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Domingues, E. Libonni, M. T. L. Conde, A. F. C. Toporowiscz, A. Melo, D. N. Bazzoti, D. S. Bergamaschi, E. S.


Santos, G. L. Oficinas com adolescentes do MST: sexualidade, diversidade sexual e gênero

Oficinas com adolescentes do MST: sexualidade, diversidade sexual e


gênero

Workshops with MST teenagers: sexuality, sexual diversity and gender

Talleres con adolescentes DEL MST: sexualidad, diversidad sexual y género


Eliane Domingues1

Maria Therezinha Loddi Libonni2

Ana Flávia Cicero Conde3

Aline Toporowiscz4

Débora de Nez de Melo5

Deborah Sartório Bazzoti6

Elaine dos Santos Bergamaschi7

Georgia Lara dos Santos8

Resumo

O objetivo do presente artigo é apresentar as oficinas sobre sexualidade, diversidade sexual e gênero,
realizadas em uma escola de agroeocologia do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST).
Participaram 36 adolescentes e jovens, com idade entre 15 e 24 anos, da mesma turma do curso de
agroecologia. A demanda que nos foi endereçada, tanto pelos educandos como pela coordenação da
escola, foi trabalhar com o tema sexualidade. Realizamos 15 encontros semanais no ano de 2015, com
2 horas de duração, com os seguintes temas geradores: gênero e relacionamentos abusivos, diversidade
sexual, infecções sexualmente transmissíveis e métodos contraceptivos. As técnicas utilizadas foram
variadas: dinâmicas de grupo, mitos e verdades, exibição e discussão de filmes (curtas e longas). Nas
oficinas, trabalhamos de uma forma dinâmica, esclarecendo dúvidas, proporcionando experiências e

1
Mestre e doutora em Psicologia Social pela PUC-SP. Professora do Departamento de Psicologia e do Programa
de Pós-Graduação em Psicologia da UEM.
2
Mestre em Administração de Empresas pela UEM. Doutora em Educação pela Unicamp. Professora do
Departamento de Psicologia da UEM.
3
Psicóloga e mestre em Psicologia pela UEM. Professora do Curso de Psicologia da Unifamma. Bolsista Extensão
UEM na graduação.
4
Psicóloga. Bolsista Extensão UEM na graduação.
5
Psicóloga. Bolsista Extensão UEM na graduação.
6
Psicóloga.
7
Psicóloga. Bolsista Extensão Fundação Araucária na graduação.
8
Acadêmica do Curso de Psicologia da UEM.

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situações que estimulassem a reflexão e a expressão de vivências, para superar o enfoque do binômio
saúde-doença.

Palavras-chave: Adolescência. Sexualidade. Oficinas. MST.

Abstract

The aim of this article is to present the workshops about sexuality, sexual diversity and gender,
performed in an agroecology school of the Landless Workers’ Movement (MST). The participants were
36 adolescents and young, aged 15 to 24 years, from the same class of the agroecology course. The
demand addressed to us, both by the students and by the coordination of the school, was approaching
the sexuality theme. We performed 15 weekly meetings during the year 2015, with the duration of 2
hours each, about the following generating themes: gender and abusive relationships, sexual diversity,
sexually transmitted diseases and contraceptive methods. Different techniques were used, such as: group
dynamics, myths and truths, exhibition and discussion of short and long films. In the workshops, we
pursued a dynamical working method, clarifying doubts, providing experiences and situations that
stimulate reflection and sharing of experiences, in order to overcome the health-disease binomial
approach.

Keywords: Adolescence. Sexuality. Workshops. MST.

Resumen

El objetivo del presente artículo es presentar los talleres sobre sexualidad, diversidad sexual y género,
realizados en una escuela de agroecología del Movimiento de los Trabajadores Rurales Sin Tierra
(MST). Los participantes fueron 36 adolescentes y jóvenes, con edades entre 15 a 24 años, de la misma
clase del curso de agroecología. La demanda que nos ha sido dirigida, tanto por los alumnos como por
la coordinación de la escuela, fue trabajar con el tema sexualidad. Realizamos 15 encuentros semanales
en el año 2015, con 2 horas de duración, con los siguientes temas generadores: género y relación abusiva,
diversidad sexual, enfermedades sexualmente transmisibles y métodos anticonceptivos. Las técnicas
utilizadas fueron variadas: dinámica de grupo, mitos y verdades, exhibición y discusión de películas
(corto y largometraje). En los talleres, propusimos trabajar de un modo dinámico, aclarando dudas,
proporcionando vivencias y situaciones para fomentar la reflexión y la expresión de experiencias,
buscando superar el enfoque del binomio salud-enfermedad.

Palabras clave: Adolescencia. Sexualidad. Talleres. MST.

