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FREUD, Sigmund. O Futuro de uma Ilusão. Em: O Futuro de uma Ilusão, O Mal-
Estar na Civilização e outros trabalhos (1927-1931). Ed. Imago Editora. Edição
Standard Brasileira das Obras Psicológicas Completas de Sigmund Freud (1996), vol.
XXI. pp 304.
APRESENTAÇÃO
DESCRIÇÃO
A obra “O Futuro de uma Ilusão”, foi escrita e publicada em 1927 e é composta
por 10 capítulos. Nesta obra, Sigmund Freud analisa, utilizando um olhar psicanalítico,
a civilização humana – qual o destino que a espera e quais transformações está
fadada a experimentar. Esta análise está compreendida nos 10 capítulos, a saber: no
capítulo I, Freud analisa a capacidade do ser humano em indagar a respeito do futuro
da civilização e suas transformações e da importância do conhecimento do passado
e do presente. Esclarece o que é a civilização e qual a relação do ser humano com
ela; o capítulo II discute mais amplamente o papel e as vantagens da civilização, mas
também os fatos que levam o homem a hostiliza-la e que resultam da imposição do
controle dos instintos antissociais do homem. Isso gera a necessidade de coerção e
simultaneamente, de medidas que recompensem o ser humano por seus sacrifícios;
no capítulo III, Freud analisa a origem do valor das ideias religiosas e começa a
delinear as razões e a função da religião e dos deuses para a civilização - apaziguar
o homem diante das intempéries da natureza e compensar os sofrimentos impostos
pela civilização; o capítulo IV, aborda a tematica da transmissão cultural (filogenética)
da religião. Aponta ainda, para o vínculo entre o desamparo e necessidade de
proteção do homem, ao desamparo da criança, fazendo referência ao primeiro objeto
de proteção da criança – a mãe - e a substituição pelo pai (e os sentimentos
ambivalentes de amor e ódio); no capítulo V, Freud evidencia que a veracidade dos
dogmas religiosos não pode ser argumentada racionalmente - as doutrinas religiosas
estão fora do domínio da razão; no capítulo VI, Freud discute a origem psíquica das
ideias religiosas, reforçando novamente que esses dogmas religiosos são
ensinamentos, mas não o resultado de experiencias e pensamentos do próprio ser
humano. Fornece evidências iniciais para o fato dos dogmas serem ilusões e
corresponderem à realização de desejos do ser humano; No capitulo VII, Freud
questiona o fato de que se a religião é uma ilusão, os predicados culturais, morais,
regulamentações políticas que nos governam, ou mesmo a relação entre sexos, são
também ilusões. Aborda novamente a importância dos preceitos religiosos para a
manutenção da civilização e inicia a discussão sobre os efeitos do reconhecimento do
papel ilusório da religião, sobre a manutenção da civilização. No capítulo VIII, Freud
afirma que a religião é uma neurose universal da humanidade, comparando-a com a
neurose individual, a qual surge do recalcamento no complexo de Édipo na criança.
O autor aponta a necessidade de rever o relacionamento entre civilização e religião,
confrontando a lei dos homens e a lei de Deus. No capítulo IX, Freud analisa a
importância da educação para a civilização - é a “educação para a realidade”. Aponta
ainda, a relevância do conhecimento científico para dar a assistência necessária ao
ser humano, nesse processo. No capítulo X, Freud critica sua própria proposta -
admite que os homens ainda necessitam de ilusões, mas defende a importância da
primazia do intelecto (experiencia e razão) para o controle dos instintos.
CONTEÚDO
Desta forma, Freud fornece evidências de que os dogmas religiosos são ilusões
(e não erros), que correspondem à realização de desejos da humanidade, e estão
apoiadas na necessidade da existência de um pai mais poderoso, para amparar seu
desalento. Baseado na constatação de que os dogmas religiosos são uma ilusão e de
que a religião não torna a humanidade mais feliz, Freud defende a importância de se
abandonar a religião. Observa que está ocorrendo diminuição da crença da
humanidade na religião, creditando esse fato às descobertas cientificas (ele inclui a
psicanálise como um método de pesquisa/ciência especializada) que não comprovam
os dogmas e milagres da religião. Aponta também para o fato de que se as massas
descobrirem que a religião é um engodo, poderá não haver mais civilização. Nesse
contexto, o autor aponta a necessidade de se rever o relacionamento entre civilização
e religião, confrontando a lei dos homens e a lei de Deus. Freud sugere que a
sociedade é capaz, com suas regras que impõem justiça e castigo, de dar uma
explicação racional (motivos racionais aos preceitos da civilização) das proibições
instintuais, assumindo que essas proibições não foram emitidas por Deus, mas sim
elaboradas para servir aos interesses do próprio homem. Pondera que se o homem
aceitasse essa revisão, ocorreria a diminuição do ônus da proibição dos instintos,
além da aceitação daqueles instintos que devem permanecer proibidos, havendo
compensação por esses sacrifícios que ainda devem permanecer. Com isso, o ser
humano poderia se dedicar à natureza, favorecendo seu controle, a obtenção e a
distribuição adequada de sua riqueza. Contudo, isso não é de fato o que ocorre – a
psicanálise ajuda a compreender que motivos racionais pouco podem fazer contra
impulsões apaixonadas. Nesse contexto, Freud afirma que a religião é uma neurose
universal da humanidade, que surge da repressão dos diversos desejos (instintos) dos
homens, de maneira análoga à neurose individual, a qual surge do recalcamento no
complexo de Édipo na criança.
