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A raposa e as uvas
No texto em estudo, tal como acontece com muitos outros contos, usa-se uma
linguagem metafórica. Sendo uma fábula, é incontornável o uso da
personificação, com os animais a falarem, a pensarem como se de humanos se
tratasse, com outros comportamentos e sentimentos humanos, como
ressentimentos e cobardia.
Este género da literatura oral traz sempre uma mensagem moral, de cunho
pedagógico, na parte final. Esta mensagem está também em forma figurativa,
conotativa, que, quando passada a uma linguagem denotativa, presta-se a uma
aplicação prática. Por outras palavras, “como não cabem quatro mãos em duas
luvas/ há prefira desdenhar a lamentar”, sugere que, diante do inevitável, por
conta, talvez, da incapacidade, é mais fácil desdenhar a assumir a
incompetência.
Essa volta ao passado desempenhou um papel preponderante na busca de
sedimentação dos valores então em voga, uma vez que desde o século XVII,
Texto de apoio compilado pelo Prof. Doutor Simião Muhate para os cursos de Licenciatura em
Ensino Básico e Educação de Infância, na Universidade Pedagógica de Maputo, 2022.
com a troca de eixo de ordem cosmológica Teocêntrica pela Antropocêntrica
que a Europa sofreu sérios abalos no seu pilar ideológico medieval. Ocorreu a
laicização do saber antes restrito à visão dogmática da Igreja, o que levou a
que Galileu, com o seu Heliocentrismo, permanecesse em prisão domiciliar por
ter ousado questionar a crença ora em voga, segundo a qual a Terra era o
centro do Universo, lugar escolhido por Deus para morada do homem. A
reforma Protestante de Lutero incide na Igreja outro duro golpe ao questionar
as acções papais, como a venda de indulgência.
Através do método investigativo, a Ciência deixa de lado o saber contemplativo
e vira-se para a realidade de forma experimental. Assim, Fé e Razão passam a
ter esferas distintas: a primeira condicionada à Metafísica, a Verdade
Revelada, enquanto a segunda busca, através de método rigoroso de
explicação dos fenómenos, a verdade científica.
Cândido (1976, 43-44) citado por Sacramento & Rodrigues (2011) considera
que:
Por Iluminismo entende-se o conjunto das tendências
ideológicas próprias do século VIII, de fonte inglesa e francesa
na maior parte: exaltação da natureza, divulgação apaixonada
do saber, crença na melhoria da sociedade por seu intermédio,
confiança na acção governamental para promover a civilização
e o bem-estar colectivo. Sob o aspecto filosófico, fundam-se
nela o nacionalismo e o empirismo nas letras, pendor didáctico
e ético, visando empenhá-las na propagação das Luzes.
Por isso, torna-se importante destacar que o papel da família, como núcleo
societário, contrário ao modelo da monarquia, estabeleceu esferas de acção,
de modo hierárquico para o homem, para a mulher e para os filhos.
Pedro Paulo de Oliveira, em “A Construção da Masculinidade”, confirma a
afirmação:
A assimetria de poder na família era reforçada pela disposição
da nova ordem em promover a separação total entre homens e
mulheres; pensava-se, na época, que quanto mais feminina a
mulher e mais masculino o homem, mais saudáveis a
sociedade e o Estado. Nessa separação, a autonomia do
género masculino contrastava com a submissão feminina. A
subjugação da mulher ia ao encontro da constituição de uma
família nuclear para a qual o lar, com os afazeres domésticos e
os cuidados com as crianças se tornaria seu espaço legítimo,
enquanto aos homens ficaria destinada a esfera pública, a
esfera do poder. Na sociedade burguesa, as funções da mulher
foram postas com clareza: mae, educadora, controladora dos
empregados (quando elas existirem), provedora do afecto e
carinho (OLIVEIRA, 2004, P. 19).
Texto de apoio compilado pelo Prof. Doutor Simião Muhate para os cursos de Licenciatura em
Ensino Básico e Educação de Infância, na Universidade Pedagógica de Maputo, 2022.
autonomia nenhuma. É o que Rousseau, filósofo do Iluminismo francês,
sublinha:
A razão que leva o homem ao conhecimento dos seus deveres não é muito
complexa. A razão que leva a mulher ao conhecimento dos seus é ainda mais
simples. A obediência que deve aos filhos são consequência tão naturais e tão
visíveis de sua condição, que ela não pode recusar aprovação ao sentimento
interior que a guia, nem desconsiderar o dever na inclinação que ainda não se
alterou (ROUSSEAU, 2004, P. 558).
A construção do Estado-nação estruturou-se na base etnocêntrica e creditou
ao homem, branco, burguês, europeu a razão, o espaço público e a cultura,
enquanto à mulher coube a não-razão, o privado e a natureza. A literatura daí
advinda traz as marcas da pretensão de uma unidade republicana, uma vez
que o princípio hierarquizador da modernidade, calcado em pares dicotómicos
do público/privado, homem/mulher, adulto/criança, centro/periferia,
branco/negro, alto/baixo não levou em conta, na pauta da racionalidade
ocidental a alteridade encerrada nos segundos desses mesmos pares. Dessa
sorte, os enredos das histórias infantis tendem a dissolver os conflitos, quase
sempre, pela via do fantástico, sem que haja, de facto, intervenção racional na
ordem dos acontecimentos.
Texto de apoio compilado pelo Prof. Doutor Simião Muhate para os cursos de Licenciatura em
Ensino Básico e Educação de Infância, na Universidade Pedagógica de Maputo, 2022.