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Introdução período de amortecimento (latência), em


que se fixam os diques que servem para
De acordo com o Estatuto da contê-la e colocá-la no rumo da
Criança e do Adolescente, a adolescência normalidade.
corresponde à faixa etária dos 12 aos 18 Com a chegada da puberdade, a
anos (2012). Já o Estatuto da Juventude sexualidade deve assumir sua configuração
(2013) propõe que a juventude corresponde genital adulta e adquire uma nova função: a
à faixa etária dos 15 aos 29 anos. reprodução. No entanto, as funções “busca
Considerando os dois estatutos, por um de prazer” e “reprodução” nem sempre se
lado, podemos dizer que a adolescência sobrepõem, assim como nem sempre o
antecede a juventude e, por outro, que a sujeito atinge uma organização genital
adolescência e a juventude se confundem, já plena. A nova função adquirida com a
que a faixa etária dos 15 aos 18 anos puberdade vem acompanhada da
corresponde a ambas as idades. transformação de si, do próprio corpo e do
Encontramos nos estatutos o que Matheus desafio de adaptar-se às mudanças, sem
(2010) identifica na Sociologia: a ausência tornar-se estrangeiro a si mesmo (Marty &
de clareza e distinção entre os termos Cardoso, 2008).
adolescência e juventude.
Diante da falta de clareza na Essas transformações impelem o sujeito em
distinção entre esses termos, Matheus direção a novos objetos e a interesses
diversos. Põem em jogo remanejamentos
(2010) classifica duas correntes que buscam identificatórios e a integração das pulsões
diferenciá-los. A primeira que entende a parciais à sexualidade genital, culminando
juventude como um período posterior à na instauração de uma identidade sexual
adolescência e uma segunda que vê a estável. Em seu término essa evolução deve
juventude como sendo campo de estudo da permitir que o jovem se inscreva, de
maneira autônoma – a partir de um trabalho
Sociologia, enquanto a adolescência o de separação quanto aos objetos parentais –
campo da Psicologia. Nos dois casos, o , numa atividade investida por ele próprio,
período de vida (adolescência e juventude) e na escolha de um objeto de amor.
é entendido como momento de passagem da (Emmanueli, 2008, p. 17)
infância para a vida adulta.
Para Marty e Cardoso (2008, p. 11), As profundas transformações do
a adolescência não é somente um período de sujeito na adolescência fazem com que esse
transição da infância para a vida adulta, seja um tempo de desequilíbrio, de excessos
“[...] é um processo psíquico que organiza a e também das oscilações. Justamente por se
vida do sujeito retroativamente dando tratar de um período de transformações, a
sentido à sexualidade infantil”. Segundo adolescência é uma fase que demanda do
Freud (1940/2007), a sexualidade está sujeito trabalho psíquico em que a abertura
presente desde o nascimento e tem como para mudanças é ampla, o que faz da
uma de suas funções a busca de prazer a adolescência um momento importante para
partir de zonas do próprio corpo e inclui intervenções (Emmanuelli, 2008).
atividades que nada tem a ver com os A adolescência é também o
genitais. A sexualidade infantil passa por momento dos grupos, das fratrias, como nos
fases (oral, anal e fálica) que não são diz Kelh (2000). A participação nos grupos
estanques, podem agregar-se uma na outra, possibilita ao adolescente novos modelos
sobrepor-se e coexistir (Freud, 1940/2007). identificatórios, para além do universo
Após um período de desenvolvimento na familiar. Besset, Coutinho e Cohen (2008,
infância, a sexualidade passa por um p. 99) destacam que “[...] o processo

