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Curso de Pós-Graduação em Dinâmica dos Grupos

Desenvolvido pela Sociedade Brasileira de Dinâmica dos Grupos – SBDG


em parceria com a FATO – Faculdades Monteiro Lobato

DE BION À DEJOURS: REFLEXÕES TEÓRICAS SOBRE A DINÂMICA DOS


GRUPOS
Aline Schimanoski1
Luciana Gisele Brun2
Maria Aparecida Maes3
Orientadora: ProfªCrismeri Delfino Correa
RESUMO
A Teoria Psicodinâmica do Trabalho, proposta por Cristophe Dejours e a Teoria Dinâmica dos Grupos proposta
por Wilfred Bion discorrem sobre o fenômeno grupal. O presente estudo propõe-se refletir sobre ambas as
teorias comparativamente a fim de aprofundar a compreensão das relações grupais e contribuir com a teoria a e
prática. Para tanto se propõe uma pesquisa qualitativa exploratória em que a dialética entre as teorias é
apresentada através de uma revisão bibliográfica. Pode-se constatar que os níveis de funcionamento grupal:
consciente e inconsciente, os conceitos de cooperação e reconhecimento são complementares entre os autores e
contribuem para a visão mais ampla do fenômeno grupal.

Palavras Chave: Teoria Psicodinâmica do Trabalho. Cristophe Dejours. Dinâmica dos


Grupos.WilfredBion

ABSTRACT
The Psychodynamic Theory of Labor proposed by Cristophe Dejours and Dynamic Group Theory proposed by
Wilfred Bion's discourse on the group phenomenon. The present study proposes to reflect on both theories
compared to deepen the understanding of group relations and contribute to and practice with theory. For that
proposes an exploratory qualitative research in which the dialectic between the theories is presented through a
literature review. Can be seen that the group levels: the conscious and unconscious, the concepts of cooperation
and recognition are complementary between the authors and contribute to the broader vision of the group
phenomenon.

Keywords: Psychodynamic Theory of Labor. Cristophe Dejours. Dynamics of


Grupos.WilfredBion

1. INTRODUÇÃO

O artigo ora apresentado discorre sobre as teorias: psicodinâmica do trabalho,


inicialmente proposta por Cristophe Dejours, e a dinâmica dos grupos embasada por

1
Formada em Turismo. Pós Graduada em Recursos Humanos. Pós Graduanda em Dinâmica de Grupos
2
Formada em Psicologia. Doutoranda em Psicologia Social. Pós Graduanda em Dinâmica de Grupos
3
Formada em Pedagogia. Especialista em Gestão Educacional e Pedagógica e Gestão Universitária. Pós
Graduanda em Dinâmica de Grupos
WilfredBion (1897 – 1979). Este estudo tem como principal objetivo apresentar algumas
reflexões comparativas através da busca de articulações entre os conceitos elaborados por
ambas teorias. Entre os principais conceitos comparados estão: coletivo de trabalho -
mentalidade grupal, cooperação - supostos básicos, e reconhecimento. Para tanto propôs-se
uma breve contextualização de cada abordagem teórica, seguida de um capítulo de
articulações entre elas.
A revisão teórica proposta neste trabalho justifica-se pela ausência de estudos
anteriores cujo objetivo fosse a comparação destas teorias especificamente. Tal ausência foi
constatada través de pesquisa na base de dados da Capes, que reúne grande número de livros e
periódicos nacionais e internacionais, com a utilização dos nomes dos autores por assunto e
termo de busca. Os resultados encontrados nesta busca tratam das teorias e autores
separadamente ou no mesmo texto de forma indireta e não com intuito comparativo. Além
disso, acredita-se que o aprofundamento desta reflexão tenha relevância para a prática e a
pesquisa no campo das relações grupais.
Para a produção e apresentação deste artigo teve-se como questão norteadora a
seguinte pergunta: quais as relações entre a teoria psicodinâmica do trabalho proposta por
Cristophe Dejopurs e a teoria dinâmica dos grupos de WilfredBion?Partiu-se das seguintes
hipóteses iniciais: não se podem comparar tais teorias, pois, não existe base epistemológica
para o estabelecimento de relações; H1: os conceitos comparados são muito parecidos, podem
ser usados como equivalentes; H2: asduas teorias podem contribuir para avanço e ampliação
da compreensão do fenômeno grupal.
Logo no início da elaboração deste estudo constatou-se que a origem epistemológica
da teoria psicodinâmica do trabalho, proposta por Christophe Dejours, bem como dos estudos
da dinâmica dos grupos proposto por WilfredBion, encontra-se na psicanálise, entre outras
teorias. Ambas se dedicam a compreensão da vida nos grupos e propõe conceitos para o
entendimento dos fenômenos e acontecimentos estudados. Portanto a hipótese nula, de que
estas teorias não poderiam ser comparadas, foi refutada.
A presente pesquisa caracteriza-se pelo delineamento qualitativo exploratório já que se
propôs a “desenvolver, esclarecer e modificar conceitos e ideias” acerca do tema. O intuito
desta escolha foi buscar clarear e delimitar o assunto que ainda não foi aprofundado em
pesquisas anteriores. Para tanto o método utilizado foi da pesquisa bibliográfica que incluiu a
busca, leitura e análise de livros e artigos para compreensão do tema investigado. Entre as
vantagens da utilização deste método está a possibilidade de investigar uma quantidade maior
de conceitos e fenômenos do que através da pesquisa direta.Além disso, este estudo também
pode ser considerado como dialético já que se admitiu a existência das contradições existentes
entre as teorias bem como se buscou uma interpretação ampla da realidade estudada,
considerando o contexto em que os fatos sociais estão inseridos (GIL, 2010).

