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ARTIGO ORIGINAL

DOI: h p://dx.doi.org/10.18310/2446­4813.2019v5n3p31­42

Assistência à gestante surda: barreiras de comunicação encontradas pela


equipe de saúde
Assistance to deaf manager: communica on barriers found by the health team

Dayana Roberta da Conceição Ferreira Resumo


Enfermeira. Especialista em Enfermagem em
Obje vo: iden ficar as principais barreiras e as
Saúde da Mulher. Universidade Federal de
formas de comunicação entre a equipe de saúde
Pernambuco. Departamento de Enfermagem.
e as gestantes surdas. Método: estudo
Fábia Alexandra Po es Alves descri vo exploratório de natureza quan ta va,
Doutora em Saúde Pública. Professor Adjunto realizado com 29 médicos e 31 enfermeiros de
III da Universidade Federal de Pernambuco. um Hospital de Recife – PE. Na coleta de dados
Departamento de Enfermagem. foi u lizado um ques onário previamente
formulado. Os dados foram analisados através
Érika Maria Alves da Silva
do so ware SPSS e foi realizado o teste qui­
E n fe r m e i ra . U n i ve rs i d a d e Fe d e ra l d e
quadrado para comparação de proporção. A
Pernambuco. Departamento de Enfermagem.
pesquisa foi aprovada pelo Comitê de É ca em
Francisca Márcia Pereira Linhares Pe s q u i s a d a U n i ve rs i d a d e Fe d e ra l d e
Doutora em Nutrição. Professora adjunto da Pernambuco. Resultados: dos entrevistados,
Universidade Federal de Pernambuco. 51,7% eram enfermeiros e 56,7% trabalhavam
Departamento de Enfermagem. na emergência; quase a totalidade não possuía
conhecimento em LIBRAS (90,0%); nos casos
Gleicy Karine Nascimento de Araújo
em que o método de comunicação u lizado foi o
E n fe r m e i ra . U n i ve rs i d a d e Fe d e ra l d e
intérprete (73,3%), o acompanhante foi
Pernambuco. Departamento de Enfermagem.
referenciado como o intérprete por 100% dos
par cipantes; 75,0% afirmaram que exis am
barreiras de comunicação entre eles e as
gestantes surdas e a falta de conhecimento em
LIBRAS foi citada como barreira por 50,0% dos
par cipantes. Conclusão: os profissionais deste
estudo associam a falta do conhecimento em
L I B R A S à inadequação da assistência,
evidenciando a necessidade de formação
profissional em LIBRAS.
Palavras­chave: Surdez; Gestação; Barreiras de
comunicação; Pessoas com deficiência
audi va; Integralidade em saúde.

Abstract
Objec ve: To iden fy the main barriers and forms of
communica on between the health team and deaf

Saúde em Redes. 2019; 5(3):31­42 31


Assistência à gestante surda: barreiras de comunicação encontradas pela equipe de saúde

pregnant women. Method: a descrip ve exploratory (73.3%), the companion was referred to as the
study of quan ta ve nature, conducted with 29 interpreter by 100% of the par cipants; 75.0% stated
doctors and 31 nurses of a hospital in Recife ­ PE. For that there were communica on barriers between
d ata co l l e c o n , a p rev i o u s l y fo r m u l ate d them and deaf pregnant women and the lack of
ques onnaire was used. Data were analyzed using knowledge in LIBRAS was men oned as a barrier by
SPSS so ware and the chi­square test was 50.0% of par cipants. Conclusion: The professionals
performed to compare propor ons. The research in this study associate the lack of knowledge in
was approved by the Research Ethics Commi ee of LIBRAS with inadequate care, highligh ng the need
the Federal University of Pernambuco. Results: for professional training in LIBRAS.
51.7% of the interviewees were nurses and 56.7%
worked in the emergency room; almost all had no Keywords: Surdez; Gestação; Barreiras de
knowledge of LIBRAS (90.0%); In cases where the comunicação; Pessoas com deficiência audi va;
communica on method used was the interpreter Integralidade em saúde.

