Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
Courrier
internacional
internacional
MUDAR AS CIDADES
PARA SE VIVER MELHOR
Missão urgente para o pós-pandemia: repensar o urbanismo,
a mobilidade, os transportes, a habitação e os serviços públicos.
Ideias e propostas germinam pelo mundo
M U DA R A S C I DA D E S PA R A S E V I V E R M E L H O R
THE GUARDIAN, SÜDDEUTSCHE ZEITUNG, THE NATIONAL, JINGJI GUANCHA BAO, DZIENNIK GAZETA PRAWNA
TECNOLOGIA
QUANDO A INTERNET FOR CHINESA…
FINANCIAL TIMES
O Noticioso
AMNISTIA INTERNACIONAL
TUTORIAL APRENDA A TIRAR
TODO O PARTIDO DA APP
AS NOTÍCIAS DO DIA BIBLIOTECA DE REVISTAS
Aceda à VISÃO online Ao ser assinante da Courrier internacional
através do menú inicial pode aceder a todo o arquivo de edições digitais
e explore as últimas da revista. Em cima, a edição mais recente,
histórias e opiniões disponível em primeira-mão
Fechar
VISÃO ONLINE
AJUDA
DA
FAQ
SOBRE
Termos e condições
Política de Privacidade
ÁREA PESSOAL
Definições
O MEU CONTEÚDO
Suplementos
8
Edições Tansferidas 027 NSF
ERIR
TRA
As suas marcações Ler
Pesquisa ECA
IOT
BIBL
13 / 100
RETRATO
► Aproxime e afaste
para ver detalhes
PESQUISA DE ARTIGOS
Pode pesquisar um tema que lhe interesse
nos artigos publicados na edição mensal
da Courrier internacional. Na barra de navegação em
cima, à direita, encontre o menu com opção de pesquisa.
Procure por palavra chave na última edição
ou na biblioteca de revistas anteriores
E
A
RETRATO
10 Ricardo Salinas: O milionário
que ignora a pandemia
Focar
MODA
12 O lado negro da indústria
BANGLADESH
CHINA
38 Utilizar os dados
para se viver com o vírus
PESSIMISMO
40 O fim dos serviços
públicos?
TENDÊNCIA
42 Toda a gente de bicicleta!
IDEIAS
44 Viver melhor em casa
PROPRIETÁRIA Courrier International S.A.
- O Courrier Internacional é publicado sob licença da
Courrier International S.A. - Sede: 80, Boulevard Auguste
Blanqui, 75013 Paris, França - CRC Paris, Inscrita no Registre
du Commerce et des Sociétés de Paris n.º B344 761 861
- Capital Social: € 106 400
PROPRIETÁRIA/EDITORA:
TRUST IN NEWS, UNIPESSOAL LDA.
Sede: Rua da Fonte da Caspolima – Quinta da Fonte
Edifício Fernão de Magalhães, nº8, 2770-190
Paço de Arcos
NIPC: 514674520.
GERÊNCIA DA TRUST IN NEWS: Luís Delgado,
Filipe Passadouro e Cláudia Serra Campos.
COMPOSIÇÃO DO CAPITAL DA ENTIDADE
PROPRIETÁRIA: 10.000,00 euros,
Principal acionista: Luís Delgado (100%)
PUBLISHER: Mafalda Anjos
JULHO 2020 14 Apocalipse para as
trabalhadoras têxteis ALEMANHA
Courrier internacional
EDIÇÃO Nº293
DIRETOR Rui Tavares Guedes
46 Depois da crise, DIRETOR DE ARTE João Carlos Mendes
ITÁLIA TRADUÇÃO Aida Macedo, Ana Caldas,
um êxodo urbano? Ana Cardoso Pires/Campo das Estrelas, Bureau Portugais
18 As fábricas invisíveis de Traduction (Ana Marques, Teresa Borges), António
das grandes marcas Pedro Braga, Fernanda Barão, Helena Araújo, Jorge Pires,
Digital Maria Alves, Mariana Afonso, e Mariana Passos e Sousa
REVISÃO Rui Carvalho, Sónia Graça, Margarida Robalo,
EUA Maria Carvalhas e Teresa Machado
INFOGRAFIA: Álvaro Rosendo.
20 Um país sentado INVESTIGAÇÃO SECRETARIADO: Sofia Vicente (Direção), Teresa Rodrigues
(Coordenadora), Ana Paula Figueiredo e Luís Pinto
num barril de pólvora 50 Quando a internet COURRIER INTERNATIONAL Arnaud Aubron (Diretor),
Claire Carrard (Diretora de Redação),
for chinesa Sophie-Anne Delhomme (Diretora de Arte)
EUA REDAÇÃO, ADMINISTRAÇÃO E SERVIÇOS COMERCIAIS:
Rua da Fonte da Caspolima – Quinta da Fonte
22 Uma mobilização EUA Edifício Fernão de Magalhães, nº8, 2770-190
Paço de Arcos – Telefone.: 218 705 000
capital 56 Quem controla os Delegação Norte: Rua Conselheiro Costa Braga
n.º 502 – 4450-102 MATOSINHOS
algoritmos que recrutam?
Capa Telefone – 220 993 810
PUBLICIDADE: Telefone 218 705 000
Vânia Delgado (Diretora Comercial) vdelgado@trustinnews.pt
RÚSSIA Maria João Costa (Diretora Coordenadora de Publicidade)
CIDADES mjcosta@trustinnews.pt Mónica Ferreira (Gestora de Marca)
61 Yandex, o outro mferreira@trustinnews.pt Rita Roseiro (Gestora de Marca)
rroseiro@trustinnews.pt Mariana Jesus (Gestora de Marca)
24 Operação mudança gigante digital mjesus@trustinnews.pt Florbela Figueiras (Assistente Comercial
Lisboa) ffigueiras@trustinnews.pt Elisabete Anacleto (Assistente
IDEIAS Comercial Lisboa) eanacleto@trustinnews.pt
Direitos humanos
reprodução, mesmo parcial, de textos, fotografias
ou ilustrações sob quaisquer meios, e para quaisquer
fins, inclusive comerciais.
JULHO 20202020
JULHO - N.º-293
N.º 293 5
F FON T E S
ESTE MÊS NO
dois diários de referência, optou
por ter um site de acesso livre,
que partilha com a sua edição
dominical, The Observer.
www.theguardian.com
SüDDEUTSCHE ZEITUNG
MUNIQUE, ALEMANHA
Criado em 1945, é um dos
diários suprarregionais de
referência no país. De tendên-
cia liberal, é grande defensor
dos valores democráticos e do
SOUTH CHINA MORNING POST
HONG KONG
O grande diário de língua ingle-
sa de Hong Kong foi adquirido,
em abril de 2016, por Jack Ma
(Ma Yun), patrão do gigante
do comércio eletrónico chinês
Alibaba. A primeira iniciativa
de Jack Ma foi tornar gratuito o
site do jornal, com o intuito de
permitir “ao resto do mundo
aceder ao site de informação
mais completo e mais fiável
Estado de direito. O diário dis- sobre a Grande China”.
A tingue-se também pela impor- www.scmp.com
1 tância que atribui à cultura.
www.sueddeutsche.de DZIENNIK GAZETA PRAWNA
1 DER SPIEGEL VARSÓVIA, POLÓNIA
HAMBURGO, ALEMANHA FINANCIAL TIMES Nascido de uma fusão entre
Orgulhosamente independen- LONDRES, REINO UNIDO Dziennik (O Diário) e Gazeta
te, segue, desde a sua criação, Fundado em 1888 com o Prawna (O Jornal Jurídico),
um jornalismo de investigação, nome London Financial Guide, este título, especializado em
declarando guerra à corrupção um jornal de quatro páginas questões jurídicas e econó-
e ao abuso de poder. Um dos destinado “aos investidores micas, está em concorrência
mais influentes média euro- honestos e aos corretores direta com o Rzeczpospolita.
peus. www.spiegel.de respeitáveis”, é hoje o diário O seu suplemento de fim de
financeiro e económico de refe- semana, por outro lado, contém
2 EL PAÍS rência na Europa. Foi comprado grandes entrevistas, ensaios e
MADRID, ESPANHA pelo grupo japonês Nikkei, em reportagens sobre temas mais
Fundado em 1976, seis meses 2015. Mais de 600 jornalistas alargados. www.dziennik.pl
após a morte de Franco, é o jor- distribuídos por mais de 40 paí-
nal mais lido em Espanha. Per- 2 ses trabalham para este título. THE NATIONAL
tence ao grupo espanhol Prisa. www.ft.com ABU DHABI, EAU
Com o surgimento de novos O título, criado no início de
títulos de esquerda, o diário po- 4 THE NEW YORK TIMES 2008, pertence a uma empresa
sicionou-se mais ao centro do NOVA IORQUE, EUA de investimentos do prínci-
que nos seus primórdios, mas Com mil jornalistas, pe herdeiro Mohammed ben
continua a ser considerado uma 27 delegações no estrangeiro Zayed al-Nahyan. Assim, é
instituição www.elpais.com e 122 prémios Pulitzer, é, geralmente pouco crítico na
de longe, o principal diário sua cobertura de acontecimen-
3 THE ATLANTIC do país, no qual podem ler-se tos nacionais. Por outro lado,
WASHINGTON, EUA all the news that’s fit to print ao nível internacional publica
A antecipação é um dos pontos (“todas as notícias dignas de geralmente reportagens e
fortes da revista, desde a sua serem publicadas”). A família análises de alta qualidade. The
criação, em 1857. Esta venerável Ochs, que em 1896 assumiu o National tem meios para atrair
publicação, na qual escrevem controlo deste jornal criado em bons escritores da Imprensa
os mais prestigiados autores 1851, continua à frente desta anglo-saxónica. www.thenational.ae
da atualidade, soube, melhor 3 publicação de centro-esquerda.
do que qualquer outra revista www.nytimes.com JINGJI GUANCHA BAO
norte-americana, virar-se para PEQUIM, CHINA
a internet, transformando a sua THE WASHINGTON POST O Observador Económico visa
página num local de reflexão e WASHINGTON, EUA um público com sentido crítico
de debate. www.theatlantic.com Grande diário da capital nor- que pretende acompanhar a
te-americana e um dos títulos atualidade. Criado em abril de
THE GUARDIAN mais influentes da Imprensa 2001, em Shandong, impôs-se
LONDRES, REINO UNIDO mundial. posteriormente em Pequim,
Lançado em 1821, é o jornal de Distingue-se pela cobertura onde vivem quase todos os que
referência da intelligentsia, dos atenta da vida política norte- escrevem nas suas colunas.
