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Mecânica Lagrangiana e Relatividade Especial

Fábio Vinicius Amorim

Instituto de Fı́sica - Universidade de São Paulo


17 de julho de 2021

1 Introdução
A partir da generalização apropriada das equações de movimento de Newtons para a relatividade res-
trita, podemos procurar estabelecer uma formulação lagrangiana da mecânica relativı́stica resultante.
O método consiste em reproduzir, para algum referencial particular de Lorentz, a parte espacial da
dpi
equação do movimento ( = Fi ). Tal método está inserido no Princı́pio de Hamilton e as equações
dt
de movimento obtidas deste princı́pio conhecidas por equações de Lagrange que funcionam muito bem
em quaisquer coordenadas.

2 Metodologia
A fim de evitar algumas dificuldades encontradas nas aplicações das equações newtonianas para certos
sistemas fı́sicos (como aqueles que utilizam coordenadas não cartesianas), um certo procedimento
alternativo pode ser utilizado para lidar com sistemas complexos.
As equações de Lagrange que descrevem a dinâmica do sistemas devem ser equivalentes às equações
de Newton. O princı́pio de Hamilton não se trata de uma teoria nova mas sim uma unificação aceitável
de diversas teorias por um único postulado.
A busca por princı́pios mı́nimos na natureza se baseia na noção do que a natureza busca minimi-
zar algumas quantidades nos fenômenos fı́sicos. Tal princı́pio foi buscado por matemáticos e fı́sicos
como Newton, Leibniz e os Bernoullis. Exemplos clássicos na fı́sica de problemas solucionados são a
braquistócrona e a geometria de uma corrente dada por uma catenária.
Dado um sistema mecânico holonômico descrito por uma função lagrangiana L (q, q̇, t), o movimento
real descrito pelo sistema no espaço de configurações é o que torna estacionário o valor do funcional
de ação.
Z t2
S= L (q, q̇, t) dt
t1

A trajetória real é o que torna a ação estacionária, o princı́pio de Hamilton é também conhecido
dS
pelo princı́pio de mı́nima ação ( = 0).
dq
Na mecânica Newtoniana temos a dinâmica do sistema descrita pelo potencial que já guarda toda
informação dinâmica do sistema. Agora temos que a Lagrangiana irá conter toda informação dinâmica
do sistema.
O princı́pio de Hamilton é enunciado a seguir

De todos os caminhos possı́veis nos quais um sistema dinâmico pode se mover de um ponto a outro
em um intervalo de tempo especı́fico (consistente com quaisquer restrições). o cantinho real seguido é
aquele que minimiza a integral de tempo da diferença entre as energias cinética e potenciais.
dS
Seja uma certa trajetória real (ponto mı́nimo da ação onde = 0) desconhecida e outras tra-
dq
jetórias que irão fazer a ação variar muito mais que a trajetória real. Variando a trajetória real por

1
Figura 1: Sob pequenas variações da trajetória real a ação varia pouco.

uma valor pequeno, iremos querer que sob pequenas variações deltaq da trajetória real, a ação varie
pouco.
A variação da ação será a lagrangiana avaliada na trajetória real mais uma pequena variação delta
q, a derivada temporal de q mais uma pequena variação delta q no tempo menos a ação avaliada na
trajetória real. Importante mencionar que as variações deltaq funcionam no mesmo instante de tempo.
Z t2 Z t2
δS = L (q + δq, q̇ + δ q̇, t) dt − L (q, q̇, t) dt
t1 t1

