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(NEO)CONSTITUCIONALISMO
Coordenadores
Flávio Marcelo Sérvio Borges, juiz federal
Gabriel Brum, juiz federal
Professores
Adrian Amorim, juiz federal
Ana Lya Ferraz da Gama Ferreira, juíza federal
Bernardo Lima Vasconcelos, juiz federal
Carlos Henrique Pereira Leite, procurador do trabalho
Carolina Rita Torres Gruber, promotora de justiça
Cristiane Bonfim, juíza de direito
Daniel Santos Rocha Sobral, juiz federal
Ermano Portela, juiz de direito
Eudóxio Cêspedes Paes, juiz federal
Francisco Vieira, juiz federal
Gabriel José Queiroz Neto, juiz federal
Gérson Henrique Silva Sousa, defensor público estadual
Guilherme Fernandes Ferreira Tavares, procurador da república
Gustavo André Oliveira Santos, juiz federal
João Paulo Abe, juiz federal
José Renato de Oliveira, procurador da fazenda nacional
Otávio Balestra, procurador da república
Paulo Augusto Moreira Lima, juiz federal
Paulo Sérgio Ribeiro, juiz federal
Rafael Ghattas, procurador do estado
Sumário
1 (Neo)constitucionalismo............................................................................................................................................................................................... 3
1.1 Conceito .................................................................................................................................................................................................................................................................. 3
1.2 Marcos do Neoconstitucionalismo ..................................................................................................................................................................................................................... 3
1.3 Constitucionalismo: Trajetória Histórica ............................................................................................................................................................................................................ 8
1.4 Constitucionalismo Liberal e Social .................................................................................................................................................................................................................... 9
1.5 Constitucionalismo Latino-Americano (Constitucionalismo Pluralista, Andino ou Indígena) .................................................................................................................. 12
1.6 Constitucionalismo Britânico............................................................................................................................................................................................................................. 13
1.7 Constitucionalismo Francês .............................................................................................................................................................................................................................. 13
1.8 Constitucionalismo Norte-Americano .............................................................................................................................................................................................................. 14
1.9 Constitucionalismo Popular e Teoria dos Diálogos Constitucionais/Institucionais .................................................................................................................................. 15
1.10 Constitucionalismo Democrático .................................................................................................................................................................................................................... 16
1.11 Constitucionalização do Direito ...................................................................................................................................................................................................................... 16
1.12 Judicialização da Política ................................................................................................................................................................................................................................ 17
1.13 Pluralismo Político. As Fontes Normativas Não Estatais ............................................................................................................................................................................ 20
É expressamente proibida a divulgação deste material, cujo uso é restrito às partes contratantes, sob pena de se caracterizar violação à Lei 9.610/98, com a responsabilização civil e criminal dos envolvidos.
1 (Neo)constitucionalismo
1.1 Conceito
O modelo constitucional de função jurisdicional está essencialmente ligado à história do constitucionalismo
moderno.
É uma técnica específica de limitação do poder com fins garantísticos. (CANOTILHO, José Joaquim
Gomes. Direito constitucional e teoria da constituição. Portugal: Almedina, 2003, p. 51).
Feita essa breve introdução, o neoconstitucionalismo surge a partir do século XX, inaugurando a fase
denominada de constitucionalismo pós-moderno ou pós-positivismo. Então,
visa-se, dentro dessa nova realidade, não mais apenas atrelar o constitucionalismo à ideia
delimitação do poder político, mas, acima de tudo, busca-se a eficácia da Constituição, deixando o
texto de ter um caráter meramente retórico e passando a ser mais efetivo, sobretudo diante da
expectativa de concretização dos direitos fundamentais (LENZA, Pedro. Direito Constitucional
Esquematizado. 22. Ed. São Paulo: Saraiva, 2018, posição 2.154)
É expressamente proibida a divulgação deste material, cujo uso é restrito às partes contratantes, sob pena de se caracterizar violação à Lei 9.610/98, com a responsabilização civil e criminal dos envolvidos.
Já no Brasil, o fomento dos direitos fundamentais na comunidade política ocorreu somente com a Constituição
de 1988, o que levou a dignidade da pessoa humana a ser destacada como um dos fundamentos da República
Federativa:
CF/88
Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e
do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos:
(...)
III – a dignidade da pessoa humana.
Igualmente, a ordem econômica é fundada na dignidade da pessoa humana, de acordo com o artigo 170, caput,
Constituição Federal, bem como, ao tratar do planejamento familiar, o discurso constitucional elenca o princípio da
dignidade como um de seus fundamentos:
CF/88
Art. 170. A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem
por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os
seguintes princípios: (...)
Por fim, com relação aos menores e aos jovens, é dever constitucional atribuído à família, à sociedade e ao
Estado a garantia à dignidade:
CF/88
Art. 227. É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem,
com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à
profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e
comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração,
violência, crueldade e opressão.
Nesse sentido, é importante destacar que Miguel Reale, na obra Teoria Tridimensional do Direito (São Paulo:
Saraiva, 1994), afirma que a ciência jurídica é formada pela junção de três elementos: a) fato; b) valor e c) norma.
Assim, o valor não poderá ser esvaziado do Direito, sob pena de não se ter uma visão integral da ordem jurídica.
O marco histórico, nestes termos, alude à formação do Estado Constitucional de Direito, cuja consolidação
ocorreu nas últimas décadas do século XX.
É expressamente proibida a divulgação deste material, cujo uso é restrito às partes contratantes, sob pena de se caracterizar violação à Lei 9.610/98, com a responsabilização civil e criminal dos envolvidos.
centralidade dos direitos fundamentais e a reaproximação entre Direito e Ética (o que a doutrina denomina de “virada
kantiana”).