professores e dos sindicalistas. -americana, pelas análises Todos os anos, em colaboração
De orientação centro-esquer- e reportagens. Em 2013, com uma instituição de Ensino
da, mostra-se muito crítico em foi adquirido pelo patrão Superior, atribui um prémio a
relação ao governo conserva- da Amazon, Jeff Bezos. um agente económico
dor. Ao contrário dos outros www.washingtonpost.com www.eeo.com.cn
4
6 JULHO 2020 - N.º 293
C CARTOONS
Regresso às aulas
“Correu bem o teu dia na escola?”,
perguntam os pais, quando
o filho regressa a casa que está cheia
de indicações sobre
os procedimentos a adotar
CÔTÉ, PARA LE SOLEIL, CANADÁ
Plano israelita
para a Palestina
“A solução a dois Estados”,
apoiada pelos EUA
CHAPPATTE PARA LE TEMPS,
LAUSANNE, SUÍÇA
Do confinamento
ao “covidivórcio”
A diferença ao longo dos dias
passados em casa
CÔTÉ PARA LE SOLEIL, CANADÁ
RICARDO SALINAS
O milionário
que ignora a pandemia
MAGNATA MEXICANO, O SEGUNDO HOMEM MAIS RICO DO PAÍS E
PRÓXIMO DO PRESIDENTE LÓPEZ OBRADOR, OPÕE-SE ABERTAMENTE À
CESSAÇÃO DAS ATIVIDADES NA SEQUÊNCIA DA CRISE DO CORONAVÍRUS.
P
RETRATO DE UM MAGNATA À FRENTE DE UM IMPÉRIO DE SERVIÇOS
DEDICADOS AOS POBRES
oucas horas depois de o governo me- foi comprada por uma ninharia após a sua TV Azteca são geralmente poupados a tais
xicano ter declarado estado de emergência privatização, em 1993. nomes. Na semana em que esta polémica
sanitária [em 31 de março], um comunicado A TV Azteca é o segundo canal mais estalou, Ricardo Salinas Pliego também
da maior importância começou a circular visto no México, principalmente pelas reivindicou o título de segundo homem
entre os 70 mil funcionários do poderoso classes trabalhadoras, a base eleitoral de mais rico do México, atrás de Carlos Slim,
Grupo Salinas, um grupo [mexicano] pre- López Obrador. “Não ouçam mais o que de acordo com a última atualização do ran-
sente nas áreas das finanças, do comércio, López-Gatellis vos diz: os seus números já king da Forbes. A cabeça do Grupo Salinas
das comunicações, da segurança e energia. não fazem sentido”, declarava o apresenta- conseguiu destronar a poderosa empresa
“Hoje, mais do que nunca, o México precisa dor do noticiário da noite [Javier Alatorre], mineira de Germán Larrea e acrescentar
de nós”, lia-se. na sexta-feira, 17 de abril, referindo-se às à sua fortuna cerca de 11,7 mil milhões de
Ricardo Benjamín Salinas Pliego dava, conferências de Imprensa do vice-ministro dólares. E tudo isto aconteceu em 2019,
assim, ordens aos seus empregados para que da Saúde e porta-voz do governo sobre o um ano em que a situação económica no
permanecessem a trabalhar. Em concreto, coronavírus. México esteve longe de ser favorável.
este homem de negócios, próximo do Pre- Estas palavras deixaram o México muito Enquanto o crescimento económico do
sidente López Obrador, estava a incitar as perturbado e levaram o Presidente López México contraía pela primeira vez desde
pessoas a desobedecerem às ordens oficiais Obrador a reagir logo no dia seguinte: 2009 (em 0,1%), Salinas colecionava con-
em plena pandemia. “Penso que o meu amigo Javier Alatorre cessões obtidas junto do governo federal
“O país vai mal: as ruas estão vazias, cometeu um erro: não foi algo muito bem e das autoridades da Cidade do México,
todos os lugares públicos estão fechados, pensado da sua parte.” ambos detidos pelo Movimento de Rege-
as escolas e hotéis estão desertos, os par- Esta resposta moderada do Presidente é neração Nacional (Morena), partido de
ques sem vida. Isto não é tolerável, a vida surpreendente, dado o seu temperamento López Obrador.
tem de continuar”, escrevia Salinas Plie- belicoso face às críticas dos meios de co- O bom entendimento entre Salinas
go aos seus empregados. A sua declaração municação social [ao seu governo]. López Pliego e o Presidente mexicano já existe
destinava-se a combater “o medo que nos Obrador usa de bom grado termos sarcás- há vários anos, tendo-se estabelecido quan-
é instilado” e a lutar contra o colapso da ticos, como “aliados da máfia no poder” do López Obrador foi chefe do governo da
economia mexicana. Desde então a mes- ou “fifi press” [referindo-se aos meios de capital (de 2000 a 2005). Na manhã de 2
ma mensagem apareceu nos noticiários da comunicação conservadores que ele con- de julho de 2018, Salinas Pliego fazia parte
sua estação de televisão, TV Azteca, que sidera pretensiosos], mas os jornalistas da das poucas pessoas convidadas a visitar
a casa de López Obrador para celebrar o
seu triunfo absoluto nas eleições presiden-
JORNAL AUTORES DATA TRADUTORA ciais. À noite, os dois homens brindaram
R El País David Marcial Pérez, 05.05.2020 Helena Araújo com uísque junto daqueles que se torna-
Madrid Luis Pablo Beauregard riam figuras-chave do governo de López
Bangladesh
Apocalipse
para as
trabalhadoras
têxteis
Após o confinamento que se seguiu ao surto da Covid-19,
as marcas europeias cancelaram mais de três mil milhões de dólares
em encomendas aos seus fornecedores deste país asiático
70%
de encomendas
a menos
No Vietname, as encomendas de têxteis
e de calçado deverão ter baixado 70%,
em abril e maio, de acordo com os dados
do Ministério da Indústria e Comércio
citados pelo THE NIKKEI ASIAN REVIEW.
Um declínio que pode levar à perda
de 50 mil empregos no líder do setor,
Vinatex: “30% a 50% dos empregos
vão desaparecer”, revelou o diretor
da empresa, Le Tien Truong, ao jornal
japonês. A Vinatex possui cerca
de 200 fábricas no Vietname e tem
mais de 100 mil empregados.
ter dificuldade em sair desta situação.” Em seu salário, mas 98% dos grupos [europeus] Perder o emprego nestes
videochamada, ela exorta os compradores não contribuem para isso. países do Oriente significa,
ocidentais a “não os abandonarem” e a, Em 3 de abril, a Primark declarou que já normalmente, não ter o dinheiro
pelo menos, receberem as roupas já con- pagara 1,6 mil milhões de libras esterlinas suficiente para comer
fecionadas. [1,8 mil milhões de euros] por mercadorias FOTO DE GETTY IMAGES
Além disso, também as empresas neces- que se encontram em suas lojas e armazéns
sitarão de apoio nos próximos três meses, ou em trânsito. O encerramento das suas muito diferente e prepotente. “Este período
caso contrário, mais de quatro milhões filiais resultará numa perda de 650 milhões excecional” exige “medidas excecionais”,
de pessoas de cerca de quatro mil fábri- de libras esterlinas de volume de negócios diz-se o texto.
cas estarão na rua. Arriscamos a anarquia, por mês. O grupo diz estar disposto a um Em primeiro lugar, todas as encomen-
acrescenta. O site da BGEMA apresenta compromisso e concorda em financiar os das, independentemente do seu estatuto,
um contador que apresenta a catástrofe salários dos trabalhadores que trabalharam “ficam canceladas com efeito imediato”.
em números: no primeiro fim de semana nas encomendas da produção que foram Além disso, a produção de encomendas já
de abril, as anulações e os cancelamentos canceladas. efetuadas deve ser interrompida. Em se-
de encomendas ultrapassaram os três mil A C&A evoca igualmente a dificuldade gundo lugar, a C&A espera que o fornecedor
milhões de dólares – afetando 1 108 fábricas. da sua situação, mas diz que está “a tra- tome “imediatamente todas as medidas ne-
balhar arduamente”, nas palavras de um cessárias para excluir ou reduzir qualquer
Quem falta mais ao respeito porta-voz, “para minimizar os efeitos risco de responsabilidade para si próprio
O Centro para os Direitos dos Trabalhado- sobre os fornecedores”. O email que lhes e/ou para a C&A”. O email invoca ainda a
res [Center for Global Workers’ Rights, da foi enviado, a 23 de março, pelos diretores lei alemã aplicável e as “autoridades supe-
Universidade da Pensilvânia] publicou, no de marketing e de compras utiliza um tom riores”. Não menciona os empregados nas
final de março, um ponto da situação das suas cerca de 150 instalações de produção
“faltas de respeito” para com os fabricantes, ... no Bangladesh. “Há fábricas que produ-
com base num questionário online enviado zem para a C&A há décadas. Para as pessoas
às empresas do Bangladesh, e estabeleceu “Aqueles que cancelaram aqui, foi um golpe no coração”, confessa
uma espécie de ranking: a Primark está à encomendas, como a C&A um empresário de pronto-a-vestir.
frente, com mais de 273 milhões de dólares “Aqueles que cancelaram encomendas,
em cancelamentos de encomendas, seguida ou a Primark, mostram como a C&A ou a Primark, mostram bem
pela C&A, com 166 milhões de dólares. No bem o valor que atribuem o valor que atribuem a toda esta conversa
total, desde o surto da epidemia, 46% das sobre responsabilidade”, diz Gisela Bur-
produções em curso ou finalizadas foram
a toda esta conversa sobre ckhardt, da Femnet, uma organização que
canceladas, no Bangladesh. Além disso, responsabilidade”, diz defende os direitos das mulheres.