Como o tempo é mantido constante Isso significa que se fizermos a variação da deriavada ou a
derivada temporal da variação é a mesma coisa.
d
δq
δ q̇ =
dt
Seja a lagrangiana L. Expandindo em série de Taylor, temos
X ∂L X ∂L
L (q + δq, q̇ + δ q̇, t) = L (q, q̇, t) + δqi + δ q̇i
i
∂qi i
∂ q̇i
Utilizando a expansão acima, podemos reescrever a condição δS = 0.
X ∂L X ∂L
δS = δqi + δ q̇i = 0
i
∂qi i
∂ q̇i
Utilizando integração por partes, obtemos
Z t2 X
∂L d ∂L d ∂L
δqi + ( δqi ) − ( )δqi dt = 0
t1 i
∂q i dt ∂ q̇ i dt ∂ q̇i
Podemos calcular explicitamente utilizando o teorema fundamental do cálculo
Z t2 X
∂L d ∂L X ∂L
δS = [ − ( )]δqi dt + [ δqi ]tt21 = 0
t1 i
∂qi dt ∂ q̇i i
∂ q̇ i

A hipótese sobre δqi é um problema com condições de contorno fixadas, as trajetórias variadas têm
sempre os mesmos extremos (as condições inicial e final). Portanto o δqi sempre se anula em t1 e t2
na expressão. Assim temos como resultado:
X Z t2 ∂L d ∂L
[ − ( )]δqi dt = 0
i t1 ∂qi dt ∂ q̇i
Como precisa valer para qualquer variação δqi que ocorrer a partir do caminho real, então obtemos
∂L d ∂L
− ( )=0
∂qi dt ∂ q̇i
Na qual é conhecidas por equações de Euler-Lagrange que irão assumir o novo lugar das equações
de Newton.

2
Equações relativisticas

A energia e massa, antes consideradas propriedades mensuráveis diferenciadas, relacionam-se através


da que é, sem dúvida, a equação mais famosa de toda a fı́sica moderna:

E = mc2
onde E é a energia, m é a massa relativistica quando estiver a uma velocidade em relação a um
referencial inercial e c é a velocidade da luz no vácuo. Se o corpo está a se mover à velocidade v relativa
ao observador, a energia total do corpo é:
1
E = γmc2 , onde γ=q
v 2

1− c

O γ é conhecido como fator de Lorentz e surge em relatividade na derivação das transformações de


Lorentz.

3 Desenvolvimento e Discussão
A dinâmica lagrangiana deve ser ajustadas em face dos novos conceitos apresentados aqui. Podemos
estender o formalismo lagrangiano na esfera da relatividade especial da forma descrita a seguir.
Se um sistema é descrito por um L de Lagrange , as equações de Euler-Lagrange
d ∂L ∂L
=
dt ∂ ṙ ∂r
retêm sua forma na relatividade especial, desde que o Lagrangiano gere equações de movimento
consistentes com a relatividade especial. Aqui r = (x, y, z) é o vetor de posição da partı́cula conforme
medido em algum referencial onde as coordenadas cartesianas são utilizadas, e
 
dr dx dy dz
v = ṙ = = , ,
dt dt dt dt
é a velocidade coordenada, a derivada da posição r em relação ao tempo t. É possı́vel transformar as
coordenadas de posição em coordenadas generalizadas exatamente como na mecânica não relativı́stica,
r = r(q, t). Tomando o diferencial total de r obtém-se a transformação da velocidade v para as
coordenadas generalizadas, velocidades generalizadas e tempo
n
X ∂r ∂r dqj
v= q̇j + , q̇j =
j=1
∂qj ∂t dt

A energia de uma partı́cula em movimento é diferente da mecânica não relativı́stica. Seja a energia
relativı́stica total de uma partı́cula. Um observador no referencial define eventos nas coordenadas r e
tempo t, mede a partı́cula para ter velocidade v = dr/dt. Em contraste, um observador se movendo
com a partı́cula registrará um tempo diferente, este é o tempo adequado, τ . Expandindo em série de
Taylor, o primeiro termo é a energia de repouso da partı́cula, mais sua energia cinética não relativı́stica
seguida por correções relativı́sticas de ordem superior.