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identificatório nos indica como nós fomos professoras, com a participação de seis
olhados, falados, acolhidos por nossa acadêmicas do curso de psicologia.
família e pelo mundo”. Assim, a imagem de Abordar temas que envolvam a
si mesmo que nós construímos depende dos sexualidade em ambiente escolar não é
olhos dos outros, sendo que na prática nova. Gava e Villela (2016) apontam
adolescência, momento de desinvestimento que desde a década de 1960 já existiam
e separação das figuras parentais, pertencer propostas governamentais que versavam
a um grupo e ser reconhecido por ele sobre o tema, restritos a aspectos
assume papel fundamental na construção da biológicos, morais e religiosos. Ainda
imagem de si mesmo. segundo as autoras, a partir da década de
Portanto, é recomendado o trabalho 1990 o tema ganha força com a adesão do
com grupos como estratégia de intervenção país a documentos internacionais de direitos
nesse período da vida. A situação grupal das mulheres e jovens, com a Constituição
favorece as identificações horizontais e o Federal de 1988, com o Estatuto da Criança
reconhecimento, principalmente entre e do Adolescente em 1996 e com as
aqueles que participam da mesma condição campanhas para prevenção de HIV/Aids.
social. No grupo, a palavra de um mobiliza Em 1997 são publicados os Parâmetros
a palavra dos outros e as falas “podem ser Curriculares Nacionais (PCN), que
confrontadas, reforçadas ou reformuladas” propõem a inclusão do termo “orientação
(Matheus, 2002, p. 186), o que pode auxiliar sexual” como tema transversal, e corpo,
na elaboração do vivido e na construção de relações de gênero e prevenção às IST/Aids
novos sentidos. como eixos conceituais.
O trabalho em grupo também é Em 2010 as Nações Unidas para a
metodologia recomendada pelo Ministério Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco)
da Saúde como estratégia para o trabalho de publicam a “Orientação Técnica
prevenção de Infecções Sexualmente Internacional sobre Educação em
Transmissíveis (IST)9 e Aids com Sexualidade”, e a Unesco Brasil em 2015
adolescentes (Souza, Brunini, Almeida, & publica as “Orientações Técnicas de
Munari, 2007). Entre as diferentes Educação em Sexualidade para o Cenário
possibilidades de trabalho em grupo, as Brasileiro”. Na publicação de 2010,
oficinas foram escolhidas como estratégia
para abordar o tema “sexualidade, define-se educação em sexualidade como
diversidade sexual e gênero” em uma escola uma abordagem apropriada para a idade e
culturalmente relevante ao ensino sobre
de agroecologia do MST que recebe sexo e relacionamentos, fornecendo
adolescentes e jovens oriundos de informações cientificamente corretas,
assentamentos e acampamentos do realistas, e sem pré-julgamento. A educação
movimento. O objetivo do presente artigo é em sexualidade fornece oportunidades para
relatar essa experiência que foi realizada explorar os próprios valores e atitudes e
para desenvolver habilidades de tomada de
como parte das atividades do projeto de decisão, comunicação e redução de riscos
extensão intitulado “Juventude do campo: em relação a muitos aspectos da
oficinas de formação humana, trabalho e sexualidade. (Unesco, 2010, p. 2)
cultura”. O projeto de extensão teve início
em 2014 e foi coordenado por duas O termo “educação em sexualidade”
adotado pela Unesco pretende ampliar o

9
Infecções Sexualmente Transmissíveis (IST) é a publicado no Diário Oficial da União em 11/11/2016,
nova denominação adotada pelo Ministério da em substituição ao termo Doenças Sexualmente
Saúde, por meio do Decreto nº 8.901/2016, Transmissíveis (DST).

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escopo para além de aspectos reprodutivos, Os Participantes


envolvendo também questões sociais,
culturais e econômicas, substituindo termos Participaram das oficinas 36
como “educação sexual”, “orientação educandos (com idades que variam entre 15
sexual”. A partir dessa concepção que e 24 anos), oriundos de acampamentos e
realizamos as oficinas aqui apresentadas. assentamentos da reforma agrária,
Destacamos que após um período de especialmente das regiões norte, nordeste e
avanços, no que diz respeito à educação em centro-oeste do Paraná. Todos estão na
sexualidade, vivemos um momento mesma turma do curso técnico integrado em
histórico de retrocessos, em que o agroecologia.
Congresso Nacional retirou as palavras
“gênero”, “orientação sexual” e A Demanda
“sexualidade” do PCN (Lei nº
13.005/2014). E que tramita no Congresso No ano de 2014, foram realizados
o Projeto de Lei nº 7.180/2014 da “Escola dois encontros com os participantes, o
sem Partido,” que em seu artigo 5º, primeiro com o objetivo de apresentações
parágrafo único do inciso XIV decreta: “a mútuas e apresentação do projeto; no
educação não desenvolverá políticas de segundo, trabalhamos a questão da
ensino, nem adotará currículo escolar, convivência coletiva no novo espaço e
disciplinas obrigatórias, nem mesmo de solicitamos que no fim do encontro cada
forma complementar ou facultativa, que educando escrevesse o que gostaria de
tendam a aplicar a ideologia de gênero, o trabalhar nas oficinas e colocasse em uma
termo ‘gênero’ ou ‘orientação sexual’” (PL caixinha. Entre os diversos temas
7.180/2016, p. 25). demandados, o mais solicitado foi
sexualidade, diversidade sexual e gênero, o
Método mesmo tema também foi demanda do
coletivo de acompanhamento político-
A Escola pedagógico da escola.