72% dos comitentes não pagaram os teci- Gisela Burckhardt, de uma
dos comprados pelos seus fornecedores. Esperança na mudança
Os trabalhadores que trabalham a tempo organização de defesa Algumas empresas parecem estar mais aber-
reduzido têm direito, por lei, a uma parte do dos direitos das mulheres tas ao diálogo: a H&M da Suécia sublinha
I TÁ L I A
As fábricas invisíveis
das grandes marcas
A polícia italiana descobriu, em novembro, uma fábrica
brica
clandestina de costura, em que estavam trancados
dos
43 operários. Esta prática é comum no Sul do país, onde
as grandes marcas da moda exploram o trabalho ilegal
legal
de pequenos artesãos mal remunerados
LA REPUBBLICA ROMA
A A Itália deve a qualidade da questrados numa casa-forte fechada com ou cave pode transformar-se em atelier
sua indústria de manufatura, uma porta blindada, sem janelas nem casa de confeção de camisas, sapatos, jeans,
em grande parte, a pessoas que de banho. Numa ação de inspeção a uma blazers ou mesmo vestidos de noiva. Na
trabalham em situação de escravatura. fabriqueta de costura, a polícia descobriu Campânia e na Apúlia, o trabalho clan-
Falamos de homens e de mulheres que que, num total de 35 empregados, 14 se destino é, simultaneamente, um balão
trabalham clandestinamente em zonas encontravam em situação irregular. Pior: de oxigénio e um veneno para milhares
industriais em que, há mais de meio por detrás de uma pilha de rolos de cou- de famílias.
século e em condições de trabalho fre- ro e de ferramentas, uma enorme porta “Excelência” é a palavra que se aplica
quentemente desumanas, executam as blindada dava acesso a uma verdadeira ao setor da moda italiana. Aplica-se, do
várias fases de confeção (corte, costura, caixa-forte. Dentro dessa, escondiam-se mesmo modo, à arte dos empregados des-
acabamentos). Fabricam ainda calçado, mais 43 trabalhadores “clandestinos”. tes ateliers clandestinos, que trabalham
peças de roupa e cintos para os grandes Refiro-me à empresa Moreno s.r.l, para as grandes casas da moda de todo o
costureiros. Estamos perante uma “rea- situada em Melito, a 20 minutos de Nápo- mundo e ganham entre um e três euros
lidade italiana”. les. Aí fabricam-se artigos de marroqui- por hora.
Para perceber em que consiste a naria para as grandes marcas do mundo As razões para a indústria da moda
“realidade italiana” decidi investigar as da moda. Durante a operação, a polícia recorrer a estes trabalhadores invisíveis,
fábricas clandestinas. Quando discutia apreendeu máquinas e material no valor em vez de deslocalizar o trabalho para
o assunto com sindicalistas ou com os de 2,5 milhões de euros. a Índia, a Roménia ou o Bangladesh,
próprios operários, o comentário era Acha que não é possível trancar operá- como acontece com outros produtos,
sempre o mesmo: “Pois, esta situação rios numa sala blindada? À primeira vista, resumem-se a uma palavra: “excelên-
é... uma realidade italiana.” essa casa-forte destinava-se a armaze-
Compreendi que essa “realidade ita- nar as peles mais valiosas. No entanto, ...
liana” é algo que todos conhecem, que a mercadoria mais preciosa, aquela que
está à vista de toda a gente, mas de que os patrões tentavam esconder da polícia, Ainda que estejam
ninguém fala: se alguém a denunciasse, eram os operários dos dois sexos e as suas protegidas do ponto de
os primeiros a sofrer seriam os traba- competências, mais importantes do que
lhadores explorados. qualquer rolo de pele. Entre as 43 pessoas vista jurídico, as grandes
Realidade italiana é a notícia da des- fechadas na caixa-forte encontravam-se casas da moda sabem
coberta, pela polícia de Nápoles [em 16 de dois menores e uma grávida.
novembro passado], de 43 operários se- Na minha terra, qualquer garagem
perfeitamente que a
qualidade dos seus artigos
é produzida em condições
AUTOR DATA TRADUTORA de trabalho deploráveis
F Roberto Saviano 18.11.2019 Ana Caldas
e de constante exploração
deste modo, uma forma de escravatura. por rondar um euro por hora. Quando
Há mais de 50 anos que nas regiões rebentam escândalos como o de Meli-
ITÁLIA
REGIÃO do Sul de Itália (mas também em Véne- to, vem à luz do dia o nome da empresa
DE CAMPÂNIA to) toda a estrutura da moda assenta na em causa, mas nunca são divulgadas as
Roma exploração sistemática de mão de obra grandes marcas para as quais esta labora.
de qualidade. Apesar de todos os artigos Como é possível que a alta-costura não
Nápoles e reportagens, das denúncias e dos es- seja também implicada nas ações judi-
Melito de Nápoles forços dos sindicatos, não se consegue ciais instauradas contra os ateliers? Fácil:
REGIÃO pôr termo à situação. oficialmente, a empresa final nada tem
DE APÚLIA
Aos operários de Melito trancados na que ver com o caso, visto ter utilizado um
200 km caixa-forte sucedem-se a outros ope- mecanismo (que, na realidade, a exime
rários trancados numa cave qualquer. de qualquer responsabilidade) de sub-
Mar
Mediterrâneo Muitos perguntam-se qual a razão para contratação de fornecedores que, por
estes ateliers não regularizarem a situa- sua vez, subcontratam outras empresas.
ção dos seus trabalhadores. A resposta é A verdade, porém, é que as grandes
cia”. Para falar a verdade, não é possível simples: declarar estes assalariados im- casas da moda são inegavelmente respon-
aprender a trabalhar com qualidade numa plicaria pagar-lhes um salário mínimo, sáveis pela situação: ainda que estejam
formação intensiva de três dias, como a além de obrigar ao cumprimento de horas protegidas do ponto de vista jurídico, elas
que se concede às operárias indianas ou semanais, férias remuneradas e locais de sabem perfeitamente que a qualidade dos
paquistanesas. O cuidado extremo no fa- trabalho dignos deste nome, ou seja: con- seus artigos é produzida em condições de
brico e o controlo minucioso do resultado dições que empurrariam muitos ateliers trabalho deploráveis e de constante ex-
fazem toda a diferença. para fora do mercado e que acabariam ploração.
A qualidade é paga a preços de mi- com os lucros de outros tantos pequenos Só as grandes marcas poderiam fazer
séria e, para que se mantenha, os custos empresários. escolhas suscetíveis de alterar o jogo.
têm de ser reduzidos ao máximo. Quan- Acresce que a regularização revela-se, Os populistas calam-se por opor-
do perguntámos aos jovens naturais de muitas vezes, um logro: é certo que tem tunismo; os reformistas receiam a fuga
Nápoles qual a sua função nestas fábricas, um contrato, mas o trabalhador vê-se das empresas, dos postos de trabalho e,
responderam-nos: “Eu, aqui, trabalho à obrigado a reembolsar ao patrão metade por arrasto, dos eleitores. Vamos sempre
chinesa.” Por detrás do racismo incons- do seu salário de miséria. parar, portanto, à famosa “realidade ita-
ciente desta resposta, o que eles preten- O outro grande subterfúgio das em- liana”. E, no que respeita à alta-costura,
diam dizer é que auferem o mesmo do presas para regularizarem os trabalha- será porventura a Canzone del Maggio,
que os operários de uma fábrica chinesa. dores clandestinos é o contrato no “do- do cantor genovês Fabrizio de Andrè, que
Aí não vigora o princípio de que o ta- micílio”: o operário é pago à peça, pelo melhor sintetiza esta situação:
lento, a beleza e as competências são bens produto acabado, e não pelas horas que “Mesmo que se considerem ilibados,
inesgotáveis que salvam vidas e regiões. passou a produzi-lo; a remuneração acaba estarão para sempre envolvidos.”
UM PAÍS SENTADO
NUM BARRIL
DE PÓLVORA
Desemprego maciço, desigualdades agravadas pela pandemia, violências policiais,
extrema-direita desinibida e Presidente pronto a deitar achas para a fogueira:
todos os ingredientes estavam reunidos para os EUA se incendiarem
M ov i m e n t o
...
Quando as pessoas
Uma mobilização
capital
estão zangadas e sem
certezas quanto ao
futuro, criam-se as
condições para a raiva,
a fúria, o desespero, a A vaga de protestos gerada após a morte de George Floyd não parece
depressão; uma mistura parar e poderá ter repercussões nas eleições de novembro.
particularmente volátil
THE ATLANTIC WASHINGTON
BEM-VINDOS
AO LABORATÓRIO
URBANO
A História mostra-nos que as epidemias deixam marcas nas cidades.
A pandemia da Covid-19 não será muito diferente. Vigilância, distância social,
novas solidariedades – a mudança já começou
durante o confinamento – aproximou os que desempenham tarefas de que todos um enquadramento mais rigoroso das
vizinhos, ultrapassando barreiras etárias dependemos. rendas?
e fraturas demográficas. Paradoxalmente, Considerar a sociedade como um Neste momento, é impossível ter cer-
a distância social aproximou mais do que coletivo, e não como um aglomerado tezas, mas as novas e inesperadas inter-
nunca alguns de nós. Não sabemos é se tais de indivíduos separados, poderá levar a conexões que nascem nas cidades, como
grupos de entreajuda se irão manter após opinião pública a exigir mais medidas in- resultado da pandemia, permitem-nos ter
o coronavírus e influir significativamente tervencionistas para proteger os cidadãos. algum otimismo. Segundo Karen Harris,
na cidade do futuro. Isso dependerá, em Os governos poderão ter dificuldade em “não devemos esquecer o fator humano
parte, das lições políticas que soubermos resistir a estes apelos, uma vez que a crise que, regra geral, é reconfortante”. Para
retirar desta crise. do coronavírus já os forçou a renunciar Richard Sennett, não é de todo impossí-
ao primado do mercado. vel que estejamos a assistir a uma grande
Desejo de novos contactos Os hospitais privados são pressiona- mudança nas relações sociais urbanas: “Os
Torna-se evidente a vulnerabilidade de dos a oferecerem as camas a quem delas habitantes das cidades descobrem em si
muitos cidadãos – não só devido à cri- precisa, sem custos adicionais. Em Los ideais de que até aqui não tinham cons-
se de saúde pública mas também à sua Angeles, pessoas sem-abrigo ocuparam ciência, o desejo de mais contactos huma-
vivência quotidiana na cidade –, como habitações vazias, o que teve o apoio de nos, de estabelecer ligações com pessoas
é o caso das pessoas idosas carenciadas alguns deputados. Esta tendência vai pa- diferentes.” Resta saber se esta evolução
ou dos trabalhadores precários ou inde- rar quando passar a crise? Ou continuará da vida nas cidades durará tanto como o
pendentes, os quais não dispõem de uma o interesse da coletividade a sobrepor-se sistema de esgotos de Joseph Bazalgette
almofada financeira para ampará-los, mas ao das empresas – por exemplo, mediante sob o Victoria Embankment.
