só de rios, riachos, córregos e igarapés, podendo
afetar também lençóis freáticos e até mesmo aqüíferos. Além disso, o encharcamento do
solo, em função do uso de técnicas de irrigação baseado em grandes pivôs centrais e
métodos de aspersão, transformará a qualidade de solo, tornando-o salinizado e
reduzindo sua capacidade produtiva.
Os exemplos negativos dessa exploração excessiva do solo, mediante essa prática que
tem se tornado intensiva no Brasil e nas regiões do Cerrado, podem ser vistos em outras
partes do mundo, como no Mar de Aral (Ásia Central); Rio Colorado (Estados Unidos);
Lago Chade (África); e Bacia Murray-Darling (Austrália). A consequência é, com a
persistência da exploração abusiva da água, a desertificação e a inapropriação do solo
para produção agrícola.
Estabelecer um equilíbrio entre a necessidade de produção de alimentos, considerando
toda a capacidade e riqueza do solo cerradeiro, e evitar o esgotamento do rico potencial
hídrico do Cerrado, é a condição primeira para a conservação desse que é um dos mais
importantes biomas brasileiros.
Esse é o desafio dos pesquisadores. No caso específico do uso da água, as análises dos
tipos de métodos de irrigação deverão apontar para uma necessidade de alteração da
tecnologia em uso. Inevitavelmente o uso de aspersores e pivôs centrais colocará em

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risco o potencial hídrico do Cerrado. Corrigir isso é a condição para a manutenção da
nossa biodiversidade, aliado a uma alteração da estrutura fundiária, visto que o grande
latifúndio impede a adoção de técnicas mais compensatórias, como por exemplo, o
gotejamento ou o uso de microaspersores.
Certamente a condição de ser o Cerrado uma região dominada por grandes latifúndios, e
não haver perspectivas próximas de alteração nessa estrutura torna mais difícil a solução
desse problema. E, como pôde ser destacado anteriormente, é forte a pressão dos
grandes produtores, junto aos órgãos estatais responsáveis, para aumentar
financiamentos públicos a fim de ampliar a área irrigável. Esta, portanto, constitui-se
em uma enorme contradição e um embate entre a razão instrumental e os interesses
econômicos imediatistas.

Considerações Finais

O desenvolvimento de um Estado, de uma Nação, é condição sine-qua-non para a


garantia de equilíbrio e harmonia social. Resgatar uma imensa dívida com as
populações pobres tem sido uma das metas prioritárias que embalaram os planos de
governos nas últimas décadas. Mas isso não pode ocorrer ás custas da destruição de uma
rica biodiversidade do Cerrado como vem ocorrendo de diversas maneiras,
demonstrando o impacto perverso que o progresso a qualquer custo causa no Cerrado e
nas populações tradicionais que ali vivem. O quadro político atual, com a iminência da
radicalização de políticas conservadoras e o protagonismo político reforçado dos setores
latifundiários e do grande agronegócio no novo governo brasileiro, imposto pelos
setores que controlam os meios de produção, tende a piorar essa situação.
Resta lutar por um desenvolvimento que possa se aproximar o máximo possível do que
se imagina ser a sustentabilidade ambiental. Devem-se buscar práticas conservacionistas
que contemplem a ampliação da produção agrícola com a garantia de que os recursos
hídricos e a biodiversidade do Cerrado não desaparecerão para atender a uma lógica
produtivista que venha a desconsiderar a importância que a natureza possui para a nossa
vida, para “o nosso futuro comum”.
Devemos apostar na vida humana em perfeita harmonia com a natureza, através da
sensação de um prazer encontrado em um equilíbrio advindo da essência do ser...
humano, vegetal, animal.
O futuro da humanidade depende desse equilíbrio. Se nos custa acreditar em
desenvolvimento sustentável, conforme FOLADORI (2001) diante de uma lógica
consumista descontrolada cabe-nos buscar outras maneiras de construir alternativas.
Eliminar a pobreza não significa acabar com os pobres, mas também não pode significar
por fim à natureza, porque em sua extensão significará a eliminação de toda a vida
humana.

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O Planeta tem sede... O Cerrado tem sede. Dai, água a quem tem sede, pois que senão
corre-se o risco de morrer-se estorricado.

NOTAS:
* Este texto foi produzido em 2012 como colaboração às pesquisas desenvolvidas para o Projeto Biotek –
Apropriação do Território e Dinâmicas Sócioambientais no Cerrado: Biodiversidade, Biotecnologia e
Saberes locais, vinculado ao Laboratório de Estudos e Pesquisas das Dinâmicas Territoriais –
Laboter/Iesa.
** Publicado originalmente na revisa eletrônica, Cadernos Territorial. Acesso pelo link:
http://www.cadernoterritorial.com/news/liquido-e-certo-as-contradicoes-que-afetam-o-cerrado-
romualdo-pessoa-campos-filho/
[1]“A expressão MATOPIBA resulta de um acrônimo criado com as iniciais dos estados do Maranhão,
Tocantins, Piauí e Bahia. Essa expressão designa uma realidade geográfica que recobre parcialmente os
quatro estados mencionados, caracterizada pela expansão de uma fronteira agrícola baseada em
tecnologias modernas de alta produtividade”. Extraído do
site: https://www.embrapa.br/gite/projetos/matopiba/matopiba.html. Acesso em 20 de outubro de 2015.

Referências
BROWN, Lester R. Revista Foreign Policy. reproduzido pelo jornal O Estado de S.Paulo, em
22.05.2011.
CHAVEIRO, Eguimar, BARREIRA, Celene Cunha Monteiro Antunes. Cartografia de um Pensamento
do Cerrado. In: PELÁ, Márcia C. H.; CASTILHO, Denis. Cerrados: Perspectivas e Olhares. Goiânia:
Editora Vieira, 2010
CASTILHO, Denis, CHAVEIRO, Eguimar Felício. Por uma análise territorial do Cerrado. In: PELÁ,
Márcia C. H; CASTILHO, Denis (Org.). Cerrados – Perspectivas e Olhares. Goiânia-GO: Editora Vieira,
2010
RIBEIRO, Wagner Costa. Geografia Política da Água. São Paulo; Annablume, 2008
DINIZ, Maurício Sampaio. Dívidas do Prodecer somam R$ 400 milhões. In: Gazeta Mercantil, 15 de jul.,
1999.
ESTADO. Suplemento especial sobre o Cerrado. São Paulo: Jornal O Estado de São Paulo, 26 de set.,
2009. Disponível em. Acessado em jul., 2010.
FOLADORI, Guilhermo. Limites do Desenvolvimento Sustentável. São Paulo: Editora Unicamp, 2001
FAEG, Comissão de Irrigantes. Anuário da Irrigação 2008. Goiânia: Federação da Agricultura e Pecuária
no Estado de Goiás, 2008.
O POPULAR. Araguaia pode ter hidrovia até o Pará. Goiânia: Jornal O Popular, de 10 de agosto de
2010. Disponível em . Acessado em ago., 2010.
PORTO-GONÇALVES, Carlos Walter. A Globalização da Natureza e a Natureza da Globalização. Rio
de Janeiro: Civilização Brasileira, 2006.
SEPLAN. Anuário estatístico do Estado de Goiás. Disponível em . Acessado em ago., 2010.

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A CRISE DA ÁGUA EM SÃO PAULO

Publicado em 27 de novembro de 2014


http://gramaticadomundo.blogspot.com.br/2014/11/a-crise-da-agua-em-sao-paulo.html

“Água pra encher/Água pra manchar


Água pra vazar a vida/Água pra reter
Água pra arrasar/Água na minha comida
Água/Aguaceiro/Aguadouro/
Água que limpa o couro/Ou até mata”.
(Água. Djavan)

O problema da água, no Brasil e no mundo não é recente. Já se vive uma situação


alarmante há décadas, e isso vem sendo devidamente pesquisado e alertado em diversos
fóruns de discussões, em universidades ou por organismos multilaterais, como a própria
ONU, que no ano de 2006 publicou em seu Relatório Anual, um denso estudo sobre
a situação hídrica no mundo[1].
No entanto, por questões políticas decorrentes da realização de um processo eleitoral
neste ano, exatamente em meio a pior crise hídrica do Estado de São Paulo, vimos
desfilar pelos meios de comunicação, principalmente o maior deles, a Rede Globo, uma
infinidade de reportagens manipuladoras, de tentativas grosseiras de desviar as
responsabilidades sobre o mal gerenciamento desse recurso imprescindível em nossas
vidas. Por uma razão óbvia, aliviar o governo daquele Estado, e garantir a reeleição do
governador Geraldo Alkmin. O problema maior, além da enganação política, é
prolongar um problema sério e de visível agravamento para a população, já que o
governo, por essa razão, evitou alertá-la para o risco e deixou de adotar medidas para
conter desperdícios.
No primeiro momento, durante o processo eleitoral o que se viu foi omissão, e até
mesmo uma solene indiferença ao grave problema que afetava a população paulista.
Passadas as eleições, gradativamente a situação foi sendo mostrada, sem o caráter
impactante que caracteriza a forma como esses telejornais, e outros veículos de
comunicação, tratam situações parecidas, mas referentes às responsabilidades do
governo federal. De forma desavergonhada, e acintosamente, amenizaram a gravidade
da crise hídrica, e, exatamente por isso, tentam tergiversar e desviar o foco da principal
razão, a má gestão, e apresentam reportagens que, bem aos seus estilos, tratam de todas
as causas que sabidamente tornam a questão hídrica grave, para, dessa forma,
responsabilizar fenômenos naturais, ou aqueles mais gerais, ligados ao processo de
desenvolvimento econômico com as indicações das responsabilidades humanas, sempre
genéricas, mas nunca colocando em xeque o estilo de vida criado pelo sistema
capitalista.
Ora, não é novidade que o alto grau de urbanização e a impermeabilização do solo, em
cidades que crescem aceleradamente elevam a temperatura nas grandes metrópoles, isso
eu estudei quando fazia o colegial; Tampouco é inquestionável que o desmatamento
acelerado da Amazônia afeta o regime de chuvas, afetando a evapotranspiração, uma
vez que a diminuição da vegetação nessa imensa floresta reduz na formação da

