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Sensibilização para leitura seletiva

Por que falamos como idiotas


Tiago Lethbridge
Fonte: Exame, julho 2005

Basta entrar numa empresa para ouvir uma língua que usa
muitas palavras – mas não diz nada. Leia com atenção o diálogo a
seguir:
– Precisamos adotar as melhores práticas.
– Mas com foco no cliente?
– É claro! Sem isso, perderíamos nossa vantagem competitiva,
afetando o bottomline no longo prazo.

– Mas, se não nos alinharmos aos stakeholders, vamos deixar


de estar agregando valor ao negócio.

Se você não percebeu que essa conversa é apenas um


amontoado de jargões gastos, palavras vazias e frases sem o menor
sentido, cuidado. Se essas expressões fazem parte do seu
vocabulário, então, talvez o caso seja grave.

Você pode ser vítima de uma das maiores pragas do mundo dos
negócios: falar como um idiota. A comunicação transparente nunca
foi tão importante para a sobrevivência das empresas. E,
aradoxalmente, nunca tantos usaram tantas palavras para dizer tão
pouco. Até recentemente esse assunto era tema de piadas. Neste
ano, no entanto, Brian Fugere, Chelsea Hardaway e Jon Warshawsky,
três consultores da Deloitte, lançaram um livro que se propõe a
estudar seriamente o tema: Why Business People Speak Like Idiots
(Por que os homens de negócio falam como idiotas) , sem previsão
de lançamento no Brasil.

Os executivos de hoje falam de maneira evasiva, argumentam


os autores, especialmente quando suas empresas têm notícias ruins a
dar aos acionistas.

No Brasil, há uma agravante. Nossos homens de negócios


importam termos usados pelos americanos sem nem tentar traduzi-
-los. Como resultado, surgem preciosidades como os verbos
upgradear, deliverar ou performar – inexistentes em qualquer
dicionário digno do nome. "A baboseira se tornou a língua dos
negócios", escrevem os consultores da Deloitte. Rareiam executivos
que sabem se comunicar com clareza, como Jack Welch, o ex-
presidente da GE, ou Samuel Klein, fundador da Casas Bahia.
Quando os presidentes capricham no discurso rebuscado, entra
em ação uma espécie de lei da gravidade, descrita pelo palestrante e
ex-colunista de EXAME, Max Gehringer: "Os diretores querem falar
Íris Gardino _________________________________________2/2

como os presidentes; os gerentes, como os diretores; os supervi-


sores, como os gerentes; os trainees, como os supervisores; e os
estudantes, como os trainees". Uma boa amostra pode ser colhida no
programa de TV, O Aprendiz, apresentado por Donald Trump nos
Estados Unidos e por Roberto Justus no Brasil. Os candidatos, recém-
formados, papagueiam expressões ocas como “agregar valor”,
“alinhar” ou “movido a resultados”. "O idiota quer parecer esperto e,
para isso, abusa de palavras pomposas", escrevem os autores do
livro. Curioso notar que ninguém fala desse jeito quando não está
trabalhando.

Como no livro O Médico e o Monstro, de R.L. Stevenson, o


funcionário cultiva personalidades distintas dentro e fora do
escritório. É difícil imaginar, por exemplo, um gerente de RH que
proponha à namorada um relacionamento com mais "foco no
resultado". Quando o funcionário cruza a porta de entrada da
empresa, no entanto, seu vocabulário se transforma - e se afasta do
idioma das ruas.

Por que a linguagem dos negócios se tornou tão maçante? Há


alguns motivos. Faculdades de Administração, MBAs, gurus e
consultores passaram os últimos 20 anos reinventando velhos
conceitos e dando-lhes novos nomes. "Nenhum consultor vai propor
analisar os produtos de uma empresa, mas, sim, um realinhamento
estratégico do portfólio", diz Gehringer. Passados os anos, termos
como reengenharia, downsizing ou networking se entranharam no bê-
á-bá empresarial.

A onda mundial do politicamente correto, responsável por


transformar anões em "indivíduos verticalmente prejudicados",
também deixou cicatrizes nas empresas. Funcionário, chefe e
produto, por exemplo, são termos banidos do dicionário. Hoje se
chamam colaborador, líder e soluções disponibilizadas. "Quando um
departamento de RH chama o funcionário de colaborador ou
associado, quase sempre quer esconder sua incompetência", diz
Joaquim Patto, diretor da consultoria Mercer. Tecnologias como o
PowerPoint, com seus templates, também só ajudam a pasteurizar
ainda mais a linguagem.
Não é fácil sair dessa situação, em que uns fingem que falam e
outros fingem que entendem. Sem uma mudança de paradigma,
vamos estar falando como idiotas por um bom tempo.

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Disponível em: https://imasters.com.br/carreira-dev/por-que-falamos-como-idiotas
Acesso em 25.09.2021.

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