C r i At i v i da d e
Tornar as cidades
habitáveis
O coronavírus atinge mais a cidade do que o campo. Transforma em
desvantagens o que era a atração e o sucesso das aglomerações.
Poderemos impor uma distância social sem matar a vida citadina?
Singapura
Um cão-robô-patrulha
Vai ser “uma espécie de embaixador da distância de segurança”, no contexto
da epidemia da Covid-19, explica o THE STRAITS TIMES: desde o dia 8 de maio,
o cão-robô Spot “patrulha” o parque de Bishan-Ang Mo Kio, em Singapura,
“recordando às pessoas as medidas de distância social”.
Num vídeo disponibilizado online pelo jornal, vemos a maquineta amarela
a avançar nas suas quatro patas, num movimento mecânico. Depois, difunde
uma mensagem gravada numa voz feminina que exorta os visitantes
a manterem distância entre si, “para sua segurança e das pessoas à volta”.
O robô foi desenvolvido no âmbito de um “projeto-piloto”. Está “equipado com
câmaras” que visam “ajudar” as autoridades da cidade-estado “a calcularem
o número de visitantes dos parques”. E não recolhe dados pessoais. “Como
o robô é controlado à distância”, continua o THE STRAITS TIMES, a vigilância do
parque “exige menos pessoal, o que contribui para reduzir os contactos físicos
entre os empregados do parque e os passeantes. Assim, o risco de exposição
ao coronavírus é diminuto”.
Abu Dhabi
A metrópole
do amanhã?
Mais descentralizadas e mais flexíveis, mas também menos igualitárias?
Ao serem questionados sobre o legado que a Covid-19 podia deixar
nas áreas metropolitanas, os urbanistas chegaram à conclusão
que as megacidades dos Emirados Árabes Unidos já viviam no futuro.
Nesses espaços, a crise sanitária terá mesmo reforçado
o sentimento de pertença
China
Utilizar os dados
para se viver
com o vírus
Desde o início da epidemia, a informatização de serviços públicos
e privados tem vindo a crescer. A tendência das cidades inteligentes terá
de manter-se, se quisermos proteger-nos de forma sustentada
Pessimismo
O fim dos serviços
públicos?
Desinteresse pelos transportes públicos e investimentos coletivos
tornados inacessíveis ao público: a “nova normalidade” pós-pandemia
será caracterizada por uma explosão de egoísmo e de desigualdade
Tendência
Toda a gente
de bicicleta!
A crise sanitária
ria oferece argumentos aos adversários do automóvel.
Tal como Paris ou Milão, muitas cidades europeias apostam na bicicleta
para permitir
mitir que os seus moradores circulem sem risco
REVISTA DE IMPRENSA
HOSPITAIS EM ALTURA
Todos os anos, a revista norte-americana de arquitetura EVOLO organiza um
concurso que premeia os projetos de arranha-céus mais inovadores. O palmarés
de 2020, aguardado com expectativa, foi divulgado no dia 20 de abril. Sinal dos
tempos: este ano, o projeto escolhido entre os 473 propostos é o de uma torre-
durante o verão, para apoiar a fase 2 -hospital assinado pelos chineses D Lee, Gavin Shen, Weiyuan Xu et Xinhao
do desconfinamento e o crescimento Yuan. A Epidemic Babel consta de uma construção por módulos que pode ser
esperado da economia. erguida em menos de cinco dias em caso de epidemia. Uma estrutura em aço, leve
Medidas semelhantes estão a ser to- e facilmente transportável, constitui o “esqueleto” no qual se encaixam módulos
madas em Roma, Berlim, Barcelona ou pré-construídos, escolhidos pela equipa médica em função das necessidades.
Budapeste. “Serão mantidas quando a Na opinião dos projetistas, um dispositivo deste tipo seria menos oneroso
ameaça do coronavírus diminuir? Não e permitiria uma construção mais rápida do que os hospitais pré-fabricados
é certo, mas são muito significativas”, atualmente utilizados na China.
analisa o CITYLAB. “Mostram que o ven-
to está a mudar. Antes da Covid-19 se
espalhar pelo mundo, muitas cidades
europeias já estavam a trabalhar para VERDE SOLITÁRIO
reduzir o espaço para carros. Se estas Chris Precht, arquiteto de Salzburgo, concebeu um espaço verde feito à
mudanças também ajudarem as cida- medida, para limitar o risco de contaminação e permitir passear em tempos de
des a continuarem operacionais após o confinamento. Pensado inicialmente para um terreno abandonado na cidade de
levantamento da contenção, tal provará Viena, mas pronto a ser transposto para outros locais, este projeto, batizado de
que essas políticas não são fantasias de “parque de distanciamento”, “acolhe os visitantes como um labirinto, num passeio
urbanistas, mas uma maneira susten- solitário por caminhos paralelos, separados por sebes”, descreve a FAST COMPANY.
tável e prática de construir um futuro Um visitante por corredor, num percurso calculado para 20 minutos por pessoa.
habitável pós-pandemia. E é uma meta Quer os caminhantes decidam aceitar a imersão na Natureza, quer prefiram deitar
que todas as cidades do mundo precisam um olho por cima da sebe, uma coisa é certa: “Mantêm sempre a distância
de alcançar.” de segurança”, explica a revista norte-americana.
Ideias
em casa
SEM A MINHA
VARANDA
Linda Poon, jornalista do CITYLAB, fala da
sua experiência quando avisa os arquitetos
de que não poderão continuar a projetar
A arquitetura e a disposição das nossas habitações são fatores edifícios sem varandas. A jovem norte-
importantes no combate à propagação de epidemias. Vejamos -americana passou o confinamento num
o que poderia mudar nas nossas casas e apartamentos apartamento no quarto andar, tendo a
janela da sala como única abertura para
a vegetação. Ela confessa que entende
perfeitamente aqueles que, “alojados em
COURRIER INTERNATIONAL PARIS habitações pouco iluminadas, agora juram
nas redes sociais que nunca mais viverão
num apartamento sem varanda”.
E assegura: “As varandas são o símbolo
das novas formas de liberdade: a de se
confinar sem se sentir encurralado e a de
desfrutar do ar fresco sem medo de respirar
um ar contaminado.”
Alemanha
N Ú M E RO
Depois da crise,
um êxodo urbano? – 90% REDUÇÃO
DO NÚMERO
Como resultado do confinamento, muitos citadinos poderão optar DE UTENTES
do metro de Nova Iorque entre
por deixar a cidade e ir morar no campo depois da crise, diz este jornalista 4 e 11 de abril em comparação
alemão. Isto é especialmente verdade em Paris com a mesma semana de 2019.
O futuro afigura-se sombrio para
a Metropolitan Transportation
SÜDDEUTSCHE ZEITUNG MUNIQUE Authority, equivalente à RATP
[empresa de metropolitano]
em Paris, já crivada de dívidas e
minada pelo subinvestimento
ainda antes da crise. Epicentro da
epidemia da Covid-19 nos Estados
Unidos da América, Nova Iorque
ressentir-se-á duplamente dos
efeitos da crise, segundo o NEW
YORK TIMES. Este jornal enumera
os indicadores que mostram “até
D Devia ser inscrito no patrimó-
nio nacional. O engarrafamento
quase 70 pedidos por dia de casas de cam-
po, o dobro do número de há dois meses.
que ponto o coronavírus muda
a cidade”: explosão do número
das noites de sexta-feira e domin- Algumas negociações que se arrasta- de desempregados, redução da
go faz parte do ritual semanal dos vam há meses foram subitamente concluí- quantidade de resíduos recolhidos,
parisienses há três gerações. Jean-Luc das no espaço de poucos dias, confirma diminuição do consumo de
Godard já lhes prestava homenagem em um colega. Dois milhões de residentes – eletricidade de manhã, mais
1967 no seu filme Week-end, uma espécie famílias ou pessoas sozinhas – mudam- queixas por ruído, menos poluição.
de concerto gigantesco de buzinas que -se todos os anos em França, um décimo E aumento em flecha de pessoas
durava uma hora e meia. Esgueirando- dos quais poderá optar por se instalar em disponíveis para ações
-se a bordo do seu carro desportivo, um permanência fora das cidades e, especial- de voluntariado: + 288% no mês
Facel Vega Facellia, no meio de uma fila mente, fora da capital. de março, apenas.
interminável de carros, Roland e Corin- O ritmo das deslocações semanais não
ne embarcavam numa série de aventuras se inverteu apenas. Na situação excecional
improváveis, terminando para Roland na em que vivemos hoje, um novo modo de
panela de um grupo de novos canibais em vida está a surgir para as classes privilegia-
plena insurreição. Só que a hora de glória das que têm os meios e o tipo de profissão
dos engarrafamentos às portas de Paris que lhes permite trabalhar remotamente.
pode ser coisa do passado. Os requisitos antes de comprar uma casa
Entre as consequências, duradouras de campo incluem acesso aos transportes,
ou temporárias, da atual epidemia de co- fiabilidade da ligação à internet e proximi-
ronavírus, podemos citar uma inversão dade de escolas e hospitais de qualidade. ...
das deslocações entre as casas de cidade e Reduzidos ao estado de meros abrigos,
as casas de campo. As agências imobiliá- os apartamentos parisienses seriam usados A procura de casas de
rias da Île-de-France são unânimes: nas apenas dois ou três dias por semana para
últimas semanas, a procura por casas de o trabalho. E o humorista da Belle Époque
campo explodiu. Contudo,
campo explodiu. Contudo, os clientes não Alphonse Allais veria finalmente a sua iro- os clientes não pretendem
procuram casas de férias à beira-mar ou nia tornar-se realidade: serão construídas casas de férias à beira-
na montanha, mas sim fazendas antigas, cidades no campo. Paris esvazia-se e o
estações fora de uso, celeiros, capelas ou vazio outrora bucólico do campo enche-se. mar ou na montanha, mas
antigos mosteiros para viver no campo, Como ferramentas reguladoras naturais, fazendas antigas, estações
sem estar muito longe da cidade. A agente os engarrafamentos também tiveram o
imobiliária Patrice Besse diz que recebe seu papel.
fora de uso, celeiros,
capelas ou antigos
mosteiros para viverem
AUTOR DATA TRADUTORA no campo, sem estarem
F Joseph Hanimann 14.05.2020 Ana Caldas
muito longe da cidade
QUANDO
A INTERNET
FOR CHINESA
Já a morder os calcanhares dosnorte-americanos e dos europeus, os engenheiros
da gigante Huawei estão a inventar a internet do futuro. Poderá Pequim impor
ao resto do mundo a sua conceção de uma rede sob controlo estatal?
