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Como os direitos humanos passam a fazer sentido dentro dos

movimentos sociais? Porque a luta pela anistia passa a ser uma luta pelos DH?

Mais do que preceitos morais, ideais políticos, liberdades individuais e proteção


social, a expressão “direitos humanos” implica uma agenda, algo a ser discutido para a
melhoria do mundo, no caso a dignidade de cada indivíduo usufruindo da proteção
internacional.

É, sem dúvida, uma proposta utópica, pois além de basear-se em um cenário


que ainda não existe, promete substituir lentamente as fronteiras dos Estados com a
autoridade das leis internacionais. O programa alega trabalhar para proporcionar uma
vida melhor às vítimas, seja em aliança com os Estados quando possível, seja
apontando e rechaçando os mesmos quando eles violam as regras. Nesse sentido, os
direitos humanos definem as aspirações de movimentos sociais e entidades políticas,
evocando esperança e provocando ações.

A transnacionalidade dos Direitos Humanos originada a partir de 1948, com a


Carta das Nações Unidas, após a II Guerra Mundial, possibilita a criação de regimes
regionais e internacionais pautados na questão. Porém, será precisamente em 1970 que
estes ganharão um maior papel de destaque no mundo e passarão a fazer parte das
agendas das políticas externas dos Estados.

É sugerido que o motivo para seu centralismo no período tenha ocorrido pela
participação de um grande número de indivíduos que viram nos direitos humanos
uma forma de expressar seu desejo de um mundo melhor e, acima de tudo,
movimentos sociais os adotaram como lema pela primeira vez. Os indivíduos
começam a ganhar um espaço fundamental nesta luta, mostrando que não será uma
questão decidida apenas por meio do aparato estatal e sim pela opinião pública que se
estabelece em sua transnacionalidade por diferentes motivos conforme o contexto dos
acontecimentos, como por exemplo: solidariedade, crenças religiosas ou liberalismo
internacional.

Isto afeta o sistema internacional como um todo, pois influencia uma mudança
na tradicional noção de soberania dos países. Sendo os Estados os principais atores do
âmbito global, fazem da luta a favor dos direitos humanos abrangente, com a
participação de ONGs, OIs, fundações privadas, que passarão a ter papeis
fundamentais nos movimentos que dizem respeito à segurança e integridade dos
indivíduos.

Antes da II Guerra pouquíssimos políticos e intelectuais se voltaram aos


direitos humanos, mesmo que tentassem difundir a democracia e a liberdade. Foi
Hebert George Wells, um autor britânico que o fez. Em 1897 ele propôs um “rational
code of morality” (um código racional de moralidade), colocando em questão se o nível
intelectual e ético já estava suficientemente alto para permitir uma formulação de um
código moral, no qual pessoas educadas pudessem concordar (Sikkink, p.83) Franklin
Roosevelt englobou suas ideias com os direitos humanos em seu discurso, “Four
Freedoms” em 1941. A ideia principal de sua fala era de que o mundo deveria ser
fundado sobre quatro liberdades essenciais, sendo elas: liberdade de expressão e
discurso, liberdade de trabalho, liberdade de querer e a liberdade do medo. Tais
conceitos foram formulados como ajuda a uma articulação sobre a guerra e a paz em
meio ao momento de caos mundial decorrente dos conflitos da época.

Esta nova visão foi responsável por fazer governantes e intelectuais


colaborarem na criação de uma nova ordem no pós II Guerra. Em 1945 na Conferência
em São Francisco, EUA, as Nações Unidas foram estabelecidas com a ajuda não só dos
Estados, mas também de ONGs que foram convidadas para fazerem parte das decisões
tomadas representando assim, a sociedade civil em seu todo. Até mesmo políticos,
como o presidente americano Jimmy Carter usavam dos direitos humanos como guia
racional da política externa dos estados.

Dentro de uma década, as pessoas começaram a apelar aos direitos humanos


nos países de primeiro mundo e cada vez mais pessoas comuns como nunca antes,
significando proteção individual contra o próprio Estado. As Nações Unidas tiveram a
sua criação com o intuito, principalmente dos Estados Unidos, de evitar o fracasso que
se estabeleceu nos acordos pós I Guerra como o Tratado de Versalhes que resultou com
o passar do tempo em situações ainda mais catastróficas. A Anistia Internacional
ganhou um Prêmio Nobel da Paz em 1977 pelo seu trabalho, e esse tipo de advocacia
transformou para sempre o que significava discutir causas humanitárias e gerou uma
nova forma e era de defesa internacional dos direitos do cidadão.