A escola onde foram realizadas as As Oficinas


oficinas não está integrada à rede pública de
ensino, ela tem como objetivo geral elevar Para elaboração das oficinas, nos
o nível de formação política, cultural e orientamos pelo livro “Oficinas em
educacional de jovens e adultos do campo, dinâmica de grupo na área da saúde”, de
além de promover a capacitação desse Afonso (2003). A autora define a oficina
público. Entre os cursos que a escola como um trabalho estruturado com um
oferece está o curso técnico integrado em grupo ao redor de uma questão central, um
agroecologia (formação técnica em tema que o grupo se propõe a elaborar. A
agroecologia e ensino médio), realizado em proposta de oficina, tal como concebida por
parceria com o Instituto Federal do Paraná Afonso (2003), para além de aspectos
(IFPR). A escola adota a pedagogia da racionais, considera os sujeitos de forma
alternância, o que implica que os educandos integral, suas formas de pensar, sentir e agir
passam cerca de dois meses na escola em envolvendo os significados afetivos e
regime de internato (tempo escola) e dois vivências relacionadas aos temas.
meses em suas comunidades de origem Após definido o tema geral, o
(tempo comunidade), alternando os próximo passo foi a definição dos temas
períodos na escola e comunidade. geradores. Na metodologia das oficinas, a
elaboração dos temas geradores, a partir do

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tema central, teve como base a proposta de Salientamos a importância de ter


Paulo Freire. Segundo Afonso (2003, p. sido realizado um levantamento acerca do
85), “os temas-geradores, a exemplo das que os educandos conheciam sobre o tema,
palavras-geradoras de Paulo Freire, são pois essa foi a base na qual se iniciaram as
temas que mobilizam o grupo porque se atividades propostas pelas oficinas. Nesse
relacionam à sua experiência, tocam em levantamento inicial, destacamos dois
suas necessidades, medos, alegrias, pontos: primeiro, quando perguntados se já
conflitos e possibilidades, aguçam o desejo tinha sido abordado o tema sexualidade nas
de participação e troca”. escolas, os adolescentes responderam
Com o tema geral “sexualidade, afirmativamente, alegando que já tinham
diversidade sexual e gênero”, foi realizada visto basicamente sobre infecções
uma primeira oficina em 2015 para sexualmente transmissíveis (IST). Em
apresentar o tema e novamente solicitar o seguida, os adolescentes, ao serem
que os educandos gostariam de trabalhar a perguntados sobre o que entendiam por
partir do tema escolhido. Os temas sexualidade, assinalaram que a entendiam
geradores definidos foram: gênero e como sinônimo de sexo, mas
relacionamentos abusivos, diversidade especificamente como ato sexual. Essa
sexual, infecções sexualmente visão é corroborada por Freitas e Dias
transmissíveis e métodos contraceptivos. (2010), que ao realizarem pesquisa sobre a
Os temas foram trabalhados em 15 percepção do adolescente sobre sexualidade
encontros semanais (abrangendo o tempo se depararam com o mesmo achado,
escola) no ano de 2015, com 2 horas de relacionando-a com a reprodução da
duração, na própria sala de aula da turma. espécie e ao aspecto biológico dos corpos.
As técnicas utilizadas foram variadas:
dinâmicas de grupo, mitos e verdades, Gênero e Relacionamentos Abusivos
exibição e discussão de filmes (curtas e
longas). Em diversas ocasiões, o grupo de Conforme relatado no método, a
36 educandos foi dividido em seis primeira oficina teve por objetivo levantar
subgrupos, cada um coordenado por uma temas geradores a partir do tema geral. Para
acadêmica do curso de Psicologia para contemplar esse objetivo, foi exibido o
facilitar as discussões. curta-metragem “Era uma vez outra Maria”
As oficinas foram registradas em (Bianco, 2004) a fim de servir de base para
diários de campo, com objetivo do as discussões e levantamento de temas
acompanhamento sistemático das geradores. O curta-metragem conta a
atividades realizadas, da avaliação, do história de uma menina que questiona as
planejamento e do levantamento de novas expectativas impostas pela sociedade sobre
demandas para as próximas oficinas. o que uma mulher pode ou não pode fazer
ou ser; aborda temas como sexualidade,
Resultados e discussão gravidez, maternidade, trabalho, violência e
gênero.
Para a exposição dos resultados, as Observamos que apesar de o curta-
oficinas com temas geradores mais metragem mostrar claramente uma situação
próximos serão apresentadas em conjunto. de relacionamento abusivo, os educandos
Destacamos apenas aquelas oficinas ou não conseguiam percebê-la como tal, sendo
atividades que foram mais efetivas em esse o primeiro indicador da necessidade de
produzir discussões e reflexões, não inclusão desse assunto nas oficinas. Outro
seguindo necessariamente a ordem em que tema levantado a partir das discussões sobre
ocorreram. o curta-metragem foram questões de