dt m0 c2 1 3 ṙ4 (t)
E = m0 c2 =q = m0 c2 + m0 r2 (t) + m0 2 + · · ·
dτ 2 2 8 c
1 − ṙ c(t)
2

onde c é a velocidade da luz no vácuo. As diferenciais em t e τ são relacionadas pelo fator de


Lorentz γ.
1 dr
dt = γ(ṙ)dτ , γ(ṙ) = q , ṙ = , ṙ2 (t) = ṙ(t) · ṙ(t)
1− ṙ2 dt
c2

3
onde · é o produto escalar. A energia cinética relativı́stica para uma partı́cula não carregada de
massa em repouso m0 é

T = (γ(ṙ) − 1)m0 c2
e podemos ingenuamente adivinhar o Lagrangiano relativı́stico para uma partı́cula ser essa energia
cinética relativı́stica menos a energia potencial. No entanto, mesmo para uma partı́cula livre para a
qual V = 0, isso está errado. Seguindo a abordagem não relativı́stica, esperamos que a derivada deste
Lagrangiano aparentemente correto com respeito à velocidade seja o momento relativı́stico, o que não
é.
A definição de um momento generalizado pode ser mantida, e a conexão vantajosa entre as coorde-
nadas cı́clicas e as quantidades conservadas continuará a se aplicar. O momento pode ser usado para
fazer a ”engenharia reversa”do Lagrangiano. Para o caso da partı́cula massiva livre, em coordenadas
cartesianas, a componente x do momento relativı́stico é
∂L
px = = γ(ṙ)m0 ẋ
∂ ẋ
dx
e da mesma forma para os componentes y e z. Integrar esta equação em relação a dt nos fornece

m0 c2
L=− + X(ẏ, ż)
γ(ṙ)
dy dz
onde X é uma função arbitrária de dt e dt da integração. Integrar py e pz obtém de forma
semelhante

m0 c2 m0 c2
L=− + Y (ẋ, ż) , L=− + Z(ẋ, ẏ)
γ(ṙ) γ(ṙ)
onde Y e Z são funções arbitrárias de suas variáveis indicadas. Como as funções X, Y , Z são
arbitrárias, sem perda de generalidade podemos concluir a solução comum para essas integrais, uma
possı́vel Lagrangiana que irá gerar corretamente todos os componentes do momento relativı́stico, é

m0 c2
L=−
γ(ṙ)
onde X=Y =Z=0.
Alternativamente, uma vez que desejamos construir uma Lagrangiana de quantidades relativisti-
camente invariantes, tome a ação como proporcional à integral do elemento de linha invariante de
Lorentz no espaço-tempo, o comprimento da linha de mundo da partı́cula entre os tempos próprios τ1
e τ2 .
Z τ2 Z t2 r
dt ε ṙ2
S=ε dτ = ε , L= =ε 1− 2
τ1 t1 γ(ṙ) γ(ṙ) c
onde ε é uma constante a ser encontrada, e depois de converter o tempo adequado da partı́cula
para o tempo medido no referencial, o integrando é o Lagrangiano por definição. O momento deve ser
o momento relativı́stico,
 
∂L −ε
p= = γ(ṙ)ṙ = m0 γ(ṙ)ṙ
∂ ṙ c2
que requer ε = −m0 c2 , de acordo com o Lagrangiano obtido anteriormente.
De qualquer forma, o vetor posição r está ausente do Lagrangiano e, portanto, cı́clico, então as
equações de Euler-Lagrange são consistentes com a constância do momento relativı́stico,
d ∂L ∂L d
= ⇒ (m0 γ(ṙ)ṙ) = 0
dt ∂ ṙ ∂r dt
que deve ser o caso para uma partı́cula livre. Além disso, expandindo a partı́cula livre relativı́stica
Lagrangiana em uma série de potências para a primeira ordem em ( vc )2