Introdução

A comunicação é o meio primário do ser que, se não assis dos adequadamente, podem
humano se relacionar com o ambiente e as seguir com consequências nega vas para a
pessoas ao seu redor. A associação entre o mãe e o feto.3
ambiente correto, uma mensagem apropriada
e a colaboração do remetente e receptor da As gestantes surdas vivenciam um déficit nessa
mensagem é o meio mais eficaz para uma comunicação entre profissional e paciente,
interação e resposta sa sfatória ao obje vo gerando apreensões que, por vezes, interferem
inicial. Essa comunicação nem sempre é no sucesso da gestação, exibindo uma
realizada de modo padronizado e pode variar fragilidade da assistência, no âmbito da saúde,
de pessoa para pessoa, a par r de diferentes a e s s a s m u l h e re s . A s p e s s o a s s u rd a s
1,2
métodos e considerando diferentes situações. geralmente evitam a busca aos serviços de
saúde em decorrência da comunicação
Essa comunicação e a interação profissional­ deficiente e despreparo dos profissionais para
paciente é de extrema importância quando lidar com esse público, dificultando o processo
relacionado ao ciclo gravídico, pois, uma de compreensão de ambas as partes,
comunicação clara e efe va é primordial para impossibilitando uma assistência adequada.⁴,⁵
fornecer as instruções sobre todos os
procedimentos e informações para esse No atendimento à gestante, assim como a
período, obje vando uma resposta posi va às qualquer outra pessoa, a falta de conhecimento
condutas realizadas e sugeridas.1 O período em LIBRAS (Língua Brasileira de Sinais), pelos
gestacional é um importante momento na vida profissionais, desenvolve grandes lacunas no
da mulher e requer uma atenção especial por cuidado, aumentando a probabilidade de uma
incluir fenômenos biopsicossociais e culturais interpretação inadequada das informações e

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condutas prescritas ou dos sinais e sintomas Metodologia


relatados pelo paciente. Assim, como a saúde
abrange os aspectos socioeconômicos e Estudo do po descri vo exploratório de
culturais do indivíduo, a par cularidade de natureza quan ta va, desenvolvido em um
cada usuário dos serviços de saúde deve ser Hospital público na cidade de Recife­ PE,
respeitada e deve nortear o po de assistência a realizado no período de julho a setembro de
ser prestada, adaptando os mecanismos a 2014. A amostra de estudo foi cons tuída por
serem usados.⁶,⁷ médicos e enfermeiros que prestam assistência
à gestante nos diversos setores da referida
O acesso à saúde pela mulher surda em seu ins tuição de saúde. A escolha desses
ciclo gravídico puerperal, assim como por profissionais se deu por terem maior contato
qualquer outra pessoa com deficiência com a gestante, desde a admissão até a alta
audi va, está assegurado desde a aprovação da hospitalar.
Lei nº 10.436, de 24 de abril de 2002, que
propõe a implantação da L I B R A S nas A população cons tuiu­se por 104 profissionais,
ins tuições públicas de saúde e a garan a do sendo 63 médicos e 41 enfermeiros, que
atendimento e tratamento adequados aos exerciam suas a vidades nos setores:
portadores de deficiência audi va. Além disso, emergência obstétrica, centro obstétrico,
dispõe que os sistemas educacionais federal, alojamento conjunto e enfermaria de
estaduais e municipais devem garan r a obstetrícia patológica. Compuseram a amostra
inclusão do ensino da Língua Brasileira de Sinais os que atenderam ao critério de inclusão:
como parte integrante dos Parâmetros médicos ou enfermeiros que, em algum
8
Curriculares Nacionais. momento durante suas a vidades profissionais,
atenderam alguma gestante surda (n=60),
Segundo o Ins tuto Brasileiro de Geografia e sendo 29 médicos e 31 enfermeiros.
Esta s ca (IBGE), em 2010, aproximadamente
9,7 milhões de pessoas possuíam deficiência Os dados foram coletados por meio de um
audi va.9 Sendo assim, iden ficar as principais ques onário previamente formulado, contendo
barreiras e as formas de comunicação entre a dados de iden ficação, sociodemográficas e
equipe de saúde e as gestantes surdas, pode questões relacionadas às dificuldades
intermediar a compreensão das dificuldades encontradas pelos profissionais de saúde e as
existentes na assistência a esse público barreiras de comunicação existentes no
específico e subsidiar estudos que atendimento à gestante surda. A coleta
desenvolvam métodos e intervenções para a aconteceu no próprio local de trabalho.
melhoria da qualidade dessa assistência. Inicialmente, a pesquisadora perguntava se o