2. DISCUSSÃO TEÓRICA

2.1 Teoria Psicodinâmica do Trabalho

A teoria psicodinâmica do trabalho surgiu no final da década de 80 com as publicações


de cunho científico de Christophe Dejours, na França, que discutiam a psicopatologia dos
trabalhadores franceses.No Brasil, sua primeira obra com tradução para o português,A
Loucura do Trabalho (5º Ed., 1992) foi apresentada ao público brasileiro pelo próprio autor
em 1987, na sua primeira edição. Esta obra se tornou uma referência nacional para diferentes
áreas do conhecimento, pois trouxe uma visão inovadora da relação entre o trabalho e a saúde
mental dos trabalhadores.Inicialmente, o Dejours salienta que sua teoria se encontra na
psicanálise de grupo e na psicossociologia, já que a psicanálise se concentra nas relações
objetais, um pressuposto limitado para entender as relações do homem no trabalho. Portanto,
na psicodinâmica do trabalho a ênfase está colocada na dinâmica dos pequenos grupos e no
que eles apresentam de singular, único, indiferente de onde estejam, seja no próprio trabalho
ou em outros contextos. Seu interesse, entretanto, está em conhecer a vivência de saúde dos
operários, trabalhadores e suas relações com os patrões e o Estado.
A obra que se destaca na sequencia, teve sua primeira edição em 1993, chamada de
Psicodinâmica do trabalho: Contribuições da Escola Dejouriana à Análise da Relação
Prazer, Sofrimento e Trabalho, faz um movimento da psicopatologia para a psicodinâmica
(Dejours, Abdoucheli&Jayet, 2007). Passou a explorar a relação dinâmica presente nas
organizações entre os trabalhadores, sua saúde, e a organização do trabalho. Deste modo, seu
foco passou a abarcar o estudo do prazer e o sofrimento subjetivo, das forças visíveis e
invisíveis, entre outras variáveis que promovem ou deterioram a saúde dos grupos nas
organizações (Mendes, 2007).
O autor defende a ideia que a forma como o trabalho está organizado nos documentos
da organização compostos por regras de cumprimento das funções, prazos de entrega das
tarefas, as hierarquias e as divisões de tarefas, definem a organização do trabalho prescrita.
Para que seja possível desempenhar a sua função com sucesso o trabalhador precisa utilizar
toda sua energia e personalidade ao lidar com os imprevistos e com os obstáculos que se
apresentam no dia-a-dia, ou seja, ele depara-se com a organização do trabalho real. A tensão
resultante destas duas formas de organização do trabalho gera sofrimento que pode ter um
destino criativo ou patológico. Desta forma, o grupo, aqui chamado de coletivo de trabalho é
fundamental e garante o sucesso ou fracasso da adaptação do trabalhador e do desempenho de
suas funções (Dejours, Abdoucheli&Jayet, 2007).
O coletivo de trabalho é definido como “um jogo social complexo de regras, técnicas
e éticas” (p. 93). Neste conceito, o grupo não é naturalmente reunido em torno de um objetivo
comum, mas uma construção social forçada a lidar com as diferenças entre os membros e que
possui uma dinâmica própria. Sua estrutura é formada pelo gestor e seus subordinados. A
partir da convivência, dos pares (subordinados) são combinadas as regras de ofício que tratam
das técnicas, da forma de convivência social, da linguagem empregada e da ética. São as
regras de ofício firmadas pelo coletivo de trabalho que fornecem as referências para o
julgamento do trabalho e, consequentemente, para o reconhecimento dos pares. (Lima, 2013).