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umidade, refletindo no regime de chuvas. Pela dimensão da floresta Amazônica essa
afetação se estende por diversas regiões brasileiras, podendo chegar até a influenciar nas
precipitações hídricas no sul do país. Isso também tem sido objeto de estudos há
décadas.
Mas quais as medidas efetivas foram tomadas pelos governos de São Paulo, durante a
última década, diante da eminência de uma crise que era dada como certa, visto que
esses problemas eram previsíveis? Tenho visto referências aos problemas gerenciais da
água, eles estão sendo mostrados. Mas de uma forma a amenizar erros dos gestores
paulistas, procurando identificar as causas em situações que, supõe-se, não seriam da
responsabilidade daqueles que deveriam estar diuturnamente preocupados não somente
com o que aconteceria no próximo dia, mas nas décadas seguintes.
É preciso separar os vários tipos de problemas. Mas eles têm também relação com a
governança estadual. Como não? Devem-se fazer também reportagens sobre o quanto se
desmatou no Estado de São Paulo em décadas anteriores. Se no começo desse século,
reduziu o desmatamento nesse Estado, é porque praticamente já não há muito mais a ser
desmatado. E registre-se o fato de que há uma semelhança entre o Nordeste de séculos
passados e o São Paulo de hoje, a grande quantidade de hectares plantados com de cana-
de-açúcar, cultivo que traz um grande prejuízo ao solo, como de resto todas as
monoculturas, e por um uso intensivo de água em sua produção e transformação nas
usinas.
Quando digo separar, não penso em ignorá-los. Mas deve-se dar a sua devida dimensão,
local, regional e global. As responsabilidades despontam em todos os níveis. Mas o caso
específico em discussão, caso grave de estresse hídrico que afeta aquele Estado, decorre
da absoluta incompetência na gestão da água. Simplesmente porque o que se vê hoje, já
tem sido alertado por especialistas, diante principalmente no acelerado crescimento
urbano, bem como o aumento do índice de desenvolvimento nas regiões metropolitanas,
fazendo com que o consumo de água crescesse a olhos vistos.
Em trabalho publicado em 2008, o professor da USP, Wagner Ribeiro alertava[2]:

As manchas urbanas exigem muita água para a produção do espaço urbano e


para suprir as demais necessidades de seus habitantes. É cada vez mais caro
prover água a poplação das grandes cidades e das metrópoles.
(...) São Paulo é um caso que merece atenção. Com cerca de 20 milhões de
habitantes, situada em um sítio cujas altitudes oscilam entre 800 e 400m,
necessita captar água de outras bacias hidrográficas para prover sua
população. O fato mais grave é que a legislação de proteção aos mananciais,
criada na década de 1970 e revista na de 1990, não conseguiu coibir a
ocupação irregular nas áreas das nascentes. (pág. 35)

Ora, um trabalho de pesquisa que trata especificamente o problema da área, realizado


por um estudioso de uma universidade paulista, a mais conceituada do país, não poderia

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jamais ser subestimado por gestores do Estado, que deveriam estar permanentemente
atualizado sobre um problema visivelmente complexo pela sua importância e gravidade.
Mas não somente este estudo, como tantos outros, apresentados inclusive em um evento
realizado na cidade de São Paulo, no Memorial da América Latina, em 2010, com a
exposição de dezenas de trabalhos de pesquisa sobre as dificuldades hídricas no Brasil e
no Mundo. Organizado por uma rede internacional, Waterlat, o Congresso teve como
temática central a “tensão entre justiça ambiental e justiça social na gestão da água”, e
aglutinou pesquisadores brasileiros e estrangeiros, gerando um ambiente propício para
se identificar os principais problemas que cercam os recursos hídricos e apontando
perspectivas críticas e soluções. Eu estive nesse congresso e pude também apresentar
um trabalho de pesquisa que desenvolvo dentro da problemática da água, no âmbito da
geopolítica, identificando as dificuldades da gestão transfronteiriça desse recurso, e,
principalmente, o seu uso – e abuso – na agricultura. Especificamente enfocando o
cerrado goiano, e a região de Cristalina, no entorno de Brasília, com a concentração da
maior quantidade de pivôs centrais da América Latina. Essa região pode vir a atrair
investimentos de uma São Paulo seca e desprovida desse imprescindível recurso, mas já
se depara com os mesmos problemas.
Mas, onde estavam os gestores paulistas no momento da realização de um evento
importante para as atividades que eles desenvolvem?
A série de reportagens da rede Globo, que me levou a escrever esse artigo, ao amenizar
a responsabilidade dos gestores prolonga esse comportamento irresponsável, de
menosprezar a necessidade de se encarar as soluções com rapidez, principalmente
porque elas demandam tempo para gerar resultados. Ao mesmo tempo, completando o
festival de desinformação sobre quais são as melhores medidas a serem adotadas, foram
mostradas pesquisas da Embrapa (Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária), no
campo da transgenia, com o enxerto em plantas de elementos que a tornam mais
resistentes aos períodos secos, demandando pouca água para a sua sobrevivência. Mas
isso não é solução para os problemas imediatos, não tem nenhuma relação com as
alternativas que devem ser encontradas para solucionar o problema de mais de uma
dezena de milhão de pessoas que estão em vias de conviver com a falta de água em uma
das dez cidades mais populosas do mundo.
A desinformação, e a manipulação da informação, causa um sério complicador, na
medida em que não possibilita que o processo educativo atue com precisão em meio à
população. A omissão do Estado, decorrente da disputa eleitoral, em iniciar desde o
primeiro semestre um cronograma de racionamento na cidade, possibilitou que o
Sistema Cantareira, complexo de diversas barragens que abastece a maior parte da
cidade de São Paulo, reduzisse drasticamente seu volume de águas. Indiferença das
pessoas por um lado, já que a gravidade do problema foi reduzida por irresponsabilidade
política, e cobrança acentuada por outro, na medida em que a água começa a faltar,
principalmente em bairros mais elevados, como consequência da redução na pressão a
fim de evitar mais desperdícios nas tubulações, torna a situação ainda mais tensa.
Principalmente porque afeta os bairros de maior população, periféricos e de menor

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poder aquisitivo. No outro extremo, as empresas e grandes condomínios investem na
alternativa dos poços artesianos, causando mais dois problemas sérios: a (in)justiça
ambiental e a redução dos níveis dos lençóis freáticos.
Sobre isso, outro pesquisador, e doutor pela Universidade Federal do Rio de Janeiro,
Carlos Walter Porto-Gonçalves, escreveu ainda em 2006[3]:

Hoje, com o motor a diesel se busca água no subsolo e, com isso, introduz-se
no nosso léxico cotidiano novas expressões como aquíferos, já que as águas
superficiais e mesmo os lençóis freáticos já não se mostram suficientes, pelo
menos na hora e no lugar desejados. Cada vez é maior o saque aos aquíferos
e, deste modo, introduz-se um componente novo na injustiça ambiental
generalizada no mundo e em cada país com a expansão da racionalidade
econômico-mercantil engendrada pelo capitalismo. Afinal, a captação de
água à superfície era, de certa forma, mais democrática na medida em que a
água estava ao alcance de todos, literal e materialmente. Com a captação de
águas nos subterrâneos, os meios de produção, as bombas a diesel, se
tornam sine qua nonconditio, e como nem todos dispõem desses meios a
injustiça ambiental ganha novos contornos por meio do desigual acesso aos
recursos hídricos. (pág. 424)

Além desse aspecto social, o uso descontrolado das águas dos lençóis freáticos e
aquíferos pode acentuar mais ainda o problema, com o rebaixamento desses depósitos
de águas subterrâneas, fazendo com que a cada perfuração torne-se necessário aumentar
a profundidade dos poços. A consequência disso aparecerá, na dialética precisa do
processo que gera o ciclo das águas, na alteração também do regime de chuvas, uma vez
que impactará nesse processo reduzindo o tempo para que ele se complete, e ampliando
uma situação que de estresse hídrico pode passar para a de escassez total de águas para a
região, e o Estado, de maior desenvolvimento econômico do país. São Paulo pode,
assim, passar pelas mesmas dificuldades que a região do semiárido nordestino. De
imediato, os reflexos econômicos são diversos, e tem sido pontuado em diversas
reportagens, o que gera mais apreensões, tensões e tentativas de se resolver o problema
de forma isolada.[4]
Por isso, como sugere essa reportagem citada, e outras, as soluções deveriam ser para
ontem. E para que se acredite que as medidas a serem tomadas são sérias os gestores
públicos precisam assumir os equívocos cometidos durante todos esses anos, para que
se tenha a certeza de que os mesmos não se repetirão.
Mas porque não se pode culpar simplesmente os fenômenos apontados no início deste
artigo? Embora saibamos que eles ocorrem, são consequências do estilo de vida urbano
e provocam também problemas hídricos. Porque existem outros exemplos, em várias
grandes cidades do mundo, que executaram de forma planejada transposição de águas
de áreas que passaram a ser preservadas, ou onde existem o recurso em abundância. Só
para citar alguns exemplos:

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Para não começar somente com citações de feitos ocidentais, muito comum entre nós,
apresento inicialmente um projeto de grande envergadura e que alguns devem ter
considerado megalomaníaco, até por conhecer a personalidade do governante que o
empreendeu, Muammar al-Gaddafi, ex- presidente líbio, assassinado durante as revoltas
contra o seu governo, com o apoio de países ocidentais. “O Grande Rio Feito Pelo
Homem”, como assim ficou denominado o projeto, executado, se estende pelo deserto
desde a fronteira do Chade com a Líbia, em uma extensão de mais de 4.000
quilômetros, transportando mais de cinco milhões de m³ de água, numa das maiores
obras de engenharia da África[5]. Além de abastecer as grandes cidades, principalmente
Típoli, o objetivo era também impulsionar a produção agrícola, por meio de irrigação,
tornando produtivas regiões áridas.
Mas as dificuldades de abastecimento hídrico, afeta também a maior potência
econômica. Com um país de dimensões continentais e com regiões díspares em suas
características ambientais, mas convivendo em todas elas com o crescimento urbano
exponencial, os EUA também tem exemplos de grandes empreendimentos realizados há
anos, em alguns Estados e/ou municípios, para suprir suas populações de água de
qualidade.
Los Angeles é a segunda cidade mais populosa dos EUA, e, mesmo sendo do Estado
mais rico do país, enfrentava situações por situar-se em uma região de dificuldades
hídricas.
“Los Angeles se espalha por um platô semi-árido, um quadrado cercado por
três desertos e o Oceano Pacífico e com um índice pluviométrico anual médio
de parcos 380 mm -o do Pantanal, por exemplo, fica entre 1.000 mm e 1.400
mm.
Sua única fonte de água doce então era o esquálido rio Los Angeles, hoje um
canal de concreto que também já foi cenário de muitos filmes (entre eles, a
corrida de carros de "Grease - Nos Tempos da Brilhantina", de 1978, com
John Travolta). No auge da exploração, calcularam as autoridades de então,
sua água serviria até a 250 mil pessoas, não mais. Até que alguém teve a
idéia. "E se usássemos a água de sobra do vale Owens?" A 350 km dali,
6.000 metros acima do nível do mar, serpenteava um rio ao largo de uma
série de cidadezinhas e desembocava no lago homônimo”[6].

