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COMUNICAÇÃO SOCIAL COM ÊNFASE EM JORNALISMO

COMUNICAÇÃO, MÍDIA E IMAGEM - 2020.2

Apocalypse Marginal: Existências que transgridem o cis-tema1

Caetano Argôlo Nunes 2


UNIVERSIDADE FEDERAL DO RECÔNCAVO DA BAHIA

RESUMO

O texto a seguir tem como objetivo questionar e analisar as visões do cis-tema e seus
mecanismos de controle sobre os corpos trans. A partir da análise do clipe da música
“Oração” da artista Linn da Quebrada, que reúne objetos e símbolos sagrados para pedir pela
prolongação do curto fio de vida presente em corpos dissidentes, é apresentada, em seguida, a
figura da Ana Carolina Apocalypse, mulher trans e idosa, que derruba o estigma dos 35 anos
de expectativa de vida, transicionando de gênero socialmente no auge da sua sexta década.
Por fim, fica explícito os mecanismos usados por Carolina para permanecer viva no país que
ao mesmo tempo que brilha em pesquisas sendo o que mais mata pessoas trans do mundo,
surge em sites pornográficos como o que mais consome conteúdos relacionados a esses
corpos.

Palavras Chave: Tecnogênero, Ana Carolina Apocalypse, cis-play

INTRODUÇÃO

Entre o ser homem e o ser mulher habitam milhares de existências que hoje podem ser
reconhecidas, ou não, pelos Estados em que nasceram. Dentro dessa binaridade de gênero,
podemos observar algumas questões que são sociais e outras, biologicamente socializadas.
Em sua obra mais famosa, O segundo sexo, Simone de Beauvoir, filósofa existencialista
francesa, ao se basear na teoria Hegeliana do “Outro”, escreve que não se nasce mulher,
torna-se. Uma vez que a figura feminina é uma construção social, construída por uma
sociedade patriarcal, é esta a antítese do Eu. Transformando a mulher em uma cópia da cópia
da cópia, que para ser, precisa tornar-se. Com esta obra, Beauvoir foi uma das inspirações do
que se conhece como primeira onda do feminismo, período de atividade feminista em meados
do século XX em países como França. Reino Unido, Canadá, Países Baixos e Estados Unidos
da América, em busca de igualdade de direitos entre os gêneros e liberdade e autoridade
sobre os próprios corpos.
Esse momento histórico é denominado pelo filósofo contemporâneo espanhol, Paul
Beatriz Preciado, em sua obra Testo Junkie (2008), como o desenvolvimento do feminismo

1
Trabalho requisitado pelo Professor Dr. Jorge Filho, como forma de avaliação para a disciplina Comunicação, Mídia e Arte, do curso
Comunicação Social com ênfase em Jornalismo, na Universidade Federal do Recôncavo da Bahia.
2
Graduando em Comunicação Social com ênfase em Jornalismo na UFRB (Universidade Federal do Recôncavo da Bahia).

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de Estado. Visto que as mulheres que lutaram nessa época cederam ao discurso estatal e não
buscaram formas de contenção ao que é masculino, mas seguiram o modus de controle do ser
mulher. Ele coloca como exemplo a pílula anticoncepcional que impede uma gestação
indesejada, tirando da mulher a responsabilidade vital da reprodução, ainda que cause
incontáveis efeitos adversos. Além disso, ele expõe a branquitude e o elitismo desse
movimento sufragista, ao relembrar que esta droga farmacológica foi testada durante seu
desenvolvimento em mulheres das periferias porto-riquenhas.
Para o autor, entre o ser homem e o ser mulher existem milhares de formas de ser que já
são. Mas flertando com os manifestos ciborgues3, ele relembra que é a farmácia que os
permitem ser. E é essa mesma pílula, produzida para dar liberdade ao ser cis-feminino, que
constrói a feminilidade em corpos trans, expondo a habitação entre a linha existente entre o
homem e mulher; e é nesse momento que Preciado nos traz o conceito de Tecnogênero4.
Antes de tudo, para explorar essa problemática faz-se necessário entender que além das
concepções biológicas sobre genitais, a ideia de gênero dentro das Ciências Sociais está
ligada ao que é social, empírico. Na Psicologia, por exemplo, como colocam Zago e Oliveira,
o termo refere-se ao conjunto das diferenças sociais atribuídas ao masculino e feminino
(OLIVEIRA e ZAGO, 2018, p.7), e a palavra gênero ganha utilidade no sentido de distinção
da prática sexual dos papéis atribuídos às mulheres e aos homens (OLIVEIRA e ZAGO,
2018, p.7).