Após a Segunda Guerra Mundial, as causas humanitárias avançaram, porém


em uma ampla variedade de bases, pois haviam grupos locais, nacionais e
internacionais, e suas causas eram majoritariamente definidas pelas questões religiosas,
étnicas, de gênero ou outra esfera de reivindicação a que pertenciam. Em contraste, a
defesa dos direitos humanos deu à ONU primazia nas questões de interesse, ação e
reforma.

Não há como considerar a recente emergência e respaldo atual dos direitos


humanos sem focar em sua dimensão utópica: a imagem de um mundo novo, melhor,
onde dignidade e respeito são subjacentes a seu apelo, mesmo quando significam
reforma gradual. Os direitos humanos surgiram como uma última utopia – e se
tornaram proeminentes graças ao colapso de outras e a sua persuasiva construção
como uma alternativa a elas. (Moyn, 2010: 122).

Diferentemente da Europa, os países da América Latina sempre deram real


importância ao direito internacional pela sua fragilidade em vista dos Estados fortes do
norte, porém foi apenas em 1915 com a criação do “American Institute of Law”, pelo
jurista chileno Alejandro Alavarez, que este direito começou a ter relações com os
direitos humanos na região, sendo que estes eram ligados à não intervenção que em
sua opinião não se diferia da proteção do indivíduo.

Em 1948 muitos países do continente ratificaram a carta da ONU


correspondente às normas a serem seguidas pelos Estados em favorecimento dos
direitos humanos universais dos homens e cidadãos e juntamente neste ano houve a
“American Declaration on the Rights and Duties of Man” na Conferencia de Bogotá
condizente a América em si. Apesar desses ganhos, até então o projeto falhara em
interessar uma grande quantidade de pessoas, mesmo os advogados internacionais, e
suas redes internacionais apenas floresceram em 1970, mais precisamente nos períodos
das Ditaduras Militares na região.

As ONGs dos Estados Latinos em relevância do Uruguai, Panamá e México


tiveram um papel muito importante na inclusão dos Direitos Humanos na agenda das
Nações Unidas. Porém, um pouco mais tarde pode-se ver que a região foi fortemente
prejudicada em seu uso pelas Ditaduras Militares que se estabeleceram. Estas
clamavam que tais políticas e pressões eram uma espécie de intervenção em seus
assuntos internos excluindo-os das agendas governamentais.

Durante a década de 1960 foi constituída a Anistia Internacional, conhecida


como uma das primeiras instituições capazes de criar uma rede perante o
enquadramento dos Direitos Humanos entre os seus membros e suas decisões
políticas. A pauta específica era a condição dos indivíduos que possuíam direitos
fundamentais violados, enfatizando que as vítimas abusadas eram pessoas com nomes,
histórias e famílias que necessitavam de um real apoio.

As normas seguidas pela instituição eram as criadas pelo ocidente, e se focavam


na resolução de problemas de grave violação como tortura, execução sumária e
aprisionamento. Para que pudesse ser mantido um equilíbrio no atendimento aos
países membros os casos mais urgentes eram divididos entre o primeiro, segundo e
terceiro mundo nas agendas de julgamento o que fazia com que a AI não fosse
acusada e nem persuadida por políticas ou ideologias externas condizentes à direita ou
à esquerda.

Mais tarde, suas táticas inovadoras foram adotadas por outros membros de
redes possibilitando o aumento de sua habilidade, importância e ressonância dos
Direitos Humanos perante o público. Isso promoveu cada vez mais a atração de um
suporte com maior abrangência em escala mundial por possibilitar que a pessoas
ganhassem uma maior consciência sobre os direitos humanos e sua seguridade
necessária.

A partir do anos 70 com o aumento da repressão nos países pela presença de


regimes autoritários - como a Argentina, Chile, Brasil, Uganda e Grécia - fizeram com
que a sociedade civil experimentasse de maneira concreta violações de direitos
humanos promovidos pelo Estado e isso fez com que as Organizações não
Governamentais nesta área começassem a crescer de tamanho e número. Lenta e
solidamente os direitos humanos incorporaram-se na consciência humana,
equivalendo a uma revolução na preocupação moral.

Na região latina essas ONGs como na Europa tiveram um crescimento grande


nos anos 70, 80 e adiante, a Anistia Internacional e o “Human Rights Watch” se
desenvolveram e englobaram cada vez mais membros contra a violação da integração
individual. É importante ressaltar que a maioria dos ativistas eram exilados políticos
no momento que os países do sul passavam por repressivas Ditaduras Militares.
Diferentemente das ONGs internacionais, que trabalham em prol não apenas de seu
país de origem, mas também de outros países, aquelas que se intitulam domésticas
trabalham diretamente aos Estados em que foram originadas na tentativa de solucionar
seus problemas internos. Um dado relevante mostra que a América Latina tem mais
ONGs domésticas de direitos humanos do que qualquer outra parte do terceiro
mundo.