CRÍTICA
Na obra “O Futuro de uma ilusão”, escrita e publicada em 1927, Sigmund Freud,
analisa, por meio de um olhar psicanalítico, a civilização – seu desenvolvimento,
manutenção e perspectivas futuras - focando principalmente sua relação com a
religião. Essa mesma tematica, que passa a ter um interesse especial para Freud, é
também abordada em obras subsequentes, como “O mal-estar na civilização” de
1930, “Novas conferências introdutórias em psicanálise (conferencia XXXV)” e “Por
que a guerra”, ambas publicadas em 1933 e finalmente, em “Moises e o monoteísmo”,
publicado em 1937.
Nesta obra, vários conceitos psicanalíticos estão presentes: (a) instintos inatos
e pulsões, quando aborda, por exemplo, o canibalismo, incesto e ânsia de matar; (b)
repressão dos instintos (cuja necessidade para a manutenção da civilização encontra-
se descrita em várias passagens da obra) e o papel desta repressão como geradora
de neuroses; (c) neurose, quando faz analogia da religião (considerada como
“neurose universal da humanidade”) com a neurose infantil, resultante da repressão
que ocorre no Complexo de Édipo; (d) Complexo de Édipo, quando menciona que a
função da religião é lidar com o desamparo, comparando com as experiencias da
infância e o medo da criança em relação ao pai, como consequência do complexo de
Édipo; (e) presença de componentes da cadeia emocional, exemplificada na
passagem em que Freud, para explicar a “sensação” de fardo imposto ao ser humano,
pela civilização, apresenta e define o termo “frustração”, como sendo resultado de
uma pulsão (desejo) não satisfeita, gerando como consequência, a necessidade de
compensação e ao mesmo tempo, de um mecanismo que evite ao ser humano destruir
a civilização; (f) o superego, quando menciona que no início da civilização, essas
proibições que afetam os seres humanos como um todo, eram efetivadas por tabus e
leis de origem externa e que então, passaram a ser internalizadas, já na criança, via
a formação do superego; (g) narcisismo, envolvendo a necessidade narcísica da
criança e também, na passagem em que menciona os ideais de uma civilização e a
satisfação do ser humano ao atingir esses ideais; (h) Pré-história da
criança/transgeracionalidade, quando Freud aborda a cultura e a transmissão cultural
dos dogmas religiosos.
Vários dos aspectos apresentados por Freud nessa obra, foram também
discutidos em outras obras deste autor: (1) muitos dos aspectos visando embasar o
papel da religião na civilização, foram anteriormente discutidos, de forma brilhante, na
obra Totem e Tabu, de 1913 e compreendem o conceito de ambivalência – amor e
ódio pelo pai; a repressão da libido e os meios de canalizar a energia reprimida, por
meio dos atos cerimoniais (no totemismo), ou atos obsessivos (nos neuróticos); Freud
já considerava a relação do homem com o pai e o complexo de Édipo, como a base
do totemismo, das psiconeuroses, da origem da religião, da moral, da sociedade e da
arte. Ainda em Totem e Tabu, já há a menção à mente coletiva, como responsável por
manter viva a religiosidade e a transgeracionalidade; (2) Freud defende, em
substituição à religião, que ele considera ilusão, a importância da primazia do intelecto
- experiencia e razão – para a obtenção do controle dos instintos, evidenciando a
relevância da educação nesse processo. A importância da primazia do intelecto, da
educação e ainda a dificuldade de tornar isso realidade, foram também bastante
discutidas em sua obra posterior “Por que a guerra” de 1933, em que Freud afirma
que se o homem conseguisse subordinar seus instintos ao domínio da razão, haveria
melhores condições para a manutenção da paz mundial, mas que isso é uma utopia.
Em relação às dificuldades de substituir a religião pela primazia do intelecto, concordo
com Freud, e considero como fator importante, a dificuldade do controle de Tanatos;
(3) a importância da ciência para desvendar o caráter ilusório das religiões, está mais
amplamente abordada no capítulo XXXV da obra “Novas conferências introdutórias
em psicanálise”, publicada em 1933. Nesse sentido, em minha opinião, o avanço
ocorrido em anos posteriores à essas obras de Freud, do conhecimento, por exemplo,
da física quântica, que possibilitou o maior esclarecimento de alguns fenômenos
ligados a religião, pode trazer maior embasamento à existência desses dogmas.
Pelo exposto nos parágrafos acima, está bem evidenciado o interesse de Freud
na religião (e seu impacto para a civilização) e, apesar de seus argumentos
extremamente bem estruturados, fica clara a existência de um antagonismo pessoal
aos dogmas religiosos. Nesse sentido, Freud, como em outras obras, introduz um
interlocutor, a partir do segundo capítulo da obra, que tem o papel de crítico às suas
ideias. Isso é importante, pois mostra que Freud reconhecia o impacto de suas
afirmações e sabia como responder a essas críticas.
RECOMENDAÇÕES
AUTOR
REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA
DE PAULA, M.G. O futuro de uma ilusão: algumas reflexões entre Feuerbach e Freud,
2007. Disponível em
http://www.psicanaliseefilosofia.com.br/adverbum/Vol2_2/feuerbach%20freud.pdf.
Acesso em: 11 de fevereiro de 2019.
FREUD, S. Totem e Tabu e outros trabalhos (1913-1914). ed. Imago Editora. Edição
Standard Brasileira das Obras Psicológicas Completas de Sigmund Freud (1996), vol.
XIII. pp 287.