Dessa forma, deve ser aplicado tanto o raciocínio da subsunção quanto o da proporcionalidade, estando este
atrelado ao caso de haver colisão entre normas com estrutura de princípio.
A subsunção é um fenômeno menos complexo de aplicação das normas jurídicas, uma vez que, ao ocorrer o
fato no mundo do ser, haverá uma norma no mundo do dever ser, que se aplicará integralmente à situação
apresentada. Por exemplo, se alguém ceifa a vida de outrem, deverá incidir, nessa hipótese, a norma descrita no artigo
121 do Código Penal ― crime de homicídio. Ainda, os crimes contra a vida estão previstos no ordenamento pátrio,
porque a vida é pertencente ao núcleo primeiro de proteção dos direitos fundamentais (artigo 5º, caput, CF) ― valor.
Para arrematar, o marco teórico está relacionado à: força normativa da Constituição, expansão da jurisdição
constitucional e ao desenvolvimento de uma nova dogmática de interpretação constitucional.
1) Força Normativa da Constituição: para Konrad Hesse (A Força Normativa da Constituição. Tradução de
Gilmar Ferreira Mendes. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris Editor, 1991), todo o texto constitucional tem significado
próprio, em que as normas constitucionais têm comandos cogentes. Segundo a jurisprudência do Supremo Tribunal
Federal (STF), na Constituição de 1988, somente o preâmbulo não tem força obrigatória:
2) Expansão da Função Jurisdicional: há uma maior intervenção jurisdicional nas políticas públicas,
notadamente para fins de concretização dos direitos sociais (art. 6º, CF), sem que haja ofensa à separação das
funções estatais (art. 2º, CF), consoante vasto entendimento jurisprudencial:
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possível” – ressalvada a ocorrência de justo motivo objetivamente aferível – não pode ser invocada,
pelo Estado, com a finalidade de exonerar-se do cumprimento de suas obrigações constitucionais,
notadamente quando, dessa conduta governamental negativa, puder resultar nulificação ou, até
mesmo, aniquilação de direitos constitucionais impregnados de um sentido de essencial
fundamentalidade. Daí a correta ponderação de ANA PAULA DE BARCELLOS (“A Eficácia Jurídica dos
Princípios Constitucionais”, p. 245-246, 2002, Renovar): (…) Vê-se, pois, que os condicionamentos
impostos, pela cláusula da “reserva do possível”, ao processo de concretização dos direitos de segunda
geração - de implantação sempre onerosa -, traduzem-se em um binômio que compreende, de um
lado, (1) a razoabilidade da pretensão individual/social deduzida em face do Poder Público e, de outro,
(2) a existência de disponibilidade financeira do Estado para tornar efetivas as prestações positivas
dele reclamadas. (...) Em princípio, o Poder Judiciário não deve intervir em esfera reservada a outro
Poder para substituí-lo em juízos de conveniência e oportunidade, querendo controlar as opções
legislativas de organização e prestação, a não ser, excepcionalmente, quando haja uma violação
evidente e arbitrária, pelo legislador, da incumbência constitucional. No entanto, parece-nos cada vez
mais necessária a revisão do vetusto dogma da Separação dos Poderes em relação ao controle dos
gastos públicos e da prestação dos serviços básicos no Estado Social, visto que os Poderes Legislativo
e Executivo no Brasil se mostraram incapazes de garantir um cumprimento racional dos respectivos
preceitos constitucionais. (…) (ADPF 45 MC, Relator(a): Min. CELSO DE MELLO, julgado em 29/04/2004,
publicado em DJ 04/05/2004 PP-00012 RTJ VOL-00200-01 PP-00191)
É expressamente proibida a divulgação deste material, cujo uso é restrito às partes contratantes, sob pena de se caracterizar violação à Lei 9.610/98, com a responsabilização civil e criminal dos envolvidos.
definitivo do recurso extraordinário paradigma pelo Supremo Tribunal Federal. (...) repercussão geral
reconhecida. 5. A interpretação conforme a Constituição do art. 116, I, do CP funda-se nos postulados
da unidade e concordância prática das normas constitucionais, isso porque o legislador, ao impor a
suspensão dos processos sem instituir, simultaneamente, a suspensão dos prazos prescricionais, cria
o risco de erigir sistema processual que vulnera a eficácia normativa e aplicabilidade imediata de
princípios constitucionais. (…) 11. Questão de ordem acolhida ante a necessidade de manutenção da
harmonia e sistematicidade do ordenamento jurídico penal. (RE 966177 RG-QO, Relator(a): Min. LUIZ
FUX, Tribunal Pleno, julgado em 07/06/2017, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-019 DIVULG 31-01-2019
PUBLIC 01-02-2019)
O constitucionalismo antigo voltava-se à limitação de poderes do monarca, com a afirmação de alguns direitos
perante este, remontando ao povo hebreu (primeira fase), à experiência democrática da Grécia antiga (segunda fase)
e à Idade Média, mais precisamente em 1215, data de aprovação da Magna Carta da Inglaterra (terceira fase).
Assim, a noção de Constituição, compreendida em sentido material, ou seja, como o modo de organização da
sociedade política, é bem mais antiga do que a ideia de uma Constituição em sentido formal, entendida como uma
constituição jurídica ou normativa. Esta, por sua vez, como expressão de um poder constituinte formal, somente
encontrou sua afirmação, teórica e prática, apenas a partir do final do século XVIII.