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profissional já havia atendido alguma gestante formais con das nas normas nacionais e
surda. Quando a resposta era posi va, a internacionais regulamentadoras de pesquisas
pesquisadora deixava o ques onário para que o envolvendo seres humanos.
profissional respondesse e posteriormente
passava para recolher. As variáveis de estudo Resultados
incluíram perfil pessoal; perfil profissional;
formação/conhecimento acerca de LIBRAS; Dos 60 profissionais que par ciparam do
dificuldades e barreiras enfrentadas na estudo, a maioria era do sexo feminino (73,3%),
comunicação com essas gestantes; e percepção com idade entre 35 a 50 anos (40,0%),
dos profissionais acerca dos problemas enfermeiros (51,7%), e trabalhavam na
decorrentes da falta do conhecimento em emergência (56,7%). Quanto ao perfil de
LIBRAS. Quando perguntados sobre as barreiras formação e o conhecimento acerca de LIBRAS,
de comunicação existentes e os métodos de iden ficou­se que a grande maioria possuía
comunicação u lizados com essas gestantes, foi mais de 6 anos de graduação, com maior
permi do aos entrevistados assinalar mais de percentual entre aqueles com tempo de
uma opção de resposta, ficando livres para formação maior que 16 anos (38,3%) e quase a
elegerem quantas barreiras e métodos de totalidade não possuía conhecimento em
comunicação julgassem necessários. LIBRAS (90,0%), p­valor <0,001 (Tabela 1).

Para categorização e análise dos dados, foi Do total de profissionais entrevistados, 75,0%
construído um banco de dados em planilha do a fi r m a ra m q u e ex i s a m b a r r e i ra s d e
Microso Excel, que posteriormente foi comunicação entre eles e as gestantes surdas.
exportado para o so ware SPSS (Sta s cal Dentre essas barreiras, a mais citada foi a falta
Package for Social Science) para realizar a de conhecimento em LIBRAS (50,0%), seguido
análise. Foram calculadas as frequências de dificuldade de compreensão de sinais
percentuais e construídas as respec vas (35,0%) e dificuldade de compreensão dos
distribuições de frequência. Foi aplicado o teste gestos (31,6%). Ainda se iden ficou que 73,3%
qui­quadrado na comparação das proporções dos entrevistados citaram o intérprete como
encontradas. Todas as conclusões foram radas método de comunicação u lizado nos
considerando o nível de significância de 5%. atendimentos prestados e 100% referenciaram
que esse papel foi desempenhado pelo
A presente pesquisa foi aprovada pelo Comitê acompanhante. Quando não havia intérprete,
de É ca em Pesquisa da Universidade Federal os métodos de comunicação u lizados mais
de Pernambuco, conforme C A A E citados foram os gestos e a comunicação oral,
32199314.5.0000.5197 emi do em 05 de com 53,3% e 30,0% respec vamente. A LIBRAS
março de 2014, e respeitou as exigências foi o método de comunicação com menor