Quando há presença de tensão, de utilização de estratégias e ideologias defensivas por
um longo período nos grupos de trabalho, instala-se o que se nomina de triunfo do
individualismo. A tese do individualismo é defendida com unanimidade nestes locais de
trabalho em que há prevalência de segredos, desconfiança, desmotivação, recusa à
responsabilidade e dissolução das solidariedades. Muitas vezes, a justificativa deste modo de
ser do grupo de trabalho se dá por uma causalidade alheia a organização, mas por razões
sociais inexplicáveis. Ocorre assim, uma ocultação da compreensão da história da situação
atual e um bloqueio à inteligência do grupo. O sentido passa a ser fornecido por uma
racionalização exógena, proveniente de fora do grupo, de forma fragmentada ou mesmo
alienada (Dejours, Abdoucheli&Jayet, 2007).
Desta forma, o reconhecimento do trabalho e da mobilização de energia para o
enfrentamento dos obstáculos presentes em toda organização do trabalho, passa a ser
entendido como um dos fatores de maior relevância para as relações. O reconhecimento passa
pelo julgamento das pessoas sobre o fazer do trabalhador, entre eles: o julgamento de
utilidade e de beleza. No julgamento de utilidade técnica, social e econômica, a qualidade do
trabalho é reconhecida pelos chefes, executivos, além dos subordinados e dos clientes. A
qualidade do fazer no trabalho está relacionada com a engenhosidade do ego de produzir
inovações e fazer ajustes ou melhorias na execução das tarefas. O julgamento de beleza, por
sua vez, insere o trabalhador num coletivo e constrói um sentimento de pertença, portanto, é
realizado pelos pares ou colegas de trabalho. Diz respeito também ao contingente, já que e
considerado o mais significativo e com maior valor para o sujeito que deve estar alinhado com
a especificidade do seu ofício ou profissão além de caracterizar seu estilo, o distinguindo dos
demais(Dejours, 4º Ed., 2003).
Todas as formas de manifestação do reconhecimento do trabalho precisam estar
dirigidas à atividade, e não ao ser do trabalhador, para que num segundo momento haja uma
integração desta ao ego e à identidade do trabalhador. Portanto o “reconhecimento é a forma
específica da retribuição moral-simbólica dada ao ego, como compensação por sua
contribuição à eficácia da organização do trabalho, isto é, para o engajamento da sua
subjetividade e inteligência” (Dejours, 2003, p.55-56). Deste modo, o trabalhador também
contribui para melhoria da gestão e de organização do trabalho.
Para que o reconhecimento ocorra de modo saudável é preciso que as relações
intersubjetivas, ou sócio profissionais, sejam caracterizadas por uma dimensão ética e uma
dimensão psicoafetiva. A ética diz respeito à promessa de equidade no julgamento em
detrimento da assimetria gerada nas disputas pelo poder. A dimensão psicoafetivatrata deste
modo, do reconhecimento e realização do ego. Neste sentido, surge a necessidade e discutir e
arbitrar conjuntamente as táticas, as formas, os caminhos ou o processo prático da realização
da atividade, fazendo as combinações necessárias ao bom andamento das tarefas. O que
implica em alguns casos,verificar vantagens e inconvenientes do dia-a-dia, adotar ou propor
melhorias na execução das tarefas. Neste sentido coletivo é fundamental a cooperação entre
os colegas com o reconhecimento das singularidades, “passando do singular ao plural”
(Dejours, 2003, p. 57).