É precisamente nessa perspectiva que já se afirmou que o fato de cada unidade política estar em uma
constituição não significa que ela de fato tenha uma constituição (formal, no sentido de uma constituição normativa),
de tal sorte que o termo constituição cobre ambas as realidades que, contudo, não são equivalentes em toda a sua
extensão, visto que se trata, na primeira acepção (que coincide com a de constituição material), de um conceito
empírico ou descritivo de constituição, ao passo que se cuida, no segundo sentido, de um conceito normativo ou
prescritivo de constituição (SARLET, Ingo Wolfgang; MARINONI, Luiz Guilherme. MITIDIERO, Daniel. Curso de direito
constitucional. 6 ed. São Paulo: Saraiva, 2017, p. 32).
1
BERNARDES, Juliano Taveira; FERREIRA, Olavo Augusto Vianna Alves. Direito Constitucional – Tomo I. Salvador: Juspodivm, 2020, p. 63.
É expressamente proibida a divulgação deste material, cujo uso é restrito às partes contratantes, sob pena de se caracterizar violação à Lei 9.610/98, com a responsabilização civil e criminal dos envolvidos.
Todavia, lembre-se de que, antes da afirmação e consolidação da noção moderna de constituição formal
(jurídica), já existiam documentos jurídicos de cunho constitucional, embora em larga medida distintos do que viriam
a ser as constituições escritas no sentido moderno, consoante, aliás, demonstra, de forma emblemática, a experiência
constitucional inglesa. De fato, se alguns documentos jurídicos mais antigos, como é o caso da Magna Carta Inglesa
de 1215, que se consolidou com a Revolução Gloriosa de 1688, têm sido considerados antecedentes de uma
constituição jurídica no sentido moderno (no caso peculiar da Inglaterra, até mesmo integrando, ainda hoje, a própria
constituição histórica, juntamente com outros regramentos), certamente eram em muito distintos da noção de uma
constituição compreendida como lei fundamental de uma comunidade política, dotada, entre outras características,
da qualidade de norma hierarquicamente superior.
Já por tal razão e também por ainda constituir uma via diferenciada no contexto mais amplo da evolução
constitucional, o modelo inglês com as experiências norte-americana e francesa são considerados os pilares do
constitucionalismo na sua versão moderna, o qual, em seus traços essenciais, segue marcando o constitucionalismo
contemporâneo, embora em processo de permanente reconstrução, a ponto de se chegar a afirmar que, a despeito
das muitas e relevantes contribuições encontradas na literatura, a história do constitucionalismo moderno ainda está
sendo escrita, portanto está por ser escrita. Os movimentos constitucionais são vários e permanecem em constante
evolução, portanto (SARMENTO, Daniel; SOUZA NETO, Cláudio Pereira. Direito constitucional. 1 ed. Belo Horizonte:
Fórum, 2012, p. 55).
Embora a Revolução Americana (1776) e A Francesa (1789) tenham demarcado o momento inicial do
constitucionalismo moderno, cuja história, por sua vez, está intrinsecamente ligada à limitação normativa do poder
político, à garantia de direitos individuais e indisponíveis, livres de intervenção estatal, e à necessidade de legitimação
do governo pelo consentimento dos governados, pela via da democracia representativa, o fato é que as vertentes do
constitucionalismo (inclusive da noção de constituição jurídica) são mais remotas, podendo ser encontradas já no
período medieval, embora com amplo destaque para o constitucionalismo histórico e o pensamento político e
filosófico inglês, conforme mencionado (SARMENTO, Daniel; SOUZA NETO, Cláudio Pereira. Op. cit. p. 56).
Com a experiência moderna do constitucionalismo, a Constituição material passou a ser, a partir da experiência
inglesa, entendida como o conjunto de normas juridicamente instituidoras de uma comunidade (tipicamente
constitutivas do Estado e da sociedade). Nesses termos, podemos afirmar, repita-se, que, como resultado de um
longo processo, o século XVIII conduziu ao surgimento de uma ("nova") ordem constitucional material, ou seja, de
uma Constituição material normativamente institucionalizada com matérias tipicamente constitutivas do Estado e
da sociedade, o que corresponde à constituição formal (contornos tipicamente jurídico-normativos). Assim, a
constituição material acaba sendo abarcada pela constituição formal produzida pelo movimento constitucional de
então (GONÇALVES FERNANDES, Bernardo. Curso de direito constitucional. 11 ed. Salvador: Juspodivm, 2019, p. 35).
É expressamente proibida a divulgação deste material, cujo uso é restrito às partes contratantes, sob pena de se caracterizar violação à Lei 9.610/98, com a responsabilização civil e criminal dos envolvidos.
No Estado liberal, o constitucionalismo se centrava na figura do indivíduo como sujeito de direito, de modo que
incumbia ao Estado, por meio do Direito Positivo, garantir certeza nas relações sociais sem promover a intervenção
prática ― apenas formal. Essa visão correspondia, na Economia Política, à defesa do Estado mínimo, que confiava na
“mão invisível do mercado” para promover o bem comum. O Estado deveria ausentar-se da esfera econômica, para
que ela permanecesse sujeita apenas à ação das forças do próprio mercado que, por si só, deveria regular a vida em
sociedade.
Nesse contexto, a Constituição é compreendida como um mero instrumento de governo, ou seja, como o
estatuto jurídico-político fundamental da organização da sociedade política, que organiza e limita o poder político.
