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Capítulo 7

Estabilização, reformas e desequilíbrios macroeconômicos: os anos FHC (1995-2002)

Introdução

 FHC, ao disputar as eleições de 1994, tinha dois objetivos claros. Sabia que as alianças
políticas eram fundamentais para poder governar e; visava concluir o mandato
presidencial e entregar o país a seu sucessor, fato que não acontecia desde a transição
de JK e Jânio.
 FHC fora eleito para vencer a inflação e a forma como seu governo seria visto pela
história se relacionava ao seu grau de êxito na matéria.
 Antes do Plano Real houveram 5 planos de estabilização fracassados.

A batalha da estabilização

 1995 e o novo governo começaram sob pressão. São as seguintes dificuldades:


1- A economia se encontrava em processo de superaquecimento, o que trazia à memória
o Plano Cruzado, em que um boom mal administrado havia provocado o colapso.
2- A crise do México – alimentando a suspeita de que regimes e cambio rígido poderiam
não acabar bem e que o Brasil poderia ser o próximo afetado por crise similar.
3- As reservas do Brasil começaram a cair.
4- A inflação mantinha certa resistência à queda.
 O tempo mostrou que o real deu certo. Não era essa a visão, porém, no começo de
1995, quando havia a possibilidade de após alguns meses de bonança, a inflação
voltasse com força e a indexação se reinstalasse na economia.
 Conjunto de medidas em março de 1995, com 2 componentes básicos:
1- Desvalorização controlada. BC passou a administrar um esquema de
microdesvalorizações;
2- Alta taxa de juros nominal, aumentando o custo de carregar divisas;
 Governo empenhado em defender a nova política cambial e não contemplava novas
desvalorizações. Investidores voltam ao país e aumentam as reservas internacionais.
Inflação começou a cair e daí em diante caiu ao longo de 4 anos consecutivos.
 Plano Real foi salvo por 2 fatores: a política monetária, pois sem os juros altos
daquela época dificilmente ele teria escapado de sofrer o esmo destino dos planos
anteriores; e situação do mercado financeiro internacional, com ampla liquidez.

a crise em gestação: 1995-98

 A gestão macroeconômica no Plano Real deixava dois flancos abertos: um


desequilíbrio externo crescente e uma séria crise fiscal

O desequilíbrio externo

 A razão era o grande aumento das importações que se seguiu ao plano real,
combinado com um desempenho pífio da agricultura.
 Além da piora da conta corrente associada ao comportamento da Balança Comercial, o
financiamento do próprio déficit em conta corrente a partir de 1995 gerou um efeito
de realimentação dos desequilíbrios.
 Pagamentos crescentes de juros e de lucros e dividendos.
 O déficit de serviços e rendas praticamente dobrou no primeiro governo FHC.
 Porque o governo não agiu antes? 3 razoes ajudam a entender o comportamento do
governo:
1- Temor de uma repetição dos efeitos da desvalorização mexicana, concebida para ser
moderada, mas acabou fugindo ao controle e gerando alta inflação em 95. Ao optar
por manter o câmbio sobrevalorizado, FHC julgou ser melhor lidar com uma situação
interna difícil do que com uma desvalorização, que poderia ser um salto no escuro.
2- Política. O melhor momento para a desvalorização teria sido 1995. Porém, o governo
entendeu que a memória da indexação ainda estava muito presente e a inflação
ainda era alta. Depois, quando as circunstancias voltaram a ser favoráveis
novamente, o cenário político mudara: estava sendo discutida a emenda propondo a
reeleição do presidente e em 1998 haveria eleições.
3- Esperança de que o resto do mundo continuasse a financiar o após, em um processo
no qual os ajustes fossem feitos gradualmente e o governo se beneficiasse do papel
de ponte até o reestabelecimento do equilíbrio, que poderia ser representado pelas
volumosas privatizações em curso.
 Nas expectativas políticas, FHC seria reeleito e as reformas seriam gradualmente
realizadas.

A crise fiscal

 A política econômica se defrontou com um problema clássico dos programas de


estabilização: falta de alicerce, representado pela política fiscal. Sem a ajuda desta, o
êxito do Real dependeu quase que exclusivamente do rigor da política monetária e
os juros tiveram papel crucial para a preservação do Plano.
 Deterioração dos indicadores do endividamento, tanto externo quanto público.
Privatização teria a função de garantir o financiamento externo para o desequilíbrio
em conta corrente do BO e de evitar uma pressão maior sobre a dívida pública.

