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EXCELENTÍSSIMO SENHOR DOUTOR JUIZ DE DIREITO DA 1.

ª VARA
CRIMINAL DA COMARCA DE CAJAZEIRAS-PB.
Processo n.º 0802627-47.2020.8.15.0131.

ANTONIO ROBERTO DA SILVA, já qualificado nos autos do processo em


epígrafe, vem, por seus Advogados, à presença de Vossa Excelência, oferecer
MEMORIAIS,
nos termos dos arts. 403, § 3.º e 404 do Código de Processo Penal, nos seguintes termos:

I – BREVE SÍNTESE FÁTICO-PROCESSUAL.

1. Trata-se de ação penal pública em desfavor de Antonio Roberto da Silva a quem é


imputada a conduta delitiva descrita no preceito primário do art. 121, § 2.º I e IV, do Código Pena.

2. O Ministério Público Estadual, em apertada síntese, propõe uma narrativa acusatória em


que o denunciado teria, no dia 26 de setembro próximo passado, por volta das 02h00min, na Rua
Juarez Moreira, Asa Sul, Cajazeiras-PB, assassinado Kaemerson Junior, por motivo torpe e valendo-
se de recurso que dificultou a defesa da vítima.

3. Segundo a narrativa ministerial, a vítima estava em via pública, quando foi surpreendida
pelo réu e um cúmplice não identificado, em uma motocicleta tipo Bros, desferindo contra
Kaemerson disparos de arma de fogo, que lhe alvejaram a face e o tórax, ocasionando-lhe a morte.

4. Aduz, ainda, que o fato delituoso teria sido praticado por suposta dívida de droga
contrariada pela vítima em favor do réu.

5. A reboque de toda narrativa aposta na exordial acusatória, o Ministério Público perfilha


imputações conforme a denúncia, pesando sobre o ora Defendente, as imputações de pratica, em tese,
do crime de homicídio qualificado.
6. A denúncia foi recebida no dia 15 de dezembro de 2020 (ID 37732616).

7. A resposta a acusação foi devidamente apresentada (ID 38122650).

8. Realizou-se a audiência de instrução e julgamento, na qual foram inquiridas as testemunhas


e realizado o interrogatório do réu.

9. Alegações finais do Ministério Público insistindo no pleito condenatório, nos termos em que
aviado em denúncia.

10. Em suma, é a síntese do necessário.

II – DAS PRELIMINARES.

11. Preliminarmente, cumpre esclarecer que não existe justa causa, nos termos do art.
395, II, do Código de Processo Penal, uma vez que falta condição de admissibilidade da
acusação, a saber o fumus comissi delicti, notadamente pela ausência de indícios de autoria.

III – DO MÉRITO.

12. Vencida a síntese dos atos processuais até então praticados, cumpre à defesa consignar que,
no mérito da presente causa penal, exsurge evidente a insustentabilidade da hipótese acusatória,
mormente à vista dos elementos de prova hauridos da fase instrutória, conforme se passa a demonstrar.

13. Há que se proceder, inicialmente, a uma imperiosa reconstrução fática do caso penal ora
em julgamento, especialmente para estabelecer de modo claro e insofismável a insustentabilidade da
hipótese acusatória, lastreada em elementos de informação que, com o devido e merecido respeito, são
frutos de uma empreitada absolutamente malograda por parte das instâncias apuratórias responsáveis.

14. A narrativa que se pretende suficiente a alicerçar as gravosas imputações formuladas pelo
Ministério Público foi devidamente exposta acima.

15. Há que se bascular a leitura da narrativa ministerial para o que efetivamente ocorrera
naquele cenário fático e que, ao cabo da instrução processual, exsurge evidente e corroborado pelo
acervo probatório construído nos autos.

16. A realidade fenomênica é outra e bem diversa daquela apresentada pelo parquet.

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17. As alegações ministeriais pretendem concretizar a pronúncia do acusado baseado no fato
de que (1) as testemunhas da acusação ouviram dizer que o acusado foi o autor do crime; (2) houve
“inúmeras notícias anônimas” nesse sentido e (3) a negativa de autoria não merece prosperar, uma vez
que o momento processual é regido pelo princípio do in dubio pro societade.

18. A testemunha Isabel Francisca de Abreu, única que supostamente teria presenciado os
fatos, disse nada tinha visto, estando no interior de sua residência com seus filhos no momento da
prática delitiva (5’50”-6’00”). E que soube da autoria porque “o povo falou”; consignando em seguida
que os comentários sobre a autoria partiram de Maria de Fátima, mãe da vítima (6’06”-6’14”).

19. Maria de Fátima disse a autoridade policial que Isabel Francisca havia visto os
atiradores, apontando o réu como autor do crime (ID 34937629). Perquirida sobre isso, a testemunha
negou tal fato, dizendo que jamais indicou autores do crime à Maria de Fátima (7’08”).