Logo, o direito, sob o paradigma liberal, seria um sistema fechado de regras, que teria por função estabilizar
expectativas de comportamento, determinando os limites e, ao mesmo tempo, garantindo a esfera privada de cada
indivíduo. Com o uso de leis gerais e abstratas, busca-se garantir, ainda que apenas formalmente, a liberdade, a
igualdade e a propriedade, de modo que todos os sujeitos receberiam os mesmos direitos subjetivos. Por isso, os
direitos e garantias fundamentais passaram a ser entendidos como verdadeiras garantias negativas da não
intervenção do Estado na sociedade, de modo que a estrutura da Constituição do Estado de direito liberal foi
essencialmente negativa (abstencionista).
Com efeito, o constitucionalismo liberal assentava-se numa estrita separação entre sociedade e Estado, o qual
deveria velar pela segurança das pessoas e proteger a propriedade, mas não lhe competia intervir nas relações
travadas no âmbito social, nas quais se supunha que indivíduos formalmente iguais perseguiriam os seus interesses
privados, celebrando negócios jurídicos. O constitucionalismo liberal-burguês não incorporava, dentre as suas
funções, a promoção da igualdade material entre as pessoas.
A proteção dos direitos fundamentais, nestes termos, dependia, basicamente, da limitação do poder estatal em
prol da liberdade individual, obtida através de um esquema de separação das funções estatais. Evita-se, assim, o
arbítrio, favorecendo a moderação na ação estatal e assegurando a esfera de liberdade dos indivíduos, sem qualquer
preocupação com a igualdade em sentido material.
Após a Primeira Guerra Mundial, contudo, tem início um novo paradigma de Estado. O período do Estado Liberal
gerou “a maior exploração do homem pelo homem de que se tem notícia na história da humanidade”. Jornadas de
trabalho extremas, idosos, crianças e mulheres em rodízio nos postos de trabalho, remunerações aviltantes levando
ou conduzindo milhões de desvalidos à completa miséria, além de uma fortíssima repressão a qualquer tipo de
protestos, bem como um exército de mão de obra de reserva criado nas periferias, em condições degradantes. Esse
contexto deu margem à crítica ao formalismo da igualdade liberal-burguesa, dando origem a um novo
constitucionalismo, mais comprometido com a dignidade humana e com a igualdade material (GONÇALVES
FERNANDES, Bernardo. Op, cit. p. 68).
Com a crise da sociedade liberal no final do século XIX e início do século XX, sobretudo a partir das revoluções
industriais burguesas, tem-se o surgimento de um modelo de capitalismo cada vez mais monopolista e o aumento,
sempre recorrente, das demandas sociais e políticas, o que levou os juristas a afirmar a necessidade de repensar o
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No plano das ideias, contribuíram para esse desfecho diversas vertentes de pensamento, como o marxismo, o
socialismo utópico e a doutrina social da Igreja Católica, que, embora divergindo profundamente quanto à solução,
convergiam na crítica aos abusos a que conduzira o individualismo exacerbado do capitalismo selvagem, que
prosperara sob a fachada do constitucionalismo liberal-burguês (SARMENTO, Daniel; SOUZA NETO, Cláudio Pereira.
Op. cit. p. 61).
Por sua vez, os principais fatores apontados como as notas características do processo de transformação do
paradigma liberal podem ser resumidos como a universalização do sufrágio, a liberdade de associação entre os
trabalhadores, o surgimento de grandes partidos políticos e a ampliação das atividades econômico-sociais do
Estado.
A partir de então, o Estado passou a atuar mais ativamente na seara econômica e a disciplinar as relações
sociais de forma muito mais intensa. O mercado livre havia gerado não só grande desigualdade social, como também
patologias no seu próprio funcionamento, possibilitando o surgimento de monopólios e oligopólios, em prejuízo da
livre concorrência. No início do século XX, o liberalismo econômico entra em crise profunda. O desemprego e a
inadimplência eram crescentes. Os produtos perdiam preço nos mercados internos e no mercado internacional. Esses
processos se estimulavam reciprocamente. A economia de mercado, sem amarras, se mostrava incompatível com o
desenvolvimento econômico e com a estabilidade social.
Nessa perspectiva, o Estado já não é neutro, como acontecia no Estado Liberal, que se punha distante dos
conflitos sociais, atuando de forma abstencionista, como um garantidor da autonomia privada e do livre jogo dos
interesses, apenas agindo para restabelecer, quando necessário, a normalidade.
O Estado Social, que surge após a Primeira Guerra e ganha forças após a Segunda, intervém na economia, por
meio de ações diretas e indiretas. No novo cenário, o Estado incorpora funções ligadas à prestação de serviços
públicos. No plano teórico, a sua atuação passa a ser justificada também pela necessidade de promoção da igualdade
material, por meio de políticas públicas redistributivas e do fornecimento de prestações materiais para as camadas
mais pobres da sociedade, em áreas como saúde, educação e previdência social. Naquele contexto, foi flexibilizada
a proteção da propriedade privada, que passou a ser condicionada ao cumprimento da sua função social, e
relativizada a garantia da autonomia negocial, diante da necessidade de intervenção estatal em favor das partes mais
desfavorecidas nas relações sociais. Ao contrário do Estado Liberal, então, o Estado Social estabelece as garantias
de intervenção positiva na sociedade (GONÇALVES FERNANDES, Bernardo. Op. cit. p. 69).
Houve duas fórmulas diferentes de recepção do Estado Social no âmbito do constitucionalismo democrático.
Na primeira, que tem como exemplo paradigmático a evolução do direito constitucional norte-americano a partir dos
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anos 30, os valores de justiça social e de igualdade material não foram formalmente incorporados à Constituição.
Esta, no entanto, deixou de ser interpretada como um bloqueio à introdução de políticas estatais de intervenção na
economia e de proteção dos grupos sociais mais vulneráveis. Na outra fórmula, adotada em diversos países
europeus, bem como no Brasil, a própria Constituição acolhe os valores do Estado Social.
