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A arte alcançou uma nova proporção e um novo sentido sendo que rompeu com as
técnicas tradicionais e o suposto talento e dom necessário para a fazer mas sim,
entregando ao conceito, ao significado e especialmente à ideia subjacente à obra o poder
de a tornar arte.

‘’De onde se conclui que La Gioconda de Da Vinci, ou Enterro do Conde de Orgaz de El


Greco, não seriam mais arte do que um urinol ou uma pá do lixo? Todos dependem de
uma reconstituição atual de seu sentido (como funcionamento da obra), e somente nesse
funcionamento conceitual e crítico, do qual faz parte o sujeito, é que a obra se justifica
como arte’’

Arte. Uma palavra tão curta, porém, tão complexa, tão inconstante, tão
controversa. Um conceito incrivelmente difícil de definir, em constante mutação e que
abrange uma série de vertentes, tal como praticantes e entendidos, nem podia ser de outra
forma tão incompreendido e criar tantas dúvidas quanto ao que o define, o que o torna
real. Apesar de todas estas questões, durante muito tempo, este mundo viu-se reduzido a
uma moeda de troca valiosa, algo elevado que só pessoas de alto estatuto podiam criar.
A arte pioneira tinha um caráter pedagógico, servindo para transmitir informação ao
povo, maioritariamente analfabeto e, posteriormente, adotou também o objetivo de decorar
e ser apreciada, mantendo-se sempre fiel a critérios de beleza, apelando aos olhares
maravilhados de quem a observava.
Não obstante aos diferentes contextos históricos em que era produzida, havendo
sempre óbvias diferenças entre os projetos artísticos respetivos, é de notar sempre algo
em comum entre todos – acompanha as necessidades da sociedade, principalmente dos
altos estratos. Por exemplo, a arte Barroca tinha como objetivo persuadir os crentes a
fixarem-se nos seios cristãos por se viver uma época de turbulência religiosa.

E é em meados do século XIX, inícios do século XX, em pleno desenvolvimentos


pós-revolução industrial e científica, que a história da arte toma um rumo inteiramente
diferente. Os estratos sociais inferiores tornaram-se mais conscientes do seu verdadeiro
valor, uniram-se e iniciaram uma época vanguardista de inovação. Foi neste ambiente que
se formaram os novos artistas, revolucionários, com ideais progressistas bem definidos e
um sentido crítico extraordinariamente aguçado. A arte passa a ser uma reação crítica à
sociedade capitalista, às injustiças e às guerras que arruinavam o mundo e corrompiam a
Humanidade. Deste modo, a arte passa a ser um meio revolucionário para contestar e
denunciar diferentes falhas no mundo, fazendo surgir vários movimentos culturais e
artísticos que enfatizaram o problema de definir arte, já que a partir daqui esta perde a sua
unidade conceptual. Para o estudo da origem desta teoria e o melhor entendimento da
mesma por ti, ir-se-á focar no movimento dadaísta, um dos mais controversos da história
artística e que alicerça a sua credibilidade nesta tese.

O dadaísmo surgiu com a finalidade de abolir a lógica e a organização racional da


arte, facultando-lhe um caráter espontâneo e de gratuidade total, estando a sua criação ao
alcance de todos. Os dadaístas pretenderam, assim, negar as conceções artísticas
vigentes até então, tal como as suas técnicas consideradas por eles demasiado
convencionais, revogando o próprio conceito de arte - a verdadeira arte passaria a ser
antiarte. Assim, afirmaram que o foco do apreciador deveria ser o significado da obra e a
crítica que ela pretende transmitir, em vez da sua estética e da forma como se apresenta,
obrigando a que o público fosse espiritualmente estimulado, abandonando o vazio
sentimental proveniente das controvérsias da guerra. Foi neste seguimento que surgiu a
ideia de ready-made, que radicalizou a noção de arte já que, ao contrário do que acontecia
até então, os artistas pegavam em algo, preferencialmente industrial, já fabricado,
deslocavam o objeto para um local ligado a matérias artísticas e manipulavam-no, quer
pela assinatura do mesmo, quer por qualquer tipo de modelação, elevando-o ao estatuto
de arte.