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gênero, pois ficou claro que muitos deles preconizado pelo movimento e as falas dos
têm a visão de que existem educandos, demonstrando a manutenção de
atividades/papéis que devem ser destinados papéis sociais definidos a cada sexo. A
exclusivamente às mulheres e outros aos autora expõe que, com o gravador desligado
homens. Um exemplo pode ser verificado em conversas informais, os militantes do
quando um dos educandos disse: “ela quer movimento expunham ideias e julgamentos
fazer coisas de piá”, referindo-se ao fato de sobre comportamentos e modos de ser dos
a personagem Maria querer fazer atividades demais, ligados a papéis normativos de
não identificadas usualmente como “coisas gênero. Sobre essa dicotomia a autora diz:
de menina”, como jogar bola. “Uma coisa é discorrer sobre a valorização
Na oficina destinada ao tema das mulheres e as mudanças que ocorreram
relações de gênero, exibimos o filme em suas vidas; outra é dia-a-dia em casa, na
“Acorda, Raimundo... Acorda!” (Alves, roça, nas reuniões de núcleo, na
1990), solicitando para que anotassem a Cooperativa, no relacionamento entre
cena que mais chamasse a atenção. O filme marido e mulher, entre vizinhos, entre
mostra uma relação na qual a mulher sai lideranças e demais integrantes” (Silva,
para trabalhar e o homem é o responsável 2004, p. 274).
por cuidar da casa e das crianças, ocorrendo Leite e Dimenstein (2012) também
uma inversão de papéis socialmente contribuem para o entendimento desse
determinados. As anotações dos educandos cenário ao exporem o que denominaram de
indicaram as cenas em que o homem dois registros de regimes que compõem o
aparece grávido e quando o personagem movimento na questão de gênero – um
acorda aliviado ao constatar que se tratava extensivo e outro intensivo. O extensivo diz
de um sonho. Na discussão, a coordenadora respeito a uma valorização do modelo
da oficina abordou as desigualdades de tradicional de família, ou seja, composta
direitos entre homens e mulheres, tema por casal heterossexual e filhos, que ainda
discutido pelo MST desde sua origem. faria parte do ideário dos participantes. Em
A luta pela igualdade de gênero faz contrapartida existe o regime intensivo,
parte da história do MST. Santo (2016) marcado pelo surgimento de forças
relata que dois anos após sua fundação, o heterogêneas que confrontam e corroem
movimento publicou um material sobre a esse modelo tradicional de família. Esse
participação política das mulheres, embate abre caminhos para a vivência de
culminando com a criação de setor outras formas de papéis de gênero, além dos
específico para o tema – Setor Nacional de tradicionalmente determinados, porém esse
Gênero do MST. Na oficina relações de é um confronto diário.
gênero, percebemos que os educandos Na oficina destinada ao tema
repetem o discurso aprendido, referindo-se relacionamentos abusivos, foi exibido o
à desigualdade entre homens e mulheres curta-metragem “Tea Consent” (May, 2015)
como construção histórica, porém, no − que se utiliza da metáfora de oferecer uma
desenrolar das discussões e atividades xícara de chá a uma visita para explicar o
desenvolvidas, mostram como essas significado do consentimento nas relações
desigualdades de gênero se encontram sexuais − e o vídeo “Não tira o batom
naturalizadas, reproduzindo falas nas quais vermelho” (Tolezano, 2015), que
estas ficam evidentes. exemplifica situações de relacionamentos
Também foi encontrado por Silva abusivos.
(2004), em pesquisa sobre relações de As discussões foram realizadas
gênero e subjetividade no MST, esse primeiramente no grande grupo e
aparente conflito entre o discurso posteriormente nos pequenos grupos. Como