Uma obra monumental foi posta em funcionamento, mobilizando milhares de operários


e mais de um bilhão de dólares, no começo do século XX, construindo enormes
aquedutos que transportam água até hoje por mais de 300 quilômetros de distância para
abastecer uma população de mais de 20 milhões de pessoas. O custo foi impressionante
e o tempo gasto bem maior do que se prevê para a finalização da transposição do Rio
São Francisco. Mas se constituiu em uma obra imprescindível para garantir que Los
Angeles e o seu entorno pudessem dispor de água de qualidade até os dias de hoje.
Maior cidade dos EUA, e a segunda maior do mundo, Nova Iorque também se deparava
com problemas semelhantes, embora não em uma região tão seca quanto Los Angeles.
Em uma parceria estratégica e inédita, entre fazendeiros, pequenos proprietários de

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terras e o município, o governo estabeleceu uma parceria que possibilitou o controle de
uma reserva situada a mais de 200 quilômetros da cidade, repleta de nascentes e
reservatórios. Protegendo as matas ciliares ao longo dos cursos d’água e criando
medidas protetivas, foi garantida a conservação do recurso que passou a ser
transportado por enormes aquedutos e túneis que começaram a ser construídos desde o
final do século XIX, sendo que o último deles tem previsão de conclusão para o ano de
2020, embora com algumas fases já em funcionamento.
Recentemente, quando se teve início a construção da transposição do Rio São
Francisco, com o intuito de garantir abastecimento a diversas cidades do semiárido
nordestino, por vários estados, cujos rios há muito tempo deixaram de ser perenes,
setores oposicionistas criticaram a medida, e ainda o fazem, sob alegação dos altos
custos envolvidos, ou de outros cujas críticas são de fortes conteúdos ideológicos, e
imaginam que os resultados só beneficiarão ricos fazendeiros. Diga-se de passagem,
serem esses alguns dos argumentos usados no começo do século para os que se
opunham à transposição de águas do Vale de Owens na Califórnia, para Los Angeles[7].
Mas o Estado mais rico do país, há mais de 20 anos governado pelo PSDB, cuja postura
é de se vangloriar pela eficiência administrativa, e apresenta sempre a competência
paulista como referencia para o resto do país, passou todos esses anos, mais de duas
décadas de governo, não somente investindo pouco em obras de impacto que pudessem
apontar para um planejamento futuro de garantia de poucos riscos de abastecimento de
água, como sendo inoperante na adoção de medidas protetivas para os mananciais que
abastecem os sistemas, principalmente o maior deles, o Cantareira, como também os
seus reservatórios. Por seus entornos, margens desprotegidas, abertas a explorações de
diversas atividades turísticas, empresariais e de atividades pesqueiras, expõem a
fragilidade e irresponsabilidade com a gestão de um recurso que já se sabia não ser
suficiente para garantia de abastecimento de uma população urbana de crescimento
acelerado e desordenado. Não foram poucos os alertas para o colapso que se avizinhava.
É evidente que os problemas decorrentes da falta de água, em São Paulo e em outras
partes do mundo, são de dimensões múltiplas, não sendo somente de gestão. Elas
decorrem, além de fatores naturais gerados pela própria dinâmica da terra, como se
aceleram em função do comportamento adotado pelo ser humano, por um estilo de vida
urbano e predador dos recursos naturais a uma celeridade maior do que suas
capacidades de reposição. Além das consequências causadas pelas atividades que geram
aquecimento, reduz a vegetação, destroem as veredas fazendo secar nascentes, causam
assoreamento nas margens dos rios e impactam no regime de chuvas. Mas tudo isso não
se constitui em segredo, ou em algo que está acontecendo somente neste ano. São
situações que já se estendem por várias décadas, conforme explicitei no começo deste
artigo. Isso é o que torna mais grave a inoperância e incompetência dos gestores
públicos, fazendo com que a cobrança principal se dê exatamente contra a incapacidade
de se gerenciar um recurso de tamanha importância para a vida humana e a natureza de
maneira geral.

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O que se espera, é que essa crise, não alimente (e não seja alimentada) a especulação já
em voga em boa parte do mundo, pela ação das multinacionais da água, que dominam
os mercados em diversos países. Conforme é comum no capitalismo, a escassez de um
produto é o que o torna valioso. Por essa razão o investimento na captação de águas
feitas por empresas privadas, e o comércio desse recurso que já se torna mercadoria
quando a adquirimos engarrafada, tem se tornado tão comum, e atraído os interesses
dessas grandes corporações.

As multinacionais estão, cada vez mais, privatizando e consolidando os


sistemas de abastecimento de água. Na última década, pelo menos três –
Suez, Veolia Environmental Services (ex-Vivendi) e Thames Water –
expandiram-se, transformando-se em empresas de comercialização de água
em todo o mundo em desenvolvimento. No início de 2009, a gigante
industrial alemã Siemens pagou quase US$1 bilhão pela U.S. Filter, maior
fornecedor de produtos e serviços para tratamento de água da América do
norte. Multinacionais gigantescas, como General Eletric e Dow Chemical,
também estão entrando no ramo de água, ao lado de outras empresas das
quais você já deve ter ouvido falar, como Nalco, ITT e Danaher
Corporation.[8] (Pág. 76-77)

Por mais absurdo que pareça a idéia, ela me povoa a mente. Espero estar equivocado, e
esta não seja uma crise provocada, em uma atitude de risco calculado, visando
implementar formas privadas da gestão da água na capital e no Estado de São Paulo.
Considerando que Sabesp, (Companhia de Saneamento Básico do Estado de São Paulo)
que gerencia essa atividade já é uma empresa de economia mista e de capital aberto,
com ações comercializadas em bolsas de valores, não é de se espantar, dado a própria
característica do governo paulista, se essas medidas vierem a ser tomadas. Por enquanto
as atenções se dirigem para a capacidade dessa empresa conseguir solucionar um
problema de gerenciamento que até agora ela foi incapaz de resolver. Os gestores
privados, especuladores, acionistas, estão de olho no desenrolar dessa crise. O que eles
desejam, é lucrar com ela. O que interessa à população é solucionar os problemas,
garantir abastecimento de água sem racionamento em suas casas, mas deve, sempre,
lutar para que jamais a água se torne uma mercadoria a saciar a ganancia de usurários
capitalistas.

[1] Acesse o relatório em PDF no link:


http://www.pnud.org.br/HDR/arquivos/RDHglobais/hdr2006_portuguese_summary.pdf
[2] COSTA, Wagner Costa Ribeiro. Geografia Política da Água. São Paulo: Anablume, 2008.
[3] PORTO-GONÇALVES, Carlos Walter. A globalização da natureza e a natureza da globalização. Rio
de Janeiro: Civilização Brasileira, 2006.

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[4] http://exame.abril.com.br/seu-dinheiro/noticias/como-a-crise-da-agua-em-sp-pode-secar-tambem-o-
seu-bolso
[5] Great Man Made River Project Libya, Libyen.
https://www.youtube.com/watch?v=COGWWYfjZSI#t=10
[6] Sem Transposição de Águas Los Angeles Não
Existiria. http://www1.folha.uol.com.br/fsp/brasil/fc1710200512.htm
[7] O Plano B do exemplar sistema de abastecimento de água da cidade de Nova York
http://ie.org.br/site/noticias/exibe/id_sessao/70/id_colunista/4/id_noticia/8681/O-Plano-B-do-exemplar-
sistema-de-abastecimento-de-%C3%A1gua-da-cidade-de-Nova-York
[8] SMITH, Laurence C. O Mundo em 2050. Rio de Janeiro: Elsevier-Campus, 2011.

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A CRISE HÍDRICA, O OLHAR OBTUSO DA MÍDIA E A LENIÊNCIA DOS
GESTORES PÚBLICOS
Publicado em 13 de fevereiro de 2015
http://gramaticadomundo.blogspot.com.br/2015/02/a-crise-hidrica-o-olhar-obtuso-da-midia.html

A crise hídrica, enfim, tornou-se notícia. Junto com ela a preocupante, e também
negligenciada, situação energética, naturalmente por conta de a principal matriz
brasileira de geração de energia, ser a hidrelétrica.
Mas, como sempre ocorre quando o assunto é água, prevalece além da tentativa de se
apontar o caos para depois de amanhã, os incontáveis equívocos quanto às formas de se
buscar soluções para esse grave problema.
Além desses dois aspectos, outro aparece como decorrência da estiagem que acontece
em algumas regiões brasileiras, principalmente naquelas onde esse fenômeno não era
tão comum, o chamado “aquecimento global”. Impossível tratar a tudo isso, com a
complexidade que cerca cada um desses temas, em um espaço reduzido de texto.
Cabe-nos, contudo, estarmos alertas para questões que são essenciais, de forma,
principalmente, a evitar que o pânico, gerado por informações distorcidas ou
enviesadas, tome conta da população. E para que as medidas a serem adotadas pelos
governos, não sigam no caminho das manchetes que focam somente naquilo que
momento atual está indicando.
Vou tentar resumir como vejo essa questão, e onde estão os principais gargalos
geradores dos problemas. Tendo claro que a ótica a ser abordada não é meramente
técnica, mas também geopolítica, observando a importância da água como um recurso
de enorme importância estratégica para o Estado-Nação, para a economia, e para o
cotidiano da vida das pessoas em suas relações sociais e pessoais.
É ponto passivo que o país (e grande parte do mundo) vive uma crise hídrica,
consequência das alterações dos regimes de chuvas, que por sua vez decorre de uma
série de fatores de ordem natural, mas também causados pela intervenção humana, pelo
estilo de vida gerado pelo sistema capitalista. Nada disso, contudo, é novidade. Já vem
sendo alertado por pesquisadores há décadas, inclusive em publicações, pesquisas e
livros, à disposição de estudiosos e técnicos dos governos. A batalha pela água ocorre
há muito tempo, e tem despertado interesses de grandes corporações, na medida em que
se torna cada vez mais escassa e passa a ser tratada como uma mercadoria, ao invés de
um recurso vital para a vida e um bem comum a ser compartilhada pela humanidade.
Muito se tem comentado sobre as medidas a serem tomadas, absurdamente em caráter
emergencial, para garantir abastecimento às populações urbanas e garantir a geração de
energia. A maior parte daquilo que dizem os representantes dos governos estaduais,
contudo, são diagnósticos tardios e intervenções reparadoras que não são suficientes
para resolver os problemas.