2.2 Teoria Dinâmica dos Grupos

Nascido na Índia em 1897,Wilfred Ruprecht Bion foi estudar na Inglaterra aos 8 anos,
clínico,pesquisador e pensador, no campo da psicanálise. Durante os anos 40 seu interesse
estava totalmente voltado para o estudo dos processos de grupo, seus trabalhos iniciaram
quando atuou como psiquiatra na ala de reabilitação de militares da segunda guerra mundial
do Hospital Militar de Northfield, onde apenas supervisionava paciente já tratados, depois
estudou inúmeros grupos terapêuticos na Tavistock Clinice em suas práticas de consultório.
Seus estudos se referem à atividade mental que os grupos facilitam nos indivíduos que
dele fazem parte. Estabeleceu então leis gerais e específicas dirigidas a cada tipo de
configuração grupal.
Bion foi o autor que deu contribuições de grande valor e respeito do campo vincular,
as quais foram ampliadas pelos estudos e esclarecimentos do psicanalista brasileiro David E.
Zimerman. Em suas palavras: “Resumidamente, pode-se dizer que os vínculos são elos de
ligação intra, inter e transpessoais e que sempre estão acompanhados de emoções e fantasias
inconscientes” (Zimerman, 1995, p.128).
Do ponto de vista teórico, suas principais influências são a psicanálise freudiana com
destaque para os trabalhos de Freud e seus interlocutores sobre a psicologia das massas; a
teoria das três pulsões do Dr. Hadfieldda clínica Tavistock; e as contribuições kleinianas.
Do ponto de vista empírico, suas principais fontes são os grupos terapêuticos que
acompanhou em diversas instituições na qual trabalhou na qual começou seus estudos com
grupos o que possibilitou a elaboração de teorias sobre o tema.
A partir de seus estudos referentes à atividade mental que os grupos promovem nos
indivíduos que dele fazem parte,Bion defende que nos grupos assim como no indivíduo,
existem dois níveis de funcionamento psíquico, inter relacionados entre si: O nível consciente
e o nível inconsciente que constituem leis gerais e específicas dirigidas a cada tipo de
configuração grupal.
O primeiro livro de Bion publicado em 1961, “Experiências com Grupos”, deu
gêneses ao que atualmente chama-se de terapia grupal. Entre as importantes contribuições de
Bion, destaca-se a observação de que qualquer grupo movimenta-se em dois planos: o
primeiro que se denomina grupo de trabalho, opera no plano consciente e é um nível de
funcionamento grupal que está voltado para a execução de tarefas, em que é fundamental a
cooperação entre os indivíduos.Simultaneamente no plano inconsciente, existe outro nível de
funcionamento grupal, outro clima emocional subjacente, que fica em estado latente, e suas
manifestações clinicas correspondem a um atrativo primitivo de pulsões e de fantasias
inconscientes que Bion denominou pressupostos básicos: dependência, acasalamento e luta-
fuga.Nunca pode haver mais de um padrão em andamento. Quando um suposto básico
predomina, os outros ficam depositados no que Bion chamou de "aparato protomental”. Neste
sistema o somático e o psíquico são indiferenciados.
Pesquisando a concepção de grupo de Bion (1965). Segundo ele, em qualquer grupo
coexistiriam dois níveis: 1) O nível da tarefa, que corresponde ao nível consciente, racional,
articulado em torno de procedimentos e papéis que favorecem a cooperação. Esse nível define
uma “mentalidade de grupo de trabalho” que nunca poderia ser pura, pois está sempre
permeada pelo nível da valência.2) O nível da valência, também chamado “protomental”,
subjacente às atividades de trabalho, refere-se à esfera emocional e é organizado em torno de
três “hipóteses de base”, ligadas entre si e podendo manifestar-se de forma alternativa
Para entendimento de funcionamento dos grupos é preciso o entendimento da terapia
grupal e da mentalidade grupal e a compreensão dos supostos básicos.
1) o suposto básico de dependência, no qual existe um líder carismático que vai levar o grupo
a satisfação plena,se comportam como se quisessem ser protegidos pelo líder.O grupo é a
possibilidade da renovação e um espaço de salvação, um momento de projeção de esperanças
e satisfação. O grupo é o objeto de desejo, a representação do seio bom (Melanie Klein), que
sustenta todas as fantasias dos participantes. Sente-se que tudo pode ser realizado, não há
medo nem ameaça nenhuma.
2) o suposto básico da luta e fuga,convicção grupal de que existe um inimigo, e que é
necessário atacá-lo ou dele fugir. Em outros termos, o objeto mau é externo, e a única
atividade defensiva diante dele consiste em destruí-lo (ataque) ou evitá-lo (fuga). Na
concepção, que é ligada à escola kleiniana, o objeto é mau e as atividades defensivas são
passíveis de destruição ou evitação.
3) o suposto básico de acasalamento é quando prevalece a crença coletiva e inconsciente de
que quaisquer que sejam os problemas e necessidades atuais do grupo haverá formação de
pares no grupo que podem acasala-se e gerar um ser, uma ideia salvadora, há esperança de
tipo messiânico. Existem aí duas ideias: a ideia de esperança e a de futuro. (Fernandes,
2003,p.114).
Os supostos básicos podem se encontrar nos grupos da nossa sociedade entre eles nos
grupos de trabalho onde o líder coordena a equipe que esperam ordens para iniciar tarefas.
Sob vários aspectos, esses supostos são consideradas obstáculos à realização da tarefa.
Segundo Bleger (2011) ,no nível consciente as pessoas se unem para a realização de
uma tarefa e têm consciência de seus objetivos. Suas atividades se desenvolvem segundo o
tempo cronológico, do "aqui e agora", em espaços determinados. Cumprem papéis
designados, seguem regras do grupo, são organizados em tempo, espaço e em alguns grupos -
hierarquicamente. Os membros se unem em função de objetivos comuns, pela cooperação,
estabelecendo-se relações de semelhança, complementaridade e suplementariedade, que
levam ao estabelecimento da "sociabilidade por interação". Deste modo os membros se
relacionam e são criados vínculos, se envolvem conscientes ou inconscientes gerando algum
tipo de reação ou emoções.
Neste sentido, um dos conceitos que compõe a compreensão da vida nos grupos é o de
mentalidade grupal.
“a mentalidade de grupo é a expressão unânime da vontade do
grupo, a qual o indivíduo contribui por maneiras de que não se
dá conta, influenciando-o desagradavelmente sempre que ele
pensa ou se comporta de um modo que varie de acordo com as
suposições básicas”(Bion, 1975, p.57).