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na primeira ocasião em que o tema foi Assim, não reconhecem como violência
abordado, novamente houve dificuldade proibições em relação a: sair de casa para
atividades de lazer e diversão; ter amizade
para entenderem o que caracteriza um com pessoas do sexo oposto; usar certas
relacionamento abusivo. Isso pode ser roupas. Eles também não reconhecem como
notado pelas situações como descreviam o tal as ligações feitas só para saber onde
que na concepção deles marcava esse tipo os/as namorados(as) estão, olhar no celular
de relacionamento. Eram dados exemplos para verificar as últimas mensagens e
chamadas realizadas e recebidas e a troca de
como ter recebido vassouradas de uma xingamentos e tapas (que é encarada como
mulher por não ter feito o que ela queria ou brincadeira).
a mãe obrigar a fazer faxina.
A naturalização da prevalência da Diversidade Sexual
vontade e/ou controle de um dos parceiros
foi notada em situações nas quais Na primeira oficina sobre
consideravam natural um parceiro ceder à diversidade sexual, as participantes de um
vontade do outro, como demonstração de grupo de pesquisa sobre o tema foram
amor ou de ciúme. Exemplos dados convidadas para organizar e coordenar o
discorriam acerca do controle do celular do encontro. A oficina foi iniciada com uma
parceiro ou o monitoramento sobre o tipo de dinâmica de aquecimento, seguida da
roupa da namorada, vistos como naturais apresentação de uma série de frases sobre
em uma relação de namoro. Apenas era diversidade sexual, diante das quais os
identificado como violência quando educandos deveriam se posicionar,
causava algum dano físico, essa situação sinalizando se concordavam, discordavam
tomou maior visibilidade quando as ou se tinham dúvidas a respeito de cada uma
discussões foram encaminhadas nos delas. Como exemplo, citamos as frases:
pequenos grupos. Nesse espaço apareceram “eu sei o que é identidade de gênero”, “já
relatos de situações de violência física tive dúvidas em relação à sexualidade”, “eu
sofridas por mães, irmãs ou conhecidas. sei o que é homofobia”, “acredito que
Com o desenrolar das discussões, houve alguém já se sentiu ofendido(a) com algo
melhor entendimento do que seria um que eu disse a respeito de sua sexualidade”.
relacionamento abusivo, com a Após essa dinâmica, as
identificação de situações vividas que coordenadoras apresentaram os conceitos
poderiam ser assim classificadas. de identidade de gênero, orientação sexual
A dificuldade de reconhecer e homofobia, partindo do que os educandos
situações nas quais a violência não é física disseram saber sobre esses temas e da
é corroborada por Nascimento e Cordeiro apresentação do vídeo “E se fosse com
(2011). Pesquisando sobre violência em você?” (Sheep, Abe, & Marinho, sem data),
namoros de jovens, essas autoras dizem que que traz depoimentos de pessoas que
para alguns dos entrevistados essa é sofreram homofobia. Outra atividade
somente identificada quando versa sobre realizada foi a discussão de duas histórias,
violência física. Embora para os demais uma de um adolescente homossexual que
entrevistados outras formas de violência sofre com o medo de ser descoberto pela
sejam reconhecidas, tais como verbal, família e os decepcionar; outra sobre uma
psicológica, ideológica, moral e sexual, menina que sofre com boatos sobre sua
ainda é difícil reconhecê-las nos seus sexualidade.
relacionamentos amorosos. Nas palavras A participação dos educandos nessa
das autoras (p. 524), oficina foi bastante ativa, oportunidade que
refletiram sobre seus próprios preconceitos,

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apresentando questionamentos sobre como próprio movimento. Sobre essa tensão


eles agiriam caso tivessem filhos criada os autores apontam (p. 201):
homossexuais, sobre a idealização que os
pais criam para os filhos e o que acontece Ao se apropriarem das ideias políticas e
quando não corresponde à realidade. revolucionárias do movimento, como
igualdade de direitos, combate à exclusão
Também compararam a luta contra a social, vivências de natureza coletiva e
violência e homofobia à luta pela terra do respeito ao próximo, os militantes gays
MST. obrigam o próprio MST a responder até
Nos encontros seguintes, foram onde vão suas proposições. Percebemos
exibidos dois filmes, “Hoje eu quero voltar que a ampliação dessas proposições para o
campo da diversidade sexual vem se dando
sozinho” (Ribeiro, 2014), sobre um de modo não linear, conflituoso, mas não
adolescente cego e a descoberta da negado, não impedido em sua totalidade, já
sexualidade, e “Yes or no” (Wongsompetch, que muitos desses militantes ocupam
2010), sobre relação homossexual entre espaços e neles lançam questões, propõem
duas meninas, e o curta-metragem “Medo desafios e vencem o silêncio.
de quê?” (Bianco, 2005), sobre um garoto
que se descobre homossexual e apresenta as Métodos Contraceptivos e Infecções
angústias, expectativas, dúvidas, medos e Sexualmente Transmissíveis
situações de homofobia vividas por ele.
Os filmes foram discutidos em Os adolescentes relataram já terem
pequenos grupos a partir de questões recebido nas escolas, vinculadas ou não ao
norteadoras, tais como, “comente a cena MST, informações sobre métodos
que mais gostou em cada filme e justifique”, contraceptivos e infecções sexualmente
“se um(a) amigo(a) contasse a você que transmissíveis, mesmo assim, esses temas
sente atração por pessoas do mesmo sexo, o nos foram demandados. Segundo
que você faria?”, “que tipo de preconceito Abramovay, Castro e Silva (2004), as
existe em ralação a quem gosta de pessoas informações sobre prevenção nas escolas
do mesmo sexo ou em relação aos estão centradas no modelo biomédico, estão
transexuais?”. As discussões possibilitaram distantes das vivências dos estudantes e não
reflexões sobre os próprios preconceitos, e têm sido apropriadas por eles a contento. No
o fato de pertencer ao MST foi apontado mesmo sentido, Zanatta, Moraes e Freitas
como tendo proporcionado a convivência (2016, p. 450), em pesquisa realizada em
com pessoas que têm diferentes orientações uma escola itinerante do MST, perceberam
sexuais. que a sexualidade é tratada “como um tema
O impacto da presença de militantes de domínio único da biologia e, sobretudo,
homossexuais no movimento é abordado voltada a questões do binômio saúde-
por Leite e Dimenstein (2012). Para os doença [...] sem observar as dimensões
autores, essa presença tem criado uma sociais políticas e afetivas dos sujeitos”, o
tensão e forçado o movimento a rever o que não condiz com a metodologia da
modelo de militância viril e masculinizada, escola, orientada pela pedagogia de Paulo
que comporia o imaginário social da Freire.
identidade do militante. Leite e Dimenstein Nas oficinas, dedicamos os últimos
também questionam o modo conservador quatro encontros para o trabalho com os
como o tema sexualidade vem sendo temas IST e Aids, métodos contraceptivos,
abordado, denunciando práticas uso da camisinha masculina/feminina e
discriminatórias que os militantes negociação do uso da camisinha.
homossexuais podem sofrer dentro do Procuramos trabalhar em uma forma
dinâmica, esclarecendo dúvidas,