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percentual, sendo citada por apenas 5,0% dos O decreto 5.626 de 2005, determina que o
profissionais entrevistados (Tabela 2). ensino da LIBRAS é obrigatório nos cursos de
formação para o exercício do magistério ou
A respeito da compreensão das informações l i c e n c i a t u ra n a s d i fe r e n t e s á r e a s d o
pelo paciente, 88,3% dos profissionais conhecimento, tanto em nível médio como
afirmaram que se fazem compreendidos em superior. Para os demais cursos, inclusive os da
diálogo com a gestante surda, entretanto a área de saúde, o decreto afirma que a disciplina
metade (50,0%) considera inadequada a de LIBRAS deverá ser oferecida de forma
assistência prestada. Dentre os que ele va. Tais referências legais favorecem a
consideraram a assistência inadequada, 29 inclusão social dos surdos e contribuem para a
(96,6%) afirmaram que a assistência seria garan a de seus direitos como cidadãos
11
suficiente ou adequada se os profissionais de brasileiros.
saúde vessem conhecimento em LIBRAS.
Concordantemente, 76,6% deles acreditam que Exibindo resultados semelhantes a este estudo,
os profissionais deveriam ter conhecimento em pesquisas evidenciaram dificuldades na
LIBRAS (Tabela 3). interação do enfermeiro com os surdos devido
a falhas no processo comunica vo. Por não
Discussão possuírem conhecimento em L I B R A S, o
fornecimento de informações sobre a saúde da
Os resultados deste estudo revelam que a paciente grávida e surda era comprome do e
maioria dos profissionais entrevistados eram pouco contribuía para realizar aquilo que é da
enfermeiros e, considerando que, do total competência do enfermeiro. A interação com a
geral, 75% declararam haver barreiras de mulher grávida, nesse contexto, necessita ser
comunicação com a gestante surda, torna­se terapêu ca, cabendo aos profissionais de
p a s s ível d e d is cu s s ã o a q u a lid a d e d a saúde serem é cos e comprome dos em
assistência prestada a esse público. O prestar uma assistência holís ca e humanizada,
enfermeiro é o profissional que mantém maior favorecendo a autoconfiança, individualidade e
contato com os pacientes, sua assistência é igualdade de direitos à pessoa surda.⁵,⁷,¹²
baseada na prevenção, no cuidado e na
educação em saúde. A qualificação acadêmica Levando em consideração que o número de
e a interação profissional­paciente são pessoas com deficiência audi va é
ar cios essenciais para o sucesso da significa vamente alto e assumindo que a
terapêu ca e, dessa forma, seus linguagem oral é ineficaz com esse público, a
conhecimentos e prá cas devem integrar e comunicação com os profissionais de saúde
considerar as par cularidades e limitações de torna­se um desafio. Existe uma necessidade de
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cada indivíduo. ambas as partes buscarem maneiras de

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interagir de modo que a qualidade da de 16 anos de formação (38,3%), a procura por


assistência à gestante surda seja preservada, qualificação profissional para atender as
sendo o preparo profissional uma das formas pessoas com deficiência audi va é baixíssima,
iniciais para esse progresso, evitando ruídos de fato evidenciado pelo relato de 90% dos
informações e condutas.⁵,⁶,⁷ entrevistados não terem conhecimento em
LIBRAS. Em consonância com outros estudos,
Em um estudo realizado, em que 101 médicos esse cenário é comum e bastante preocupante,
foram entrevistados, apenas um par cipante v i st o a n e c e s s i d a d e d e u m a a te n ç ã o
declarou ter conhecimento básico de LIBRAS, especializada a essa comunidade. Sendo assim,
porém 76,2% deles reconheceram que o denota­se que as ins tuições e a formação dos
conhecimento de LIBRAS era importante para profissionais ainda deixam muito a desejar,
sua prá ca médica. Ainda se inves gou o contribuindo com a exclusão social a que esses
sen mento desses profissionais de saúde pacientes são expostos.⁷,¹²
frente ao atendimento do paciente surdo,
observando que o sen mento de desconforto O problema se agrava ainda mais, quando se
prevaleceu entre eles.¹³ aplica esse contexto à população de gestantes
surdas, por se referir a um período de grandes
Logo, verifica­se a importância da inclusão dos mudanças para a mulher e que necessita de
conhecimentos sobre LIBRAS aos profissionais uma atenção especial à saúde, devido ao maior
da saúde, desde a sua formação acadêmica, número de riscos e probabilidades de
obje vando o atendimento adequado, a complicações. Entretanto, algumas en dades
criação e fortalecimento do vínculo buscam quebrar esse paradigma e começam a
profissional­paciente e o estabelecimento de formular e implantar sistemas que visam a
uma maior resolu vidade das questões de melhoria da assistência a essas mulheres. Em
saúde das pessoas surdas. As implicações para uma clínica obstétrica e ginecológica na França
essa inclusão na grade curricular dos já se aplicam meios de concre zar esse
profissionais de saúde são significantemente progresso, em que estabeleceu­se uma
posi vas e, dentre elas, destacam­se: a garan a parceria com intérpretes de linguagem para
do acesso a um ambiente preven vo, cura vo e atendimento de surdos e treinamento de
reabilitador; criação de programas de saúde linguagem gestual para os profissionais.¹⁵
des nados a esse público; apoio à capacitação
dos profissionais do sistema único de saúde Durante a gravidez, as mulheres surdas podem
(SUS) para o uso de LIBRAS.¹⁴ vivenciar alguns dilemas como: a gesta não
planejada; a dificuldade de comunicação com os
Percebe­se que, nesta pesquisa, apesar do profissionais de saúde; a violação dos direitos da
considerável número de profissionais com mais pessoa surda; e a apreensão em relação à