Gênero difere de sexo, que difere da noção de orientação sexual. Os termos


não devem ser utilizados como sinônimos e devem ser entendidos em sua
complexidade na formação de cada ser (LOURO, 2004). O termo
“transgênero” foi criado há 50 anos por John F. Oliven, psiquiatra, e foi bem
aceito pela ciência desde então. É relevante observarmos que questões
referentes a gênero e sexo se modificam e se multiplicam, assim como a
sociedade e seu contexto cultural. Para Louro (2001, p.2) “O grande desafio
não é apenas assumir que as posições de gênero e sexuais se multiplicaram
e, então, que é impossível lidar com elas apoiadas em esquemas binários”, e
desta forma, admitirmos que as fronteiras em que estes sujeitos vivem estão
sendo atravessadas. Por sua vez, identidade de gênero refere-se ao gênero
com o qual o indivíduo tem identificação: independe do sexo com o qual ele
tenha nascido. (OLIVEIRA e ZAGO, 2018, p.7-8).

Para além das questões acerca do motivo das transições de gênero e as suas
performances sociais, o estudo à seguir parte da investigação de corpos não-cis que
sobreviveram a partir do cis-play5, mas que foram jogados à margem assim que estouraram a
bolha do cis-tema. Tentamos objetivamente, a partir da análise da música da cantora Linn da
Quebrada, Oração, lançada em 2 de novembro de 2019, entender os meios de sobrevivência
desses corpos dissidentes, exemplificando que há um problema quando encaramos a
fetichização desses corpos que mesclam ódio e prazer em um só discurso. Enquanto somos o
país que mais mata pessoas trans no mundo, artigos publicados por plataformas de
compartilhamento de filmes eróticos, mostram que também somos os que mais buscam e
consomem pornografia trans em toda a internet.
3
Conjunto de teorias que exploram a relação do homem contemporâneo com as drogas farmacológicas e aparelhos tecnológicos para a
modificação corporal.
4
O conjunto de gêneros que só são reconhecidos pelo cis-tema com a ajuda de farmácos.
5
Termo usado para se referir ao mecanismo de sobrevivência usado pela pessoa trans para viver a vida inteira, ou parte dela, performando
sua identidade cis.

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SOBREVIVER AO cis-TEMA

Linn da Quebrada, nome artístico de Lina Pereira, mulher trans, travesti, preta e
periférica, ou como se reconhece: performer e terrorista de gênero, lançou em 02 de
novembro de 2019, um de seus clipes mais emblemáticos. Com mais de um milhão e meio de
visualizações até o momento, Oração representa uma celebração à vida, uma prece à alguma
entidade metafísica pela prolongação do curto fio de vida existente nos corpos trans. Isso
porque, segundo o IBGE, a expectativa de vida dessa população é de 35 anos.
O primeiro ponto a ser analisado é a data de lançamento do vídeo, em 02 de novembro
comemora-se o dia de finados em todo o país e fugindo de todo o saudosismo, Linn nos
oferece a realidade, posto que além de poesia, a produção videoclíptica é, antes de tudo, uma
obra política.

Por último, já na reprodução dos primeiros minutos do clipe, é


possível observar como a cantora Linn da Quebrada inicia a produção
com um facão às mãos. Diferente do que se possa pensar, isto é,
tomar o facão como uma arma comum ao assassinato de transexuais e
travestis, o objeto serve para “cortar pela raiz” o mal que se direciona
à vida dessas mulheres. É no corte do “mal pela raiz” que o clipe de
Oração se orientará. (SERAFIM, 2021, p.1)

Nos primeiros versos da música, a cantora, em prece, pede que termine aqui e agora,
que termine nela, mas não acabe com ela. Ainda que não diga exatamente o que deseja que
tenha fim, é possível entender que Linn se refere a violência massiva que todas as pessoas
trans vivem. Que termine nela, mas não acabe com ela. Ela pede que amanhã possa ser
diferente, que as próximas gerações possam ter mais dignidade, mais segurança, mais vida, e
que Lina possa viver nelas, através de suas memórias.
O vídeo começa com vozes que ecoam junto a da cantora que veste branco e performa
passos de balé dentro de uma construção aparentemente abandonada, junto a outras mulheres
trans e travestis que também são figuras já conhecidas do movimento LGBTTQIA+. Dando a
entender que estão ocupando um espaço que antes não lhes era permitido. São mulheres trans,
pretas, alcançando o sucesso.

