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TERRORISMO

TERRORISMO E
VIOLÊNCIA:
considerações que se
impõem *

Cláudio Lemos Fonteles

RESUMO

Aborda os seguintes princípios fundamentais do Estado democrático de Direito presentes na Constituição brasileira: repúdio ao terrorismo e ao
racismo, solução pacífica dos conflitos e defesa da paz.
Condena as ações dos Estados Unidos da América do Norte e de Israel em destruir, matar, prender, interrogar e julgar quem quer que seja considerado,
por eles, terroristas. Aponta o Tribunal Penal Internacional como o único foro adequado de respostas ao terrorismo internacional, salientando que o
Governo brasileiro assim deve pautar-se, como repúdio às ações sistemáticas de países que empreendem “Operação Justiça Infinita” ou “Operação
Liberdade Duradoura”.
Por fim, esboça um perfil do Ministério Público e da Polícia, bem como realça suas necessidades de mudança.

PALAVRAS-CHAVE
Terrorismo; violência; Tribunal Penal Internacional; Ministério Público; Polícia.

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* Conferência proferida no Seminário Internacional "Terrorismo e violência: segurança do Estado, direitos e liberdades individuais",
realizado pelo Centro de Estudos Judiciários, nos dias 27 e 28 de maio de 2002, no auditório do Superior Tribunal de Justiça,
Brasília-DF.

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O
nze de setembro de 2001. ca dos conflitos (art. 4º, inc. VII), o
Assim, no papel, mais uma caminho adequado ao que se repudia.
data, como tantas outras. Por isso, repito, intolerável o
Significativamente, contudo, nesse cenário que se descortina na ação dos (...) intolerável o cenário
dia, são alvejados e destruídos os Estados Unidos da América do Norte,
símbolos do poderio econômico e em território afegão, destruindo, ma- que se descortina na ação
militar do país que são face e corpo tando, prendendo, interrogando e jul- dos Estados Unidos da
do sistema capitalista. A data ganha gando quem quer que seja conside-
relevo. Põe-se em manchete. rado, por eles, terrorista. América do Norte, em
Dias outros corriqueiros, sem Também intolerável, insisto, a território afegão,
apelo, sem novidade. Insossamente, repetição do mesmo cenário na ação
contudo, nesses dias, homicídios do Estado de Israel, em território pa- destruindo, matando,
sucedem-se, latrocínios acontecem, lestino, destruindo, matando, pren- prendendo, interrogando e
permanecem as reiteradas condutas dendo, interrogando e julgando quem
de peculato e corrupção; persistem quer que seja considerado, por ele, julgando quem quer que
os sonegadores em suas maquina- terrorista. seja considerado, por eles,
ções. Diante desse quadro, o que po- A resposta ao terrorismo inter-
demos fazer? nacional está na captura e entrega terrorista.
Principiemos por focar dois desses criminosos ao Tribunal Penal A resposta ao terrorismo
conceitos motivadores deste encon- Internacional, que, segundo noticiário
tro: terrorismo e violência. escrito no dia 11 de abril próximo pas- internacional está na
A pessoa humana, (...) ser sado, completou a adesão de 60 captura e entrega desses
dotado de inteligência e de liberdade países ao Estatuto de Roma de 1998,
(Populorum Progressio – item 15) – que o criou, número mínimo neces- criminosos ao Tribunal
na síntese magnífica do Papa Paulo sário à sua efetiva instalação, progra- Penal Internacional (...)
VI, inteligência e liberdade que impul- mada, segundo o Secretário-Geral da
sionam o viver, expressão da criati- ONU, Sr. Kofi Annan, para abril de
vidade (inteligência) e da manifes- 2003.
tação (liberdade) – é sempre (...) cha- Sintomaticamente, os Estados
mada a desenvolver-se, porque toda Unidos da América do Norte, Israel, Por certo, o homem e a mulher
a vida é vocação (Idem). a Rússia, a China, o Iraque e a Líbia entregues à sua própria perfeição, e