Muitos ativistas latinos começaram a fazer parte da rede dos direitos humanos
como resultado das experiências obtidas em frente aos regimes militares da região,
como exemplo temos a Argentina com organizações como as “Grandmothers of Plaza de
Mayo”e“Mothers of Plaza de Mayo”.Pode-se notar a concretização da transnacionalidade
da primeira com suas viagens à Europa, Estados Unidos e Canadá denunciando as
violações na Argentina em procura de solidariedade internacional, assistência científica
para a resposta de algumas questões entre outros.

No Brasil a transnacionalidade dos Direitos Humanos começou a ganhar ênfase


na Ditadura Militar com os Movimentos a favor da Anistia, principalmente a partir do
final da década de 70. A conjuntura que se abre começa com a classe média, cujos filhos
agora não são mais imunes ao terror da repressão, o movimento iniciado por "mães,
esposas e irmãs" mais tarde conta com a participação da Ordem dos Advogados do
Brasil (OAB), a Associação Brasileira de Imprensa (ABI), a Sociedade Brasileira para o
Progresso e a Ciência (SBPC), entre outros. O caráter internacionalista é atribuído à luta
"pelo fim da repressão em todos os países" (Greco, p.92).

Porém foi com Manifesto da Mulher Brasileira pelo Movimento Feminista pela
Anistia (MFPA), primeiro em São Paulo e depois com uma irradiação para todo o
Brasil e o mundo através dos Comitês Brasileiros de Anistia, que começou-se
fortemente com as movimentações contra a situação repressiva do Estado, com a busca
da memória dos desaparecidos, ou a defesa de familiares presos e exilados (Greco,
p.66-69).

As principais movimentações e estabelecimentos da luta do Estado Brasileiro


ocorreram a partir de 1975 com o MFPA e o reinício das greves estudantis. Em 1977-78
houve a definitiva retomada das manifestações da classe média e dos populares, um
verdadeiro reavivamento da sociedade civil, em vista de alguns estudiosos (Greco,
p.68), a partir desse momento o autoritarismo nacional percebe que necessita mudar de
tática através das pressões nacionais e internacionais que começam a assolar o país pela
sua violação aos direitos fundamentais dos indivíduos. A luta familiar assume uma
pauta mais amplificada, visando atingir o regime no âmago.

Como vários países da América Latina se encontravam na mesma situação entre


os períodos de 1970 e 1980, regidos por Ditaduras Militares a solidariedade como
“framework” teve um papel essencial na ligação entre a advocacia internacional e as
ONGs na região. Os grupos começaram a tentar englobar tanto os direitos humanos
como a solidariedade para uma maior ligação entre os indivíduos além das fronteiras,
dando um significado para a luta dentro dos direitos humanos.

Em 1959 foi estabelecido a Comissão Interamericana de Direitos Humanos da


Organização dos Estados Americanos que entrou em efetivação apenas em 1979 pelas
necessidades que se alarmavam no continente. Assim, ela começou a ter um papel
concreto na reportagem dos direitos humanos, mas foi apenas em 1991 com os países já
todos democratizados que houve a “Declaração de Santiago” em que se chegou a um
consenso do comprometimento de seus membros na proteção dos direitos humanos e
na representação da democracia.

Apenas através das OIs, principalmente pelas ONGs que os governos começam
a se voltar aos Direitos Humanos em vista da pressão causada por elas e pelas redes
transnacionais que estas foram e são capazes de construir. Todavia, esta ligação para se
tornar estável irá depender dos governantes presentes no aparato estatal e do contexto
ao redor da política interna e externa do país no momento em que ocorrem as
violações.

É interessante ressaltar a decisão arriscada dos ativistas brasileiros em fazer a


denúncia de tortura coincidir com a visita do presidente Carter, em março de 1978,
especialmente para entender melhor a gradual descaracterização do movimento, pois
"local actors knew that the success of their denunciations depended on keeping radical claims for
social change separated from their human rights activism" 1 (Moyn, p.173), ou seja, o sucesso
de sua ação dependia de seu caráter despolitizado, evidenciando que a questão deixa
de ser política e passa a ser social (Greco, p.390-393), não mais antirregime, mas
pautada no direito à verdade e à memória, enquanto essenciais à cidadania.

Referências:

Sikkink, não lembro o nome do livro.

GRECO, Heloisa Amelia. Dimensões fundacionais da luta pela anistia. Tese


apresentada ao curso Pós Graduação das faculdades de Filosofia e Ciências Humanas
da Universidade Federal de Minas Gerais referente ao Doutorado em História. 2003.
Belo Horizonte.

MOYN, Samuel. The last utopia: human rights in history. The Belknap Press of
Harvard University Press: Cambridge, 2010.

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