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Em primeiro lugar é preciso ter a clareza de que o maior consumo de água doce é na
agricultura e pecuária, com cerca de 70%, variando de região para região, do total
disponível. 20% é consumo industrial, ficando em torno de 10%, variável, para o
abastecimento urbano.
Evidentemente que o fato de as cidades terem crescido de forma exponencial, e
conviverem com um adensamento urbano além do que deveria ser aceitável,
principalmente em sua verticalização, levou a um conflito sem precedentes, no limite da
capacidade de se obter água para abastecer uma enorme camada humana, infinitamente
inferior à demanda. Os rios e córregos que cercam as grandes cidades não são
suficientes para atender às necessidades de um consumo que se eleva a cada dia,
situação que se agrava com a poluição descontrolada que toma conta desses mananciais,
em muitos casos tornados verdadeiros esgotos a céu aberto.
Cada vez mais a alternativa tem sido captar água em lugares distantes. Mas essa medida
esbarra em outra realidade. O volume de águas, mesmo em rios que ainda encontram-se
perenes, cai a cada ano, como decorrência de diversos fatores, desde o desequilíbrio do
regime de chuvas, às destruições das margens por meio de assoreamentos, até, e o que é
mais grave, como decorrência das destruições de veredas, que compromete e até mesmo
faz desaparecer, muitas nascentes, reduzindo a quantidade de água. Tudo isso se torna
mais complexo, quando inúmeros projetos de irrigação entram em funcionamento, com
desperdício de águas decorrentes do uso de enormes pivôs centrais.
Ora, citei algumas causas da crescente escassez de água, que tem levado a um estresse
hídrico já em estágio avançado. Mas os problemas se multiplicam, porque a
preocupação com a água sempre foi negligenciada. Tomemos as discussões em torno do
Código Florestal, e as pressões por representantes do agronegócio, com o objetivo de
reduzir a área de proteção das margens dos rios. Ou a absoluta ausência de ação de
governos municipais e estaduais, visando proteger reservatórios essenciais para o
abastecimento de grandes centros urbanos. No entorno desses reservatórios, atividades
econômicas, invasões de residências clandestinas e até mesmo descarga de esgotos
residenciais e industriais, compõem um cenário absurdamente irresponsável na gestão
da água e no cuidado dos rios que compõem a bacia de onde essas águas são represadas.
Ingenuamente, alguns setores da mídia insistem em desenvolver reportagens que visam
“educar” a população para consumir água. Ora, isso é como podar os galhos de uma
árvore. Eles continuarão a crescer, pois faz parte de sua natureza. O problema da água
não consiste somente, ou tão principalmente, como alguns querem fazer crer, em
estabelecer regras mais rígidas de controle, ou cobrança de multas, para quem gera
desperdício no uso da água. Tudo bem que se eduquem as pessoas a não desperdiçarem
água. Aliás, não somente água, mas, como também qualquer recurso da natureza. No
entanto, isso não é suficiente, porque os problemas estão na origem, na maneira com a
água é captada, e de como ela é usada para uso industrial, minerador e agropecuário.
Urgentemente faz-se necessário recuperar as nascentes de córregos e rios. A
recuperação de veredas e a proteção daquelas que estejam ameaçadas deve ser uma
medida emergencial, cujo tempo de começar já passou; Recompor as margens de rios

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importantes para as principais bacias, com fiscalização rigorosa a fim de conter a
destruição da vegetação, bem como coibir a extração de areias que são feitas de forma
descontroladas; Frear todo e qualquer desmatamento em áreas próximas a esses rios, e
principalmente a suas nascentes; e retirar do entorno de todos os reservatórios que
servem para abastecer as cidades as construções erguidas de maneira irregular, ou até
mesmo aquelas que porventura tenham sido autorizadas, mas que se identifiquem
também como possíveis de afetá-los.
Algumas dessas medidas dizem respeito também à necessidade de se prevenir contra
prováveis situações de diminuição do volume de água em represas responsáveis pela
geração de energia hidrelétrica. As causas são as mesmas, as origens são próximas, e as
formas de combater os problemas também são parecidos. Afinal, estamos tratando do
mesmo recurso, utilizado para fins diferentes: água.
Mas há especificidades, naturalmente, nas medidas a serem adotadas em um caso e em
outro. As discussões e torno das iniciativas de investimentos em projetos visando
atender à necessidade da crescente demanda por energia são, da mesma forma,
complexas, mas requerem um outro tipo de tratamento e outra abordagem.
A água é o recurso mais importante para a vida, não se pode mais negligenciar a sua
importância estratégica, nem olhá-la com a ilusão de que aqui no Brasil ela corre em
abundância. Isso não é verdade. Embora detenhamos o maior percentual de água doce
dentre todo os países, ela está localizada de maneira desequilibrada nas regiões. Com
excesso de água naquela região onde existem um contingente menor de pessoas, o
Norte, e uma crescente escassez nas regiões de maior população e desenvolvimento
industrial e agrícola. Não se trata mais de elaborar planejamentos, urge, de imediato,
realizar obras que já tenham sido pensadas décadas atrás. Estamos correndo contra o
tempo, e a água escorre por nossas mãos.

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A DIALÉTICA DA NATUREZA E A SOBREVIVÊNCIA HUMANA
Publicado em 30 de junho de 2016
https://gramaticadomundo.blogspot.com.br/2016/06/a-dialetica-da-natureza-e-sobrevivencia.html

O otimista é um tolo.
O pessimista, um chato.
Bom mesmo é ser um realista esperançoso.
(Ariano Suassuna)

Tenho abordado de forma recorrente as discussões propostas para essa mesa redonda,
nas disciplinas de geopolítica, com foco direcionado para as questões ambientais:
biodiversidade, água e alimentos. Me guio pela dialética como elemento essencial para
que possamos entender toda a situação que nos envolve.
Parece que há na sociedade um medo do contraditório, como a tentar impedir aquilo que
é incontrolável: nossa vida transforma-se dialeticamente, e o seu impulso, o que
possibilita essas transformações são as contradições. Negar-se, e afirmar-se, no choque
das forças que se opõem. Não há, na vida, nada que se construa, sem que isso implique
algum tipo de destruição. Ao que Engels chamava de “negação da negação”.
O maniqueísmo presente nos argumentos ambientalistas e o discurso do medo, que têm
sido a tônica no mundo nas últimas décadas, transformam um tema que deveria ser
conduzido pela racionalidade em uma espécie de dogma fundamentalista, para o qual
todos que vierem a defender o progresso social deveriam ser queimados no fogo do
inferno. Muito embora tenhamos também consciência que o significado dessa palavra,
“progresso”, pode ter vários sentidos. Mais uma vez a contradição.
Tenho plena noção dos problemas ambientais, e procuro ampliar meu conhecimento
acompanhando pesquisas e informações sobre esse tema. E aqui não confundo a palavra
“ambiental” com natureza, como muitos fazem. O ambiente (ou o meio-ambiente) inclui
não somente a natureza natural, mas também todo o habitat, o espaço onde se inserem
animais, plantas, o ser humano, e tudo que por eles tenha sido construído.
Alguns desses “problemas” decorrem da própria maneira como a vida evolui, e como o
espaço vai sendo transformado para se adaptar às necessidades dos seres vivos, e,
obviamente às mudanças geradas por eles próprios. Mas também outros fatores
abióticos impõem algumas transformações que fazem com que, permanentemente, o
nosso planeta, a terra, altere sua configuração, eixo, rotação e outros aspectos
aparentemente imutáveis. O espaço transforma-se permanentemente, com ou sem a ação
humana. E isso, dialeticamente, reage sobre nós, provocando todos os tipos de
alterações e de necessidade de nos readaptarmos. Assim, o organismo vivo se adapta e
se altera, como uma condição para sua própria sobrevivência. Ave, Darwin!
A maneira de não transformarmos ideias em dogmas é exatamente partirmos do
princípio que a vida é marcada por contradições. E não há contradição maior, no mundo

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que o ser humano construiu, do que nos depararmos com uma população de 7 bilhões de
pessoas, em muitos casos vivendo em cidades que ultrapassam 10 milhões de
habitantes. Isso mais do que triplica se incluirmos também no ambiente citadino os
demais bichos que nos fazem companhia. Alguns dos quais nos dias atuais são melhores
cuidados do que gente.
Ocorre, também, que nos movemos por interesses. O jogo desses interesses
transformou-se ao longo de nossa história na base política que construiu a nossa
sociedade, a cultura, a idiossincrasia, a religião etc. A disputa econômica pelo controle
dos meios de produção, da riqueza, da terra, e.... do Poder! Assim, como nos ensina
Raffestin,[1] inspirado em Michel Foucault,[2] com “P” maiúsculo, para se diferenciar
de outros poderes, com “p” minúsculo. Aqueles pequenos poderes que nos acompanham
em nossas relações cotidianas, desde a família, até a escola, o trabalho etc.
Então, para entendermos que por trás dos discursos existe “muito mais coisas do que
imagina nossa vã filosofia” (parafraseando um personagem de Shakespeare),
precisamos ir além das palavras e frases, muitas delas com forte impacto, como das
orações que afetam a fé e faz com que as pessoas as tomem por verdades absolutas,
porque são carregadas de simbolismos e, pela repetição, tornam-se dogmas
inquebrantáveis. Os que discordarem são transformados em entes do mal, seguindo-se o
princípio maniqueísta do gnosticismo primitivo do filósofo persa Mani: a luz e as
trevas, o bem e o mal.
Assim, melhor inspirar-se nas ideias de Voltaire e lembrar-se de uma frase a ele
atribuída: “discordo do que dizes, mas defenderei até a morte o direito de dizê-lo”.
Dessa forma nos aproximamos daquele sentido dado pelos filósofos antigos, pelo qual
somente pelo embate das ideias e das contradições que as mesmas carregam, é possível
se atingir o conhecimento em plenitude. Evidentemente jamais como uma verdade tida
como absoluta.
Todo esse rodeio filosófico que fiz decorre das dificuldades em se analisar os problemas
ambientais do mundo contemporâneo, sem ser rotulado pelos mais engajados ativistas
ecológicos como um ente do mal, preparando-se para tocar fogo sobre a terra e
transformá-la em um deserto, pela hecatombe que se aproxima em razão das ações
maléficas causadas por nós mesmos.
Tudo pode acontecer, ou vai acontecer, pois também a terra não é eterna. Mas
precisamos entender que isso que está sendo citado como uma possibilidade, de uma
aceleração no processo de destruição de nosso meio-ambiente, decorre na maneira como
nós, seres humanos, construímos o nosso habitat. E todos nós, mesmo os mais ácidos
críticos ecologistas, não abrimos mão de usufruir das regalias construídas por nossa
imensa capacidade criativa. E tudo isso às custas da natureza.
Principalmente a partir do século XIX, quando se consolida o sistema capitalista,
fundado na irrefreável sofreguidão em produzir mercadorias a uma velocidade cada vez
maior, e transformar as nossas necessidades em ânsia de consumo. Transformamos-nos
ao longo dos séculos seguintes em animais consumistas. Consumir e curtir as novidades