A “outra” muralha
A antítese desta filosofia tem eco na pe-
quena cidade de Wuzhen, perto de Xangai,
onde todos os outonos se reúnem os gran-
des magnatas da tecnologia, investigadores
e políticos que assistem a uma pomposa
Conferência Mundial da Internet. O fórum
foi criado pela Administração Chinesa do
Ciberespaço em 2014, um ano depois de o
Presidente Xi Jinping ter chegado ao poder.
Uma fileira de bandeiras internacionais
saúda os visitantes, expressando a ambi-
ção de Xi no sentido de criar “um futuro
partilhado no ciberespaço”.
Grandes nomes da alta tecnologia, des-
de o patrão da Apple, Tim Cook, ao diretor
da Qualcomm, Steve Mollenkopf, discur-
Este calendário apertado é particu- Sede da UIT, em Genebra, onde saram em Wuzhen, prometendo apoio à
larmente preocupante para as delegações os representantes da Huawei iniciativa do Presidente chinês. Nos últimos
ocidentais, e várias vozes têm vindo a apresentaram as suas ideias anos, a participação estrangeira foi dimi-
exigir um abrandamento do processo. para o novo protocolo da internet nuindo à medida que a guerra tecnológica
Na sua resposta oficial (transmitida ao FOTO DE GETTY IMAGES China-EUA se intensificava e os patrões das
Financial Times por várias fontes), um tecnologias de informação começavam a
delegado holandês lembrou que “a na- quando era estudante de Matemática em evitar colagens excessivas a Pequim.
tureza aberta e flexível da internet” na Estocolmo, foi recrutado para construir e Desde 1990 que as autoridades chinesas
sua estrutura e modo de gestão é inse- testar a infraestrutura duma nova tecno- tinham começado a construir a Grande
parável do seu sucesso, e disse-se “muito logia a que o governo dos EUA chamava Muralha Eletrónica, um dispositivo de
preocupado” com um novo modelo que internet. É agora consultor digital do Go- controlo da internet que filtra o acesso
se desvie desta filosofia. Num comentá- verno sueco, que representa na maioria a sites estrangeiros proibidos, desde o
rio mais enérgico (também comunicado dos organismos normativos da internet, Google ao New York Times, impede os
ao nosso editor), um delegado britânico incluindo a UIT. Trinta anos depois de ter cidadãos de organizar protestos online e
acrescentou: “Não existem provas de que ajudado a construir as bases da rede global, bloqueia conteúdos considerados politi-
tenham sido apresentadas justificações mantém-se fiel aos ideais ciberlibertários camente sensíveis.
técnicas rigorosas para que se possa dar ocidentais que estiveram na base da sua Estes mecanismos de controlo depen-
um passo tão radical.” criação. “A arquitetura da internet é tal dem de exércitos de censores e funcioná-
Um dos mais veementes críticos do que é muito difícil, se não praticamente rios do Governo, mas também de empresas
novo protocolo é o sueco Patrik Folstrom, impossível, que um ISP saiba como o acesso de tecnologia privadas como a Baidu e a
engenheiro anticonformista de cabelos à rede é utilizado, quanto mais contro- Tencent. Se no resto do mundo não há
compridos, conhecido no seu país como lá-la”, explica. “A polícia e outras enti- obstáculos técnicos a que alguém crie o
um dos pais da internet. Por volta de 1980, dades gostariam que os ISP exercessem o seu próprio website, bastando para isso
Quem controla
a dizer sobre o assunto.”
Loren Larsen, diretor de tecnologia
da HireVue, defende-se dizendo que as
os algoritmos
críticas resultam de má informação. “A
maioria dos investigadores na área da In-
teligência Artificial tem uma compreensão
que recrutam?
limitada da psicologia e do comportamen-
to dos trabalhadores”, declarou. Segundo
ele, a ação dos algoritmos na otimização
dos processos de recrutamento é com-
parável à dos fármacos que influenciam a
Nos Estados Unidos da América, muitas empresas subcontratam nossa saúde. Em suma, diz ele, a Ciência
entrevistas de emprego à empresa HireVue, que usa Inteligência está do seu lado. Um sistema automático
Artificial para avaliar candidatos. Há quem considere, nomeadamente no será sempre mais objetivo do que as re-
meio científico, que se trata de uma abordagem pouco fiável ou perigosa ferências tendenciosas dos recrutadores
humanos, que considera ser “uma caixa
negra por excelência”.
THE WASHINGTON POST (EXCERTOS) WASHINGTON “Todos os dias são recusados candi-
datos devido à sua aparência, aos seus
sapatos, à forma como encaixam a ca-
misa nas calças ou aos seus atributos físi-
cos”, explica. “Os algoritmos eliminam a
maioria destas preferências subjetivas de
uma forma que antes não era possível.” A
Inteligência Artificial não explica as suas
decisões nem atribui notas aos candidatos,
N Nos Estados Unidos da Améri-
ca, a Inteligência Artificial (IA)
superficiais e cálculos arbitrários sem
base científica. Em particular, este tipo
o que, segundo o seu ponto de vista, “seria
irrelevante”. No entanto, “não é lógico”
tornou-se um aliado das maiores de avaliações pode penalizar candidatos pensar que algumas pessoas possam ser
empresas na hora de contratar pes- de origem estrangeira, pessoas particu- injustamente recusadas por um avalia-
soal. Uma novidade que vem revolucionar larmente nervosas e, em bom rigor, todos dor automático, continua Loren Larsen:
a forma de avaliar recursos humanos e de aqueles que não se enquadrem num mo- “Quando mil pessoas se candidatam a
os candidatos a um emprego demonstra- delo pré-estabelecido no plano da apa- um emprego, há 999 que são rejeitadas,
rem as suas qualidades. A empresa Hi- rência e do discurso. Estes algoritmos aplique-se Inteligência Artificial ou não.”
reVue, especializada em tecnologias de podem desempenhar um papel decisivo Constata-se, no entanto, que estes
recrutamento, desenvolveu um sistema na carreira das pessoas, mas saberão de algoritmos impenetráveis geram uma
que utiliza a câmara do computador ou facto o que precisam procurar? Os es- nova forma de ansiedade nos candida-
do telemóvel do candidato para analisar pecialistas duvidam. Dito doutra forma: tos. Estudante da Universidade de Con-
expressões faciais, vocabulário e modu- de que forma o empregado ideal se deve necticut, Nicolette Vartuli formou-se em
lações de voz. Feita a comparação com expressar e que aspeto deve ter? Matemática e Economia com excelentes
outros candidatos, estabelece-se uma notas. Depois de se informar acerca da
classificação ordenada em função do Práticas discriminatórias HireVue, deu o seu melhor durante a en-
“nível de empregabilidade” de cada um. “É extremamente preocupante ver uma trevista com a máquina, tendo em vista
Estas técnicas de “avaliação através ‘tecnologia proprietária’ [pertencente um cargo num banco de investimento.
de Inteligência Artificial” estão tão di- exclusivamente a uma empresa] a fingir
fundidas em certos setores, como ho- ser capaz de distinguir entre um traba- ...
telaria, restauração ou finanças, que as lhador produtivo e outro que não o seria
universidades começaram a ensinar os com base na análise das suas expressões Todos os dias, são
estudantes a falarem e a apresentarem-se faciais, do tom de voz e da forma como se
perante estes algoritmos. Uma centena comporta durante a entrevista”, alerta
recusados candidatos
de empregadores já utiliza o sistema e Meredith Whittaker, cofundadora do devido à sua aparência, aos
este processou até ao presente mais de Centro de Investigação de IA do Instituto seus sapatos, à forma como
um milhão de candidaturas. Now, com sede em Nova Iorque. “Esta-
Contudo, há especialistas em Inte- mos perante pseudociência que permite enfiam a camisa nas calças
ligência Artificial para quem nada disto práticas discriminatórias”, acrescenta. ou aos seus atributos
passa de banha da cobra digital, assente E o pior é que “as pessoas cujas vidas e
numa combinação inepta de medições perspetivas de carreira são condicionadas
físicos. Os algoritmos
eliminam a maioria destas
preferências subjetivas
AUTORA DATA TRADUTORA
F Drew Harwell 06.11.2019 Ana Marques de um modo que antes
não era possível
43%
Esta é a quota de mercado do motor
de busca Yandex na Rússia, segundo
as estatísticas do site Statcounter. O
Google está em primeiro lugar, com
53,5% das consultas. Em comparação,
na Alemanha, o motor de busca dos
EUA detém 95% do mercado e, em
França, mais de 92 por cento.
sobre educação para os Direitos Humanos. quase todos podemos compreender a an-
Confidenciou-me algumas memórias de gústia destas famílias da caravana humana
infância, em que se lembra de ver o tio assi- que, desde a América Central, caminhava
nar milhares de autorizações de residência à procura de asilo e proteção, de trabalho e
a portugueses. É conhecida a lei de 1958 dignidade. Desde então não ouvimos falar
que abre portas aos vistos para portugueses mais destas pessoas.
sem estarem condicionados a nenhum tipo As vozes com discursos de fazer medo,
de quota máxima. É conhecido também o transformados em ódio a migrantes e re-
reconhecimento desse tempo, por parte fugiados, espantam-me. Donald Trump,
do Congresso americano, do contributo profissional a culpar outros de tudo,
das comunidades luso-americanas para investiu nisto como investe sempre na
com os EUA. promessa de violência. A estas famílias
Alguns anos depois, também a história vociferou que, caso tentassem entrar nos
da minha família se cruzou com este país, EUA, lhes mandava o Exército. Além dis-
quando o meu avô materno se juntou ao so, reforçou as fronteiras com forças de
irmão na Califórnia, fugindo da pobreza segurança bem armadas e continuou com
e miséria a que estavam condenados no o discurso de 2016, em que candidato a
Portugal rural e fechado de então. Uma Presidente, prometeu mais muros, e pagos
das versões que me chegou foi a de que pelo México, para que ninguém entrasse.