Por isso as cartas constitu- não apóiam a criação do aludido nisso estimulados, por nada se detêm,
cionais dos povos, em sua maioria, e Tribunal. e a violência é o fruto da explosão do
a nossa não faz exceção, comprome- O Brasil, lamentavelmente, ego. Nesse processo egocêntrico, o
tem-se, expressamente, porque é ainda não ratificou o Estatuto de Ro- ser humano não vale, ganha. Se é para
fundamento do Estado democrático ma. Pende de apreciação, no Con- ganhar, a mídia só pode tratar e contar
de Direito, com a dignidade da pes- gresso Nacional, o texto aprovado no com vencedores: the best is the beast
soa humana (art. 1º, III, da Consti- dia 11 de abril próximo passado na seria um bom aforismo dentro do
tuição Federal de 1988). Comissão de Constituição e Justiça sistema time is money.
Todavia, inteligência e liberda- da Câmara Federal. Urge a aprova- O mecanismo de comunicação
de não padronizam comportamento. ção do texto por nossos parlamen- social assim se comporta. Não é me-
O ser humano é “chamado a tares, e a solene adesão de nosso nos certo, todavia, que fendas acon-
desenvolver-se”, não se faz pronto. Governo ao Estatuto de Roma, sem tecem dentro desse mecanismo.
A ínsita dinâmica pelo que é, constan- reservas. Processos sociais estão sempre em
temente, “chamado a desenvolver-se” É o quanto prescreve nossa transformação, se não, não seriam
propicia tempos de oscilação, mais Constituição Federal, expressamente, processos. É certo que, em deter-
ou menos contundentes. como vimos, com destaque nos prin- minados períodos, como que disso
Hoje, no plano internacional, a cípios fundamentais desta República não nos apercebemos, o sentimento
ênfase na globalização estampa qua- Federativa, tais como: repúdio ao terro- é de angústia, frustração, niilismo,
dro de real contundência. Primeiro, rismo e ao racismo (art. 4º, inc. VIII); desfalecimento.
porque a globalização expressa a solução pacífica dos conflitos (art. 4º, Mas quando nos reunimos,
visão de hegemonia total. Não é mais inc. VII); defesa da paz (art. 4º, inc. VI). criamos o espaço de liberdade,
a submissão da pessoa humana à Que nosso olhar, agora, con- tomado no sentido da criação pela
vontade do Estado, mas a submissão temple a sociedade brasileira. A pri- ação e reflexão partilhadas, criação
de todos e de tudo a um único Esta- meira questão a pôr-se é: a violência transformadora em algo de nenhuma,
do que, enfaticamente, e como res- está institucionalizada? Dizê-la insti- escassa ou alguma visibilidade ou vi-
posta ao 11 de setembro de 2001, tucionalizada é fazê-la parte de estru- sível, pouco importa, porque assim
arvorou-se no único legitimado a em- tura orgânica vivencial. É conferir-lhe abalado está o construído.
preender o que mesmo denominou de situação vital. Por esta ótica, não te- Trago-lhes quadro real. A
“Operação Justiça Infinita” e, poste- nho a violência como institucionaliza- minha instituição: o Ministério Público
riormente, “Operação Liberdade Du- da. A violência está difusamente pro- Federal. Tempo houve em que perfi-
radoura.” Isso é intolerável. pagada, aclimatando-se em “lugares lhou o sistema ditatorial vivido em
Se é expresso, em nossa Cons- propícios”. Difusamente propagada, nosso País. Seus membros tinham a
tituição Federal, no regime das rela- porque o sistema de comunicação, representação judicial da União. Ad-
ções internacionais, o repúdio ao ter- avultando o de imagem, portanto o vogavam em favor do Poder Exe-
rorismo e ao racismo (art. 4º, inc. VIII), televisivo, tem, no item violência, ex- cutivo Federal, do Presidente da Re-
todavia, e no mesmo contexto da Car- celente material de venda. Por que pública, em quem se concentravam
ta Maior, marca-se, na solução pacífi- assim? A resposta não é simples. todos os poderes do binômio: se-