O desfecho dos desequilíbrios

 Progressivo desgaste da âncora cambial como instrumento básico de política


econômica. os problemas dela decorrentes começaram a se mostrar muito onerosos.
A deterioração da conta corrente estava gerando um aumento acelerado dos passivos
externos do país. a necessidade de compensar esse déficit externo mediante a entrada
de capitais que se sentissem atraídos pelas elevadas taxas de juros oferecidas no
mercado passou a gerar uma despesa financeira significativa. Pressionava as contas
públicas e contribuía para piorar a relação divida pública/PIB.
 Segundo semestre de 1998: mundo deixou de financiar o Brasil e a rolagem da dívida
interna passou a ser feita a taxas de juros proibitivas.
 1994-8: três crises importantes – México (1995) , países da Ásia (1997), Rússia (1998).
Em todas elas o Brasil foi seriamente afetado pelo efeito contágio associado à redução
dos empréstimos aos países ditos emergentes.
 Privatização da Telebrás.
 Pós crise asiática, reservas voltaram a subir, a crise parecia ter caído no esquecimento
e as pesquisas indicavam que FHC seria reeleito. Pouco depois, porém, a moratória da
russia mudou súbita e completamente o panorama.
 Setembro negro – o dia depois tinha chegado mais cedo e o governo se viu obrigado a
adiantar as reformas que faria nos 4 anos futuros.
 Depois de 3 ataques consecutivos ao real, o instrumento de combate clássico – a alta
taxa de juros – não mais se mostrava suficiente para debelar o problema, pior,
agravava a crise fiscal.

O segundo governo FHC – 1999/2002

 Faltando poucas semanas para as eleições, o governo começou a negociar um acordo


com o FMI, que permitisse enfrentar um quadro externo adverso, caracterizado pelo
esgotamento da disposição do resto do mundo em financiar os déficits em conta
corrente brasileiros.
 Consequente fuga de capitais.
 O FMI coordenou esforços de apoio ao Brasil, mediante organização de um pacote de
ajuda externa. Contemplava um aperto fiscal, com superávit que deveria ser
ascendente (0 a 3% do PIB de 1998 a 2001). O acordo não comtemplava mudanças na
política cambial. Enfrentou 2 obstáculos:
i- Ceticismo com que foi recebido pelo mercado;
ii- Rejeição, pelo congresso, de uma das mais importantes medidas do programa
fiscal proposto em 10/1998 – a cobrança de contribuições previdenciárias dos
servidores públicos inativos. Isso deu a ideia de que o governo não conseguiria ter
apoio para implementação de suas propostas. Pessimismo externo aumentou e
perda de divisas se acelerou.
 O governo ficou sem opção, a desvalorização cambial foi uma imposição das
circunstancias, em meados de janeiro de 1999 ela se tornaria inevitável.
 Governo deixou o câmbio flutuar.
 Panorama muda com a nomeação de Armínio Fraga para o BC. Visto como profundo
conhecedor do mercado financeiro internacional, escolheu sua equipe e anunciou
duas providencias:
1- Elevação da taxa de juros básica;
2- Inicio de estudos para a adoção do sistema de metas de inflação;
 Governo conseguiu apoio político para aprovar as medidas de ajuste com as quais
poderia renegociar o acorod com o FMI, já em um novo cenário.
 Aperto fiscal nas contas do governo central.
 A desvalorização não teve os efeitos inflacionários que inicialmente temiam os que a
ela se opunham nos anos anteriores.
 Fatos que explicam a baixa inflação:
 Desvalorização ocorreu em um momento de vale da produção industrial. A demanda
estava contraída, o que diminuiu o risco de repasse do cambio aos preços;
 Quase cinco anos de estabilidade e a desmontagem dos mecanismos de reajuse
tinham mudado a mentalidade indexatória dos agentes econômicos;
 A baixa inflação mensal inicial diminuiu muito o temor de uma grande propagação de
aumentos de preços;
 A política monetária rígida cumpriu o papel esperado de conter o ritmo de
remarcações e de apreciar o real, após o overshooting inicial;
 O cumprimento sucessivo das metas fiscais acertadas com o FMI gerou confiança
crescente no controle da economia;
 Aumento do salário mínimo em 1999;
 Meta de inflação de 8%;
 A partir do começo de 1999, o país iniciou um processo de retomada do crescimento
que só viria a ser abortado pela combinação de crises de 2001.
 Em 2001 a economia foi prejudicada por uma combinação de eventos: crise de
energia, o contagio argentino e os atentados terroristas de 11 de setembro.
 O balanço do período de 1999-2002 é ambíguo. De um lado, o crescimento
permaneceu baixo e o país continuou amargando taxas de juros reais elevadas, de
outro, houve melhora sistemática da balança comercial e do resultado em conta
corrente.

As reformas do período

1- Estabilidade. Desde que o IGP começou a ser apurado, na década de 1940, ele não foi
inferior a 10% nos 35 anos anteriores a 1994.
2- Reformas que deram continuidade a um movimento iniciado no governo Collor:

Privatizações;

Fim dos monopólios estatais de petróleo e telecomunicações (feito através de emenda


constitucional. Concorrência nesses setores)

Mudança no tratamento do capital estrangeiro (maior abertura. Mais investimentos


estrangeiros no país)

Saneamento do sistema financeiro (PROER; privatização dos bancos estatais, facilitou a


entrada de bancos estrangeiros; ampliou requisitos de capital para a criação de bancos;
favoreceu um processo de conglomeração do setor)