o meu tio-avô foi primeiro para o Brasil, Donald Trump – filho de uma mulher mi-
procurando trabalho para sustentar a fa- grante e empresário, como tantos outros
mília e os irmãos, entretanto órfãos. De lá, que beneficiam de mão de obra migrante
conta-se que seguiu para os EUA escondido a um custo muito inferior e com salários
dentro de um barril, a bordo de um navio. em média baixíssimos – nunca teve dú-
Esta última parte não é mais do que um vidas em atacar os que em circunstância
mito e dessa condição não sairá, pois não a de maior vulnerabilidade não se podem
conseguirei já comprovar. Ao meu tio-avô, defender. A Amnistia Internacional tem
juntou-se-lhe o meu avô, depois de migrar documentado este padrão e, paralela-
para os arredores de Lisboa para trabalhar mente, denunciado a campanha ilegal e
nas quintas da Companhia Portuguesa de discriminatória de intimidação, ameaças,
Amidos. Assentaram na Califórnia para perseguição e investigações criminais da
trabalhar nos extensos campos de agro- sua administração contra pessoas que de-
pecuária. Foram vaqueiros sem o glamour fendem os Direitos Humanos na fronteira
que os westerns nos pintaram, trabalhavam com o México. Em alguns casos, apenas
muito e escreviam para Portugal, mandan- por oferecerem água, comida ou abrigo
do o que podiam. Mas também lá o trabalho às pessoas.
escasseou, a certa altura.
O meu tio-avô ficou a gerir um mini- Tijuana – a cidade onde começa a pátria
mercado perto da cidade de Sacramento. Cheguei à Califórnia para participar em
O meu avô rumou para leste, para o estado reuniões e eventos de trabalho, bem como
de Pensilvânia, onde foi trabalhar numa numa missão de reconhecimento em bus-
fábrica de fibrocimento – o amianto, que ca daqueles milhares de pessoas que, em
hoje sabemos tão prejudicial à saúde – que 2018, não conseguiram entrar nos EUA.
ia abrir perto de Filadélfia. Ao seu encontro Que destino tiveram as famílias separadas
seguiram a esposa, os filhos, as noras e os nos centros de detenção e que o mundo
genros. E é esta a história de busca por mediático tão depressa esqueceu?
uma vida melhor que me coloca a nascer Com chuva e vento forte, a aterragem
nos EUA e a garantir-me um passaporte em Los Angeles, à noite, não foi ligeira.
americano e, fruto do trabalho dos meus Cansado, faltavam ainda algumas horas
pais, a garantir-me escola e educação. de carro até chegar ao destino final. San
Somos tantos em Portugal com uma Diego fica perto da fronteira com o Mé-
história tão semelhante. Uma história de xico. É a última grande cidade america-
diáspora, de saída e saudade à procura de na, conhecida pela tranquilidade e pelo
uma vida mais digna e de menos fome. Indo espírito laid back de aproveitar a vida, o
às fronteiras da nossa memória familiar, sol e as ondas. Alguns quilómetros a sul
O controlo fronteiriço
dos EUA para o México
permite uma passagem rápida.
O contrário já não, com filas
enormes de carros para
revistar e pessoas a pé
As pessoas habituaram-se
ao monstro de ferro.
Tiravam-lhe fotografias com a
sua melhor roupa de domingo.
As crianças mais pequenas até
o atravessavam para verem
mais nada do que terra desolada
do outro lado, regressando
depois para o gelado da tarde
fica a comunidade de San Ysidro, cidade onde pôde, estendendo-se por quilómetros
mais pequena e de muito comércio, como numa enorme mancha de chapa cinzenta
qualquer fronteira habitada. Separa-a dos – os telhados das barracas onde famílias
muros da fronteira o parque natural do se aglomeram e vivem.
rio Tijuana, rico em diversidade, mas terra A caravana está aqui. Parou. Muitos
vazia como convém, para que ninguém tiveram sorte e conseguiram ficar, não
por ela passe despercebido. Nesta faixa tendo sido deportados para os países de
desabitada, foram famosos os túneis por origem. Reconstruiram a vida em bar-
onde entrava no país o álcool traficado por racas, sem eletricidade, sem água, sem
Al Capone, no tempo da Lei Seca. condições de isolamento. Reconstruiram
Fica aí, em San Ysidro, um dos cen- a vida em trabalhos pobres, em bancas de
tros de detenção. Edifício de rés do chão, rua, sobrevivendo do trabalho do dia a
onde não se pode entrar ou parar perto. dia, da venda ambulante a quem passeia
Ladeiam-no centenas de metros de arame pelas praias da cidade e tira fotografias
farpado. Entre muitas outras famílias de- junto ao muro.
tidas e separadas, crianças para um lado, O controlo fronteiriço dos EUA para
adultos para outro, recordo a história de o México permite uma passagem rápida.
uma mulher que fugiu das Honduras e se O contrário já não, com filas enormes de
juntou à caravana com os seus filhos pe- carros para revistar e pessoas a pé. Apesar
quenos. Na sua terra natal, possuía uma de tudo, o passaporte americano dava-me
pequena loja onde cozinhava alguns ali- o privilégio de passar pelo aparato sem
mentos, que vendia na rua. O seu bairro muitas questões. “Bem-vindo a casa, se-
era controlado por gangues aos quais tinha nhor”, disse-me o guarda fronteiriço com
de pagar por segurança. Desde que o fi- um sorriso. Em Tijuana, o muro faz-se
zesse, ela e todas as pessoas em situação presente e todo ele cheio de arte, con-
semelhante estariam protegidas. tando histórias com as imensas pinturas
Com o avolumar dos problemas eco- que o percorrem, desde os nomes dos que
nómicos e das pobres condições de vida, morreram a tentar atravessar aos sonhos
deixou de conseguir pagar. E assim chegou dos jovens e artistas que lhe deram cor e o
a insegurança do cobrador. O gangue pro- imortalizaram para a vida. Humanizou-se
tetor era afinal a ameaça, que não tardou pela arte, em larga extensão pintado com
em fazer-se sentir com violência e sinais as mais diversas mensagens e imagens de
de intimidação. Não conseguindo mais, união e paz que lhe contradizem a missão.
arrumou alguns haveres e meteu-se a ca- As pessoas habituaram-se ao monstro
minho com as crianças. A cidade frontei- de ferro. Tiravam-lhe fotografias com a
riça de Tijuana seria o ponto de passagem sua melhor roupa de domingo. As crianças
para a liberdade. mais pequenas até o atravessavam para
Na caravana humana juntou-se a ou- verem mais nada do que terra desolada
tras famílias de tantos lugares diferentes do outro lado, regressando depois para o
também com crianças, idosos, pessoas de gelado da tarde. Pareceram-me felizes as
mobilidade reduzida. Do lugar que tinha famílias na praia. Pareceram-me distan-
por seu de nascença, fugiu com quase nada, tes as vendedoras ambulantes, cansadas
à procura de dignidade de vida. Ao chegar de pés calejados. Foram elas que por ali
a Tijuana, e tentando passar a fronteira, ficaram quando esperavam trabalho e
foi detida e os seus filhos foram separa- vida digna do outro lado, como tiveram
dos dela. tantos migrantes portugueses espalhados
Dois anos depois, entretanto libertada por esse mundo.
e devolvida ao México, correu o risco de
ser deportada para as Honduras, onde teria Newton dizia que “construímos
a vida em risco. Ficou em Tijuana, onde muros de mais e pontes de menos”.
vive agora, fazendo o mesmo que fazia: É preciso resistir-lhes, insistindo
vende numa pequena banca de rua. para que “a liberdade de sonhar nos
Tijuana é a cidade mexicana mais perto dê asas para voar e os atravessar”.
do mar e mais a norte do país. Colada ao Foi o muro que o disse. Tem razão.
muro que entra mar adentro, cresceu para
Pedro A. Neto
DIRETOR-EXECUTIVO DA AMNISTIA
INTERNACIONAL – PORTUGAL
Tem um mestrado em Gestão
e Administração Pública, tendo desenvolvido
estudos na área da Governação e dos Direitos
Humanos, pela Universidade de Aveiro.
Prosseguiu na mesma universidade
como doutorando em Políticas Públicas,
dedicando-se à investigação em liderança
comunitária e direitos humanos. Ciclo
de estudos ainda não concluído.
Licenciou-se em História, variante de
Arqueologia, na Faculdade de Letras da
Universidade de Lisboa, tendo-se pós-
-graduado em Ciências da Educação, pela
Universidade Católica Portuguesa, em
Ciências Religiosas, pelo Instituto Superior de
Ciências Religiosas de Aveiro, e em Direitos
Humanos, pela Faculdade de Direito da
Universidade de Coimbra. Mais recentemente
concluiu um programa de estudos avançados
em Data Analysis for Management, na LSE
– London School of Economics and Political
Science, com a convicção de que hoje, mais
do que nunca, mais do que perceções vagas
precisamos de informação, dados e factos
que nos alicercem a decisões que tomamos
na sociedade e nas nossas comunidades
e instituições face à Humanidade.
Foi um dos fundadores e presidente-
-executivo da ONGD ORBIS – Cooperação
e Desenvolvimento, em Aveiro, onde levou a
cabo projetos de desenvolvimento nos PALOP
e no Brasil. Foi diretor-adjunto do CUFC
– Centro Universitário Fé e Cultura, na diocese
e Universidade de Aveiro.
Foi também docente no Instituto Superior
de Ciências Religiosas de Aveiro e docente
do Ensino Secundário público.
Desenvolveu várias missões de voluntariado,
desde 2004: no Interior de Angola, onde
trabalhou num campo de refugiados do
ACNUR, e, depois, em Moçambique,
Guiné-Bissau, Cabo Verde, na Amazónia
e em Marrocos, com projetos de capacitação
e de desenvolvimento comunitário.