As primeiras constituições desse tipo foram a mexicana, de 1917, e a alemã, de Weimar, de 1919. As
constituições dessa natureza têm, de modo geral, um perfil muito mais ambicioso, pois não se limitam a tratar da
estrutura do Estado e da definição de direitos negativos. Além disso, elas se dedicam em disciplinar temas como a
economia, as relações de trabalho e a família. São constituições não apenas do Estado, mas também da sociedade.
Muitas delas incorporam direitos sociais, que envolvem demandas por prestações materiais do Estado, como
educação, moradia, saúde e previdência social. Tais constituições não excluem os direitos individuais clássicos, que
passam a ser vistos sob nova óptica, não mais como simples exigências de abstenção estatal (SARMENTO, Daniel;
SOUZA NETO, Cláudio Pereira. Op. cit. p. 62).
No Brasil, o denominado Constitucionalismo social teve início com a Constituição de 1934, a qual passou a
consagrar não apenas os direitos sociais ao trabalho, educação e previdenciário mas também defendeu a
impossibilidade de exercício do direito de propriedade contra o interesse coletivo ou social.
O movimento propõe a reconstrução da teoria constitucional por meio da recuperação de saberes, memórias,
experiências e identidades dos povos do Sul, historicamente suprimidos, marginalizados e subalternizados, em um
processo de descolonização epistemológica e de desenvolvimento de uma epistemologia do Sul.
Segundo a doutrina, são exemplos de um Estado Plurinacional, que busca a inclusão multicultural no processo
de formação da vontade política e do poder, as seguintes Constituições: Venezuela (1999), Equador (2008) e Bolívia
(2009).
Assim, o constitucionalismo latino-americano se fundamenta em três eixos, a saber: ampliação do rol dos
direitos fundamentais ― notadamente aqueles relacionados às comunidades tradicionais, como os indígenas e
afrodescendentes ―, dos mecanismos de participação popular, como as audiências públicas, e o maior protagonismo
do Poder Judiciário, mediante a concretização de políticas públicas (AVRITZER, Leonardo. O novo constitucionalismo
latino-americano: uma abordagem política. Belo Horizonte: Autêntica, 2017).
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É expressamente proibida a divulgação deste material, cujo uso é restrito às partes contratantes, sob pena de se caracterizar violação à Lei 9.610/98, com a responsabilização civil e criminal dos envolvidos.
(FCC - 2019 - DPE-SP - Defensor Público) O mais recente Constitucionalismo Latino-Americano propõe
o desafio de construir novas teorias a partir do Sul, recuperando saberes, memórias, experiências e
identidades, historicamente tornados invisíveis no processo de colonização traduzido pela
expropriação, opressão e pelo eurocentrismo na cultura jurídica. Expressa esse Constitucionalismo
C - a proposta da descolonização epistemológica e o desenvolvimento de uma epistemologia do Sul
na qual os sujeitos marginalizados e subalternizados constroem uma nova percepção de si mesmos
descolonizadora. (CORRETA)
Desde o final da Idade Média, o poder real encontrava-se limitado por determinados costumes e pactos
estamentais, dos quais o mais conhecido é a Magna Carta de 1215. Sem embargo, o século marcante na definição
do modelo constitucional inglês foi o XVII, caracterizado pelas fortes tensões entre a Coroa e o Parlamento e por
diversas reviravoltas políticas, que culminaram na Revolução Gloriosa de 1688. Aquela revolução assentou o princípio
da supremacia política do Parlamento inglês, em um regime pautado pelo respeito aos direitos individuais. No curso
do século XVII, foram editados três documentos constitucionais de grande importância: a Petition of Rights, de 1628;
o Habeas Corpus Act, de 1679; e o Bill of Rights, de 1689, que garantiam importantes liberdades para os súditos
ingleses, impondo limites à Coroa e transferindo poder ao Parlamento (SARLET, Ingo Wolfgang; MARINONI, Luiz
Guilherme. MITIDIERO, Daniel. Op. cit. p. 38).
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É expressamente proibida a divulgação deste material, cujo uso é restrito às partes contratantes, sob pena de se caracterizar violação à Lei 9.610/98, com a responsabilização civil e criminal dos envolvidos.
de quaisquer limites impostos pelas instituições e pelo ordenamento do passado. Ele fundaria nova ordem jurídica,
criando novos órgãos e poderes — os poderes constituídos — que a ele estariam vinculados (SARMENTO, Daniel;
SOUZA NETO, Cláudio Pereira. Op. cit. p. 57).
A Constituição deve corresponder a uma lei escrita, não se confundindo com um repositório de tradições
imemoriais, ao contrário da fórmula inglesa. Ela pode romper com o passado e dirigir o futuro da Nação, inspirando-
se em valores universais centrados no indivíduo. Tais valores estavam bem sintetizados na Declaração dos Direitos
do Homem e do Cidadão, de 1789, cuja definição de Constituição, estabelecida no seu art. 16, bem expressava o
pensamento liberal: “toda sociedade, na qual a garantia dos direitos não é assegurada nem a separação de poderes
determinada, não tem Constituição”.
No modelo constitucional francês, o Poder Legislativo é o protagonista responsável por refletir a soberania e
garantir os direitos. Historicamente, essa concepção deveu-se tanto à desconfiança que os franceses nutriam em
relação ao Judiciário, visto como uma instituição corrompida e associada ao Antigo Regime, como à valorização da
lei, concebida, a partir da influência do pensamento de Rousseau, como a expressão da vontade geral do povo. O
modelo constitucional francês foi o mais influente ao longo do século XIX e início do século XX. Porém, no que
concerne à supremacia do Legislativo, ele vem sendo superado pela difusão global da jurisdição constitucional,
ocorrida a partir da segunda metade do século passado (SARLET, Ingo Wolfgang; MARINONI, Luiz Guilherme.