20. Maria de Fátima, confrontada com a negativa de Isabel Francisca, alterou sua versão
dos fatos, indicando que ela jamais fez qualquer menção a esses fatos em conversa com ela, tendo, na
verdade, conversado com a mãe de Isabel, por ocasião do velório de Kaemerson, onde teria ficado
sabendo disso (33’17”-33’49”).

21. A testemunha Maria Ednalda negou que o acusado tenha agredido Kaemerson em sua
residência, afirmando que não conhecia nenhum dos agressores – aproximadamente 6 -, nem,
tampouco, que a vítima tenha apresentado hematomas por ocasião da agressão (62’18”).

22. A testemunha Renato Messias, policial civil, reafirmou o exposto em sede de investigação
preliminar: que os indícios de autoria foram indicados por denúncias anônimas.

23. As demais testemunhas nada viram sobre a prática delituosa, nem souberam apontar os
autores do crime.

24. Para ocorrer a pronúncia, deve haver prova da materialidade fato e a existência de indícios
suficientes de autoria ou de participação (art. 413, CPP). Com efeito, indícios são aqueles elementos
probatórios interligados ao fato principal autorizadores de um raciocínio cadenciado a fim de
construir-se uma hipótese ou situação lógica.

25. Não havendo prova da materialidade do fato ou da existência de indícios suficientes de


autoria ou de participação deve ocorrer a impronúncia do réu.

26. No presente feito, a materialidade encontra-se provada pelo laudo do exame pericial
realizado na vítima, que demonstra que o ofendido sofreu ofensas físicas decorrentes de projéteis de
armas de fogo, causando seu óbito.

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27. Não obstante, a autoria não está demonstrada.

28. O Inquérito Policial prestou-se apenas a lastrear a persecução penal, arrecadando


testemunhas que embasaram suspeitas de ter sido o réu o autor do ilícito aqui tratado.

29. Conquanto, no sumário da culpa não foram registrados elementos probatórios suficientes a
indicar que o denunciado tenha praticado ou de algum modo concorrido para o cometimento do delito
narrado na denúncia. De fato, na fase preparatória do formação da culpa, não foi produzida prova que
indique que o indigitado tenha matado a vítima ou de qualquer modo participado dos fatos.

30. A instrução probatória não trouxe aos autos provas – ou mesmo, indícios – com
consistência mínima para, de maneira embasada, fundamentada, atribuir aos denunciados a autoria do
crime narrado na primeira fase do rito escalonado do júri, a plena materialidade e a autoria, como
ocorre nos demais ritos processuais penais, mas se requer um standard probatório de piso, ou seja, o
mínimo de autoria a ser imputado ao denunciado.

31. Todas as testemunhas ouvidas nesta fase qualificam-se como, conhecidas no direito norte-
americano, hearsayrule, i.e., “testemunhas de ouvir dizer”, que, por si sós, não são suficientes para a
pronúncia do réu e julgamento perante os seus semelhantes.

32. A única testemunha ouvida que traz convicções plenas para a pronúncia do acusado foi a
mãe da vítima, movida por interesse pessoal, movida por interesse pessoal, sem atenuar sua razão,
afirmou que o acusado seria o responsável pelo óbito.

33. As teses que aqui perfilamos estão sedimentados na jurisprudência do Superior Tribunal de
Justiça, que não considera idônea a pronúncia do réu baseado em boatos:

RECURSO ESPECIAL. HOMICÍDIO QUALIFICADO. PRONÚNCIA


FUNDAMENTADA EXCLUSIVAMENTE EM BOATOS E
TESTEMUNHA DE OUVIR DIZER. RECURSO ESPECIAL
PARCIALMENTE CONHECIDO E, NESSA EXTENSÃO, PROVIDO. 1. A
decisão de pronúncia é um mero juízo de admissibilidade da acusação, sem
exigência, neste momento processual, de prova incontroversa da autoria do
delito. Bastam indícios suficientes de que o réu seja seu autor e a certeza
quanto à materialidade do crime. 2. Muito embora a análise aprofundada
dos elementos probatórios seja feita somente pelo tribunal popular, não
se pode admitir, em um estado democrático de direito, a pronúncia
baseada, exclusivamente, em testemunho indireto (por ouvir dizer) como
prova idônea, de per si, para submeter alguém a julgamento pelo
tribunal popular. 3. A norma segundo a qual a testemunha deve depor