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mercadológicas e os novos produtos cada vez mais sofisticados tornou-se mais do que
uma vaidade, passou a representar um vício que em alguns casos atingem a condição de
uma verdadeira dependência. Em outras situações, essa lógica baseada no consumo
empurrou aquelas pessoas deprimidas, doentes pelo stress causado pelas loucuras da
vida moderna, a ir com sofreguidão aos shoppings, templos que passam também a ser
uma espécie de depositório da catarse coletiva da cidade grande.
Claro, além disso, o estilo de vida construído dentro dessa lógica de consumo, inspirado
naquilo que nos Estados Unidos passou a se chamar “american way of life”, acentuou a
obsessão nos indivíduos em buscar permanentemente a ascensão social. De forma a
atingir um padrão de vida que se caracterizasse pela garantia de possuir, sempre, os
produtos que surgem como novidades no mercado. Acontece que o mecanismo que faz
girar o capitalismo impede que isso tenha um limite, é preciso ter cada vez mais para
não somente usufruir desses produtos sofisticados, mas também se apresentar na
sociedade como vitorioso, porque capaz de poder comprar o que existe de melhor e
mais sofisticado.
Tudo nos empurrava para as cidades, e foi nelas que o capitalismo se realizou. Enquanto
ali se aglomeravam exércitos cada vez maiores de pessoas, em sua maioria pobre, com
condições econômicas sofríveis, mas que precisavam tornarem-se consumidoras, fora
delas consolidou-se um sistema concentrador baseado no latifúndio, na posse da grande
propriedade e na utilização dessas terras para produção de monocultura. Principalmente
de commodities, cujo preço vem a ser determinado pela moeda de referência
internacional nos mercados mundiais.
Sem subsídios do Estado, que a lógica da globalização neoliberal proíbe, e com
financiamentos parcos também concentrados nas grandes propriedades, os pequenos
agricultores abandonaram gradativamente suas terras, seguindo os passos dos filhos que
em muitos casos já se dirigira para as cidades em busca de melhores oportunidades.
Assim, enquanto nas cidades concentravam-se uma enorme população de despossuídos,
no campo uma quantidade pequena de proprietários concentrava infindáveis hectares de
terras, produzindo não somente o que é necessário – como na antiga produção agrícola –
mas fundamentalmente aquilo que vai possibilitar um lucro maior. Nas cidades, os
milhões de citadinos vão a busca de empregos, conseguem salários, tentam ganhar cada
vez mais para consumir as mercadorias que lhes seduzem, e, logicamente precisam para
se alimentar. Já não mais produzem para si, mas para aqueles que possuem os meios de
produção e determinam o que deve ser produzido.
As cidades modificaram-se espetacularmente em formas e linhas que comprovam a
capacidade ilimitada do ser humano em transformar objetos e criar maravilhas
tecnológicas. Só que para alimentar esses bilhões de pessoas, e saciar a necessidade de
consumir mercadorias, o sistema capitalista acelerou de forma monumental a sua
capacidade de inovar, de forma a tornar obsoleta o mais rapidamente possível a sua
última invenção.

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Ora, mas porque nos espantamos? Ao analisarmos as condições de vida nas sociedades
em volta do mundo, e em nosso país particularmente, veremos que há um percentual
ainda muito elevado de pessoas que estão fora desse mercado consumidor. No entanto,
quando somamos a população daqueles países que somente agora estão acelerando seu
desenvolvimento, apesar da crise, chegamos a um número que corresponde a mais da
metade da população mundial.
Estaremos próximo do limite dessas contradições? Essa é uma pergunta de difícil
resposta, já que enquanto há vida a tendência é de sempre ampliarmos nosso grau de
contradição. Mas o que fazer se na humanidade mais da metade de sua população
ambiciona atingir a condição de vida semelhante à daqueles que vivem nos chamados
países desenvolvidos? Porque todo esse alarmismo catastrófico, e ameaças de
hecatombes, se intensificaram nos últimos anos, no momento em que os países ricos
entraram em uma grave crise econômica e quando outros que estavam fora do "clube"
iniciam uma escalada de crescimento e de desenvolvimento social?
De repente soam os sinos a indicar a hora em que a terra explodirá. E nos propõem, os
que vêm dos trópicos, que por aqui devemos manter nossas matas, florestas e rios, para
que por lá eles possam produzir mercadorias, agregar valor, vender suas mercadorias
para nós, os velhos “subdesenvolvidos” e, assim, continuar enriquecendo a eles
mesmos. Agora mediante uma nova forma de dominação: o colonialismo verde.
A palavra é CONSERVAÇÃO. Mas o que mais se fala é preservação. Há uma diferença
substancial entre essas duas palavras quando o tema é a natureza. O conservacionismo
possibilita que utilizemos da natureza os produtos necessários para a nossa
sobrevivência, compreendendo que seu esgotamento impede que a vida humana possa
prosseguir por mais tempo adiante. Esse é o desafio diante da contradição em que nos
encontramos. São milhões de novas pessoas que adentram o mercado de consumo,
ascendem a outras classes sociais e adquirem a capacidade de consumir mais e viver
melhor. Não se pode negar a essas pessoas terem acesso a produtos que facilitem suas
vidas nas cidades, mas isso implicará em mais e mais degradações à natureza.
Então, quando levantamos uma bandeira, por exemplo, de cuidados com a água,
devemos ter em conta que a luta não é somente para manter a água límpida e perene.
Mas garantir que mais pessoas possam usufruir de um bem que é condição essencial
para a manutenção da vida. Devemos olhar para os dois lados da moeda, e não somente
imaginar que o discurso de preservar a natureza encerra-se em si só. A natureza sempre
vai servir ao ser humano, como serve a todos os outros seres vivos que a compõe e
forma um equilíbrio que se sustenta em contradições.

A REVANCHE DA NATUREZA

E o que dizer dos problemas que nos afligem nas cidades, que produzem e reproduzem
tragédias disputadas pela grande mídia sequiosa de criar sensacionalismo em meio às
tragédias?

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A Natureza não é estática, ela está em permanente mudança e sujeita a intempéries
causadas pela dinâmica que a torna dialeticamente contraditória. Independente da ação
humana, mas potencializada por ela. É a somatória de todos esses absurdos,
entendendo-se essa palavra em seu sentido etimológico (fora da harmonia), que faz da
Natureza um eterno ciclo da vida (nascer, crescer, morrer; mesmos compreendendo
essas palavras metaforicamente).
O que se pode dizer, sem ser necessariamente profeta, é que muitos eventos complexos
continuarão a acontecer, independentemente de qualquer polêmica que veja nisso
efeitos de um “aquecimento global”, já que nem mesmo isso é consensual e provoca
intensos debates entre cientistas do mundo todo.
Mas, obviamente, entra em discussão aquilo que é da essência do texto de Engels,
escrito no século XIX, e também fez parte de uma abordagem de Ab’Saber, quando
esteve aqui em Goiânia: o mal ordenamento das cidades.
Há cinco anos, quando estive na presidência da Adufg (Associação dos docentes da
UFG), na edição da Mostra Multicultural Milton Santos, simpósio que realizávamos
bianualmente, sugeri que o tema fosse A REVANCHE DA NATUREZA. Minha
referência, para essa sugestão, foi exatamente a leitura da obra de Engels (A
DALÉTICA DA NATUREZA), e uma frase posta ali por ele: “...não nos regozijemos
demasiadamente em face dessas vitórias humanas sobre a Natureza. A cada uma dessas
vitórias, ela exerce a sua vingança”. Mas foi também em função de vários eventos
violentos, em especial o tsunami que varreu o sudeste asiático.
Como sempre acontece, essas catástrofes são acompanhadas de uma repercussão tão, ou
mais, espetacular do que o próprio evento. Embora seja logo esquecido. Principalmente
porque a mídia tradicional vive disso, da espetacularização da notícia, da dramatização
dos acontecimentos, de forma a envolver os espectadores e elevar seus índices de
audiência.
Dentre as palestras que realizamos naquela edição da Mostra, uma foi especial. Tivemos
a satisfação de contar com a presença do professor e pesquisador renomado da
Geografia, Aziz Ab’Saber. Sua palestra foi tão disputada que precisamos colocar um
telão do lado de fora do auditório. Tudo isso, consequência do conhecimento que se tem
a respeito da excelência dos trabalhados dele, aliado à atração que o tema em si já
proporcionava.
Lúcido e apresentando a competência de sempre, apesar de quase centenário, Ab’Saber
discorreu com precisão sobre a temática proposta e teceu críticas à maneira como as
cidades crescem desordenadamente e às razões que levam a esse tipo de situação.
De lá para cá, em meio a inúmeras tragédias que se repetiram com enormes
semelhanças, outros especialistas apontaram as mesmas causas, e a convicção de que as
consequências seriam praticamente as mesmas, em tempo e espaços diferentes.
O crescimento das cidades, hoje seguramente o principal problema que afeta a
humanidade (alerta repetidamente citado por David Harvey), acontece seguindo uma
lógica do sistema capitalista, e o expansionismo urbano ocorre tanto como decorrência

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do forte deslocamento da população rural, como da necessidade de valorização do uso
do solo, a fim de atender à especulação usurária que é a marca do modelo de sociedade
em que vivemos. Como já dito, porque é nas cidades que o capitalismo se realiza, com
todas as suas contradições.
Nessa equação, são os pobres as principais vítimas desse processo. Porque a procura por
terrenos em áreas de riscos decorre da incapacidade dessas pessoas poderem construir
habitações em lugares mais seguros, em função da especulação imobiliária. O lucro,
acima de qualquer coisa, até mesmo das vidas humanas, é o elemento principal a definir
tanto o expansionismo das cidades como o investimento em infraestruturas urbanas. As
prioridades, quase sempre, são de aplicação da maior parte dos recursos arrecadados nos
setores mais valorizados economicamente. E, lamentavelmente, essa é uma regra geral,
independente de quem esteja administrando a cidade, devido aos interesses em jogo e às
negociações com as “representações” parlamentares.
E o que se vê, nessa onda de hipocrisia que marca a maneira como os problemas são
expostos, é ainda, uma forte campanha contra os impostos. Os que se opõem
consideram-nos desnecessários, visto que são mal aplicados.
Ora, os ricos não precisam tanto da cobrança de impostos para garantir melhorias
urbanas, já que buscam outras alternativas como os condomínios fechados e
autossuficientes (pode-se ver, em terrenos planos, e bem localizados); ou em setores
valorizados pela especulação e bem atendidos pelo poder público. Se andarmos em
Goiânia, por exemplo, veremos não uma, mais várias cidades, com perfis e populações
diferentes. A paisagem da cidade vai se modificando, à medida que nos deslocamos de
norte a sul e é visível a diferenciação econômica dos lugares e, consequentemente, os
benefícios concedidos por quem administra o seu traçado.
A população pobre, sim, precisa que esses impostos sejam cobrados de quem mais pode
pagar e os investimentos devem ser feitos onde são mais necessários. Habitações
seguras, construídas em terrenos planos, devem ser priorizadas e a ação do Estado, em
todas as suas dimensões (municipal, estadual e federal) deve ser a garantia de que os
absurdos sejam combatidos com medidas que tenham como objetivo possibilitar às
pessoas condições dignas de vida. Inclusive com desapropriação de terrenos
desocupados à espera de valorização, para a construção dessas moradias.
Por fim, para não finalizar e reforçando o elemento que me balizou e que enfatizo, a
contradição, reproduzo, e concordo com a mesma, uma frase do filósofo esloveno,
Slavoj Zizek: “a ecologia é o ópio do povo”. Mas entendo, como uma crítica ao
discurso, e não à necessidade de se debruçar sobre os problemas ambientais e à luta
necessária para a boa convivência entre o ser humano e a natureza. Nesse sentido, não
compreendo a crítica como questionadora da necessidade de termos cursos de
graduação e pós-graduação focado nessa temática. Há, contudo, uma forma pela qual o
discurso ecológico se impõe de forma ideológica, escondendo objetivos que atendem
aos interesses de grandes corporações, na busca por alternativas para a reestruturação
capitalista.