Uma das primeiras e mais icónicas obras deste movimento é ‘’A Fonte’’, de
Marcel Duchamp, que se baseia num penico invertido e assinado pelo mesmo com
o nome da fábrica do objeto e com a data. Foi precisamente este artista que,
informalmente, originou o pensamento por detrás da teoria em estudo, afirmando
-"Será arte tudo o que eu disser que é arte.’’

E assim dá-se início ao desenvolvimento da teoria não essencialista


institucional da arte, elaborada por George Dickie. O filósofo viu-se então perante
um ambiente artístico provocador, inóspito e radicalmente diferente dos demais
que, apesar de todos estes adjetivos, era considerado arte. Qual seria a explicação
para isso? O que diferencia o urinol exposto por Duchamp e um urinol numa casa
de banho pública vulgar?

Exemplo de obra

“Para muitos a arte moderna é


uma merda. Para Piero Manzoni,
literalmente.” 

Merda de artista é um projeto de


Piero Manzoni que consiste em 90 latas
rotuladas em diferentes línguas e enchidas
com fezes do próprio, vendidas ao preço
do peso equivalente em ouro. Este é um
exemplo perfeito do espírito crítico dos
artistas na época, já que com a ideia Piero
pretendeu denunciar o consumismo e a
forma como o público é influenciado por
modas, alterando atipicamente os seus
gostos, sendo que uma destas latas
Merda de artista, Piero Manzoni, 1961 chegou a ser vendida por 275 mil euros.

Esta obra mostra a dualidade da teoria institucional – é credivelmente apelidada de


arte por ter sido elevada a esse estatuto pelo mundo da arte e os seus constituintes, bem
como exposta e circulada nos seus meios, e, para além disso, é um artefacto. Porém, pode ser
utilizado como contra-argumento da tese pois até que ponto uma lata cheia de fezes pode ser
considerada arte?

Apesar de ser uma fervorosa adepta de arte e ter uma mente aberta quanto ao que
deve ser considerado como ou não, já que acredito que toda a gente está ao alcance de fazer
arte, é me difícil olhar para este objeto como sendo algo artístico, dado que são excrementos
humanos numa lata. Não obstante, acho interessante a crítica implícita neste projeto e
percebo o conceito, tal como o objetivo com que foi feito. Assim sendo, não me oponho
totalmente à sua exposição, já que puxa pelo espírito crítico dos observadores, obrigando-os a
uma introspeção sobre eles próprios, tanto como indivíduos, bem como ‘’engrenagens da
sociedade’’.

A meu ver, apesar de considerar que é um tanto ou quanto básico definir arte
recorrendo a apenas duas condições, reconheço a extrema importância desta teoria na
solução deste problema pois, como já foi referido, tenho uma mente relativamente aberta e,
por isso, acho que todas as obras artísticas devem ser apreciadas como tal, já que o mundo da
arte não é algo linear, mas sim algo que deve provocar a sociedade, despontar a sua
curiosidade e chamar pelo criticismo que esta tenha constrangido. A partir deste pensamento,
muitos objetos que aos olhos da Humanidade podiam ser considerados banais, passam então a
poder ser apreciados como arte, quebrando assim a idealização desta prática que durante
muitos anos tinha de seguir variados cânones de ‘’beleza’’ para o ser considerada verdadeira
arte. Deste modo, acredito na utilidade desta tese pois reconhece múltiplas práticas artísticas,
bem como os seus resultados, tornando este conceito mais abrangente e interessante, ao
contrário do que muitas outras poderiam fazer. Por fim, também penso que esta teoria ajudou
a desmistificar o processo artístico, trazendo o conceito de fazer arte às mãos de toda a gente,
com mais ou menos habilidade, encorajando toda a gente a fazer parte deste mundo tão rico,
já que ao verem objetos anteriormente considerados normais alcançarem o estatuto de arte,
se sentem capazes de sair da sua zona de conforto e tentar fazer algo idêntico.

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