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proporcionando vivências e situações para com sintomas, mas por meio de atividades
estimular a reflexão, para superar o enfoque que simulavam situações e decisões a serem
do binômio saúde-doença. tomadas pensando no próprio bem-estar e
Na oficina sobre IST e Aids, no do parceiro.
utilizamos duas dinâmicas. Na primeira, Na oficina sobre métodos
“cadeia de transmissão” (Lopes, Luz, contraceptivos, perguntamos inicialmente
Azevedo, & Moraes, 2006), cada quais eles conheciam, como deveriam ser
adolescente recebeu um cartão com um usados, vantagens e desvantagens desses
símbolo, distribuídos da seguinte forma: um métodos. Após essa conversa inicial, em
triângulo (para uma pessoa somente), um pequenos grupos, eles deveriam montar
círculo (metade dos participantes) e uma uma tabela com informações sobre os
estrela (metade dos participantes). Os métodos contraceptivos, tais como usar,
integrantes foram convidados a dançar e eficiência, se previne ou não IST e Aids. No
circular pela sala ao som de uma música, fim, trabalhamos com a dinâmica do
quando a música parava, eles deveriam verdadeiro e falso sobre métodos
parar e copiar no cartão o desenho da pessoa contraceptivos. A atividade da tabela foi
ao lado, repetiu-se essa atividade algumas apontada na avaliação final como uma das
vezes. No fim, foi revelado o significado poucas que eles não gostaram, por ter
dos símbolos, o triângulo representava uma muitas informações, enquanto a dinâmica
pessoa que tem Aids, o círculo representava do verdadeiro ou falso sempre despertou
que a pessoa fez uso do preservativo na muita participação.
relação sexual e a estrela quem não fez uso Para realização da oficina sobre uso
do preservativo. Explicamos que os da camisinha masculina e feminina,
momentos em que a música parava utilizamos vários materiais, tais como a
representavam uma relação sexual. camisinha gigante, a vagina de silicone, o
Solicitamos aos adolescentes que olhassem pênis de borracha, o órgão reprodutor
para os seus cartões e refletissem sobre com feminino em acrílico, as camisinhas
qual símbolo começaram e com quais masculinas e femininas. Iniciamos a oficina
terminaram, assim como sobre o com a dinâmica “vestido para festa” (Lopes
significado disto: uma possível et al., 2006). Colocamos os participantes
contaminação para aqueles que tinham a em duas fileiras, cada dupla recebeu uma
estrela, visto que esta significava relações cenoura e uma camisinha masculina,
sexuais sem o uso de preservativo. enquanto um segurava a cenoura o outro
A segunda dinâmica foi verdadeiro e teria que colocar a camisinha o mais rápido
falso sobre IST e Aids, em que após a possível. Depois, deveriam fazer a mesma
apresentação de uma afirmação eles atividade sem pressa. Conversamos sobre
deveriam dizer se esta era verdadeira ou as diferenças de colocar a camisinha com
falsa. As afirmações discorriam sobre pressa ou sem pressa, o jeito correto de
formas de contágio e prevenção, sintomas e colocá-la, erros e cuidados em sua
mitos relacionados às doenças. As duas colocação. Outra parte da dinâmica
dinâmicas se mostraram adequadas para “vestido para festa” consistiu em soprar e
sensibilização ao uso da camisinha e encher as camisinhas e esfregar no
esclarecimento de dúvidas sobre IST e preservativo lubrificante à base de água ou
Aids. No dia da oficina, os participantes óleo e descobrir as consequências: o
comentaram que esta foi muito lubrificante à base de óleo fez com que as
esclarecedora. Eles ficaram surpresos pelo camisinhas estourassem e à base de água
fato de trabalharmos o assunto não somente não.
na dimensão biológica, mostrando imagens