Reforma da Previdência social (2 etapas – (i) idade mínima para os novos entrantes na
administração pública e ampliou o tempo de contribuição para os ativos; aprovou o fator
previdenciário para o INSS)

Renegociação das dívidas estaduais (federalização das dívidas frente ao mercado. Pagamento
das dívidas em 30 anos c/ parcelas mensais)

Aprovação da Lei de Responsabilidade Fiscal (tetos para a despesa com pessoal em cada
poder. dispositivos de controle das finanças públicas)

Ajuste fiscal a partir de 1999 (restrição orçamentária efetiva, baseada em metas fiscais rígidas,)

Criação de agências reguladoras de serviços de utilidade pública (defender os interesses do


consumidor, assegurar o cumprimento dos contratos, zelar pela qualidade do serviço etc)

Estabelecimento do sistema de metas de inflação;

As privatizações

Venda de empresas prestadoras de sérvios públicos com ênfase nas telecomunicações e


energia.

Necessidade de atrair capitas estrangeiros. Em particular, durante o primeiro governo FHC a


privatização era funcional à política econômica, pois ela permitia simultaneamente que os
elevados déficits públicos do período não pressionassem mais ainda a dívida pública e garantia
financiamento firme para parte do desequilíbrio da conta corrente.
Pontos positivos: dívida pública diminuiu porque os gastos com as empresas passaram a ser
menores. As empresas ficaram em melhor situação e se tornaram mais eficientes após serem
vendidas. No caso das telecomunicações houve benefícios sociais (queda dos preços de linhas
fixas, redução do tempo de espera para obter linhas etc) no caso dos estados, a venda das
empresas em situação financeira crítica melhorou o resultado fiscal das empresas estatais.

Pontos negativos: resultados ficaram aquém do que foi alardeado. Ideia errada de que com a
desestatização o dinheiro obtido seria usado em programas sociais. Sérios problemas
regulatórios no setor elétrico, as companhias estatais produziam energia e as privadas
distribuíam, assim nenhuma delas fazia os investimentos necessários e acabou ocorrendo a
crise energética em 2001.

Uma década de transformações: as mudanças em 3 estágios

1991-94: o binômio privatização/abertura introduziu um choque de competição na economia,


que representou uma mudança radical do modelo de economia protegida até então vigente e
obrigou o setor privado a se modernizar para sobreviver face ao novo ambiente enfrentado
pelos negócios.

1995-98: Primeiro Governo FHC – a estabilização associada ao Plano Real marcou uma
revolução comportamental no setor privado, pois com a possibilidade de comparar preços, a
soberania do consumidor passou a obrigar a uma disputa entre as firmas, que potenciou os
benefícios da competição introduzida pelos importados.

1992-2002: tríplice mudança de regime (cambial, monetário e fiscal). Até 1998 o Brasil
conviveu constantemente com esses 3 elementos: alta inflação, crise externa e ou descontrole
fiscal. Com as medidas de 1999 o país passou a ter condições de enfrentar cada um desses
problemas.

Porque o ajuste não foi percebido?

Porque em 2002, o Brasil não era percebido como um caso de sucesso, nem pelos mercados,
que castigaram o país com níveis de risco elevadíssimos, nem pela população, que votou
contra o governo nas eleições?

Diferença entre os 2 governos FHC. No primeiro, a dívida aumentou por razoes fiscais. No
segundo, devido ao forte ajuste primário, a dívida de origem fiscal se manteve relativamente
estável e o aumento do total se explica pela variação dos ajustes patrimoniais.

Ainda no segundo semestre de 2002, quem olhasse de fora, pensaria que a dívida pública
continuava a crescer. Entre a maioria dos analistas, especialmente estrangeiros, imperava o
ceticismo sobre o brasil.

Duas ressalvas fundamentais para entender as limitações:

i- Contexto externo ruim: crise econômica argentina; contração dos mercados


consumidores da AL; atentados terroristas de 2001; desvalorização do euro etc;
ii- Condições iniciais da implementação das políticas – desequilíbrio externo de
grande magnitude. Ajustamento externo era necessário, não podia prescindir uma
desvalorização. Queda dos salários reais era inevitável.
O desempenho da economia brasileira no período não foi ruim. Pequeno crescimento do PIB
foi o que condenou o partido governista, entretanto o Brasil nunca tinha conseguido ter dois
anos consecutivos de crescimento de mais de 3%.

Conclusões

 Dois governos FHC muito diferentes entre si.


 Pontos positivos - Ambos tiveram como foco principal a inflação. Estabilização.
Reformas e políticas eficientes: metas de inflação; câmbio flutuante; Lei de
Responsabilidade Fiscal. Autonomia do Banco Central. Instituições reguladoras do
serviço público. Conclusão do mandato de um presidente civil com sucesso e
passagem para o próximo presidente efetivada tranquilamente.
 Ponto negativo: contínua expansão dos gastos públicos. Baixo crescimento. Aumento
da carga tributária. Não conseguiu realizar a reforma tributária, mercado de crédito
não se desenvolveu. Não foi superada a vulnerabilidade externa do país.

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