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Diz ele, numa entrevista à revista Magis[3]: “É precisamente no terreno da ecologia que
podemos delinear a demarcação entre a política da emancipação e a política do medo na
sua forma mais pura. De longe, a versão predominante da ecologia é a da ecologia do
medo – medo da catástrofe, humana ou natural, que pode perturbar profundamente ou
mesmo destruir a civilização humana. Essa ecologia do medo tem todas as
oportunidades de se converter na forma ideológica predominante do capitalismo global,
um novo ópio das massas que sucede o da religião”.
Há, portanto, um descompasso entre necessidade real, a lógica consumista da sociedade
capitalista na qual vivemos e as condições objetivas daquilo que a natureza ainda pode
oferecer. O diálogo necessário só será possível mediante o enfrentamento dessas
contradições, e a procura por alternativas que se contraponha ao estilo de vida gerador
de processos destrutivos à natureza e à sociedade. Não é uma tarefa fácil, mas para além
do discurso fatalista, é essencial termos a compreensão de que nós, na universidade,
temos uma responsabilidade de não só buscarmos os diagnósticos, mas apresentarmos
propostas concretas que nos ajude a encontrar os caminhos para uma sustentabilidade
real, condição essencial para garantia de sobrevivência das gerações futuras.
Mas há um sentido ideológico nessa luta, e será preciso, aos que desejarem contribuir
com o futuro, tomarem posição em relação ao sistema capitalista, absolutamente
destrutivo na relação com a natureza. Não acredito em sustentabilidade ambiental dentro
da lógica que move o mundo contemporâneo. Mas confio na capacidade do ser humano
em encontrar uma solução para problemas criados por ele próprio.

NOTAS:
(*) Texto adaptado para a Mesa Redonda: Diálogos entre a Sociedade, Natureza e Espaço, na I Jornada
do IESA. Os textos bases foram publicados originalmente no Blog Gramática do Mundo. Links:
http://gramaticadomundo.blogspot.com.br/2011/01/revanche-da-natureza.html
http://gramaticadomundo.blogspot.com.br/2011/05/o-codigo-florestal-dialetica-da.html
[1] RAFFESTIN, Claude. Por uma Geografia do Poder. São Paulo: Editora Ática, 199
[2] FOUCAULT, Michel. Microfísica do poder. São Paulo: Editora Graal, 2007
[3] ZIZEK, Slavoj. A Ecologia é o Ópio do Povo. In: Mágis - Revista da Unisinos, no. 05, dez 2009-jan
2010

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ENQUANTO A CHUVA CAI A ÁGUA SE ESVAI
ESCASSEZ E ESTRESSE HÍDRICO

Enfim, a chuva! E como no velho niilismo nietzschiano nos vemos preso a um fim que
não se acaba e estará de volta em um eterno retorno de um discurso que retomará seu
recomeço no próximo período de seca.
É impressionante como recorrentemente o problema hídrico é tratado somente no limite
da necessidade. Há um provérbio popular que sintetiza bem isso: “Só percebemos o
valor da água depois que a fonte seca”. Naturalmente, o interesse pela grande mídia
comercial está na criação de um sentimento de perplexidade, e da geração de temores e
medos que compõem o universo dos jornais e telejornais sensacionalistas, em sua
maioria. Às vezes até aparecem boas reportagens sobre o assunto. Mas pecam pela
superficialidade, e pela insistência em tratar o problema da falta de água como
decorrente dos gastos abusivos, ou excessivos, por consumidores urbanos.
Podem acontecer abusos, e certamente acontecem, no uso da água nas cidades. Mas
longe está desta ser a principal razão da grave crise hídrica que ameaça não somente a
economia, mas como nossas próprias vidas, humanos, animais ou plantas. O mesmo
pode-se dizer da forma como aparece na abordagem dos problemas climáticos,
insistentemente focado no discurso do aquecimento global com um viés voltado para o
interesse da reestruturação capitalista e favorecimento das grandes corporações. Desvia-
se do eixo central, das questões que são, de fato, as responsáveis pela forma com a falta
de água se tornará, provavelmente tendo seu auge em 2050, no pior problema da
humanidade para o século XXI.
A literatura acadêmica, focada em pesquisas sobre esse tema, tem apontado há mais de
uma década, não somente os diagnósticos que indicam as causas da crise hídrica seja
escassez ou estresse, bem como apontam as necessárias medidas para amenizar esse
problema. Mas, tanto o diagnóstico, quanto as medidas a serem tomadas, esbarram na
forma perversa como funciona o sistema capitalista, ou decorrente da escolha de um
estilo de vida altamente urbanizado, exageradamente marcado pelo consumismo, mas,
principalmente devido ao fato de todos citadinos necessitarem adquirir os alimentos
necessários à sua sobrevivência. Ao contrário de sistemas anteriores, por séculos e
milênios passados, em nossa época os bilhões de pessoas que vivem nas cidades não
produzem seus próprios alimentos. Essa equação, aliada à lógica gananciosa e usurária
que marca a vida contemporânea, dificulta a tomada de decisões que são essenciais para
conter essa crise.
Com algumas indagações, que o levam a iniciar a discussão sobre o problema da
escassez de água, Laurence Smith é um daqueles que veem na falta de água uma ameaça
para o futuro da humanidade. Em sua obra “O mundo em 2050”, ele dedica boa parte a
essa discussão.
O que nos reserva o futuro? Nossa água está acabando, a
exemplo do que acontecerá com o petróleo? Nos últimos 50

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anos, dobramos nossas terras cultivadas irrigadas e triplicamos o
consumo de água para atender à demanda global de alimentos.
Nos próximos 50 anos, teremos de dobrar mais uma vez a
produção de alimentos. Será que haverá água para tudo isso?1
Apesar de, diferentemente do petróleo, retornar à superfície por meio de um ciclo
hidrológico que a renova permanentemente, a celeridade com que se dá o consumo
esgota rapidamente a água superficial, ou mesmo os lençóis freáticos, o que levará
inevitavelmente à escassez, ou ao estresse hídrico.
Mas há uma cegueira ideológica na identificação dos problemas, ou melhor, das causas
que são geradoras de um consumo elevado e com intenso desperdício desse recurso.
Como questiona Smith, até onde será possível ir a nossa capacidade de produzir
alimentos para abastecer cidades com milhões, ou dezenas de milhões de habitantes?
Mas não somente alimentos. Tudo o que se produz depende da água, na indústria, na
construção, nos usos diversificados urbanos.
Em um artigo que produzi aqui neste blog, e que tinha também a água como referência,
abordou essa questão diante da grave situação que passa o bioma cerrado.2 Desta feita,
embora ainda procurando reforçar esse problema, por ser este o bioma que concentra
uma enorme quantidade de nascentes que formam as principais bacias brasileiras, vou
dar mais amplitude ao tema. Embora não seja a primeira vez que faço isso. O fiz
também quando a cidade de São Paulo correu um sério risco de desabastecimento, em
decorrência da diminuição do volume de água do sistema Cantareira, conjunto de
barragens que abastecem aquela cidade, por meio de dois outros textos.3 De lá para cá, o
problema tem se agravado, muito embora no caso específico do Estado de São Paulo, o
governo tenha iniciado um conjunto de obras visando a transposição do rio Paraíba do
Sul. Só que são soluções que não atingem o problema da redução dos níveis de água, e
gerarão outros efeitos colaterais. No caso deste rio a situação já está crítica em alguns
pontos, de diminuição do volume de águas, em função da destruição de suas margens 4 e
da poluição que tem afetado a reprodução de diversas espécies de peixes, alguns já à
beira da extinção.5
É correto agir para evitar desabastecimentos nas grandes cidades, em todas as
aglomerações urbanas, obviamente, até porque constitucionalmente a prioridade do uso
da água deve ser para atender as necessidades humanas. Mas a gestão que os governos
aplicam quando a questão é a água, se limita somente a isso. E não de forma preventiva,
com algumas exceções, mas as medidas são tomadas quase sempre quando o problema
atinge o seu ponto crucial, de estresse ou de escassez hídrica.
É bom que se diga, antes de qualquer aprofundamento nas razões dessa crise, que o
estresse hídrico ocorre quando há água, mesmo que em quantidade elevada, mas é
insuficiente para atender a demanda, tanto do uso urbano, quanto na indústria e
agropecuária.
Pode-se definir o estresse hídrico como resultado da relação
entre o total de água utilizado anualmente e a diferença entre a