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pelo que sabe per proprium sensum et non per sensum alterius impede,
em alguns sistemas. Como o norte-americano., o depoimento da
testemunha indireta, por ouvir dizer (hearsay rule). No Brasil, ainda que
não haja impedimento legal a esse tipo de depoimento, “não se pode
tolerar que alguém vá a juízo repetir a vox publica. Testemunha que
depusesse para dizer o que lhe constou, o que ouviu, sem apontar seus
informantes, não deveria ser levada em conta” (helio tornaghi). 4. A
primeira etapa do procedimento bifásico do tribunal do júri tem o objetivo de
avaliar a suficiência ou não de razões (justa causa) para levar o acusado ao
seu juízo natural. O juízo da acusação (iudicium accusationis) funciona
como um filtro pelo qual somente passam as acusações fundadas, viáveis,
plausíveis, idôneas a serem objeto de decisão pelo juízo da causa (iudicium
causae). A instrução preliminar realizada na primeira fase do procedimento
do júri, leciona Mendes de Almeida, é indispensável para evitar imputações
temerárias e levianas. Ao proteger o inocente, "dá à defesa a faculdade de
dissipar as suspeitas, de combater os indícios, de explicar os atos e de
destruir a prevenção no nascedouro; propicia-lhe meios de desvendar
prontamente a mentira e de evitar a escandalosa publicidade do julgamento
". 5. Recurso Especial parcialmente conhecido e, nessa extensão, provido,
para reformar o acórdão recorrido de modo a despronunciar os recorrentes
nos autos do processo n. 0702.08.432189-3, em trâmite no juízo de direito da
vara de crimes contra a pessoa da Comarca de uberlândia, sem prejuízo do
oferecimento de nova denúncia em eventual superveniência de provas. 2017.
(STJ; REsp 1.674.198; Proc. 2017/0007502-6; MG; Sexta Turma; Rel. Min.
Rogério Schietti Cruz; DJE 12/12/2017). (Os grifos apusemos).

34. Por mais que o princípio do in dubio pro societate prevaleça nessa fase, sua aplicação não
deve ser absoluta.

35. No AgInt no REsp n.º 1456278/RS, julgado a 11 de fevereiro de 2020, o Min. Antonio
Saldanha Palheiro, do STJ, manteve a impronúncia de réu, citando as razões do Tribunal vergastado,
que trazemos à colação:

Impronúncia. O art. 413 do Código de Processo Penal orienta a atuação do


juiz e prevê que, para a pronúncia, é necessário que existam indícios
suficientes da autoria. Meros indícios, por conseguinte, não bastam; são
imprescindíveis indícios suficientes. O principio do in dubio pro societate
deve ser visto com ressalvas, pois não pode servir de substrato para o
julgador submeter o réu a júri em qualquer hipótese, sob o pretexto de
que a competência constitucional é do Conselho de Sentença. Ocorre
que, se o juízo submete ao Tribunal do Júri um acusado sobre o qual
inexistem os mínimos elementos para a pronúncia, a vítima e a própria

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sociedade serão prejudicadas diante de eventual absolvição, na medida
em que ele não poderá ser submetido a novo julgamento. Ausência de
indícios suficientes da autoria. No caso dos autos existem indícios de
uma possível participação do acusado no fato descrito na denúncia. As
circunstâncias do fato não restaram bem esclarecidas. Caberia ao
Ministério Público e mesmo à autoridade policial buscar subsídios
concretos para imputar ao réu a prática delitiva. A investigação deve ser
completa e não pode descartar hipóteses, inclusive não pode descartar a
hipótese de o acusado não ser o autor do fato.

36. Trazemos ainda como precedente o julgado do processo n.º 0000269-82-2020.8.15.0151,


da Comarca de Conceição-PB, em que houve a impronúncia do réu, por ausência de indícios de
autoria.

37. Na jurisprudência que acostamos a situação é análoga a do réu e por imposição da


integridade, coerência e estabilidade da jurisprudência (arts. 926 e 927, CPC), a ele deve ser
dispensada os mesmos tratamentos, impondo-se necessariamente sua impronúncia.

38. O art. 315, § 2.º, VI, do Código de Processo Penal, modificado pelo Lei n.º 13.964/2019,
consagrou os institutos do distinguishing e do overruling, assim aduzindo:

Art. 315. A decisão que decretar, substituir ou denegar a prisão preventiva


será sempre motivada e fundamentada.

[…]

§ 2º Não se considera fundamentada qualquer decisão judicial, seja ela


interlocutória, sentença ou acórdão, que: 

[…]

VI - deixar de seguir enunciado de súmula, jurisprudência ou


precedente invocado pela parte, sem demonstrar a existência de
distinção no caso em julgamento ou a superação do entendimento. (Os
grifos apusemos).

39. Caso Vossa Excelência não entenda conforme o pedido da defesa, requer que seja feita a
distinção dos casos ou seja demonstrada a superação desses entendimentos, conforme o art. 315, § 2.º,
VI do Código de Processo Penal, sob pena de nulidade da decisão e consequente ilegalidade da prisão.

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IV – DOS PEDIDOS.

Ante o exposto, requer-se a Vossa Excelência:

a) A impronúncia o réu com base no art. 414 do Código de Processo Penal.

b) como consectário natural disso, que seja revogada sua prisão preventiva, por ausência de
fumus comissi delicti.

c) Por fim, requer a apreciação do pedido formulado para comunicação à OAB-PB quanto aos
esclarecimentos prestados pelos causídicos nos autos do presente processo.

Termos em que, pede deferimento.

Cajazeiras-PB, 16 de fevereiro de 2021.

Ennio Alves de Sousa Andrade Lima

Advogado OAB-PB n.º 23. 187

Pablo Roar Justino Guedes

Advogado OAB-PB n.º 23.053

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