Exerce as funções de diretor-executivo da
Amnistia Internacional em Portugal,
desde 2 de maio de 2016.
É treinador de futebol com credencial de nível
II e UEFA B, sendo exímio a usar metáforas
das táticas futebolísticas na defesa dos direitos
humanos. Passou pelas escolas de futebol
do S.L. Benfica em Aveiro, pelo Sport Clube
Beira-Mar e pelo Estoril Praia.
É luso-americano, nascido em Filadélfia
e com raízes e coração em Aveiro, calcorreou
mundo pela África lusófona até à Amazónia
e sonha um dia poder surfar as ondas
de todos os mares.
Q
Quando embarcou no petroleiro China Kannan e a sua tripulação descobriram
Dawn, em 1 de dezembro de 2019, o capi- que nenhum deles estava a usar máscara
tão Bejoy Kannan esperava uma navegação nem a respeitar as medidas de distan-
semelhante à que conheceu em 25 anos ciamento. O capitão foi inflexível: fora
de mar. Ia trabalhar arduamente, seguir a de questão deixar alguém subir a bordo.
rota planeada e, provavelmente, regres- Contactou a sociedade gestora do navio
saria a casa antes do fim do seu contrato – uma decisão corajosa: fretar um petro-
de quatro meses. Mas, devido às restrições leiro custa várias dezenas de milhares de
causadas pela crise do coronavírus, “sete dólares por dia, e cada hora que passa são
de nós estamos a trabalhar além do prazo lucros perdidos. Felizmente, a Wallem
original do nosso contrato”, conta, por Group faz parte das companhias de fre-
telefone, a partir do seu petroleiro em tamento mais compreensivas: a empresa
pleno Atlântico Sul. “Estamos retidos no negociou para permitir que apenas oito
mar, prisioneiros do oceano.” estivadores subissem a bordo, e com
Depois de terem partido da Austrália, máscaras e luvas. média de 22 pessoas por barco. São mais
em meados de março, Kannan e a sua Bejoy Kennan, que tem uma família a de um milhão de trabalhadores que trans-
tripulação de seis seguiram para a África seu cargo na Índia, sente-se impotente, portam 90% dos bens que vão encher
do Sul, onde deveriam chegar para serem incapaz de proteger os pais. Na sua tri- as prateleiras das lojas do planeta. Estes
revezados e apanhar um avião para casa. pulação, também os marinheiros estão homens (e mulheres, em muito menor
Quatro dias antes da chegada prevista do preocupados com os entes queridos, e grau) continuam a trabalhar sete dias por
China Dawn a Port Elizabeth, o capitão o capitão faz o seu melhor para os tran- semana durante esta pandemia e tiveram
soube que a África do Sul tinha fechado quilizar e animar. os seus contratos prorrogados por não
os seus portos aos marinheiros. Três dias A caminho de Singapura, Kannan terem conseguido desembarcar em terra.
depois, foi o seu país natal, a Índia, que planeia um desvio em direção à Índia, “Todos saúdam o heroísmo e os esfor-
entrou em confinamento e todos os voos para permitir que os cidadãos indianos ços excecionais dos cuidadores”, afirma
foram cancelados. “Não temos nenhum desembarquem. Se o desembarque não Bjorn Hojgaard, presidente da Anglo-Eas-
sítio para ir, lamenta. A companhia está for permitido, “em breve chegaremos à tern Univan, um grupo de gestão marítima
a fazer tudo o que pode para nos tentar fase em que teremos de entrar em gre- de Hong Kong que conta com cerca de
libertar, mas quando seremos revezados, ve”, adverte. “Quanto tempo podemos 600 navios. “Mas, com o coronavírus, a
onde iremos desembarcar?” aguentar isto? As pessoas querem que
A pressão não para de aumentar. De as mercadorias circulem, mas ninguém
Port Elizabeth, o petroleiro dirigiu-se se preocupa com os marinheiros. Todos
para o Brasil, onde estava previsto um falam dos médicos, dos exércitos, dos po- ...
carregamento, o que suscitava uma ou- lícias. Ninguém sabe que nós existimos.”
tra preocupação – como sabemos que Existem em todo o mundo mais de As dificuldades podem
os trabalhadores portuários não têm o 50 mil navios mercantes, 5 150 dos quais
coronavírus? Do convés do navio, Bejoy porta-contentores, com uma tripulação
aumentar rapidamente no
ambiente à porta fechada
de um navio, levando
AUTORA DATA TRADUTORA
F Kate Whitehead 02.04.2020 Helena Araújo a casos de depressão
e de ataques de ansiedade
nheiros que estão de passagem nas suas Com os portos fechados e os voos a esta experiência, estaremos mais bem
instalações: receção, ajuda psicológica, cancelados, milhares de marinheiros preparados na próxima vez.”
aconselhamento jurídico. O reverendo ficaram presos dentro dos navios Para David Hammond da Human Ri-
Stephen Miller, diretor regional da missão FOTO DE GETTY IMAGES ghts at Sea, a solução está em “platafor-
na Ásia Oriental, acredita que “se existe mas portuárias internacionais fechadas”,
uma Convenção do Trabalho Marítimo, onde terão lugar, com toda a segurança,
é porque quando se trabalha por turnos um pouco de calor e de conforto”, conta os carregamentos e as descargas, permi-
sete dias por semana durante mais de um Miller. tindo a manutenção das trocas comerciais.
ano, fica-se cansado, sofre-se de hipe- Para Tim Huxley, presidente da com- “As pessoas precisam de compreender
restimulação sensorial e acaba por haver panhia de Hong Kong Mandarin Shipping, que estamos a falar de 1,4 a 1,6 milhões
baixas. É aí que acontecem os acidentes: os marinheiros devem ser considerados de trabalhadores que são responsáveis
colisões no mar, acidentes a bordo, tudo trabalhadores essenciais, e deve ser en- pelo transporte de 90% dos bens ven-
o que acontece quando os marinheiros contrado um acordo que lhes permita didos neste planeta”, insiste. “Para que
estão cansados”. embarcar e desembarcar. “Isto pressu- isto continue, temos de ajudar estes tra-
põe que organizemos uma concertação e balhadores.”
Trabalhadores essenciais uma colaboração entre todos os atores do “Ninguém entraria num avião sabendo
Devido às restrições impostas pelo coro- setor: a Organização Marítima Internaci- que o piloto não sai de lá há séculos”,
navírus, os voluntários da The Mission to onal – uma instituição das Nações Unidas nota Frank Coles, diretor-geral do Wallem
Seafarers já não podem entrar nos navios –, os Estados de bandeira [que registam Group. “Mas não temos qualquer proble-
em Hong Kong, pelo que têm de se dirigir os navios], os serviços de imigração e os ma com os marinheiros que permanecem
à ponte do terminal de contentores do serviços de saúde das autoridades por- no mar meses seguidos.”
Kwai Chung, com máscaras, para levar tuárias. Uma verdadeira revolução para “Para que o transporte marítimo so-
jornais, artigos de higiene pessoal, lan- a marinha mercante.” breviva, é preciso que nos deixem de-
ches e recursos de relaxamento, tais como “Esta epidemia é uma oportunidade sembarcar e regressar a casa”, implorou
gravações de jogos de futebol. “Quando para iniciarmos mudanças e para imple- o capitão Kannan. “Não pensem apenas
podemos fornecer-lhes lanches dos seus mentarmos procedimentos sobre os quais nos benefícios do metal sonante, pensem
países de origem, muitas vezes da Índia nos possamos apoiar no futuro, porque em nós. Estamos cansados, estamos de-
ou das Filipinas, isso traz [às tripulações] esta situação vai voltar a acontecer. Graças primidos: deixem-nos voltar a casa.”
Singapura
No atelier
dos deuses
Sob os cinzéis de madeira da família Ng, as divindades dos ricos
panteões budistas, taoístas e populares encarnam em estátuas.
Uma atividade ameaçada
budistas são geralmente simples e com- invoca a divindade e dá vida à estátua. As romance do século XVI. Preso sob uma
pactas e refletem a paz interior, enquanto estátuas destinadas a uma casa ou a uma montanha durante 500 anos por virar o
as divindades taoistas e populares, mais loja têm olhos que parecem ligeiramente céu de cabeça para baixo, Qitian Dasheng
impetuosas, são mais complexas. para baixo porque os seus adoradores es- saiu para acompanhar e proteger o monge
A madeira é geralmente da árvore da tarão mesmo em frente ao altar. Aqueles budista Xuanzang (602-664 a.C.) na sua
cânfora porque é fácil de trabalhar e tem que se destinam a um templo, onde serão viagem à Índia. Cumpriu brilhantemente
um odor forte que repele os insetos que adorados por uma multidão num grande a sua missão e foi elevado ao grau de di-
atacam a madeira. Primeiro, é talhada de salão, têm os olhos voltados para cima, vindade. A energia e os poderes benéficos
uma forma grosseira num bloco de tama- para que possam ter um contacto visual de Qitian Dasheng atraem os jogadores,
nho adequado, depois, é refinada com um com as pessoas que estão ao fundo. as mulheres grávidas e as pessoas com
cinzel e lixada. As marcas de água detalha- deficiência.
das e as decorações – bordados de dragão Lendas imperfeitas Nezha é outra divindade com uma his-
no vestuário, joias no toucado, etc. – são No passado, para consagrar uma estátua, tória turbulenta. Conhecido como o Tercei-
aplicadas à mão. Trata-se de filamentos era também necessário matar uma mosca ro Príncipe, é normalmente representado
de uma pasta especial feita de cinzas de ou outro pequeno inseto, que era colocado como um jovem rapaz brandindo um anel
sândalo. É toda uma arte. É necessário num espaço vazio nas costas da estátua e uma lança de ouro de pé sobre rodas de
um fuso manual, uma espátula e uma com talismãs protetores escritos por um fogo. Criança temperamental, luta com o
boa visão. A avó Tan é sempre excelente padre taoista. Pulverizava-se depois a es- pai, mata o filho do rei dragão e suicida-se
neste exercício. Terminados os detalhes, tátua com o sangue de uma crista de galo para não envergonhar ainda mais a sua fa-
a estátua é pintada e dourada com folha. branco. Os galos são criaturas poderosas, mília. Ele é trazido de volta à vida quando
Finalmente, acrescentam-se os olhos: as e o branco representa a pureza e a liga- a mãe constrói um templo em sua honra. É
pupilas são colocadas por um padre du- ção com o mundo espiritual, enquanto o outra figura guardiã dos jogadores e, como
rante um ritual chamado kaiguang, que sangue simboliza a vida. se move sobre rodas, dos motoristas. Verda-
A vida após a morte, na cultura chinesa deiro general do período turbulento dos Três
... é surpreendentemente familiar: asseme- Reinos (220-280 d.C.), Guan Gong – um gi-
lha-se ao mundo real em muitos aspetos. gante de cara vermelha vestindo um manto
As estátuas das divindades “As divindades são muitas vezes baseadas e agitando uma alabarda – é provavelmente
em figuras históricas, por isso não é sur- a divindade mais famosa de todas: patrono
têm uma função religiosa, preendente que as lendas as descrevam da virtude marcial, é adorado tanto pela
mas a família Ng sempre como pessoas humanas: estão cheias de polícia como pelas sociedades secretas e é
imperfeições, obsessões, e são facilmente também a encarnação do deus da riqueza,
teve uma abordagem transportadas”, diz Tze Yong. É certamente a tal ponto que uma estátua dele pode ser
pragmática em relação o caso de Qitian Dasheng, “Grande sábio, encontrada em muitas lojas.
a elas. “Esculpiríamos igual ao céu”, que é dos mais populares. As divindades têm formas diversas.