A qualidade e quantidade das relações estabelecidas nos grupos permite a


compreensão do processo de desenvolvimento das relações interpessoais e permite o
entendimento da criação de vínculos nos grupos.Bion diz que no vínculo ocorre uma
experiência emocional em que podem existir três emoções básicas. São elas: Conhecimento -
vínculo K, entre um indivíduo que busca conhecer um objeto e um objeto que se presta a ser
conhecido; Amor - vínculo L, análogo ao anterior, mas referente ao amor, e Ódio – vínculo
H.Bion estudou também o não-conhecimento, ao qual chamou vínculo – K. Trata-se de uma
forma utilizada pelo ego quando não quer, ou quando não pode tomar consciência de verdades
penosas, internas ou externas, chegando a se auto mutilar. (Fernandes, 1977).
David E. Zimermann, após muitos estudos e reflexões sobre os três tipos de vínculos
apresentados por Bion, acrescentou um quarto vínculo R – o do Reconhecimento – que para
ele tem as seguintes acepções:
1. Reconhecimento do outro: possibilita dar-se conta de que o outro é um ser autônomo,
e não uma extensão de si mesmo.
2. Ser reconhecido aos outros: possibilita a consideração e a gratidão ao outro.
3. Ser reconhecido pelo outro: possibilita que sentimentos, pensamentos e conhecimento
sejam reconhecidos pelo outro, confirmando sua existência como sujeito independente
e autônomo.
O vínculo do reconhecimento, assim como os três anteriores, tanto pode abrigar uma situação
de normalidade, como também uma patologia. Os quatro vínculos são indissociáveis, em um
estado de permanente interação, embora em determinadas situações alguns deles adquira certa
predominância. (Zimermann, 1995).
Há algumas diferenças importantes no que diz respeito aos temas grupais e à liderança – entre
Freud e Bion. Freud dizia que líder era aquele de quem o grupo dependia, devido a sua
personalidade. Na visão bioniana, o líder é uma criação da suposição básica, mas também de
cada membro do grupo, pois a identificação do indivíduo com o líder não depende somente da
introjeção, mas também, simultaneamente, da identificação projetiva. (Fernandes, 2003).
Com relação à coordenação e às lideranças em geral, também existem outras
importantes diferenças, conceituais entre Bion e Freud, por exemplo: “a opinião de Freud
parece não tomar explicitas as perigosas possibilidades que existem no fenômeno da
liderança. Sua visão do líder (...) não se concilia facilmente com a minha experiência da
liderança, tal como surge na prática” (Bion, 1948, p.165).Deste modo,a liderança não se
caracteriza apenas por gratificações psicológicas integradas a mecanismos inconscientes, mas
por reconhecimentos materiais associadas à intencionalidade dos sujeitos. Desta forma, uma
maneira de organizar o trabalho pode permitir o aumento salarial a um dos membros da
equipe que vier a ocupar o lugar de "chefe". As empresas podem ser uma local onde existem
conflitos de interesses,ao mesmo tempo em que há alianças de interesses, gerando ao
indivíduo algum ganho material ou psicológico. Neste sentido, Bion afirma sobre grupos de
trabalho que “a cooperação nos grupos de trabalho, assim como a participação, só seria
possível em indivíduos com muitos anos de formação e com uma capacidade de experiência
que lhes tenha permitido desenvolver-se mentalmente” (French& Simpson, 2010, p. 1865).
Os grupos de trabalho não se reduzem a grupos de ofício, pode-se afirmar que os
grupos de trabalho são lugares em que melhor se pode produzir: o reconhecimento de si, as
relações férteis, a criatividade coletiva.

