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FILOSOFIA INTERMINÁVEL1
SARAH KOFMAN
I. O ARGUMENTO DA MATURIDADE
1
Texto originalmente publicado em GREPH, Qui a peur de la Philosophie? Paris:
Flammarion, 1977. O título, “Philosophie terminée, philosophie interminable”,
faz referência à classe onde unicamente se costumava ensinar filosofia na escola
francesa, antes do advento de experiências de filosofia com crianças, no ensino
primário, a saber: a “Terminale”, última série do Liceu, correspondente ao
terceiro ano do ensino médio brasileiro. Para as citações contidas no texto,
procurou-se seguir traduções existentes em português, traduzindo a partir do
francês apenas quando a versão da autora se distancia significativamente da
versão portuguesa. Tradução de Ivan Pinto e Filipe Ceppas.
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Cf. S. Kofman, Aberrations. Le devenir-femme d’Auguste Comte. Flammarion
1978.
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Filosofar uma vez, uma única e boa vez, para nunca mais ter
necessidade de filosofar... E viver. Filosofar mais seria “muito nocivo” à
vida. Eis porque o problema da maturidade é fundamental: se não se escolhe
o “bom momento”, corre-se o risco de passar a vida na dúvida, de passar a
vida filosofando. Corre-se o risco portanto de perder assim a vida. Filosofar
primeiro para viver depois uma vida na qual a filosofia irá garantir,
verdadeiramente, a segurança e a felicidade (poderia-se opor a esta
concepção cartesiana o famoso princípio tributário da tradição empirista,
hedonista, “viver primeiro, filosofar depois”: seria preciso primeiro ter vivido
para poder refletir sobre a vida e extrair suas regras. Posição paradoxal já
que apenas ao fim da vida disporíamos de regras para bem viver. Com
efeito, este tipo de posição forma como sempre um sistema com aquela que
lhe é contrária: ambas implicam a oposição entre a vida e a filosofia, e uma
valorização da vida em detrimento da filosofia: com Descartes, desembaraça-
se de uma vez por todas da filosofia mesmo se é unicamente graças a ela
que se pode viver melhor depois. Com o empirista, com o hedonista, desfruta-
se primeiro a vida, e reserva-se a filosofia para a velhice, momento em que
de qualquer maneira não podemos mais viver, onde resta somente a filosofia).
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“Que seja preciso explicarem-se de homem para homem sobre as coisas que
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olho da alma para o alto: elas têm um valor catártico. Necessidade portanto
de uma educação progressiva:
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interlocutor tenha acesso a si mesmo após estar livre das opiniões que
imaginava ilusoriamente serem suas. Seu duplo o liberta daquilo que
entulha sua memória a fim de que ele possa entregar-se à reminiscência.
Para que se façam nascer belas crianças é preciso que as trocas filosóficas
unam as almas que apresentam uma afinidade essencial. Imitando a
perseguição erótica, o filósofo está à procura de uma alma apropriada à
sua, uma alma a qual ele possa se unir para procriar na beleza: na forma do
mito, o Fedro descreve cada alma humana como uma determinada biga a
seguir uma biga divina que pretende tomar como modelo. Ora, ainda aqui,
perseguição amorosa e parto devem começar desde a juventude, por
medo que o perseguido, corrompido pelo sensível, se engane, tal qual
Alcebíades sobre as intenções de Sócrates, que não saiba mais adivinhar
por trás da feiura dos corpos a beleza da alma, que não possa mais
compreender que é a vacuidade da alma, e não o inverso, que é sinal de
plenitude.
A perseguição deve começar antes que o perseguido, por sua própria
natureza, venha a matar pai e mãe como lhe recomendam os vis bajuladores,
a viver como órfão, se prostituindo nos tribunais, dando ouvidos a qualquer
orador, a viver sendo incapaz de, a seu turno, dar vida, parindo somente
aparências vãs e mentirosas. Contrariamente ao que afirma Cálicles, a
educação segundo a natureza não permite elevar a criança à idade adulta,
torná-la “viril”: ela contribui somente para mantê-la num estado de infância,
privada de seus pais, de seus tutores, cercada de vis aduladores, que ela
honra como a seus pais e que a conduzem à perdição:
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“Uma primeira seleção escolhe de início aqueles que têm uma boa conformação
do corpo e da alma, os mais belos, os mais firmes, os mais corajosos, os que têm
disposições naturais apropriadas à educação filosófica: os velhos são, de cara,
excluídos. Ao conduzir as crianças à guerra, selecionam-se os mais bravos.
Desde a infância faz-se estudar as ciências do prelúdio dando-lhes uma forma
atraente. Segue-se uma educação estritamente física, ao término da qual se faz
uma seleção entre os jovens de vinte anos, quando lhes são apresentadas, em
sua ordenação, as ciências ensinadas desordenadamente na infância; trata-se
então de uma prova decisiva: detectar aqueles que são capazes de uma visão de
conjunto, capazes portanto de se tornarem dialéticos. Terceira seleção aos
trinta anos: durante cinco anos “testa-se” através de uma prática da dialética
aqueles que são capazes de se elevar só pelo pensamento ao próprio ser; em
seguida, durante quinze anos lhes são atribuídas, no Estado, as funções destinadas
a testar suas resistências às tentações do sensível.” (cf. Rep VII, 535a ss..).
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