MITIDIERO, Daniel. Op. cit. p. 45).
O Constitucionalismo Estadunidense foi o primeiro a realizar um documento formal e escrito com as regras de
organização do Estado, inaugurando a concepção de Constituição como “uma bíblia política". Trata-se de um texto
constitucional extremamente sintético, composto originariamente de apenas 7 artigos, que, ao longo dos seus mais
de 220 anos de vigência, sofreu 27 emendas. A Constituição norte-americana é extremamente rígida. Porém, a
plasticidade das cláusulas constitucionais mais importantes abriu a possibilidade de atualização daquela
Constituição pela via interpretativa, para adaptá-la às novas demandas e valores que emergiam com as grandes
mudanças experimentadas pela sociedade americana ao longo do tempo.
O modelo constitucional norte-americano também deu especial atenção ao jusnaturalismo liberal e à ideia de
ruptura com o passado, por meio do exercício do poder constituinte. O modelo constitucional dos Estados Unidos
representa a tentativa de conciliação entre dois vetores. De um lado, o vetor democrático, de autogoverno do povo.
Do outro, o vetor liberal, preocupado com a contenção do poder das maiorias para defesa de direitos das minorias. É
completamente alheia ao constitucionalismo norte-americano a compreensão de que caiba à Constituição dirigir o
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É expressamente proibida a divulgação deste material, cujo uso é restrito às partes contratantes, sob pena de se caracterizar violação à Lei 9.610/98, com a responsabilização civil e criminal dos envolvidos.
Desenvolveu-se no direito norte-americano a noção de que os juízes, ao decidirem conflitos, podem reconhecer
a invalidade de leis que contrariem a Constituição, deixando de aplicá-las ao caso concreto. Essa posição foi
formulada na jurisprudência da Suprema Corte pelo Juiz John Marshall, no célebre julgamento do caso Marbury v.
Madison, em 1803, que se cristalizou posteriormente como princípio fundamental do Direito Constitucional norte-
americano. Em suma, no modelo constitucional dos Estados Unidos, a supremacia da Constituição é não apenas uma
proclamação política, como na tradição constitucional francesa, mas também um princípio jurídico judicialmente
tutelado (SARMENTO, Daniel; SOUZA NETO, Cláudio Pereira. Op. cit. p. 58).
Dessa forma, é proposta uma noção de diálogos constitucionais ou até mesmo de diálogos institucionais, a
fim de que haja o desenvolvimento de um constitucionalismo dialógico, com base na obra de Roberto Gargarella (Por
una justicia dialógica: El Poder Judicial como promotor de la deliberácion democrática. Buenos Aires: Siglo Veintiuno
Editores, 2014.). Daí a importância do estudo da decisão do STF que tratou do “Estado de Coisas Inconstitucionais”
(expressão do Direito Constitucional Colombiano).
Nesse sentido, por meio da ADPF nº 347/MC-DF, devido ao quadro de massiva e constante violação de direitos
humanos no tocante ao sistema penitenciário brasileiro, o Poder Judiciário reconheceu que, em relação a essa
temática, vigora um “Estado de Coisas Inconstitucional”, fato esse que demanda a atuação de todas as funções
estatais para minorar ou acabar a falência do sistema penitenciário nacional:
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É expressamente proibida a divulgação deste material, cujo uso é restrito às partes contratantes, sob pena de se caracterizar violação à Lei 9.610/98, com a responsabilização civil e criminal dos envolvidos.
OBRIGATÓRIA. Estão obrigados juízes e tribunais, observados os artigos 9.3 do Pacto dos Direitos Civis
e Políticos e 7.5 da Convenção Interamericana de Direitos Humanos, a realizarem, em até noventa
dias, audiências de custódia, viabilizando o comparecimento do preso perante a autoridade judiciária
no prazo máximo de 24 horas, contado do momento da prisão (ADPF 347 MC, Relator(a): Min. MARCO
AURÉLIO, Tribunal Pleno, julgado em 09/09/2015, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-031 DIVULG 18-02-
2016 PUBLIC 19-02-2016).
Assim, as Cortes Supremas deveriam prolatar decisões em consonância com os ditames popular, sob pena de
comprometer a própria legitimidade do Poder Judiciário.
Por fim, é necessário compreender que qualquer decisão judicial se deve encontrar em harmonia com o texto
constitucional, por ser o topo do ordenamento jurídico pátrio e congregar os principais vetores de uma determinada
comunidade política.
Porém, mais original ainda: repercute, também, nas relações entre particulares. Relativamente ao Legislativo,
a constitucionalização (i) limita sua discricionariedade ou liberdade de conformação na elaboração das leis em geral
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É expressamente proibida a divulgação deste material, cujo uso é restrito às partes contratantes, sob pena de se caracterizar violação à Lei 9.610/98, com a responsabilização civil e criminal dos envolvidos.
e (ii) impõe-lhe determinados deveres de atuação para realização de direitos e programas constitucionais. No tocante
à Administração Pública, além de igualmente (i) limitar-lhe a discricionariedade e (ii) impor a ela deveres de atuação,
ainda (iii) fornece fundamento de validade para a prática de atos de aplicação direta e imediata da Constituição,
independentemente da interposição do legislador ordinário. Quanto ao Poder Judiciário, (i) serve de parâmetro para
o controle de constitucionalidade por ele desempenhado (incidental e por ação direta), bem como (ii) condiciona a
interpretação de todas as normas do sistema. Por fim, para os particulares, estabelece limitações à sua autonomia
da vontade, em domínios como a liberdade de contratar ou o uso da propriedade privada, subordinando-a a valores
constitucionais e ao respeito a direitos fundamentais (BAROSO, Luiz Roberto. Op. Cit., 2014, p. 589).