Figura 1: 2min13s do clipe. Linn da Quebrada é a segunda da esquerda para a direita.

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Todas as mulheres vestem branco, cor que costumeiramente é associada à paz. Dentro
de religiões com matrizes africanas, a cor também pode ser associada à calmaria, à sabedoria,
à tranquilidade. Algumas também usam véu, como é o caso da cantora e compositora Liniker.

Figura 2: 2min25s do clipe. Liniker toca piano.

Durante a música as mulheres se dividem entre cantar e distribuir afeto e cuidado entre
si. É possível ver em vários momentos cenas de choro entre abraços e versos da música
ecoam entre as mulheres que dividem o espaço. É possível ver entre a segunda metade do
segundo minuto e a primeira metade do terceiro minuto, a presença de uma viatura próxima
às que performam junto a Linn. As mulheres estão de mãos dadas enquanto policiais militares
as acompanham com os olhos. A música toca e o que se ouve é uma súplica: “não queimem
as bruxas, mas que amem as bixas, mas que amem, clamem, mas que amem as “travas”
também”. A viatura segue enquadrada enquanto as mulheres encaram a câmera. A música
toca e a viatura sai antes que elas se levantem.

Figura 3: 2min51s do clipe. As mulheres caminham ao lado da viatura.

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Em seguida, a cena nos mostra as mulheres como estátuas, mas juntas. Encarando a
câmera que as filma.

Figura 4: As mulheres posam.

Quando a música para, a última coisa que se escuta é um “amém”. Termo usado dentro
de religiões cristãs ao finalizar uma oração que pode significar “que assim seja”. Em silêncio,
as mulheres trocam de lugar e parecem querer mostrar que não há hierarquias entre si, apenas
respeito.
Dirigido por Sabrina Duarte e roteirizado pela própria Linn da Quebrada, Oração não é
mais um clipe. Partindo de um espírito iconoclasta, a compositora ocupa, além do cenário
abandonado, objetos que caminham entre os sagrados cristãos e de matrizes africanas. Para
além da prece pela vida e a comemoração entre as que ocupam esses lugares ao seu lado,
Linn mostra que há cuidados sacralizados também para a população marginal. O facão na
primeira cena da produção, por exemplo, pertence ao Orixá Ogum, do panteão Iorubá, o
guerreiro, dono dos caminhos, e que vence toda e qualquer batalha designada a ele. Linn pede
empatia, mas também mostra cuidado, é afetuosa a forma com que encara e performa com as
mulheres no vídeo. Oração não é mais um clipe. É um manifesto político, visto que mesmo à
margem social, estas estão unidas e dispostas a existirem.
Estudos realizados pela ONG europeia Transgender Europe, mostram que brilhamos
em liderança absoluta como a nação que mais mata pessoas trans no mundo. Entre 2008 e
2014, por exemplo, foram 604 assassinatos desses corpos dissidentes. Esse número segue
crescendo e sabemos que é ainda maior quando pensamos que os dados coletados não
correspondem à realidade exata do país, devido a falta políticas públicas e um mapeamento
eficaz que catalogue efetivamente a população trans e todas as violências sofridas
diariamente. É importante pontuar que dados como esses são resultados da transfobia6,

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Ódio/aversão a pessoas transgeneros.

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movimento que o cis-tema7 impulsiona para trazer à margem social todo e qualquer corpo, ou
performance de gênero, dissidente.
Na época do lançamento a compositora estava próxima do seu aniversário de trinta
anos. Podemos analisar a obra também como uma celebração a sua idade, já que muitas são
as mulheres trans que não chegam nem perto da terceira década de vida. Linn percebeu-se
enquanto corpo trans ainda adolescente e conseguiu sobreviver ao cis-tema. Mas podemos
observar a canção também como um testamento de legado, Lina não sabe se sobreviverá mais
três décadas.

ANA CAROLINA APOCALYPSE

Fora da reta expectada pelo IBGE está Ana Carolina Apocalypse. Mulher trans, idosa e
digital influencer. Ela repercutiu nas redes sociais a partir de um post onde mostrava a época
que praticava o cis-play.

Figura 5: À esquerda Ana em 2016. À direita, Ana posa para a foto após sua transição social.

No país que mais mata pessoas trans, Ana Carolina Apocalypse conseguiu entender-se
enquanto mulher e tem conseguido resistir ao cis-tema e seus mecanismos de extermínio aos
corpos dissidentes.