3. Articulações Teóricas: Dejours e Bion

Como ponto de partida para articulação das teorias chama atenção que os níveis de
funcionamento dos grupos opera tanto consciente como inconscientemente, para ambos os
autores. Neste sentido, pode-se pressupor que a vida nos grupos passa pelas tarefas
conscientes que devem ser acordadas e executadas, prescritas pela psicodinâmica, e ao mesmo
tempo, o conteúdo latente, não dito, mas atuado nas relações sociais ou somatizado no corpo
individual. Porque não dizer somatizado no grupo, já que o grupo também passa pelo
adoecimento no seu funcionamento, quando os autores alertam para a Tese do individualismo,
ou os supostos básicos na sua forma patológica.
Para a psicodinâmica do trabalho a cooperação é uma conquista de alguns grupos a
partir da construção de uma espaço coletivo de diálogo e escuta, em que as dificuldades do dia
a dia são enfrentadas com o uso da mobilização coletiva e da inteligência prática dos
membros. Este espaço coletivo permite a elaboração e perlaboração dos temas necessários,
fortalecendo a cooperação entre os indivíduos que passam a se relacionar a partir da aceitação
das suas diferenças e reconhecimento das suas competências. Na dinâmica dos grupos
dejouriana o grupo constrói uma mentalidade grupal, que pode ser entendida como o
somatório dos acordos entre os membros em busca da convivência comum. Este processo de
construção da mentalidade grupal se assemelha muito ao conceito de coletivo de trabalho
proposto por Dejours.
O conceito de cooperação, para a teoria bioniana,também pode ser entendido como
uma condição a ser construída pela via individual, ou pela formação dos sujeitos. Este ponto,
sobre o modo de construção é divergente entre os autores. Enquanto Dejours sugere que seja
através do diálogo coletivo, Bion deixa entender que o sujeito precisa buscar isso por si
mesmo. Este ponto deixa de ser divergente, quando Dejours estabelece como condição para a
construção da cooperação, a presença da vontade dos indivíduos. Neste sentido, uma vontade
individual que encontra sintonia no coletivo. Portanto, esta diferença entre os autores não
chega a se configurar como antagonismo.
Outro ponto interessante a ser analisado é o da construção dos supostos básicos de Bion que
se parecem muito com alguns conceitos propostos pela psicodinâmica. Enquanto Bion traz
que os supostos são inconscientes, Dejours aponta para a organização social econômica,
calcada no capitalismo competitivo em que os trabalhadores são colocados como oponentes e
rivais naturalmente nos grupos. Bion destaca a fase de luta e fuga como uma luta por espaço e
idéias que ameaça a integridade do grupo e, ao mesmo tempo, fortalece a construção do
coletivo quando se pode vivenciá-lo como um processo de reconhecimento das
singularidades. No suposto de dependência, entretanto, o sujeito não está em paz com o
grupo, mas protegido de pensar e se diferenciar dos demais. Dejours aponta para este perigo
da dependência através da banalização do mal (1999) quando explica que a apatia, a falta de
mobilização, induz à despersonalização do sujeito. Enquanto isso, o suposto de acasalamento
poderia ser considerado o mais passível de saúde no grupo, oportunizando maior cooperação
entre os membros que podem se unir conforme necessidade, entretanto, nem sempre a saúde
está presente e a cooperação ocorre também no vínculo de dependência.
Para Dejours, o foco principal é a compreensão das vivências de prazer e sofrimento dos
membros do grupo no trabalho. Enquanto isso, Bion parece mais focado na normalidade e
anormalidade do funcionamento dos grupos. Pode-se contextualizar essas diferenças a partir
do desenvolvimento do pensamento de época de cada autor, já que estas diferenças podem ser
vistas em muitos outros teóricos.
As estratégias de enfrentamento, para a teoria dejouriana, e as estratégias defensivas, para
a teoria bioniana, compõe a compreensão da vida nos grupos. Para ambas, a referência teórica
está na psicanálise e nas estratégias de defesa individuais. Dejours propõe estratégias de
enfrentamento coletivas e individuais novas, como: a mobilização coletiva, a inteligência
astuciosa, entre outras.
Entretanto, a comparação dos conceitos de reconhecimento e Vínculo R –
Reconhecimento são bastante pertinentes. Enquanto Bion separa o reconhecimento entre o
sujeito, o meio e o outro, Dejours faz o mesmo e segue buscando qualificar o conteúdo do
reconhecimento a partir da mensagem empregada pela linguagem (beleza e utilidade).
Dejours localiza o reconhecimento, precisamente, dentro das organizações (pares, hierarquia,
clientes). Enquanto Bion, o descreve na forma de qualquer relação vincular, perpassando o
desenvolvimento emocional e fisiológico da vida do sujeito ao longo da vida (ele com ele
mesmo, da diferenciação de si com os demais, de gratidão, de retorno dos outros).Dejours
ainda acrescenta que a falta de reconhecimento, ou a falta de esperança de reconhecimento é
um dos fatores de maior prejuízo à identidade do trabalhador.
Por fim, pode-se perceber nesta pesquisa que a sintonia entre Bion e Dejopurs é capaz de
produzir boas reflexões para a compreensão do fenômeno grupal. Entretanto, este estudo teve
como restrição o baixo acesso às obras dos autores em língua portuguesa, principalmente
Bion, e, portanto, os textos em outras línguas não foram considerados para escrita deste
trabalho. Salienta-se que o aprofundamento dos conceitos propostos por ambos os autores tem
sentido teórico prático e sugere-se estimular novos estudos sobre cada conceito em particular.