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sanidade audi va do bebê. Esses dados mostram u lizaram a L I B R A S como meio de


a indispensabilidade de se refle r acerca da comunicação com a gestante surda,
fragilidade do cuidado a essas mulheres no evidenciando a carência do atendimento,
âmbito da saúde e, especialmente, a revisão da q u a n d o s e p en s a n a s d ifi c u ld a d es d e
efe vidade e aplicabilidade, pelas ins tuições, compreensão das informações, por ambas as
das polí cas e leis que apoiam e asseguram o partes, ao u lizar outros métodos. Afirmando
acesso às pessoas surdas. Essa comunidade que é de suma importância a par cipação de
possui um risco adicional por não ter acesso aos todos (sociedade, profissionais e deficiente
ambientes sociais e aos serviços que lhes audi vo), para que se cumpra os direitos como
2
correspondem, como saúde e educação. cidadão e ser humano igual a qualquer outro, a
inclusão da LIBRAS torna­se essencial.
Neste estudo, verificou­se que, dos 60
profissionais par cipantes, 75% deles A maior parte dos profissionais entrevistados
afirmaram que existem barreiras de (73,3%) citou, como método de comunicação
comunicação com as gestantes surdas. A u lizado, o uso de um intérprete para o contato
principal dificuldade relatada foi a falta de com o paciente e o acompanhante foi
conhecimento em LIBRAS (50,0%), seguido de referenciado como o intérprete por todos os
dificuldade de compreensão de sinais (35,0%). par cipantes que u lizaram esse método de
Pesquisas apontam que as formas de comunicação. Esse dado reafirma a
comunicação não verbais mais u lizadas são a necessidade de preparo e incen vo ao
leitura labial, os gestos e as mímicas, porém, na conhecimento em LIBRAS, tanto para os
maioria das vezes, o paciente não consegue profissionais de saúde quanto para os
fazer a leitura labial ou o profissional não familiares e cuidadores que convivem com o
consegue entender as mímicas e os gestos. deficiente audi vo, a fim de que esse indivíduo
Outro meio de interação iden ficado nos seja mais um aliado na inclusão do surdo e que
estudos foi a escrita, contudo a realidade contribua com o bom seguimento dos
mostra que, geralmente, essas pessoas não têm atendimentos e condutas de saúde a eles
oportunidade de alfabe zação e não aprendem indicados.¹⁶,¹⁷ Contudo, o atendimento com a
a língua portuguesa.⁵,⁷,¹⁶ presença de um intérprete, independente do
grau de parentesco, traz uma redução da
A Língua Brasileira de Sinais representa, para os privacidade, interferindo no sigilo profissional­
surdos, a sua primeira língua, a que os fazem paciente. Além disso, a dependência da
reconhecidos como sujeitos sociais, d i s p o n i b i l i d a d e d e u m a p e s s o a p a ra
contribuindo com a sua inserção na sociedade acompanhá­lo nas consultas, é um dos mo vos
brasileira.⁷ Entretanto, foi iden ficado nesta de desistência e descon nuidade da assistência
pesquisa que apenas 5% dos profissionais à saúde pelos pacientes.¹⁸

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Apesar dos problemas de comunicação acontece por falta do conhecimento em


iden ficados neste estudo, mais da metade dos LIBRAS, sendo o principal fator para o déficit na
par cipantes (88,3%) afirmaram acreditar que assistência a essa gestante. Além disso, pôde­se
são compreendidos em diálogo com a gestante perceber a importância da presença de um
com déficit audi vo, porém, ainda assim, 50,0% acompanhante no atendimento, visto que se
deles consideram inadequada a assistência tornam intérpretes e facilitadores do contato
prestada a essa comunidade e a maioria profissional­paciente, entretanto esse pode ser
afirmou que deveriam ser especializados em um fator de impedimento para a procura do
LIBRAS (76,6%). Isso reflete a serviço de saúde, por deixar de lado a
indispensabilidade, iden ficada a par r dos privacidade do paciente.
relatos dos profissionais, dos inves mentos
ins tucionais e governamentais em programas A gestação é um processo que, sozinho, já traz
e polí cas públicas que incen vem, promovam grandes mudanças para a mulher e quando
e garantam a capacitação desses profissionais, associado a um déficit audi vo, se não assis da
visando a integralidade da assistência à adequadamente por profissionais capacitados,
gestante surda.¹⁶ torna­se um potencial fator de risco. É de suma
importância um olhar governamental e
Considerações finais sensibilização social para esse público,
buscando assegurar os direitos como pessoa e
Neste estudo, iden ficou­se que enfermeiros e os resultados obstétricos sa sfatórios. É preciso
médicos que prestam atendimento à gestante, con nuar inves ndo na inclusão da LIBRAS na
e m u m h o s p i t a l d e r e fe r ê n c i a n e s s e formação dos profissionais de saúde e,
atendimento, na cidade do Recife­ P E, principalmente, planejar e desenvolver
reconhecem a existência de barreiras na estratégias que promovam a capacitação em
comunicação com a gestante surda e que isso LIBRAS dos profissionais já formados.