7
Amplamente utilizado no meio Trans, é um trocadilho com a palavra sistema usando o prefixo “cis” de cisgênero, indivíduos que se
reconhecem no genêro que foram designados ao nascer.

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Figura 6: Entrevista de Apocalypse ao Jornal O Estado de S. Paulo

Apesar de só ter transicionado ao chegar na terceira idade, o corpo de Ana nunca


chegou perto do que é ser masculino. Ana resistiu a todo e qualquer mecanismo de repressão
que o cis-tema lhe impôs, não só utilizando o cis-play, mas arriscando a subversão de ser uma
pessoa trans, idosa, e que com a ajuda de drogas farmácológicas e procedimenmtos
tecnológicos, (re)constrói seu gênero.

Butler defende que se tornar um sujeito feminino ou masculino não


acontece em um único ato ou prática e nem mesmo é algo natural,
mas sim uma construção que não pode ser deduzida por um corpo,
senão do efeito de discursos, o gênero é, sobretudo, performativo.
(GIRARDI e EDRAL, 2018, p. 2)

Apesar de apresentar-se como homem durante grande parte de sua vida, Apocalypse
nunca chegou a ser um. Enquanto Butler estiver certa e o gênero for uma construção, Ana
nunca chegou a ser cis, mas foi por meio do cis-play que conseguiu chegar viva na terceira
idade.

Eu nasci num corpo, mas a minha mente é totalmente ao contrário. O meu


tratamento hormonal foi pra isso, pra ir de encontro ao gênero que eu me
identifico. Eu nasci uma menina presa num corpo masculino. Eu casei, tive
uma filha, mas foi tudo natural. Eu tinha relação sexual com a minha esposa,
mas não era o que eu queria mesmo. (APOCALYPSE, 2020)

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Nesse processo de reconstrução, Ana Carolina tem protagonizado algumas campanhas


publicitárias para organizações voltadas para o público feminino. Em 2020 tornou-se a
“garota propaganda” da Nívea8.

Figura 7: Primeira foto da parceria de Ana Carolina Apocalypse com a marca.

O mercado que nasceu dentro do cis-tema agora reconhece que pessoas colocadas à
margem dessa sociedade também consomem, como coloca Coruja (2018):

Hall (2006) expõe que a identidade muda de acordo como o sujeito é


representado e que por vezes isto resulta não como uma mudança de
política de identidade, mas sim, mudança política de diferença.
Contudo, mesmo que seja reconhecida a existência de tal diferença,
não significa que esta é respeitada e tratada como normativa. Assim,
entende-se a importância da publicidade dialogar com o sujeito trans e
com a sociedade. (CORUJA, 2018, p.3)

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NIVEA é uma marca alemã, presente em muitos países, que opera nos mercados internacionais de cuidado da pele.

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Desse diálogo nasce a busca por pessoas que representam essa população pronta para o
consumo. A Nívea, nesse caso, encontrou Carolina e sua presença midíatica tem mostrado
muito sobre o incômodo do cis-tema sobre corpos dissidentes. A não compreensão fica
explícita nos comentários das redes sociais da marca enquanto o rosto de Ana estampava suas
publicações.
Em 2021, Apocalypse apareceu na capa da edição de maio da revista Marie Claire 9.

Figura 8: “Nunca é tarde para ser feliz”

A frase estampada junto a sua foto diz respeito a um trecho da entrevista que cedeu
para o veículo. Nunca é tarde para ser feliz, ela diz enquanto posa para as câmeras de uma das
maiores, e mais reconhecidas, revistas voltadas para o público feminino. Binariamente
feminino. Ana Carolina, habitante do vão entre o ser homem e o ser mulher que a
cisgeneridade nos apresenta, vem expondo ao público outras formas de fazer gênero. Ou
melhor, de reconstrução de si mesma.

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Revista feminina mensal lançada originalmente em França em 1937.