4. REFERÊNCIAS

BION, W. R. (1975). Experiências com grupos (2a ed., W. I. Oliveira, trad.). Rio de Janeiro:
Imago; São Paulo: EDUSP.
BLEGER, José.Temas de Psicologia - Entrevista e Grupos - Col. Textos de Psicologia (4ª ed.)
Editora WMF Martins Fontes, 2011.
DEJOURS, C. (5º Edição, 1992) A Loucura do Trabalho: estudo de psicopatologia do
trabalho. Editora Cortez - Oboré.
______A Banalização da Injustiça Social. Fundação Getúlio Vargas Editora. 1º Edição, 1999.
______O Fator humano. Editora da Fundação Getúlio Vargas.4º Edição, 2003.
______ABDOUCHELI, E. e JAYET, C. Psicodinâmica do Trabalho: Contribuições da
Escola Dejouriana à Análise da Relação Prazer, Sofrimento e Trabalho. Editora Atlas, 2007.
GIL, A. C. Métodos e Técnicas de Pesquisa Social. Editora Atlas, 6º Ed. 2010.
FERNANDES, W. J. Grupos e Configurações Vinculares. Porto Alegre: Artmed, 1º Edição,
2003.
LIMA, S. C. C. Coletivo de Trabalho. Em Dicionário Crítico de Gestão e Psicodinâmica do
Trabalho. Editora Juruá, 2013.
MENDES, A. M. Psicodinâmica do Trabalho: teoria, método e pesquisa. Editora Casa do
Psicólogo, 2007.
SAMPAIO, Jáder dos Reis. A “Dinâmica de Grupos” de Bion e as Organizações de
Trabalho. Universidade Federal de Minas Gerais. Extraído em 28/10/2013 de
http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttex&pid=s0103-65642002000200015

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