(i) um novo "ativismo judicial", isto é, uma nova disposição de tribunais judiciais no sentido de expandir o
escopo das questões sobre as quais eles devem formar juízos jurisprudenciais (muitas dessas questões até
recentemente ficavam reservadas ao tratamento dado pelo Legislativo ou pelo Executivo); e
Assim, a reação democrática em favor da proteção de direitos e contra as práticas populistas e totalitárias da
II Guerra Mundial na Europa, que deu origem, por exemplo, à adoção de uma ampla carta de direitos na Grundgesetz
alemã; a preocupação das esquerdas com a defesa de “direitos” contra “oligopolistas e oligarcas”, como no caso do
trabalhismo inglês (anos 50) ou sueco (anos 70); o resgate intelectual e acadêmico de teorias de “direitos liberais”,
presente em autores como Kant, Locke, Rawls e Dworkin e o concomitante desprestígio de autores como Hume e
Bentham; a influência da atuação da Suprema Corte americana (especialmente a chamada Warren Court, nos anos
50-60); a tradição europeia (kelseniana) de controle da constitucionalidade das leis; os esforços de organizações
internacionais de proteção de direitos humanos, sobretudo a partir da Declaração Universal dos Direitos Humanos
da ONU, de 1948 ― todos esses fatores, segundo Vallinder (1995), contribuíram para o desenvolvimento da
judicialização da política.
Acrescente-se, ainda, como outro fator determinante da judicialização da política, o declínio da eficácia da
política macroeconômica a partir do final dos anos 60. Do ponto de vista do processo político como um todo, a
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É expressamente proibida a divulgação deste material, cujo uso é restrito às partes contratantes, sob pena de se caracterizar violação à Lei 9.610/98, com a responsabilização civil e criminal dos envolvidos.
judicialização da política contribui para o surgimento de um padrão de interação entre os Poderes (epitomizado no
conflito entre tribunais constitucionais e o Legislativo ou Executivo), que não é necessariamente deletério da
democracia.
A ideia é, ao contrário, que democracia constitui um “requisito” da expansão do poder judicial. Nesse sentido,
a transformação da jurisdição constitucional em parte integrante do processo de formulação de políticas públicas
deve ser vista como um desdobramento das democracias contemporâneas. A judicialização da política ocorre porque
os tribunais são chamados a se pronunciar onde o funcionamento do Legislativo e do Executivo se mostra falho,
insuficiente ou insatisfatório.
Sob tais condições, ocorre certa aproximação entre direito e política e, em vários casos, torna-se mais difícil
distinguir entre um “direito” e um “interesse político”, sendo possível caracterizar-se o desenvolvimento de uma
“política de direitos”.
A judicialização de políticas públicas tem por fim a concretização dos direitos fundamentais e adequada
aferição da destinação dos recursos públicos para o suprimento dos anseios da sociedade. Baseia-se na própria
ideia do Estado Democrático de Direito, em que o cidadão pode ir a juízo discutir o desvio ocorrido pelo poder eleito,
que deverá atender aos interesses da sociedade, cuja vontade é soberana. Tem como contrapeso a Reserva do
Possível.
A Judicialização significa que algumas questões de larga repercussão política ou social estão sendo
decididas por órgãos do Poder Judiciário, e não pelas instâncias políticas tradicionais: o Congresso
Nacional e o Poder Executivo. (…) A judicialização e o ativismo judicial são primos. (…) A
judicialização, no contexto brasileiro, é um fato, uma circunstância que decorre do modelo
constitucional que se adotou, e não um exercício deliberado de vontade política. Em todos os casos
referidos acima, o Judiciário decidiu porque era o que lhe cabia fazer, sem alternativa. Se uma norma
constitucional permite que dela se deduza uma pretensão, subjetiva ou objetiva, ao juiz cabe dela
conhecer, decidindo a matéria. Já o ativismo judicial é uma atitude, a escolha de um modo específico
e proativo de interpretar a Constituição, expandindo o seu sentido e alcance. Normalmente ele se
instala em situações de retração do Poder Legislativo, de um certo descolamento entre a classe
política e a sociedade civil, impedindo que as demandas sociais sejam atendidas de maneira efetiva
(BAROSO, Luiz Roberto. Curso de direito constitucional contemporâneo. 5 ed. São Paulo: Saraiva, 2014,
p. 612).
Trata-se de um mecanismo para contornar, passar o processo político majoritário quando ele se tenha
mostrado inerte, emperrado ou incapaz de produzir consenso. Os riscos da judicialização e, sobretudo, do ativismo
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É expressamente proibida a divulgação deste material, cujo uso é restrito às partes contratantes, sob pena de se caracterizar violação à Lei 9.610/98, com a responsabilização civil e criminal dos envolvidos.
envolvem a legitimidade democrática, a politização da justiça e a falta de capacidade institucional do Judiciário para
decidir determinadas matérias (BAROSO, Luiz Roberto. Op. Cit., 2014, p. 612).
Dentro da análise do tema da judicialização da política é de suma importância a distinção entre a doutrina
substancialista e a procedimentalista. Para os adeptos do procedimentalismo, o papel da Constituição é tão somente
o de definir as regras do jogo político, assegurando sua natureza democrática. Assim, a atividade jurisdicional deve
ser mais cautelosa, retirando as decisões sobre temas controvertidos no campo da moral, da economia e da política
da apreciação pelo Judiciário. A jurisdição constitucional, para o constitucionalismo procedimentalista, tem o papel
exclusivo de assegurar os pressupostos necessários ao bom funcionamento da democracia.