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gurança e desenvolvimento. Segu- dos setores policiais mais retrógrados tais do Estado democrático de Direito,
rança, pela supressão dos opostos. e conservadores. repúdio ao terrorismo e ao racismo,
Desenvolvimento, pelo modelo exclu- A Polícia, destinada à apura- pela solução pacífica dos conflitos,
dente dos que não “produzem”. ção dos fatos criminosos, incrustada em defesa da paz. A adesão imedia-
A partir de 1985, houve uma está no Poder Executivo. Dele depen- ta ao Estatuto de Roma de 1998, vale
geração de procuradores da Repú- de, a ele serve. No período ditatorial, dizer, ao Tribunal Penal Internacional
blica que, ao ensejo da abertura de- fez-se na face ostensiva da repres- como o único foro adequado de
mocrática, concretamente posicionou- são. Tenha-se presente que o símbolo resposta ao terrorismo internacional,
se em redimensionar as atribuições das tarefas de repressão política deve ser a conduta do Governo bra-
institucionais do Ministério Público personificou-se no Delegado da Polí- sileiro, e nunca o apoio às ações sis-
Federal. cia Civil paulista: Sérgio Fleury. temáticas de países que traduzem
Despido do alinhamento sub- Em prol dela até mesmo modi- “Operação Justiça Infinita”, ou “Opera-
serviente ao Poder Executivo Federal, ficou-se, na ocasião, o Código de ção Liberdade Duradoura.”
órgão seu até mesmo, e então, posto Processo Penal a que ao cárcere não Na sociedade brasileira, a vio-
na estrutura administrativa do Minis- fosse em execução provisória de pe- lência está difusamente propagada.
tério da Justiça, partiu para ser a voz na, eis que proclamada condenação Ela é fruto da explosão do ego. Há
da sociedade brasileira ante o Poder criminal, ainda que recorrível: a cha- resistências quanto à nova feição ins-
Judiciário, tanto no plano criminal, mada, até os dias que correm, “Lei titucional do Ministério Público Fe-
quanto no cível. Fleury”, que alterou os arts. 408 e 594 deral. O papel da Polícia possui duas
Daí em diante, os pleitos ju- do Código de Processo Penal. missões bem distintas. A investiga-
diciais apresentados pelo Ministério A partir do combate à crimi- ção criminal não pode sofrer qualquer
Público marcam as defesas am- nalidade política, o combate à cri- ingerência do Poder Executivo, pois
biental, das minorias, do patrimônio minalidade é visto em estado coti- está reservada ao Ministério Público
histórico e cultural, do patrimônio diano de luta; a desconsideração à e à Polícia de Investigação que passa
público e a própria persecução crimi- pessoa do delinqüente e o emprego a compor, qualificadamente, os qua-
nal. Lança-se, também, sobre os au- por ele de métodos de violência e dros institucionais do Ministério
tores dos chamados “crimes de co- degradação são normais. Público.
larinho branco” até então indenes à O desafio: mudar esse quadro.
pretensão punitiva. Tal fato ocorreu e vem ocorrendo com
O Ministério Público Federal a o Ministério Público. Também a Polícia ABSTRACT
si, e por óbvio, chamou a tarefa in- necessita ser transformada. Há de
vestigatória, tanto no campo cível, existir o serviço policial de cidadania,
como na esfera penal, a que melhor digamos assim, por destinar-se ao The author approaches the following
preparasse os pleitos judiciais acima auxílio cotidiano da pessoa, tal como fundamental principles of the democratic Rule
expostos. o serviço policial de trânsito urbano, of Law, which are present in the Brazilian
É a dinâmica dos dias atuais o de vigilância sanitária, o ambiental, Constitution: repudiation to the terrorism and to
que, por certo, encontra resistências. o histórico-cultural, os de apoio à the racism, peaceful solution of the conflicts
Resistência, no processo político- criança, ao adolescente, ao idoso ou and defense of peace.
He rejects both the United States of
partidário, advinda dos setores mais a qualquer pessoa que dele neces-
North America’s and Israel’s actions that aim
retrógrados e conservadores. site, seja porque, precisa atravessar at destroying, killing, arresting, inquiring and
Tudo perfeitamente explicável: a rua, acidentou-se ou está perdida. judging whoever is considered terrorists by
formados e forjados numa visão de Esses serviços são tarefa do Poder them. He presents the International Criminal
mundo não-solidária, antes discrimi- Executivo. Court as the only appropriate forum of
natória, sedimentados na classe dos É imprescindível, também, o responses to the international terrorism. He
que têm, a fim de que os que não serviço policial de investigação, pre- further points out that the Brazilian Government
possuem sirvam aos que têm, im- sente quando surge o fato delituoso, should be oriented in this way, as repudiation to
the systematic actions of countries that
pensável admitir-se instituição que, aquele que compromete a paz social
undertake “Infinite Justice Operation” or
diuturnamente, questione os atos do tanto na agressão visível à própria “Lasting Freedom Operation”.
poder, de seus agentes mais cate- pessoa humana, em si, ou ao seu pa- At last, he outlines a profile of the Public
gorizados e da estrutura econômico- trimônio, quanto na agressão difusa Prosecution Service and of the Police, as well
financeira que os sustenta. aos sistemas tributário, financeiro, as he enhances their needs of changing.
Em face do exposto, o ato de previdenciário, da administração pú-
escolha do Procurador-Geral da Re- blica, bem como ao sistema da Justi- KEYWORDS – Terrorism; violence;
pública ainda se põe, exclusivamen- ça. Aqui, o serviço policial não pode International Criminal Court; Public Prosecution
Service; Police.
te, nas mãos do Presidente da Re- ser órgão do Poder Executivo, a ele
pública que, indefinidamente, pode subserviente, mas desloca-se à so-
reconduzi-lo ao cargo, assim frus- ciedade, como a ela serve o Ministério
trando a necessária e efetiva partici- Público, como antes dito. Neste caso,
pação dos membros da instituição no o trabalho policial alia-se ao trabalho
referido procedimento, e também na acusatório do Ministério Público e
renovação periódica do quadro passa a compor, qualificadamente, os
superior da instituição. quadros institucionais do Ministério
É por tal razão que as tenta- Público.
tivas de alteração parlamentar e exe-
cutiva nesse quadro esbarram na re- CONCLUSÃO
sistência efetiva dos grupos políticos Cláudio Lemos Fonteles é Subprocu-
conservadores. Resistência, no pro- A Constituição brasileira ex- rador-Geral da República em Brasília
cesso funcional do sistema, advinda pressa, como princípios fundamen- – DF.

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