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CONCLUSÃO

Levando em conta o absurdismo que trata o termo não como “logicamente impossível”,
mas “humanamente impossível”, gostaríamos de suscitar a questão: o que há de tão absurdo
nesses corpos que possa provocar profundo ódio e tamanho desejo ao mesmo tempo? Seja o
que for, esse texto não tem a pretensão de explorá-lo, mas de trazer à superfície das pesquisas
esse aspecto absurdo presente nos que habitam o que Preciado chama de Tecnogênero.
Linn da Quebrada, ao publicar sua súplica pelo prolongamento do curto fio da vida
desses corpos divergentes, está celebrando, acima de todos os pontos já citados
anteriormente, a existência das Anas Carolinas Apocalypses que não se colocam para fora da
margem social. Ao pedir que termine nela, mas não acabe com ela, Lina sabe que para
aqueles que não habitam nessa zona silenciada entre o ser homem e o ser mulher, figuras
como Carolina, podem parecer confusas ou antagônicas em si. Mas todas estas que
compartilham do mesmo aspecto entendem que Apocalypse só sobreviveu para ser quem é,
não sendo.
Infelizmente a sobrevivência de indivíduos como elas, não depende apenas do que
representam socialmente, mas também da desmistificação do que são. No clipe de Linn, ela
mostra que tem ocupado um espaço que antes lhe era negado e tem usado seu local de fala
para cuidar das próximas Linas que virão. Porque virão. E se o mundo não se mostra sútil
para essa população, que possamos construir outra forma social, assim como outras criaturas
virão e produzirão outras formas de ser. E a possibilidade de viver sem o estigma dos 35 anos
é tudo que queremos para as próximas Anas, Linas e Caetanos. Amém!

REFERÊNCIAS

RedTube & Brazil. PornHub Insights, 2016. Disponível em:


<https://www.pornhub.com/insights/redtube-brazil>. Acesso em: 01/09/2021.

TGEU - working for the rights and wellbeing of trans people. TGEU. Disponível em:
<https://tgeu.org/>. Acesso em: 10/09/2021.

GNIPPER, Patrícia. BR lidera busca por trans no RedTube, mas é o país que mais mata
transexuais. CanalTech, 2017. Disponível em:
<https://canaltech.com.br/comportamento/br-lidera-busca-por-trans-no-redtube-mas-e-o-pais-
que-mais-mata-transexuais-97580/>. Acesso em: 09/09/2021.

PRECIADO, Paul B. Testo Junkie: Sexo, drogas e biopolítica na era farmacopornográfica.


M-1 edições, 2018.

CORUJA, Paulo. Uma Cartografia do Conceito Butleriano de Performatividade. In: Intercom


– Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares da Comunicação, XLII, 2019, Belem.
Disponível em: <https://portalintercom.org.br/anais/nacional2019/resumos/R14-0792-1.pdf>.

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COMUNICAÇÃO SOCIAL COM ÊNFASE EM JORNALISMO
COMUNICAÇÃO, MÍDIA E IMAGEM - 2020.2

Acesso em: 30 ago 2021.

GIRARDI, Nicolau Jordan e EDRAL, Adriana S. Bassini. O HOMEM TRANS NA


PUBLICIDADE: UMA ANÁLISE DO ANÚNCIO UNLIMITED COURAGE, DA MARCA
NIKE. In: Intercom – Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares da Comunicação,
XLI, 2018, Joinville. Disponível em:
<https://portalintercom.org.br/anais/nacional2018/resumos/R13-1534-1.pdf>. Acesso em: 30
ago 2021

OLIVEIRA, Gabriel Conceição e ZAGO, Luiz Felipe. Muriel Total: corpo e gênero nas
charges de Laerte Coutinho. In: Intercom – Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares
da Comunicação, XLI, 2018, Joinville. Disponível em:
<https://portalintercom.org.br/anais/nacional2018/resumos/R13-1619-1.pdf>. Acesso em: 31
ago 2021

SERAFIM, Thiago V. C. Oração pela vida: uma análise do clipe de Linn da Quebrada. In:
LBXXI – Literatura Brasileira no XXI, 2021. Disponível em:
<https://www.lbxxi.org.br/arquivos/publicacoes-1041-thiago-vinicius-caetano-serafim.pdf>.
Acesso em: 01 set 2021

CAMPOS, Maíra. Apocalypse: A dor e a delícia de ser uma idosa trans no Brasil. Catraca
Livre, 26 jun 2020. Disponível em:
<https://catracalivre.com.br/entretenimento/apocalypse-a-dor-e-a-delicia-de-ser-uma-idosa-tr
ans-no-brasil/>. Acesso em: 07 set 2021.

BORTONI, Larissa. Expectativa de vida de transexuais é de 35 anos, metade da média


nacional. Agência Senado, 20 jund 2017. Disponível em:
<https://www12.senado.leg.br/noticias/especiais/especial-cidadania/expectativa-de-vida-de-tr
ansexuais-e-de-35-anos-metade-da-media-nacional>. Acesso em: 07 set 2021.

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