Também conhecido como Sun Wukong, Algumas têm características únicas que
um Cristo, se nos fosse este macaco inteligente e imprevisível é as tornam fáceis de identificar – as rodas
pedido”, dizem o herói de Jornada ao Oeste, um famoso de Nezha, a face vermelha de Guan Gong, a
coroa dourada de Sun Wukong –, mas outras de gerações, estão a ser confrontadas com A família organiza agora
são muito parecidas e é preciso um olho uma dura concorrência. “Pode levar até uma visita mensal no Airbnb,
treinado para as reconhecer. Por exemplo, um mês para esculpir uma estátua de 30 para divulgar a oficina
Zhao Gongming, o deus militar da riqueza, centímetros de altura, e o tempo e a mão FOTO DE SAY TIAN HNG BUDDHA SHOP
e Zhang Daoling, o místico taoista e caçador de obra pagam-se”, diz Tze Yong. “Uma
de demónios, montam ambos um tigre. O oficina que trabalha com máquinas pode exalam uma simpatia, uma energia que
criador Pangu e os sábios Fuxi e Shennong fazer uma escultura em poucos dias por os atuais pigmentos químicos berrantes
usam uma saia de folhas. Uma figura femi- um preço muito mais baixo, e os clientes não conseguem reproduzir.”
nina sentada com um véu de pérolas pode por vezes têm dificuldade em perceber a Este tipo de coleção choca alguns fabri-
representar a imortal Bixia Yuanjun, a deusa diferença.” cantes tradicionais e alguns crentes. Acima
da terra Houtu, Mazu e muitas outras. Zhen de tudo, julgam que esculpir divindades
Wu, Xuan Wu e Bei Di formam outro trio Herança precária para colecionadores é prostituir a arte an-
confuso: os três estão representados como Tze Yong cresceu no meio de uma espessa cestral e insultar as próprias divindades.
guerreiros com a barriga arredondada em camada de aparas de madeira aromática Em segundo lugar, acumular esculturas de
veste de batalha e os pés assentes sobre uma e sempre acreditou que era algo normal. divindades com personalidades tão dife-
tartaruga e uma cobra. De acordo com os Só quando foi estudar para o estrangei- rentes, e por vezes pouco condescenden-
entrevistados, são encarnações diferentes ro é que tomou consciência da natureza tes, não lhes parece ser muito propício à
de uma mesma divindade ou divindades precária da herança da sua família. Depois felicidade de um lar. Pinsler possui mais
diferentes cujas funções se sobrepõem. Zhen de estudar o negócio da família para a sua de um milhar delas. Estes “deuses em se-
Wu e Xuan Wu são os patronos das artes tese de MBA em design, procurou formas gunda mão” também correm o risco de
marciais (o segundo, O Guerreiro Negro, de promover e reinventar a escultura de levar consigo as emanações do passado
era um carniceiro antes de ser divinizado), divindades. A família organiza agora uma negativo do seu anterior proprietário. É
Bei Di, o imperador do Norte, é invocado visita mensal no Airbnb para divulgar a uma das razões pelas quais as divindades
para evitar as inundações. oficina e vender as suas estátuas a cole- que já não são desejadas por uma família
Na verdade, existem tantas formas-pa- cionadores estrangeiros como simples são frequentemente doadas a um templo,
drão – guerreiro a cavalo, taoista armado obras de arte e não como obras para uso onde podem ser vendidas a um coleciona-
com uma espada, barbudo num trono – que puramente religioso e local. Isto coloca dor (depois de consultar a divindade). Do
é praticamente impossível identificar uma alguns problemas, porque os critérios mesmo modo, Tian Hng faz uma distinção
divindade antiga cuja função é esquecida dos dois mercados são muito diferentes. entre as estátuas destinadas a ser venera-
sem qualquer indício particular. O falecido Os clientes que invocam uma divindade das e as que foram desconsagradas e que
Keith Stevens [que morreu em 2016], autor para obter sucesso e riqueza querem que podem, portanto, ser vendidas e exibidas
de Chinese Gods (1996) [Deuses Chineses] a sua estátua seja lindamente pintada e como “obras de arte”.
e de Chinese Mythological Gods (2001) dourada para parecer nova e poderosa. Questionado sobre as suas esperanças
[Deuses da Mitologia Chinesa] escreveu Não querem perder o seu tempo a rezar para o futuro, Tze Yong sugere que a fa-
que tinha visitado duas vezes um templo para uma coisa velha e cansada, pelo que mília Ng será talvez forçada a transmitir
na Malásia onde viu uma grande estátua, e Tian Hng dedica uma grande parte da sua os seus conhecimentos e competências a
que os guardiões lhe tinham dado um nome atividade à restauração de estátuas antigas. outros. No entanto, está convencido de que
completamente diferente. “Em alguns ca- Por seu lado, os colecionadores têm um a tradição sobreviverá no mundo moderno,
sos, a forma mais segura de descobrir qual ponto fraco pelas estátuas desgastadas, custe o que custar. “O mais importante
é a divindade é perguntar à pessoa que a que têm “caráter” e uma história evidente. é que a empresa se mantenha viva”, diz.
esculpiu”, disse Tze Yong. “Pode parecer estranho preferir peças “Para durar mais 100 anos, vamos preci-
Com uma procura que permanece forte não restauradas. Afinal, uma boa escultura sar de aprendizes. Teremos de criar uma
e milhares de personagens como fonte de é uma boa escultura”, diz Ronni Pinsler, sociedade, codificar o know-how, criar
inspiração, Say Tian Hng não deveria ter um colecionador da Malásia que gere o uma procura forte junto de outros clientes,
nada com que se preocupar no futuro. Mas Bookofxianshen.com, uma base de dados atrair talentos, formar novas parcerias.
o negócio está em perigo, não por falta de baseada em mais de 50 anos de investiga- Os aprendizes estarão no centro deste
encomendas, mas porque as suas habili- ção sobre divindades chinesas. “Mas as processo. Serão eles os mestres artesãos
dades tradicionais, transmitidas através pinturas tradicionais, de base mineral, do futuro.”
CK EVERYONE
Uma fragrância nova e atrevida
Escolhemos as melhores novidades para todas as gerações,
para si. CK EVERYONE representa um momento
emblemático na história de CK ONE.
Inspirada numa pessoa autêntica e com
uma mentalidade jovem, que não se deixa
inibir por limites, normas de género
ou definições, CK EVERYONE surge
com infinitas possibilidades.
MASTER CONTROL
MAS
CALENDAR
Nos ano
anos 40 e 50 Jaeger-
LeCoultre era ccélebre pelos seus
AR PURO PARA UM AMBIENTE FAMILIAR MAIS SAUDÁVEL COM A LG movimento
movimentos com calendário
A LG apresenta o novo Ar Condicionado equipado com Air Purifier fases da lua, e o novo
triplo e fase
para um maior conforto e conveniência no lar, tudo à distância de um clique com a Master Control
Con Calendar traz
app ThinQ. tradição para o séc. XXI.
essa tradiçã
Numa altura em que todos ou quase todos os elementos da família estão por A sua caixa mede
casa durante a maior parte dos dias, é ainda mais importante manter um ambiente 40mm x 10.95mm
40
doméstico limpo e um ar puro, especialmente nos lares com crianças, animais de e apresenta-
apresenta-se em aço ou em
estimação e pessoas de grupos de risco, com problemas respiratórios ou alergias. Le GGrand Rose gold®.
F FLASHBACK
H
GESTOS DE REVOLTA
Iniciado por Colin Kaepernick, em
2016, o gesto de pousar o joelho no
chão durante o Hino nacional dos
EUA transformou-se num símbolo
da luta pelos Direitos Humanos e
antirracista. Em quatro anos, o seu
ato de rebeldia – que lhe custou,
nomeadamente, ficar sem equipa
na milionária NFL (liga de futebol
americano) – alastrou-se pelo
país, atravessou fronteiras e, agora,
é utilizado como gesto solidário
um pouco por todo o mundo. Mas
Kaepernick não foi o primeiro atleta
negro a revoltar-se contra o sistema,
perante os olhares do mundo.
O gesto mais simbólico continua a
ser o protagonizado pelos velocistas
Tommie Smith e John Carlos, nos
Jogos Olímpicos do México, em
1968, quando escutaram, no pódio, o
Hino dos EUA de punho erguido (em
sinal de luta) e de pés descalços (para
simbolizar a pobreza dos negros na
América). Foi a sua última presença
como atletas de alta competição – de
imediato, foram expulsos e banidos
da equipa de atletismo dos EUA.
Uma situação que lembra, por outro
lado, o martírio de Muhammad Ali,
quando foi impedido de combater por
se recusar a combater no Vietname,
imortalizado numa capa histórica da
ESQUIRE, desenhada por George Lois.
Novo SEAT
Leon
Born in the sun.
Consumo (l/100km): 4,1 - 6,4; Emissões de CO2 (g/km): 107 - 145. Nascido ao sol. seat.pt/leon