Para os adeptos do substancialismo, a solução de tais controvérsias encontra fundamento no próprio texto
constitucional, o que legitima um papel mais ativo na jurisdição constitucional. Não basta assegurar “as regras do
jogo”, é necessário assegurar os direitos fundamentais, princípios e fins públicos previstos na Constituição. Trata-
se, pois, de corrente umbilicalmente ligada à possibilidade de judicialização das políticas públicas, legitimando a
atuação do Poder Judiciário como ator político e intérprete moral da sociedade.
(FCC - 2018 - DPE-AM - Defensor Público) Sobre o controle de políticas públicas pelo Poder Judiciário,
é correto afirmar que a base teórica que privilegia os princípios, tornando o juiz um agente das
transformações sociais, atuando não só na verificação da constitucionalidade da lei formal, mas
também na observação das questões materiais relativas às próprias políticas, é conhecida como
E – Substancialismo. (CORRETA)
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Resposta: Letra A.
Surge como antagonismo ao monismo jurídico, no qual só o sistema legal desenvolvido pelos órgãos estatais
deve ser considerado direito positivo. Origina-se também da falta de efetividade oferecida pela prestação jurisdicional
do Estado a todos aqueles que necessitam de sua tutela ― para alguns, crise do positivismo jurídico. Há diversos
grupos que elaboram normas paralelamente à atuação estatal, a fim de regularem, de forma informal e espontânea,
suas relações internas: grupos religiosos, associações de bairro, sindicatos, entre outros.
O pluralismo jurídico pode ser visto como o “uso alternativo” do direito posto pelo Estado, explorando-se o
ordenamento a favor dos menos favorecidos, ou como o surgimento de normas paralelas, alternativas ao sistema
estatal. É uma criação para corrigir algumas falhas não cobertas pelas normas jurídicas do Estado, sendo um dos
mecanismos usados para sanar essa deficiência social.
O direito alternativo é o resultado das práticas jurídicas desenvolvidas e vistas por muitos estudiosos como
uma proposta de nova interpretação do Direito por seus aplicadores, tendo como objetivo o favorecimento da justiça
ao caso concreto. Como exemplo do pluralismo jurídico no direito brasileiro, tem-se o artigo 5º da LINDB e o artigo
6º da Lei nº 9.099/95.
Lei nº 9.099/95
Art. 6º O Juiz adotará em cada caso a decisão que reputar mais justa e equânime, atendendo aos fins
sociais da lei e às exigências do bem comum.
O pluralismo jurídico, apesar de ser uma alternativa e uma nova esperança de paz social para os homens, nem
sempre alcança o seu objetivo, sendo, às vezes, um problema social no qual o próprio Estado necessita intervir. Por
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exemplo, o pluralismo, se desvirtuado, pode levar ao surgimento de normas autoritárias e não emancipatórias.
Outrossim, um movimento de pluralismo jurídico originalmente espontâneo pode ser cooptado e esvaziado por
autoridades estatais ou defensores de uma ordem mais conservadora. Ainda, a aplicação do pluralismo jurídico pode
não atingir a paz social tão almejada por uma população que deixou de ser massacrada pelo Estado e passa a se
sentir oprimida por esse novo direito.
Há casos de comunidades tradicionais cujas normas reguladoras da vida em sociedade não advêm do
ordenamento jurídico estatal. Tais grupos têm o seu próprio sistema de regras, que deve ser levado em consideração.
Neste sentido, os artigos 8º e 9º da Convenção 169 da OIT estabelecem que “esses povos deverão ter o direito de
conservar seus costumes e instituições próprias, desde que eles não sejam incompatíveis com os direitos
fundamentais definidos pelo sistema jurídico nacional nem com os direitos humanos internacionalmente
reconhecidos”, podendo, nesses termos, recorrer também aos seus métodos tradicionais de repressão de delitos.
Outrossim, o direito posto e as instituições estatais devem levar em conta os costumes e as normas jurídicas
dos povos tradicionais. No plano constitucional, o Estado brasileiro deve proteger as manifestações culturais e os
modos de fazer, criar e viver dos povos tradicionais, havendo menção expressa à organização social dos índios
(artigos 216 e 231 da CF).
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(TRF 3ª Região – 2018 – Juiz Federal) Um novo paradigma para o constitucionalismo surgiu entre o
final do século XX e o início do século XXI. Procura ser uma resposta teórico-prática para a
necessidade de se obterem eficácia e efetividade para as normas constitucionais, sobretudo as
portadoras de direitos sociais. Implanta, no Brasil, modelo normativo-axiológico, com adoção
expressa de valores e opções pela efetivação de políticas públicas com sede constitucional. Muitas
destas bastante específicas, como os serviços de saúde, educação e assistência social a
hipossuficientes. Esse paradigma constitucional possui algumas notas típicas, dentre as quais NÃO
se encontram:
(A) Separação conceitual entre o direito constitucional e a moralidade política.
(B) Tendência a integração das diversas esferas da razão prática para solução dos casos
constitucionais: o direito, a moral e a política.
(C) Compreensão da constitucionalidade enquanto critério último de validade das normas, em termos
substantivos e não apenas formais.
(D) Os direitos constitucionais incorporam uma ordem objetiva de valores. Esses direitos e valores
tornam-se onipresentes com “efeito irradiante” sobre os demais ramos do direito.
Resposta: alternativa A.
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