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Após a atividade com a camisinha forma de pensar e minha opinião referente a


masculina, apresentamos a camisinha isso”.
feminina e um vídeo educativo sobre como Para além da avaliação formal
colocá-la corretamente. Os participantes realizada ao fim das oficinas, os resultados
também puderam colocar a camisinha puderam ser qualificados também em
feminina em um modelo do órgão momentos presenciados em etapas
reprodutor feminino em acrílico. Nessa posteriores. Em uma das atividades,
última atividade, chamou-nos a atenção o realizada um ano após as oficinas
fato de as meninas, quando convidadas a apresentadas, solicitados a escrever os
participar, inicialmente se recusarem, mandamentos que devem reger a
enquanto os meninos prontamente se convivência coletiva, determinaram a
dispuseram a colocar a camisinha feminina obrigação do uso do preservativo nas
no modelo – somente após nosso relações sexuais como um desses
encorajamento uma menina se dispôs a mandamentos. Em outra, foi demandado
colocá-la no modelo. Os adolescentes que elaborassem cenas que versassem sobre
demonstraram curiosidade e participaram o cotidiano da escola. O tema preconceito
ativamente da oficina, embora alguns em relação à orientação sexual foi abordado
demonstrassem um pouco de vergonha no por dois grupos, que demonstraram visões
início. opostas sobre a existência desse tipo de
preconceito entre eles. Um grupo
Avaliação dramatizou uma situação de acolhimento à
homossexualidade e ou de discriminação,
Ao fim das oficinas, realizamos uma retratando o que acontece no cotidiano da
avaliação com questões tais como: “O que escola. Essas visões divergentes geraram
você aprendeu?” “O que mais gostou e debates entre os participantes e mostram
menos gostou?” “Por quê?” Os educandos uma realidade ainda contraditória, que
responderam por escrito. Na resposta à permite diferentes percepções sobre ela,
questão sobre o que aprenderam nas mas que mostra que o preconceito ainda é
oficinas, apareceram as seguintes respostas: um tema que necessita ser objeto de
a forma de se proteger sexualmente/sobre reflexão.
infecções sexualmente transmissíveis, Quanto à avaliação do método
como colocar camisinha (masculina ou adotado, que consiste em oficinas em
feminina), não devemos transar sem dinâmica de grupo, salientamos sua
camisinha, sobre a pílula do dia seguinte e adequação para trabalhar o tema com
como escolher o lubrificante correto. Em adolescentes e constatamos a importância
uma das avaliações, um dos estudantes de não destacar somente os aspectos
escreveu: “achei bem interessante não informativos, mas, indissociável a eles, os
querer privar os jovens de fazer sexo, e sim significados afetivos, vivências e relatos de
aconselhar para que seja prazeroso e com vida. Esses são os elementos que
cuidados, incluindo a parte de como colocar permitiram aos educandos reelaborar as
a camisinha”. experiências vividas e dar-lhes novos
Outras respostas foram sobre sentidos. Esse resultado também corrobora
aprender a ser menos preconceituoso e o preconizado por Matheus (2002) sobre o
respeitar os demais modos de vivenciar a trabalho em grupo com adolescentes, pois
sexualidade. Sobre isso um dos educandos porta a possibilidade das identificações e o
citou “[...] sabemos que muitas pessoas são reconhecimento entre os participantes.
preconceituosas, homofóbicas, eu era um Nesse mesmo sentido, Bussanello,
pouco, e a partir das oficinas mudei minha Silva e Oliveira (2009), tratando sobre a

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educação sexual dos adolescentes, excludentes e as vivências que se dão nas


advertem para a importância da troca de relações interpessoais. Entendemos que as
saberes e testemunhos de vida entre os oficinas foram um campo fértil para
participantes para o sucesso do processo expressão, reflexão e elaboração dessas
ensino-aprendizagem. vivências que se dão nas relações
interpessoais, sem perder de vista o
Considerações finais contexto mais amplo histórico, político e
cultural.
A sexualidade é sempre uma questão
que interpela os sujeitos, principalmente os Referências
sujeitos adolescentes. Nesse momento
particular de transformações, é fundamental Abramovay, M., Castro, M. G., & Silva, L.
a existência de espaços para que essas B. (2004). Juventude e sexualidade.
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à sexualidade sejam acolhidas e possam ser em 12 junho, 2017, de
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Adolescentes que nos relataram já ter tido dinâmica de grupo na área da
aulas de “educação sexual”, mas que ainda saúde. Belo Horizonte: Edições do
tinham dúvidas, até mesmo no que diz Campo Social.
respeito às questões já trabalhadas, como Alves, A. (1990). Acorda, Raimundo…
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Encontramos, no local onde realizamos a
de-que/
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Bianco, R. (2004). Era uma outra Maria
questões.
[Vídeo]. Rio de Janeiro: Instituto
No que diz respeito às questões de
Promundo, Ecos – Comunicação em
gênero e diversidade sexual, encontramos a
sexualidade, Instituto Papai & Salud
mesma contradição que as pesquisas citadas
y Genero. Recuperado em 25 julho,
entre o discurso do movimento que
2015, de
preconiza práticas igualitárias e não

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Recebido em: 12/7/2017

Aprovado em: 28/8/2018

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