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pluviosidade e a evaporação (a água renovada) que ocorre em
uma unidade territorial, em geral, definida por um país.6
Já a escassez decorre pela absoluta falta de água numa determinada região, que pode vir
a ocorrer também como consequência dos usos abusivos e da consequente diminuição
do volume de água. Ou seja, o estresse hídrico pode vir a se transformar, futuramente,
numa escassez crônica.
A escassez hídrica é uma das medidas de avaliação geográfica
de uma unidade territorial. Ela pode ser física e econômica.
Quando a quantidade disponível de água de um país não é
suficiente para prover as necessidades de sua população, existe
uma escassez física de água. Se um país não tem recursos
financeiros para levar água de qualidade e em quantidade
suficiente à sua população, apesar de ela ocorrer em seu
território, a escassez é econômica.
Objetivamente pode-se encontrar resposta para as dificuldades de diversas regiões do
mundo em ter acesso à água potável, seguindo-se o processo produtivo, os mecanismos
que levam à produção industrial, à criação de gado e, principalmente à agricultura, com
uso intensivo de irrigação, completamente fora de controle. Neste último caso, embora a
irrigação seja um elemento essencial para garantir produção de alimentos suficiente para
alimentar a população, a preços acessíveis, a ausência de fiscalização sobre os métodos
adotados, muitos deles feitos de forma clandestina, tem sido um fator de destruição de
importantes rios. Aqui no Brasil isso é nítido, é sabido, mas não é fiscalizado como
deveria. E quando há fiscalização e multas os punidos não pagam, em função do poder
exercido pelos grandes produtores rurais, absenteístas em sua maioria, latifundiários e
que são responsáveis por produção em larga escala de monocultura.
Recentemente no Estado de Goiás, como consequência de uma forte seca provocada por
uma prolongada estiagem, e que teve como efeito colateral o esvaziamento de rios
importantes para o abastecimento (veremos mais adiante que a seca é consequência, não
causa), levou a intensificação da fiscalização em diversas bacias, como as bacias dos
rios Meia Ponte e Araguaia, a fim de garantir o direito da água à população urbana, mas
esse é um problema antigo, sem que haja punição aos que desviam água sem licença, ou
quando a tem extrapola o limite do que lhe é permitido.
O que se vê, de forma impune, embora sobre investigação do Ministério Público, é uma
série de irregularidades praticadas por grandes produtores rurais, com desvios de águas
do rio Araguaia por meio de extensos canais.7 No entanto isso já ocorre há tempos, e
mesmo na reportagem citada isso é dito como se fosse natural, pois há abertura de
processos, a indicação de multas, mas esse setor consegue por meio de forte articulação
política, concentrada numa bancada poderosa no Congresso Nacional, se livrar de
qualquer punição. E seguem cometendo irregularidades no uso da água. Não são poucos
os que assim o fazem8, e, embora essas últimas ações estejam concentradas no Rio
Araguaia, elas se estendem por todo o Estado de Goiás e por diversos outros estados

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brasileiros, levando destruição a rios importantes da hidrografia brasileira, e ressecando
pequenos córregos e riachos também por meio de outras ações destrutivas.
Poderíamos listar aqui diversos outros casos de irregularidades na captação de água para
irrigação, bem como o desperdício gerado pelo uso de velhos pivôs centrais. Na região
de Cristalina, muito embora haja em algumas propriedades técnicas mais sofisticadas,
com uso de tecnologias modernas que controlam a emissão de água e até mesmo o
horário em que isso ocorre, elas compõem uma minoria. Soma-se a esses fatores a
disputa entre irrigantes e investidores de Pequenas Centrais Elétricas (PCHs), bem
como de obras mais suntuosas para geração de energias, barragens que prejudicam o
curso normal das águas do rio São Marcos e de outros, e afetam também espécies da
fauna fluvial, em alguns casos de forma irreversível.
Mas a discussão em torno do problema da escassez de água, bem como da seca gerada
pela irregularidade além do natural, do ciclo das chuvas, se dá, a meu ver, de forma
enviesada. Nada, no entanto, que não siga um roteiro pré-elaborado por quem controla
setores que tem interesses na criação de uma opinião consensual, no caso mais em conta
o “aquecimento global”, a fim de proceder a transformações na matriz energética e
prosseguir na reestruturação do capitalismo.
As mudanças climáticas estão a ocorrer, naturalmente. E não há dúvida que a ação
humana contribui para acentuar desequilíbrios e potencializar transformações que, pelo
tempo, demorariam mais a ocorrer, ou não se dariam com a intensidade com que
acontece. Portanto, as alterações climáticas são fato, acontecem, e a ação humana tem
reflexo nisso.
Contudo, a dimensão que se dá ação humana tem mais a ver com questões da
geopolítica do que com a climatologia, por exemplo. Mas seja por aí, ou pela física,
oceanografia, geografia, ecologia, biologia… etc… etc… etc... Explico.
E importante considerar que as duas questões estão ligadas. As discussões em torno da
crise hídrica, bem como a que envolve as mudanças climáticas.
A insistência em centrar no consumo urbano o problema da água, ou de considerar que
o aquecimento global se deve principalmente a efeitos colaterais da industrialização,
esconde a essência do problema, as reais causas que estão deteriorando nossa qualidade
de vida no Planeta Terra. O interesse em desviar o foco, ou em construir versões sobre
as causas, tem o objetivo de amenizar as responsabilidades sobre a maneira como o
sistema capitalista esgota nossos recursos, destrói a natureza e impacta perversamente
no clima, principalmente nas regiões com altos índices de urbanização, como
decorrência de um estilo de vida que implica em consumir além daquilo que o planeta
pode oferecer para produzir mercadorias.
As interferências das atividades humanas no ciclo hidrológico
ocorrem em todos os continentes e em muitos países. Os
impactos dessa intervenção no ciclo variam para cada região ou
continente. De modo geral esses impactos são:

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a) construção de reservatórios para aumentar as reservas de água
e impedir o escoamento;
b) uso excessivo de águas subterrâneas;
c) importação de água e transposição de águas entre bacias
hidrográficas.9
O que aponta Tundisi é o resultado desastroso de ações que são feitas sem a devida
adoção de mecanismos protetivos, bem como ausência de planejamento para garantir
que um bem imprescindível não corra o risco de se acabar. A gestão dos recursos
hídricos somente acontece na contracorrente das necessidades. Ou seja, não estabelece a
priori políticas que antevejam os riscos da escassez hídrica. As medidas somente são
tomadas quando se está no limite da utilização da água, mormente em períodos de seca.
Inevitavelmente, esse descontrole afetará o ciclo hidrológico, que por sua vez implicará
em desequilíbrios climáticos e oscilação acentuada de temperaturas. Na situação atual,
de aquecimento sucessivo em algumas regiões, mas o efeito não é global, já que ele
ocorre de forma diferente porque a própria distribuição da água é desigual no planeta e
cria desequilíbrios naturais.
O fato é que há uma relação dialética entre a crise hídrica, as constantes mudanças
climáticas, em um tempo mais acelerado que o normal e o intenso desenvolvimento
capitalista. No entanto, é necessário ter a compreensão exata de quais são os elementos
nesse processo que são responsáveis por esse desequilíbrio.
Mesmo que não houvesse mudança climática, o mundo
continuaria enfrentando o declínio no abastecimento de água per
capita por causa do desenvolvimento econômico e do
crescimento da população. Mesmo que pudéssemos congelar o
crescimento populacional, a modernização significa maior
consumo de carne, bens acabados e energia; tudo isso eleva o
consumo de água per capita. Contrariando a crença popular, o
crescimento populacional e a industrialização representam ao
suprimento de água global um desafio ainda maior do que a
mudança climática.10
Ou seja, é exatamente as condições criadas por um modo de produção acentuadamente
predatório, na medida em que constitui um estilo de vida consumista baseado no
crescimento econômico concentrador, reprodutor de mercadorias em larga escala, bem
como em uma urbanização acelerada, e que leva a necessidade de suprir populações
concentradas aos milhões em centros urbanos, que torna difícil a solução dos
problemas.
Mas, tem sido mais difícil identificar essas soluções porque o foco dos possíveis
motivos geradores desses desequilíbrios se concentram nas consequências, e não nas
causas. E a forma como a grande mídia comercial trata esses problemas gera mais
dificuldades na identificação das causas reais. Por um lado espetaculariza a informação

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e por outro não responsabiliza como deve os principais agentes causadores das
condições que aceleram destruição de ecossistemas e biomas.11
Volto a insistência como se trata do fenômeno que se tornou midiático, o “aquecimento
global”. Ele (o discurso, e/ou a preocupação) surge por efeito da crise econômica e do
deslocamento do centro produtor de mercadorias, e naturalmente, concentrador do
dinheiro, dos Estados Unidos e Europa para a Ásia. Ao mesmo tempo, o crescimento de
outras economias regionais, de menor porte, que foram colocadas na condição de, agora,
serem responsáveis pela intensificação da emissão de gases gerados pelo forte
desenvolvimento industrial e pelo uso de matrizes que potencialmente impactariam nos
efeitos climáticos, gerando um aumento da temperatura em todo o globo.
Portanto, todo o discurso que há por trás dessa questão envolve elementos de
geopolítica, e ao mesmo tempo, o que é cruel a meu ver, encobre as razões naturais
tanto dos desequilíbrios climáticos regionais como da escassez e estresses hídricas.
Porque visivelmente abrange interesses estratégicos, tanto econômicos como na disputa
por recursos naturais.
Trocando em miúdos. O problema que se acentua gravemente no Brasil, mas que afeta
também outras partes do mundo por diversos continentes, a deficiência hídrica, é
causada por essa forma de desenvolvimento que destrói a natureza. E as medidas, ou
repercussões dessa crise, só aparecem nos períodos em que ocorre ausências de
precipitações pluviométricas.
Vou ficar no exemplo do Bioma Cerrado. Esse que já foi considerado por Guimarães
Rosa como “a caixa d’água do Brasil”. E que de fato pode ser assim chamado, por ser
por meio de suas nascentes, córregos e rios, que se formam algumas das principais
bacias brasileiras. Mas, que sabemos, o problema não se resume a um único bioma,
afeta os demais de forma diferente, pela especificidade em suas características
geomorfológicas.
Ocorre que nos últimos anos houve uma intensificação acelerada da produção agrícola e
criação de gado, impactando fortemente nesse Bioma. A redução do mesmo decorre da
exploração predatória, baseada na grande produção de monocultura em propriedades
latifundiárias que usam fartamente, por meio de grandes pivôs centrais, a irrigação
como forma de aumentar suas produtividades. E o Estado é o financiador dessa
situação, muito embora não o faça na mesma proporção, em termos de importância na
cadeia de produção alimentar, com os pequenos produtores e com a agricultura familiar
(que recebeu uma certa atenção na primeira década do século XX, mas que vê isso
retroceder diante da crise que afetou o país a partir da crise que levou à deposição da
presidenta legitimamente eleita).
Mas além de citarmos a irrigação, é preciso identificar um problema anterior. O
desmatamento, que destrói aceleradamente o Cerrado e leva ao fim, além de uma rica
biodiversidade, as veredas, principais fontes de água, por cujas nascentes formam-se
córregos e rios. Tanto o desmatamento, como o pisoteio do gado, são fatores destrutivos
que vão reduzindo a capacidade de recarga e consequentemente tornarão córregos e rios

