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IBES – Comunicação Empresarial – Sala 12

Aluna Ítala Freire de Macêdo

Amor em estado bruto - Martha Medeiros

Tempo, pensamento, libido e energia são solteiros e morrerão assim, mesmo contra
nossa vontade. O que é, o que é? Faz você ter olhos para uma única pessoa, faz você
não precisar mais ficar sozinho, faz você querer trocar de sobrenome, faz você querer
morar sob o mesmo teto. Errou. Não é amor.
Todo mundo se pergunta o que é o amor. Há quem diga que ele nem existe, que é na
verdade uma necessidade supérflua criada por um estupendo planejamento de
marketing: desde criança somos condicionados a eleger um príncipe ou uma princesa e
com eles viver até que a morte nos separe. Assim, a sociedade se organiza, a economia
prospera e o mundo não foge do controle.
O parágrafo anterior responde o primeiro. Não é amor querer fundir uma vida com
outra. Isso se chama associação: duas pessoas com metas comuns escolhem viver juntas
para executar um projeto único, que quase sempre é o de construir família.
Absolutamente legítimo, e o amor pode estar incluído no pacote. Mas não é isso que
define o amor.
Seguramente, o amor existe. Mas, por não termos vontade ou capacidade para
questionar certas convenções estabelecidas, acreditamos que dar amor a alguém é
entregar a essa pessoa nossa vida. Não só nosso eu tangível, mas entregar também nosso
tempo, nosso pensamento, nossas fantasias, nossa libido, nossa energia: tudo aquilo que
não se pode pegar com as mãos, mas se pode tentar capturar através da possessão.
O amor em estado bruto, o amor 100% puro, o amor desvinculado das regras sociais é o
amor mais absoluto e o que maior felicidade deveria proporcionar. Não proporciona
porque exigimos que ele venha com certificado de garantia, atestado de bons
antecedentes e comprovante de renda e de residência. Queremos um amor ficha-limpa
para que possamos contratá-lo para um cargo vitalício. Não nos agrada a idéia de um
amor solteiro. Tratamos rapidamente de comprometê-lo, não com o nosso amor, mas
com nossas projeções.
O amor, na essência, necessita de apenas três aditivos: correspondência, desejo físico e
felicidade. Se alguém retribui seu sentimento, se o sexo é vigoroso e se ambos se
sentem felizes na companhia um do outro, nada mais deveria importar. Por nada,
entenda-se: não deveria importar se outro sente atração por outras pessoas, se outro
gosta de fazer algumas coisas sozinho, se o outro tem preferências diferentes das suas,
se o outro é mais moço ou mais velho, bonito ou feio, se vive em outro país ou no
mesmo apartamento e quantas vezes telefona por dia. Tempo, pensamento, fantasia,
libido e energia são solteiros e morrerão solteiros, mesmo contra nossa vontade. Não
podemos lutar contra a independência das coisas. Aliança de ouro e demais rituais de
matrimônio não nos casam. O amor é e sempre será autônomo.
Fácil de escrever, bonito de imaginar, porém dificilmente realizável. Não é assim que
estruturamos a sociedade. Amor se captura, se domestica e se guarda em casa. Às vezes
forçamos sua estada e quase sempre entregamos a ele os direitos autorais de nossa
existência. Quando o perdemos, sofremos. Melhor nem pensar na possibilidade de que
poderíamos sofrer menos.

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