4
  2 
1 ṙ m0 2
L = −m0 c2 1 + − 2 + · · · ≈ −m0 c2 + ṙ
2 c 2
no limite não relativı́stico quando v é pequeno, os termos de ordem superior não mostrados são
desprezı́veis, e o Lagrangiano é a energia cinética não relativı́stica como deveria ser. O termo res-
tante é o negativo da energia de repouso da partı́cula, um termo constante que pode ser ignorado no
Lagrangiano.
Para o caso de uma partı́cula interagindo sujeita a um potencial V , que pode ser não conservador,
é possı́vel para uma série de casos interessantes simplesmente subtrair esse potencial da partı́cula livre
Lagrangiana,

m0 c2
L=− − V (r, ṙ, t)
γ(ṙ)
e as equações de Euler-Lagrange levam à versão relativı́stica da segunda lei de Newton, a coordenada
de tempo derivada do momento relativı́stico é a força agindo sobre a partı́cula;
d ∂V ∂V d
F= − = (m0 γ(ṙ)ṙ)
dt ∂r ∂r dt
assumindo que o potencial V pode gerar a força F correspondente dessa maneira. Se o potencial não
pode obter a força conforme mostrado, então o Lagrangiano precisaria ser modificado para obtermos
as equações de movimento corretas.
Também é verdade que se o Lagrangiano é explicitamente independente do tempo e o potencial
V (r) independente das velocidades, então a energia relativı́stica total
∂L
E= · ṙ − L = γ(ṙ)m0 c2 + V (r)
∂ ṙ
é conservada, embora a identificação seja menos óbvia, uma vez que o primeiro termo é a ener-
gia relativı́stica da partı́cula que inclui a massa restante da partı́cula, não apenas a energia cinética
relativı́stica. Além disso, o argumento para funções homogêneas não se aplica a Lagrangianos rela-
tivı́sticos.
A extensão para N partı́culas é direta, o Lagrangiano relativı́stico é apenas uma soma dos termos
de ”partı́cula livre”, menos a energia potencial de sua interação
N
X m0k
L = −c2 − V (r1 , r2 , . . . , ṙ1 , ṙ2 , . . . , t)
γ(ṙk )
k=1

onde todas as posições e velocidades são medidas no mesmo referencial, incluindo o tempo.
A vantagem desta formulação de coordenadas é que podemos aplicar a uma variedade de sistemas,
incluindo sistemas de várias partı́culas. A desvantagem é que algum referencial escolhido como um
referencial preferencial e nenhuma das equações é manifestamente covariante (em outras palavras, eles
não assumem a mesma forma em todos os referenciais de referência). Para um observador se movendo
em relação ao refrencial, tudo deve ser recalculado; a posição r , o momento p , a energia total E
, a energia potencial etc. Em particular, se este outro observador se move com velocidade relativa
constante, então as transformações de Lorentz devem ser usadas. No entanto, a ação permanecerá a
mesma, uma vez que é invariante de Lorentz por construção.

4 Conclusões
O método de lagrange é às vezes instável, especialmente quando as forças não são bem formuladas rela-
tivisticamente. Na maioria das vezes, entretanto, as equações de movimento obtidas, embora não sejam
manifestamente covariantes, são relativisticamente corretas para algum referencial de lorentz particula.
Quase todos os procedimentos concebidos anteriormente para a solução de problemas mecânicos es-
pecı́ficos, portanto, podem ser transportados para a mecânica relativı́stica.

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Referências
[1] Thornton, Stephen T.; Marion, Jerry B, Dinâmica Clássica de Partı́culas e Sistemas, 5a. edição,
Editora CENGAGE.
[2] Goldstein,Poole Safko, Classical Mechanics, 3a. edição, Editora Addison-Wesley.
[2] WIKIPÉDIA: a enciclopédia livre. Disponı́vel em: https://en.wikipedia.org/wiki/RelativisticL agrangianm echanics.
17jul.2021.
[3] Notas de aula e vı́deos da disciplina 4302306 - Mecânica 2

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