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de perenes a intermitentes. Registre-se que o Centro-Oeste é o maior produtor de gado
bovino do Brasil, e somando-se com a região Norte, concentram mais da metade dessa
produção. Justamente as regiões que atualmente mais são afetadas pelo desmatamento.12
É óbvio que a consequência disso será a diminuição do volume de águas que verterá
para os principais rios que formam grandes bacias. Aliado a isso, as intervenções que
são feitas para construção de barragens, seja para Pequenas Centrais Elétricas, ou para
Grandes Centrais Elétricas, causam fortes impactos também sobre a fauna fluvial e
gradativamente reduzindo o tamanho e a importância daquele rio. A destruição de suas
margens, ou matas ciliares, consequência do desmatamento, da extração descontrolada
de areia e em muitos casos devido a garimpos clandestinos, são outros fatores que
transformam a paisagem por todo o percurso de montante à jusante e vão reduzindo o
volume desses rios até que em alguns casos eles cheguem à sua foz na condição de um
pequeno riacho.
Essas ações predatórias são as principais razões pela redução da capacidade hídrica de
uma determinada região. E isso tem acontecido numa escala criminosa no Bioma
Cerrado, a ponto de, pela primeira vez a capital federal, construída bem no coração
desse bioma, passar pela primeira grande crise de escassez, levando a necessidade de
rodízio na distribuição a fim de evitar uma situação mais drástica de absoluta falta de
água para toda a capital federal.
Mas embora seja óbvio para os que estudam os problemas hídricos, inclusive da gestão,
onde estão as origens dos problemas, os lobbies organizados que reforçam o poder dos
grandes proprietários de terras, representados por uma forte bancada de parlamentares
no Congresso Nacional, pressionam os governos para que isentem as dívidas daqueles
produtores flagrados em ilicitudes na exploração da água. E, sob o argumento de que a
produção de alimentos é uma necessidade para alimentação de uma população
crescente, reivindicam mais investimentos para ampliar a área irrigada, sob o pretexto
de que há ainda no Brasil um enorme potencial hídrico a ser explorado. O que pesa, na
verdade, para além dos rumos que pode ir nossa capacidade hídrica, é a ganância e os
lucros que são gerados para manter a opulência de uns poucos, que estão sempre
protegidos desses infortúnios, já que a escassez de água afeta principalmente a
população mais pobre.
Infelizmente, os governos dos Estados que compõem o bioma Cerrado, cometem
desatinos quando desviam recursos que deveriam ser investidos na prevenção dessas
irregularidades e punição de criminosos que não só destroem mananciais e fontes por
onde nascem o líquido essencial à vida. Além de acobertarem, juntamente com uma
justiça venal e uma incompetente Agência Nacional de Águas, as recorrentes
irregularidades praticadas por grandes produtores, em muitos casos uma casta da qual
eles próprios fazem parte. Banalisam a importância de cuidar bem dos recursos hídricos
e estupidamente se escoram na ilusão de que a água é infinita.
Outro aspecto, de certa forma também de difícil solução, haja vista a incompetência dos
gestores na administração pública, cujo foco é sempre a eleição seguinte, é a absoluta
ausência de um planejamento adequado que identifique quais setores são estratégicos

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para a manutenção e fortalecimento do espaço vital seja nacional, ou regional. E no caso
das grandes cidades, principalmente as capitais, as condições de crescimento levaram a
uma absoluta inoperância na preocupação com o abastecimento de água na mesma
proporção e aceleração com que se dava o crescimento populacional. Enquanto isso,
nascentes eram aterradas, córregos transformavam-se em canais e a quase totalidade dos
que cortam as zonas urbanas foram transformados em depósitos de descargas de dejetos
de casas e indústrias, constituindo-se em verdadeiros esgotos a céu abertos. As águas
que por ali circulam em tempos de grandes pluviosidades perdem-se na podridão e não
são aproveitadas para consumo. Em tempos de seca o que prevalece são os líquidos que
saem dos esgotos.
No entorno das cidades, os cinturões verdes, de produção de hortifrutícolas, disputam
boa parte dessa água e a usam para irrigação. Até aí se pode dizer ser um uso tolerado,
na medida em que são produtores que abastecem as feiras e centrais que distribuem
frutas e verduras essenciais em nossa alimentação. O problema é que não há fiscalização
adequada, nem se busca usar de novas tecnologias para amenizar os gastos de água.
Invariavelmente o poder público prefere grandes financiamentos para empreendimentos
de produção para exportação, menosprezando a importância do pequeno produtor. Que
de outra forma não consegue adequar seu sistema de irrigação às necessidades de
controle do consumo de um recurso em absoluta escassez. Sem contar que alguns usam
águas poluídas e produzem alimentos contaminados geradores de doenças para a
população.
Mas, dessa forma, e sem o devido planejamento, a água que cruza as cidades são
impróprias para o uso, e as que as circundam, ou mesmo que estão prestes a serem
captadas pelos sistemas de abastecimentos, vão tendo o volume reduzido pelo uso que
se faz dela para irrigação a montante. Só que essa é uma situação absolutamente
previsível. Assim como é a previsibilidade de que após o período chuvoso, já que a água
que escorre por esses mananciais torna-se imprópria para consumo e perde-se
rapidamente nas vias impermeabilizadas, um novo período de seca, sempre com maior
intensidade, virá para preocupar e gerar pânico e revolta entre as pessoas.
A alternativa encontrada por muitos, os que tem condições para isso, naturalmente,
inclusive condomínios horizontais e empresas, é recorrer às empresas que instalam
poços artesianos. Ora, como a cidade cresce acentuadamente, e se espalha por uma
periferia cada vez mais distante do centro, o abastecimento de água demora a atender a
essa crescente demanda. A retirada de água dos lençóis subterrâneos assume assim a
condição de prover inúmeras residências do abastecimento necessário, obviamente. O
que resulta disso? O aumento da retirada de água desses canais subterrâneos faz com
que os mesmos se esgotem gradativamente, reduzam o volume dessas águas e forçando
a que cada vez mais seja necessário aprofundar os poços para atingi-los. Ao mesmo
tempo, isso vai afetar o processo de recarga de água e será também gerador do
esgotamento de inúmeras nascentes, cujas águas desaparecem como decorrência da
diminuição da quantidade que existem nesses lençóis e aquíferos.

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E, para voltar a um tema espinhoso, que continuará por muito tempo gerando polêmica
e repercussão, o “aquecimento global”, suponhamos que os céticos estejam errados, e,
de fato se possa considerar essa expressão para se referir às transformações climáticas
que acontecem no mundo. Não será, contudo, repito, por causa dos efeitos gerados pela
industrialização, e consequentemente pela atual matriz energética, que esses
desequilíbrios ocorrem. Mas pela destruição acelerada da natureza, pelo desmatamento
em larga escala e a consequente destruição de nascentes, córregos, riachos e rios.13 O
maior perigo do mundo, inegavelmente, está na possibilidade de uma escassez geral da
água, por não haver nenhuma alternativa para a humanidade com o fim de um líquido
que é vital para a vida.
Não me parece que tudo que aqui escrevi seja novidade. Eu mesmo já publiquei alguns
artigos neste blog alertando para os problemas que advirão devido à incapacidade de
lidar com o controle do uso da água. Acontece que, e aí termino da forma como
comecei, sempre que a situação chega num ponto crônico em função do aumento do
período de seca, soa o alarme, a mídia se alvoroça e confunde na explicação, cria um
pânico que é natural, já que a falta de água é a pior coisa que existe para a vida. Aí
temos alguns momentos de preocupação, e vemos as autoridades se debaterem com uma
situação que não poderá ser resolvida no auge de uma escassez real.
O que estou a propor, portanto, é que devemos urgentemente encontrar o eixo correto
para identificar as causas que estão nos levando por um caminho que pode tornar-se
difícil de recompor o que se está a destruir. Claro que ainda é possível corrigir esses
rumos, a ciência ajuda, com certeza. Mas é na gestão, no planejamento estatal e
fiscalização severa, que devem se concentrar as principais correções.
Mas, de repente, vem a chuva! É como o soar dos sinos, alertando para um novo tempo.
População, meios de comunicação (com exceções) e autoridades se quedam aliviados.
Eis que a preocupação passa a ser a quantidade e a força com que cai a água, e as
atenções agora voltam-se para aquelas populações, as mesmas vítimas principais da
seca, que vivem em áreas de riscos e correm o perigo de serem arrastadas por enchentes
causadas pelas péssimas condições da arquitetura das cidades. E boa parte desta água,
como visto, não poderá ser aproveitada.
Enquanto a chuva cai, a água se esvai.14

NOTAS:
1
SMITH, Laurence C. O Mundo em 2050: Como a demografia, a demanda de recursos naturais, a
globalização, a mudança climática e a tecnologia moldarão o futuro. Rio de Janeiro: Elsevier, 2011. Pág.
71.
2
https://gramaticadomundo.blogspot.com.br/2016/07/liquido-e-certo-as-contradicoes-que.html
3
https://gramaticadomundo.blogspot.com.br/2014/11/a-crise-da-agua-em-sao-paulo.html
https://gramaticadomundo.blogspot.com.br/2015/02/a-crise-hidrica-o-olhar-obtuso-da-midia.html
4
http://ranoticias.com/2017/10/29/o-paraiba-agoniza-pois-e-sangrado-em-varios-pontos-ate-chegar-
onde-deveria-repousar/

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5
http://www.jornalterceiravia.com.br/2017/09/03/700-ilhas-do-rio-paraiba-na-regiao-podem-
desaparecer/
6
RIBEIRO, Wagner Costa. Geografia Política da Água. São Paulo: Annablume Editora, 2008. Pág. 62.
7
https://g1.globo.com/goias/noticia/mpf-e-mp-entram-com-acao-para-proibir-que-fazendeiro-retire-
agua-do-rio-araguaia-para-agricultura.ghtml
8
http://g1.globo.com/goias/videos/v/mais-de-30-produtores-rurais-da-regiao-do-rio-araguaia-sao-
indiciados-por-crime-ambiental/6270430/
9 TUNDISI, José Galizia. Água no Século XXI: Enfrentando a escassez. São Carlos: RiMa, IIE, 2003. Pág. 14-
15.
10 SMITH, Laurence C. Op. Cit. Pág. 74
11 O que é um Ecossistema e um Bioma. Dicionário Ambiental. ((o))eco, Rio de Janeiro, jul. 2014.
Disponível em: <http://www.oeco.org.br/dicionario-ambiental/28516-o-que-e-um-ecossistema-e-um-
bioma/>. Acesso em: XX (dia) xxx. (mês) XXXX (ano).
12 http://www.beefpoint.com.br/ibge-rebanho-de-bovinos-tinha-21823-milhoes-de-cabecas-em-2016/
13 https://g1.globo.com/to/tocantins/noticia/nascente-de-corrego-seca-apos-desmatamento-e-
povoado-fica-sem-agua.ghtml

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