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Tabelas

Tabela 1. Distribuição do perfil pessoal e profissional dos par cipantes avaliados, (n=60). Recife,
Brasil, 2014

Fator avaliado N % p­valor¹

Sexo
Masculino 16 26,7 <0,001
Feminino 44 73,3
Idade
20 a 25 anos 2 3,3 <0,001
25 a 35 anos 23 38,3
35 a 50 anos 24 40,0
Mais de 50 anos 11 18,3
Profissão
Médico 29 48,3 0,796
Enfermeiro 31 51,7
Trabalha na emergência
Sim 34 56,7 0,302
Não 26 43,3
Tempo que trabalha na ins tuição
Menos de 1 ano 8 13,3 0,007
1 a 5 anos 20 33,4
6 a 10 anos 11 18,3
11 a 15 anos 4 6,7
16 anos ou mais 17 28,3
Tempo de formação
1 a 5 anos 9 15,0 0,074
6 a 10 anos 15 25,0
11 a 15 anos 13 21,7
16 anos ou mais 23 38,3
Conhecimento em LIBRAS
Sim 6 10,0 <0,001
Não 54 90,0
¹p­valor dos testes qui­quadrado para comparação de proporção (se p­valor < 0,05 as proporções encontradas diferem
significa vamente).

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Tabela 2. Distribuição das barreias enfrentadas pelos profissionais por conta da falta de
conhecimento em LIBRAS, (n=60). Recife, Brasil, 2014

Fator avaliado N % p­valor¹

Existe barreiras de comunicação


Sim 45 75,0 <0,001
Não 15 25,0
Barreiras de comunicação*
Falta de conhecimento da LIBRAS 30 50,0 <0,001
Dificuldade de compreensão de sinais 21 35,0
Dificuldade na comunicação por gestos 19 31,6
Outra 1 1,6
Método de comunicação u lizado*
Intérprete 44 73,3 <0,001
Gestos 32 53,3
Oral 18 30,0
Escrita 15 25,0
LIBRAS 3 5,0
Caso tenha u lizado intérprete este foi
Acompanhante 44 100,0 ­

¹p­valor dos testes qui­quadrado para comparação de proporção (se p­valor < 0,05 as proporções encontradas diferem
significa vamente).
*para esta variável foi permi do assinalar mais de uma opção, com isso os valores somam mais de 100%.

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Assistência à gestante surda: barreiras de comunicação encontradas pela equipe de saúde

Tabela 3. Distribuição da percepção dos profissionais acerca dos problemas decorrentes da falta do
conhecimento em LIBRAS, (n=60). Recife, Brasil, 2014

Fator avaliado N % p­valor¹

Compreende os problemas do paciente


Sim 56 93,3 <0,001
Não 4 6,7
É compreendido pelo paciente
Sim 53 88,3 <0,001
Não 7 11,7
Como avalia qualidade da assistência
prestada a gestante surda
Inadequada 30 50,0 <0,001
Suficiente 26 43,3
Adequada 4 6,7
Se inadequada, a assistência prestada
seria suficiente ou adequada se vesse
conhecimento em LIBRAS
Sim 29 96,6 <0,001
Não 1 3,3
Necessidade do conhecimento sobre
LIBRAS
Sim 46 76,6 <0,001
Não 14 23,3

¹p­valor dos testes qui­quadrado para comparação de proporção (se p­valor < 0,05 as proporções encontradas diferem
significa vamente).

Submissão: 09/11/2018
Aceite: 17/09/2019

42 Saúde em Redes. 2019; 5(3):31­42

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